Registro tardio de nascimento – Decisão que indeferiu o pedido porque foi constatada, em procedimento anterior que teve igual finalidade, a existência de registro de nascimento em que o requerente é qualificado com nome e filiação distintos daqueles que informou para o novo registro – Dúvida sobre a real identidade do requerente – Necessidade de complementação das provas, que foi requerida em sede recursal, para confirmação da identidade e da idade do recorrente – Recurso provido para anular a r. decisão recorrida, com determinação de complementação das provas realizadas.

Número do processo: 1056074-92.2016.8.26.0100

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 55

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1056074-92.2016.8.26.0100

(55/2019-E)

Registro tardio de nascimento – Decisão que indeferiu o pedido porque foi constatada, em procedimento anterior que teve igual finalidade, a existência de registro de nascimento em que o requerente é qualificado com nome e filiação distintos daqueles que informou para o novo registro – Dúvida sobre a real identidade do requerente – Necessidade de complementação das provas, que foi requerida em sede recursal, para confirmação da identidade e da idade do recorrente – Recurso provido para anular a r. decisão recorrida, com determinação de complementação das provas realizadas.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por N.B.S. contra r. decisão da MMª. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca, que manteve a recusa da realização do registro tardio de nascimento porque o requerente teria identificação distinta daquela que forneceu, sendo titular de assento de nascimento anteriormente lavrado.

O recorrente alegou, em suma, que é filho de A.B.C.. Afirmou que no ano de 2002 promoveu requerimento de registro tardio de nascimento que foi indeferido porque teria sido identificado como sendo o seu genitor. Afirmou, porém, que não é A.B.C., como já asseverou no processo anteriormente movido. Disse que por não conseguir obter seu registro de nascimento e, em consequência, registro de identidade, acabou por se dirigir ao Poupatempo utilizando certidão de nascimento falsa, o que o fez ser processado e condenado em ação que teve curso na 21ª Vara Criminal da Capital, Processo nº 0008986-80.2006.8.26.0050. Afirmou que a identificação datiloscópica realizada no ano de 2006 foi negativa, razão pela qual foi aberta ficha de identificação criminal com o nome que utiliza, ou seja, N.. Aduziu que a identificação como A.B.C. realizada no ano de 2002 não foi repetida na busca realizada pelo IIRGD no ano de 2006. Afirmou que A.B.C. é seu pai e que houve erro na identificação realizada pelo IIRGD no ano de 2002. Esclareceu que sempre foi identificado como N. e que a dúvida sobre a identidade de sua genitora não prevalece porque decorre de conversa telefônica realizada pelo Ministério Público com pessoa que já não tem plena capacidade de se manifestar. Informou que as medidas determinadas na decisão recorrida, relativas à adoção de providências quanto aos documentos que já possui, acabarão por deixa-lo sem qualquer documento de identidade. Requereu a reforma da r. decisão para que seja promovido o registro tardio de nascimento, ou a anulação do processo com a produção de novas provas (fls. 582/594).

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 618/619).

Opino.

O procedimento para o registro tardio de nascimento é regulamentado no art. 46 da Lei nº 6.015/73 e no Provimento nº 38/2013 da Eg. Corregedoria Nacional de Justiça, que dispõem sobre as providências a serem adotadas pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais para a identificação do registrando e a confirmação da inexistência de assento de nascimento já lavrado.

Conforme o Provimento nº 38/2013, ao suspeitar da declaração de inexistência de registro anterior ou relativa à identificação do registrando, poderá o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais exigir a produção de provas suficientes (art. 11) e, persistindo a suspeita, deverá encaminhar os autos ao Juiz Corregedor Permanente para que decida sobre a lavratura do registro (art. 12).

A Lei nº 6.015/73, de igual modo, prevê no parágrafo 4º do art. 46 que compete ao Juiz decidir sobre a lavratura do registro tardio nos casos em que o Oficial de Registro suspeitar da declaração:

“Art. 46. As declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal serão registradas no lugar de residência do interessado.

(…)

§ 3º O oficial do Registro Civil, se suspeitar da falsidade da declaração, poderá exigir prova suficiente.

§ 4º Persistindo a suspeita, o oficial encaminhará os autos ao juízo competente”.

Neste caso concreto, o requerente comprovou que promoveu sua inscrição como reservista e obteve Carteira de Trabalho com o uso do nome N.B.S., filho de A.B.C. e M.A.S., supostamente nascido em 27 de setembro de 1982 (fls. 06 e 26).

