Registro de Imóveis – Loteamento – Desafetação de área verde – Inadequação da via administrativa para a declaração da inconstitucionalidade de lei municipal que prevê a desafetação de imóvel previsto no registro do loteamento como área verde – Loteamento, contudo, promovido pelo Município que instituiu áreas verdes como requisito para obtenção da licença ambiental pela Secretaria do Meio Ambiente/CETESB – Averbação da desafetação, mediante compensação a ser promovida com a instituição da área de preservação em outro imóvel, que depende de nova licença do órgão ambiental – Recurso não provido, com manutenção da recusa da averbação.


  
 

Número do processo: 1001849-32.2016.8.26.0615

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 73

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1001849-32.2016.8.26.0615

(73/2019-E)

Registro de Imóveis – Loteamento – Desafetação de área verde – Inadequação da via administrativa para a declaração da inconstitucionalidade de lei municipal que prevê a desafetação de imóvel previsto no registro do loteamento como área verde – Loteamento, contudo, promovido pelo Município que instituiu áreas verdes como requisito para obtenção da licença ambiental pela Secretaria do Meio Ambiente/CETESB – Averbação da desafetação, mediante compensação a ser promovida com a instituição da área de preservação em outro imóvel, que depende de nova licença do órgão ambiental – Recurso não provido, com manutenção da recusa da averbação.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto pelo Município de Cosmorama contra r. decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Tanabi que manteve a negativa da averbação, na matrícula nº 15.046, da Lei Municipal nº 3.075, de 28 de abril de 2015, que desafetou a área com 12.960,99m² que no registro de loteamento foi denominada como “Reserva Florestal II”.

O recorrente alegou, em suma, que a área destinada a servir como reserva legal não mais se presta para essa finalidade porque está situada em Distrito Industrial e teve sua vegetação deteriorada, sendo atualmente composta por árvores mortas, tomadas por cipós, que precisam ser removidas para que eventuais quedas não causem danos. Asseverou que não tem recursos para manter a área de forma a possibilitar a destinação como reserva florestal, razão pela qual é necessária a desafetação visando possibilitar seu uso de forma distinta. Asseverou que a desafetação será realizada mediante compensação ambiental e que foi autorizada, também por lei, a adquirir outro imóvel que servirá como reserva florestal. Informou que moveu ação civil pública contra o Oficial de Registro visando a averbação da desafetação da área e que naquela ação fez prova de que o imóvel já não se presta para a finalidade de reserva legal. Requereu o provimento do recurso para que seja averbada a desafetação promovida por meio de lei específica.

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso porque o loteador não pode alterar a destinação das áreas transmitidas ao Município com o registro do loteamento. Ademais, o art. 180 da Constituição Estadual veda que as áreas definidas em projetos de loteamento como verdes ou institucionais tenham sua destinação alterada, exceto nas hipóteses que especifica e que não estão presentes neste caso concreto. Asseverou que o art. 24, inciso I, da Constituição Federal atribui aos Estados a competência para legislar sobre direito urbanístico, não podendo o município editar regras que afrontem norma geral editada pela União ou Estado. Aduziu que a Lei Municipal nº 3.075, de 28 de abril de 2015, tem natureza formal de lei e natureza material de ato administrativo porque produz efeitos concretos, o que dispensa o ajuizamento de ação direta para o reconhecimento da inconstitucionalidade e permite ao Oficial de Registro de Imóveis recusar a prática de ato contrário à Constituição Estadual (fls. 205/223).

Opino.

A certidão de fls. 88/95 demonstra que por meio de Termo de Responsabilidade de Preservação de Reserva Legal nº 002/99 a Prefeitura do Município de Cosmorama constituiu no imóvel objeto da matrícula nº 15.046 do Registro de Imóveis da Comarca de Tanabi, então situado na zona rural, duas áreas destinadas à servir como reservas florestais, tendo a área denominada “Reserva Florestal I” o total de 1.573,25m² e a área denominada “Reserva Florestal II” o total de 12.960,99m² (Av. 2, fls. 89).

Na instituição das áreas de reserva florestal foi previsto que:

“A proprietária PREFEITURA MUNICIPAL DE COSMORAMA acima qualificada, se comprometeu a preservar a área de 1,45,34ha,, correspondente a 20,02% do imóvel objeto desta matrícula, onde não é permitido o corte raso, não podendo nela ser feita qualquer exploração a não ser com autorização do órgão ambiental competente, cuja área é composta da seguinte forma:…” (fls. 89).

Posteriormente a Prefeitura do Município de Cosmorama alterou o uso do imóvel de rural para urbano (Av. 03, fls. 90) e em 03 de agosto de 2000 promoveu o registro de loteamento que recebeu a denominação de Distrito Industrial.