Também com uso do nome N.B.S. o recorrente obteve sua inscrição na Justiça Eleitoral e na Receita Federal para efeito de expedição de CPF (fls. 26).

Além disso, somente para efeito criminal, o recorrente se tornou portador do RG nº 51.942.504 (fls. 87).

Entretanto, em 09 de março de 2017 o IIRGD informou que não localizou registro civil em nome de N.B.S. (fls. 87).

O Serviço Militar, por seu turno, esclareceu que não mantém em arquivo os documentos apresentados para o alistamento (fls. 48).

Por sua vez, na Ação Penal nº 0008986-80.2006.8.26.0050 foi reconhecido que o recorrente utilizou certidão de nascimento falsa para solicitar a expedição de Registro Civil (fls. 188 e 191).

Nessa certidão o recorrente utilizou o nome de N.B.S., nascido em 27 de setembro de 1982, filho de M.A.S., com paternidade não indicada (fls. 191).

Quanto à maternidade referida pelo recorrente, a Dra. Promotora de Justiça informou que a Sra. M.A.S., em conversa telefônica, disse que o recorrente seria seu filho adotivo. Além disso, M.A. esclareceu que foi casada e que seu ex-marido não é o pai biológico do recorrente (fls. 164).

Ainda ao contrário do alegado no pedido inicial, os documentos em nome de N.B.S. não foram expedidos por determinação do E. Juízo da Ação Penal nº 0008986-80.2006.8.26.0050 (fls. 104/105).

Por fim, foi constatado que em maio de 2002 o recorrente formulou anterior pedido de registro tardio de nascimento à Sra. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Sede da Comarca que, na época, negou o registro por considerar que o recorrente aparentava idade muito superior à que alegou (fls. 421/522).

A recusa do registro tardio de nascimento ocorrida no ano de 2002 foi submetida à análise do MM. Juiz Corregedor Permanente que a manteve mediante r. decisão prolatada no Processo nº 0105664-55.2002.8.26.0000 da 2ª Vara de Registros Públicos (fls. 521 e seguintes).

Naquela r. decisão foi considerada a informação do IIRGD no sentido de que as impressões digitais então fornecidas pelo recorrente coincidiam com as de A.B.C., portador do RG nº 29.501.525, filho de A.F.C. e de T.B.C., nascido em 02 de março de 1966 em Paulista, Estado de Pernambuco (fls. 524).

Ademais, no referido processo foi constatado que A.B.C. teve o assento de nascimento lavrado na Comarca de Paratibe (fls. 529 e 534) e que se casou conforme o documento de fls. 530.

Existe, portanto, fundada suspeita sobre a real identidade do recorrente e sobre a alegada inexistência de registro de nascimento.

Contudo, asseverando o recorrente que não é A.B.C., mas seu filho, o que fez tanto no presente feito como no Processo nº 0105664-55.2002.8.26.0000 (fls. 138 e 527), bem como ter nascido no ano de 1982 (fls. 138), deve a prova ser completada mediante comparação entre as impressões digitais fornecidas em nome de N.B.S. na ação penal e no presente procedimento e as de A.B.C. que se encontram arquivadas no IIRGD, bem como mediante exame, a ser realizado pelo IMESC, que indique sua idade física.

Essas provas são necessárias para afastar, ou confirmar, as suspeitas que levaram ao indeferimento do pedido de registro tardio de nascimento e, mais, porque a confirmação da identidade do recorrente terá repercussão nos registros mantidos em nome de N.B.S. e nos efeitos que decorrem de sua condenação em ação penal pelo uso de documento falso.

Observo, por fim, que tanto a Lei nº 6.015/73 como o Provimento nº 38/2013 da Eg. Corregedoria Nacional de Justiça admitem a complementação das provas realizadas em procedimentos de registro tardio de nascimento e, mais, que o exame promovido pelo IMESC neste processo disse respeito às impressões digitais do RG 51.942.504, aberto para fins criminais, sem análise de eventual coincidência com as contidas no RG de A.B.C..

Ante o exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido dar parcial provimento ao recurso para anular o processo a partir da r. decisão recorrida, inclusive, determinando a complementação da prova mediante:

1) solicitação ao IIRGD para que promova a comparação entre as impressões digitais já fornecidas pelo recorrente N.B.S. no Prontuário do RG nº 51.942.504-2 (que tem cunho criminal cf. fls. 61 e seguintes) e para a realização de perícia no presente procedimento (fls. 85 e seguintes e 89/91), com as impressões digitais de A.B.C., filho de A.F.C. e T.B.C., RG 29.501.525-1 (fls. 523 e 524), visando verificar se pertencem à mesma pessoa;

2) solicitação ao IMESC para realização de exame para apuração da idade física do recorrente.

Sub censura.

São Paulo, 29 de janeiro de 2019.

José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e dou parcial provimento ao recurso para anular o processo a partir da r. decisão recorrida, inclusive, determinando a complementação da prova mediante: 1) solicitação ao IIRGD para que promova a comparação entre as impressões digitais já fornecidas pelo recorrente N.B.S. no Prontuário do RG nº 51.942.504-2 (que tem cunho criminal cf. fls. 61 e seguintes) e para a realização de perícia no presente procedimento (fls. 85 e seguintes e 89/91), com as impressões digitais de A.B.C., filho de A.F.C. e T.B.C., RG 29.501.525-1 (fls. 523 e 524), visando verificar se pertencem à mesma pessoa; 2) solicitação ao IMESC para realização de exame para apuração da idade física do recorrente. Intimem-se. São Paulo, 05 de fevereiro de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: LUCIANA JORDÃO DA MOTTA ARMILIATO DE CARVALHO, OAB/SP 256.498 – Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Diário da Justiça Eletrônico de 11.02.2019

Decisão reproduzida na página 028 do Classificador II – 2019

Fonte: INR Publicações

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Registro de Imóveis – Cancelamento da inscrição de servidão – Necessidade da busca da via jurisdicional para o reconhecimento da extinção das servidões por perda da utilidade ou não uso – Inviabilidade do cancelamento – Há falta de concordância expressa da titular do direito real de servidão – Recurso provido.

Número do processo: 1107996-41.2017.8.26.0100

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 49

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1107996-41.2017.8.26.0100

(49/2019-E)

Registro de Imóveis – Cancelamento da inscrição de servidão – Necessidade da busca da via jurisdicional para o reconhecimento da extinção das servidões por perda da utilidade ou não uso – Inviabilidade do cancelamento – Há falta de concordância expressa da titular do direito real de servidão – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso administrativo interposto por Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S. A. contra a r. decisão da MM Juíza Corregedora Permanente do 8º Oficial de Registros de Imóveis da Comarca da Capital, que deferiu o cancelamento das servidões nas inscrições nº 3.622, Glebas B e C e nº 5.687, pugnando pela reforma do decidido por não haver concordado com a extinção das servidões (a fls. 417/420).

Contrarrazões à fls. 427/437.

A Douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo provimento do recurso (a fls. 444/447).

É o relatório.

Opino.

Apesar da interposição do recurso com a denominação de apelação, substancialmente cuida-se de recurso administrativo previsto no artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, cujo processamento e apreciação competem a esta Corregedoria Geral da Justiça.

Diante disso, pela aplicação dos princípios da instrumentalidade e fungibilidade ao processo administrativo, passo a seu conhecimento.

Apesar da documentação e manifestação existente nos autos acerca do não exercício das servidões inscritas no registro imobiliário, em momento algum houve anuência da titular da servidão quanto a sua extinção.

Eventual proposta de transação, não aceita, não pode ser cindida e tampouco se presta a fundar a referida anuência.

De outra parte, as previsões referentes à extinção da servidão por perda de utilidade ou não uso (Código Civil, artigos 1.388, inciso II, e 1.389, inciso III), a falta de concordância do titular do direito real, depende de seu reconhecimento na via judicial em conformidade a garantia legal do devido processo legal.

Os comportamentos e declarações da titular da servidão, supostamente admitindo seu não exercício, não encerraram manifestação tácita acerca da concordância com a extinção, porquanto a vontade externada foi acerca do não exercício e não da anuência à extinção.

Ainda que o instituto da usucapião se preste à aquisição de qualquer direito real e não somente do direito real de propriedade, não é possível, neste expediente, a utilização da prescrição aquisitiva para fins de extinção da servidão pelo fato da usucapião se prestar à aquisição de direitos e não a sua extinção, como ocorre na prescrição extintiva.

Não houve alegação do exercício da posse para fins de aquisição do direito de servidão, sendo certo que a posse exercida decorre da propriedade, não sendo posse formal, mas causal.