O loteamento foi aprovado pela Secretaria do Meio Ambiente/CETESB que concedeu licença mediante manutenção da área de 14.534,24m², ou 20,02% do imóvel, como destinada à preservação ambiental, continuando as áreas de reserva a corresponder à Reserva Florestal I, com 1.573,25m², e à Reserva Florestal II que tem 12.960,99m² (R. 04 – fls. 90/91, Av.08 – fls. 92/93, Av. 11, fls. 94).

Por fim, o Município de Cosmorama editou a Lei nº 3.075, de 28 de abril de 2015, em que foi prevista a desafetação da área correspondente à “Reserva Florestal II”, com 12.960,99m², e, de forma concomitante, foi autorizada a aquisição de área equivalente para a compensação ambiental (fls. 96).

A averbação da desafetação foi negada com fundamento no art. 180, inciso VII, da Constituição do Estado de São Paulo que prevê hipóteses específicas para a modificação da destinação das áreas verdes ou institucionais previstas em projetos de loteamento:

“Artigo 180 – No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

(…)

III – a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano e cultural;

(…)

VII – as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente alterados, exceto quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização de:

a. loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social destinados à população de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada ou seja de difícil reversão;

b. equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento;

c. imóveis ocupados por organizações religiosas para suas atividades finalísticas.

§ 2º – A compensação de que trata o parágrafo anterior poderá ser dispensada, por ato fundamentado da autoridade municipal competente, desde que nas proximidades da área pública cuja destinação será alterada existam outras áreas públicas que atendam as necessidades da população.

§ 3º – A exceção contemplada na alínea ‘c’ do inciso VII deste artigo será permitida desde que a situação das áreas públicas objeto de alteração da destinação esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a devida compensação ao Poder Executivo Municipal, conforme diretrizes estabelecidas em lei municipal específica”.

Os precedentes da Eg. Corregedoria Geral da Justiça são no sentido de que a esfera administrativa não é adequada para o reconhecimento de inconstitucionalidade de lei municipal que promove a desafetação de área verde ou institucional recebida com o registro de loteamento, ainda que o faça em desconformidade com o art. 180, inciso VII, da Constituição Estadual.

Como esclarecido pelo Desembargador Marcelo Fortes Barbosa Filho, então Juiz Auxiliar da Corregedoria, em r. parecer apresentado no Processo CG nº 2.732/96, que foi aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Márcio Martins Bonilha, o controle de constitucionalidade de lei, por meio concentrado ou difuso, é reservado ao Poder Judiciário no exercício da jurisdição, o que afasta sua realização em atividade de natureza administrativa:

“A apreciação da compatibilidade entre normas legais e constitucionais está reservada para conhecimento do Poder Judiciário, no exercício da jurisdição, enquanto realizado, abstrata ou concretamente, por meio concentrado ou difuso, o controle de constitucionalidade das leis, inviabilizando, em substituição, o advento de decisão administrativa, capaz, pela sua normatividade, de negar vigência a um texto legal.

Nesse sentido, o falecido Ministro Alfredo Buzaid (Da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 1958, p. 41) explicitou, com clareza impar, que:

‘O poder de decretar a inconstitucionalidade das leis, no Brasil, compete privativamente ao Judiciário. Não o pode exercer o legislativo, porque lhe é vedado ser juiz em causa própria; aliás a sua função consiste em elaborar ou revogar leis, não em apreciar a validade. Também não o pode exercer o executivo [e a Administração como um todo], pois isso o tornaria superior ao Congresso.’

Não é conferida à Administração, em quaisquer de seus níveis, em momento posterior à ultimação do processo legislativo, isto é, após sua promulgação, a possibilidade de se recusar ao cumprimento de lei, diante da suposição ou alegação de sua inconstitucionalidade. O Poder Executivo e todos os órgãos de natureza administrativa, ainda que ligados aos Poderes Legislativo e Judiciário, só podem se negar ao cumprimento de lei, alegando inconstitucionalidade, após pronunciamento judicial (do Poder Judiciário, no exercício da jurisdição), seja a partir de decisão cautelar, seja a partir de decisão de mérito (Cf. Ivo Dantas, O Valor da Constituição, Renovar, Rio de Janeiro, 1996, pp. 159 e segts)”.

Igual linha de interpretação se encontra no r. parecer apresentado pelo hoje Desembargador Marcelo Martins Berthe no Processo CG nº 678/94.

No mesmo sentido, ainda, foi o r. parecer apresentado pelo MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. Álvaro Luiz Valery Mirra, no Processo CG nº 1.066/2005, em que se verifica:

“De todo modo, ainda que assim não fosse, como muito bem lembrado pelo representante do Ministério Público oficiante nesta Segunda Instância, não haveria como afastar aqui a validade da lei municipal por meio da qual se aperfeiçoou a desafetação que se pretende averbar, por eventual incompatibilidade com a Constituição do Estado de São Paulo.