Além disso, o presente processo administrativo não seguiu como, de usucapião administrativa, reitero que a natureza da posse alegada é de jus possidendi.

Nessa ordem de ideias, respeitada a convicção da culta sentenciante, ausentes as situações jurídicas constantes do artigo 250 da Lei de Registros Públicos, tenho que o recurso administrativo merece acolhimento.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo e a ele dar provimento com o indeferimento do pedido de cancelamento das inscrições das servidões.

Sub censura.

São Paulo, 31 de janeiro de 2019.

Marcelo Benacchio

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele dou provimento. São Paulo, 06 de fevereiro de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, OAB/SP 26.548, PEDRO AUGUSTO MACHADO CORTEZ, OAB/SP 24.432, RODRIGO FIRMO DA SILVA PONTES, OAB/SP 249.253 e MARC STALDER, OAB/SP 234.294.

Diário da Justiça Eletrônico de 11.02.2019

Decisão reproduzida na página 029 do Classificador II – 2019

Fonte: INR Publicações

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Apelação – Ação anulatória – ITCMD – Doação – Valores recebidos por ex-cônjuge – Limites da meação – Pretensão inicial do autor voltada à anulação de crédito de ITCMD constituído pela administração tributária com base em suposta doação de bens apurada em análise de sua declaração anual do IRPF – Presunção adotada pelo Fisco no sentido de que, após a dissolução da sociedade conjugal existente entre o contribuinte e sua ex-cônjuge, teria aquele recebido valor maior do que o correspondente a sua meação, o que caracterizaria doação entre ex-cônjuges no tocante à parte excedente (R$ 674.757,58 – e-fl. 200) – Desacerto – Declaração conjunta de bens por ex-cônjuges, para fins de recolhimento do Imposto de Renda, que não é capaz de identificar, com precisão absoluta, todos os bens integrantes da meação e aqueles considerados particulares (arts. 1.658 e 1.659, do CC/2002) – Presunção de que o acervo patrimonial declarado em conjunto pelos cônjuges consubstancia bens comuns que não encontra respaldo legal – Inteligência do art. 8º, do Decreto Federal nº 3.000/99 (RIPRF, vigente à época dos acontecimentos) – Ônus probatório do Fisco – Possível equívoco na forma de preenchimento da declaração do IRPF que não pode servir legítimo fato gerador do ITCMD, ao menos enquanto não demonstrada a fraude por parte do contribuinte – Ausência de causae debendi válida para a lavratura do AIIM nº 4.027.898 – Sentença de improcedência reformada, julgando-se procedente a demanda – Inversão dos ônus sucumbenciais – Recurso do autor provido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1039845-33.2018.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ANTONIO CARLOS DA SILVA, é apelado ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores FERREIRA RODRIGUES (Presidente) e ANA LIARTE.

São Paulo, 26 de maio de 2020.

PAULO BARCELLOS GATTI

Relator

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO CÍVEL N° 1039845-33.2018.8.26.0053

APELANTE: ANTONIO CARLOS DA SILVA (autor)

APELADA: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO (ré)

ORIGEM: 14ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO

VOTO N° 18.412

APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA – ITCMD – DOAÇÃO – VALORES RECEBIDOS POR EX-CÔNJUGE – LIMITES DA MEAÇÃO – Pretensão inicial do autor voltada à anulação de crédito de ITCMD constituído pela administração tributária com base em suposta doação de bens apurada em análise de sua declaração anual do IRPF – presunção adotada pelo FISCO no sentido de que, após a dissolução da sociedade conjugal existente entre o contribuinte e sua ex-cônjuge, teria aquele recebido valor maior do que o correspondente a sua meação, o que caracterizaria doação entre ex-cônjuges no tocante à parte excedente (R$ 674.757,58 – e-fl. 200) – desacerto – declaração conjunta de bens por ex-cônjuges, para fins de recolhimento do Imposto de Renda, que não é capaz de identificar, com precisão absoluta, todos os bens integrantes da meação e aqueles considerados particulares (arts. 1.658 e 1.659, do CC/2002) – presunção de que o acervo patrimonial declarado em conjunto pelos cônjuges consubstancia bens comuns que não encontra respaldo legal – inteligência do art. 8º, do Decreto Federal nº 3.000/99 (RIPRF, vigente à época dos acontecimentos) – ônus probatório do Fisco – possível equívoco na forma de preenchimento da declaração do IRPF que não pode servir legítimo fato gerador do ITCMD, ao menos enquanto não demonstrada a fraude por parte do contribuinte – ausência de causae debendi válida para a lavratura do AIIM nº 4.027.898 – sentença de improcedência reformada, julgando-se procedente a demanda – inversão dos ônus sucumbenciais. Recurso do autor provido.

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto por ANTONIO CARLOS DA SILVA, nos autos da “ação declaratória de inexigibilidade de crédito tributário com pedido de tutela provisória de urgência” que promove em face da apelada, FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, julgada improcedente pelo Juízo “a quo”, sob o fundamento de ser legítimo o fato gerador do ITCMD utilizado pelo Fisco para a lavratura do AIIM nº 4.027.898 – suposto excedente do que cabia ao contribuinte a título de meação, quando da dissolução da sociedade conjugal mantida com MYRLENE NOGUEIRA VENEZIANI DA SILVA -, consoante r. sentença de e-fls. 704/708, cujo relatório se adota.

Em suas razões (e-fls. 712/724), o autor suscitou, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento ao seu direito de defesa, tendo em vista que o Juízo “a quo” não lhe teria oportunizado momento para produção de prova pericial contábil. No mérito, o contribuinte defendeu que os valores declarados para fins de Imposto de Renda (exercício de 2009 R$ 4.053.089,28) corresponderiam não só à meação advinda da dissolução da sociedade conjugal mantida com MYRLENE NOGUEIRA VENEZIANI DA SILVA, mas também aos seus bens particulares. Deste modo, revelar-se-ia incorreta a presunção adotada pelo Fisco no sentido de que o montante excedente (R$ 793.746,86, reduzido em sede de procedimento administrativo para R$ 674.757,58) a 50% do patrimônio declarado no ano anterior (exercício de 2008 – R$ 3.259.342,41) corresponderia a verdadeira doação operada pela ex-cônjuge virago em favor do ex-cônjuge varão. Sendo assim, uma vez que incumbiria ao Fisco a prova da fraude havida no ato de partilha dos bens do ex-casal, ônus do qual a autoridade tributária não se desincumbiu, pugnou o provimento do recurso, para se julgar integralmente procedente a pretensão inicial.

Recurso regularmente processado e preparado, desafiando contrarrazões do autor/apelado às e-fls. 747/751.

Este é, em síntese, o relatório.

VOTO

Insurge o autor contra a r. sentença de primeiro grau que julgou improcedente a pretensão anulatória, sob o fundamento de ser legítimo o fato gerador do ITCMD utilizado pelo Fisco para a lavratura do AIIM nº 4.027.898 – suposto excedente do que cabia ao contribuinte a título de meação, quando da dissolução da sociedade conjugal mantida com MYRLENE NOGUEIRA VENEZIANI DA SILVA.

E, pelo que se depreende do acervo fáticoprobatório coligido aos autos, o apelo comporta acolhimento.

In casu, infere-se que o autor era casado, em regime de comunhão parcial de bens com MYRLENE NOGUEIRA VENEZIANI DA SILVA (e-fl. 90), razão pela qual procedeu à declaração conjunta do imposto de renda pessoa física (anocalendário 2007 exercício de 2008), constando como total de “bens e direitos” o montante de R$ 6.518.684,83 (e-fls. 27/36).

Com efeito, já para a declaração do IRPF no ano seguinte (ano-calendário 2008 exercício de 2009) e observada a dissolução da sociedade conjugal aos 18.01.2008 (e-fls. 91/92), o mesmo contribuinte registrou, individualmente, como total de “bens e direitos” a quantia equivalente a R$ 4.053.089,28 (e-fls. 37/45).

Assim, em análise destas informações prestadas à Receita Federal, a autoridade tributária do Estado de São Paulo PRESUMIU que o valor da meação atribuível em favor do ex-cônjuge varão seria de 50% do valor declarado no exercício de 2008 (R$ 3.259.342,41), de modo que o montante de bens e direitos declarados no ano seguinte e que excederam a esta quantia (na ordem de R$ 793.746,86) corresponderia, em verdade, à DOAÇÃO operada pela ex-cônjuge virago em favor daquele, com consequente redução da meação atribuível a ela e sem o recolhimento do imposto correspondente (e-fls. 189/192).