Isso porque o entendimento reiterado do Colendo Conselho Superior da Magistratura e desta Corregedoria Geral da Justiça tem sido no sentido da impossibilidade de recusar vigência a norma legal no âmbito administrativo, por suposta inconstitucionalidade, quando esta não for absolutamente manifesta, sendo o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, em princípio, atribuição afeta com exclusividade ao Poder Judiciário, no exercício da jurisdição (CSM: Apelações Cíveis nºs 3.346-0, 4.936-0, 20.932-0/00; CGJ: Processos nºs 274/93; 2.038/94; 1.522/99)”.

Entretanto, neste caso concreto existem peculiaridades a serem consideradas.

Assim porque o Município de Cosmorama foi o autor do parcelamento do solo urbano e nessa condição constituiu as áreas verdes, denominadas como “Reserva Florestal I” e “Reserva Florestal II”, obrigando-se a não permitir o corte raso, “…não podendo nela ser feita qualquer exploração a não ser com autorização do órgão ambiental competente” (fls. 89).

O art. 19 da Lei nº 12.651/2012 prevê que as áreas de reserva situadas em imóveis urbanizados devem ser mantidas por seus proprietários e posseiros e somente se extinguem com o registro de loteamento promovido conforme a legislação específica e o plano diretor municipal:

“Art. 19. A inserção do imóvel rural em perímetro urbano definido mediante lei municipal não desobriga o proprietário ou posseiro da manutenção da área de Reserva Legal, que só será extinta concomitantemente ao registro do parcelamento do solo para fins urbanos aprovado segundo a legislação específica e consoante as diretrizes do plano diretor de que trata o § 1º do art. 182 da Constituição Federal”.

Essa obrigação se justifica porque o registro de loteamento obriga o loteador a transmitir ao município as áreas que forem previstas no plano diretor municipal e na legislação específica como destinadas ao domínio público (art. 17 da Lei nº 6.766/79), passando as áreas verdes ou institucionais assim previstas a servir para preservação ambiental ou para suprir os requisitos urbanísticos previstos no plano diretor.

A responsabilidade do Poder Público Municipal pelo estabelecimento e preservação das áreas verdes também é prevista no art. 25 da Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal) que dispõe:

“Art. 25. O poder público municipal contará, para o estabelecimento de áreas verdes urbanas, com os seguintes instrumentos:

I – o exercício do direito de preempção para aquisição de remanescentes florestais relevantes, conforme dispõe a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001;

II – a transformação das Reservas Legais em áreas verdes nas expansões urbanas;

III – o estabelecimento de exigência de áreas verdes nos loteamentos, empreendimentos comerciais e na implantação de infraestrutura; e

IV – aplicação em áreas verdes de recursos oriundos da compensação ambiental” (grifei).

Por essas razões, sendo o Município o autor do loteamento e submetendo-se aos requisitos fixados em seu licenciamento, ainda neste caso concreto o título apresentado para a averbação da desafetação deveria ser acompanhado da autorização do órgão ambiental competente para a compensação das áreas verdes, ou de preservação, com sua transferência ao outro imóvel que será destinado para essa finalidade.

Essa exigência não afasta a possibilidade de lei municipal promover a desafetação de imóveis de domínio público, nesses incluídas áreas recebidas com o registro de loteamento, ficando o eventual controle de constitucionalidade da lei municipal submetido à esfera jurisdicional.

Entretanto, ainda in casu, por ser o município autor do loteamento que foi implantado mediante licença específica do órgão estadual de controle ambiental não se mostra possível a averbação da lei municipal de desafetação sem a apresentação de nova licença pelo órgão específico, ou de declaração pelo órgão ambiental do Estado de que essa licença se tornou desnecessária.

A licença do órgão ambiental do Estado, ademais, não é substituída pela que foi emitida pelo órgão municipal porque não se trata de alteração de área verde, ou de proteção ambiental, promovida em procedimento de regularização fundiária urbana.

Portanto, afastada a discussão sobre a constitucionalidade da lei municipal de desafetação porque depende de declaração em ação jurisdicional própria, deve a recusa da averbação ser mantida pela ausência da autorização ambiental, pelo órgão de controle estadual, para a desafetação da área verde do loteamento que foi implantado pelo Município mediante licença concedida pela Secretaria do Meio Ambiente/CETESB em que prevista a obrigação de manter como reserva florestal, ou área verde, aquela que foi desafetada por lei municipal.

Ante o exposto, o parecer que respeitosamente submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é pela manutenção da recusa da averbação.

Sub censura.

São Paulo, 05 de fevereiro de 2019.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria por seus fundamentos, que adoto, e pelos referidos fundamentos nego provimento ao recurso para manter a recusa da averbação. Intimem-se. São Paulo, 15 de fevereiro de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: EBERTON GUIMARÃES DIAS, OAB/SP 312.829.

Diário da Justiça Eletrônico de 20.02.2019

Decisão reproduzida na página 036 do Classificador II – 2019

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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