Neste diapasão, o Fisco lavrou o AIIM nº 4.027.898, nos seguintes termos (e-fls. 23/26):

I – INFRAÇÕES RELATIVAS AO PAGAMENTO DE IMPOSTO:

1. Deixou de pagar o ITCMD no montante de R$ 31.749,86 (trinta e um mil, setecentos e quarenta e nove reais e oitenta e seis centavos), conforme demonstrativo abaixo, devido pelo recebimento de transferência de patrimônio por dissolução de sociedade conjugal, sendo a data do fato gerador 18/01/2008, no valor de R$ 793.746,86 (Setecentos e noventa e três mil, setecentos e quarenta e seis reais e oitenta e seis centavos) valor que excede a meação realizada com a conjuge Myrlene Nogueira Veneziani da Silva, conforme documentação juntada.

DEMONSTRATIVO:

VALOR TOTAL DO PATRIMÔNIO EM 31/12/2007:

R$ 6.518.684,83 (Valor retirado da declarado no IRPF exercício de 2008 ano base 2007 de Antonio Carlos da Silva)

VALOR DA MEAÇÃO PARA CADA CONJUGE (50% DO VALOR TOTAL DO PATRIMÔNIO, data do Fato Gerador: 18/01/2008)

R$ 3.259.342,41

VALOR RECEBIDO POR MYRLENE N. V. DA SILVA:

(Valor informado na Declaração IRPF exercício de 2009 ano base 2008, de Antonio Carlos e Myrlene Nogueira) R$ 2.465.595,55

VALOR EXCEDENTE DA MEAÇÃO QUE FICOU PARA O CONJUGE VARÃO: (é a meação – valor recebido pela cônjuge varoa)

R$ 3.259.342,41 – R$ 2.465.595,55 = R$ 793.746,86.

VALOR QUE FICOU COM CONJUGE VARÃO: (ANTONIO CARLOS) (e o valor da meação mais o valor excedente da meação).

R$ 3.259.342,41 + R$ 793.746,86 = R$ 4.053.089,28

IMPOSTO INCIDENTE: (4% sobre o valor excedente da meação) R$ 793.746,86 x 4% = R$ 31.749,86.”

Para o contribuinte, no entanto, este valor considerado como “excedente da meação” pelo Fisco, corresponderia a bens particulares e valores outros não integrantes do acervo do casal, sendo descabida a presunção utilizada pela autoridade tributária para fins de constituição do crédito de ITCMD.

Diante deste cenário, mantida a higidez do AIIM na seara administrativa (com singela redução da base de cálculo do imposto e-fls. 193/201), o autor ajuizou a presente ação anulatória, pretendendo a desconstituição do aludido crédito tributário (e-fls. 01/17).

Pois bem.

Ab initio, cumpre afastar a questão preliminar invocada pelo apelante, no sentido de que teria ocorrido violação ao seu direito de defesa, em decorrência de ter o Juízo “a quo” procedido ao julgamento do processo no estado em que se encontrava, sem oportunizar momento para a produção de prova pericial contábil.

Como cediço, ao Juiz, enquanto destinatário precípuo da prova, compete deferir somente as provas úteis ao deslinde da controvérsia (art. 370, do CPC/2015), no sentido de formar o seu convencimento juridicamente motivado (art. 371, do CPC/2015).

Nesta linha, encontrando-se a causa “madura” para julgamento, surge-lhe o dever, e não mera faculdade, de proceder à imediata resolução da controvérsia, em cumprimento ao princípio da efetividade da prestação jurisdicional e à garantia constitucional à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF/88 cc. art. 4º, do CPC/2015).

Na hipótese dos autos, a prova pericial pretendida pelo apelante em nada acrescentaria para o deslinde da controvérsia estabelecida. Ora, a controvérsia jurídica submetida ao conhecimento do Judiciário restringe-se em definir se os eventos narrados na peça vestibular consubstanciam, ou não, fato imponível do ITCMD, traduzindo questão unicamente de direito, pelo que dispensável a produção de outras provas que não aquelas já constantes dos autos.

Por conseguinte, tem-se que o julgamento do mérito do processo no estado em que se encontrava não representou, em nenhuma medida, ofensa à garantia constitucional à ampla defesa das partes (art. 5º, LV, da CF/88).

Passa-se, pois, ao exame da questão de fundo do apelo.

A Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, inaugura a Seção IV, do Capítulo I (sistema tributário nacional), Título VI (da tributação e do orçamento), disciplinando a respeito dos impostos dos estados e do distrito federal, dentre os quais se insere o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens e Direitos (art. 155, I e §1º, da CF/88).

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

§ 1.º O imposto previsto no inciso I:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal

II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;

III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:

a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

IV – terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;

A respeito do ITCMD, o jurista RICARDO ALEXANDRE leciona que:

“Segundo o art. 155, I, da CF/1988, os Estados e o Distrito Federal podem instituir imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos. O tributo possui natureza eminentemente arrecadatória (fiscal) e não incide sobre as transmissões originárias, como por usucapião (art. 1.238 do Código Civil) ou por acessão (art. 1.248 do Código Civil). O Código Tributário Nacional disciplina o imposto nos arts. 35 a 42 e deve ser interpretado à luz da atual Constituição, visto que a redação original do CTN trata de um único imposto de transmissão, de competência estadual, incidente exclusivamente sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Com a Constituição Federal de 1988, previu-se a instituição de dois impostos de transmissão, um estadual (ITCMD) e outro municipal (ITBI), sujeitando à incidência do primeiro as transmissões a título gratuito (causa mortis e doação) e do segundo as transmissões a título oneroso.”[1].

No âmbito paulista, a regulamentação do referido tributo vem consignada na Lei nº 10.705, de 29 de dezembro de 2000, sendo que, quanto à situação considerada pela lei como necessária e suficiente para ocorrência do fato gerador (hipótese de incidência), os arts. 2º e 3º, da legislação estadual prelecionam:

Artigo 2.º – O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

I – por sucessão legitima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;

II – por doação.

(…)

Artigo 3.º – Também sujeita-se ao imposto a transmissão de:

I – qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, bem como, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza;

II – dinheiro, haver monetário em moeda nacional ou estrangeira e titulo que o represente, depósito bancário e crédito em conta corrente, depósito em caderneta de poupança e a prazo fixo, quota ou participação em fundo mútuo de ações, de renda fixa, de curto prazo, e qualquer outra aplicação financeira e de risco, seja qual for o prazo e a forma de garantia;

III – bem incorpóreo em geral, inclusive título e crédito que o represente, qualquer direito ou ação que tenha de ser exercido e direitos autorais.

(…)

Nesta linha, ressalvado que à legislação tributária é vedada a alteração da definição, do conteúdo e do alcance dos institutos de direito privado (art. 110, do CTN), conclui-se que a hipótese de incidência suficiente e necessária para legitimar o lançamento do ITCMD, segundo a legislação paulista, consiste na transmissão de bens e/ou direitos por meio de negócio jurídico em que “uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra” (art. 538, do CC/2002).

Com esteio nestas premissas, verifica-se que, na hipótese sub examine, o Fisco paulista procedeu à exação do ITCMD em desfavor do autor, apegando-se, para tanto, nas declarações por ele apresentadas para fins de recolhimento do imposto de renda (pessoa física), referentes aos anoscalendários de 2007 e 2008.

Consta que, para o ano-calendário de 2007, quando ainda casado com MYRLENE NOGUEIRA VENEZIANI DA SILVA, sob o regime da comunhão parcial de bens, o casal procedeu à declaração conjunta (“Declaração em conjunto: É apresentada em nome de um dos companheiros, abrangendo todos os rendimentos, inclusive os provenientes de bens gravados com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, e das pensões de gozo privativo[2]) de seus respectivos patrimônios particulares, bem como do acervo comum, totalizando o montante equivalente a R$ 6.518.684,83 (início de 2018).

Ressalve-se, desde logo, que nada impunha aos ex-cônjuges (art. 5º, da CF/88) proceder à declaração de seus bens a partir da discriminação pormenorizada daqueles que seriam considerados particulares e quais seriam os comuns. Isso porque, seguindo a inteligência do art. 8º, do Decreto Federal nº 3.000/99[3], que tratava do Regulamento do Imposto de Renda vigente à época dos fatos:

Art. 8º – Os cônjuges poderão optar pela tributação em conjunto de seus rendimentos, inclusive quando provenientes de bens gravados com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, da atividade rural e das pensões de que tiverem gozo privativo.

§ 1º – O imposto pago ou retido na fonte sobre os rendimentos do outro cônjuge, incluídos na declaração, poderá ser compensado pelo declarante.

§ 2º – Os bens, inclusive os gravados com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, deverão ser relacionados na declaração de bens do cônjuge declarante.

§ 3º – O cônjuge declarante poderá pleitear a dedução do valor a título de dependente relativo ao outro cônjuge.

Como cediço, a partir da constituição da sociedade conjugal, instaura-se entre os cônjuges o regime de bens matrimonial (formação da mancomunhão). Este somente tem termo em caso de término do vínculo afetivo (art. 1.571, do CC/2002), momento no qual ocorrerá a verificação do patrimônio atribuível a cada um dos ex-cônjuges a título de “meação”.

Nas palavras do jurista ROLF MADALENO: “No Direito de Família a meação corresponde à metade dos bens que são comuns ao casal, variando o seu montante em conformidade com o regime de comunicação de bens escolhido pelo par conjugal ou convivencial.”.

E, especificamente para o regime de comunhão parcial de bens (regime adotado pelo autor e sua ex-cônjuge), tem-se que nem todos os bens pertencentes aos nubentes antes da união (e durante ela) serão atingidos pela comunicação patrimonial (arts. 1.659 e 1.660, do CC/2002), sendo deveras equivocada a conclusão (embora presente no senso comum) de que o patrimônio do casal, no ato de elaboração da partilha, deve ser repartido em 50% do todo para cada um.

A partilha dos bens do casal respeita um procedimento muito mais complexo, com a análise dos bens particulares (gravados com cláusula de incomunicabilidade, adquiridos por apenas um dos cônjuges, patrimônio anterior ao casamento, etc.) e dos bens considerados comuns; invariavelmente, haverá situações em que, do todo calculado, parte corresponderá aos patrimônios particulares (incomunicáveis) dos nubentes e somente a parcela remanescente é que será objeto da meação; de modo que, em relação ao todo (100%), a meação pode significar menos do que 50%; somente em relação ao patrimônio comum, e especificamente no regime da comunhão parcial de bens, é que corresponderá à “metade”.

Traçadas estas premissas e tendo em mente as regras do Regulamento IRPF/99, é legítimo concluir que o autor, quando da declaração conjunta dos bens que eram titularizados por ele e sua esposa no ano-calendário de 2007, não tinha o dever jurídico de discriminar quais dos bens ali descritos integravam o seu patrimônio particular e quais integravam o acervo comum para fins de futura e eventual meação.

Mais, da declaração apresentada à Receita Federal no exercício de 2008 (referente ao ano-calendário 2007), colhe-se que houve a descrição de bens particulares da, até então, esposa (e-fl. 33 v.g. o “saldo poupança ouro Banco do Brasil”) e que, no procedimento de análise pelo Fisco paulista, foram considerados, equivocadamente, como acervo comum, isto é, computados no montante total de R$ 6.518.684,83.

Mesmo por isso, não há lógica jurídica (e nem racional) no procedimento adotado pela autoridade tributária, para fins de exação do ITCMD, ao comparar a metade do patrimônio conjugal no início de 2008 (R$ 3.259.342,41) e aquele declarado pelos contribuintes, individualmente e depois de dissolvido o vínculo conjugal, no ano de 2009 (R$ 4.053.089,28 e R$ 2.465.595,55), no intuito de extrair do resultado da subtração entre estes valores (R$ 793.746,86 ou R$ 793.746,87) uma possível doação não declarada por um dos excônjuges em favor do outro, já que, segundo o paralogismo realizado, houve a superação das forças da meação.

Extrai-se que o Fisco, à revelia de qualquer previsão legal que assim admitisse, presumiu que todos os bens e direitos declarados em 2008 representavam o acervo comum do casal, ignorando, como visto, a própria informação contida na declaração a respeito de bens particulares que pertenciam exclusivamente à ex-cônjuge do contribuinte.

Do mesmo modo, pela singela intelecção das informações contidas na declaração do Imposto de Renda-2007 (exercício de 2008) não há como se concluir quais os bens e direitos ali descritos pertenciam a apenas um dos cônjuges (patrimônio particular) e quais integravam o acervo comum (passível de ulterior meação).

Também é temerário afirmar que os bens e direitos arrolados por cada um dos ex-nubentes na declaração do Imposto de Renda-2008 (exercício de 2009), posto que integrassem um acervo comum, deveriam representar conteúdo pecuniário idêntico, para fins de comprovar o respeito à meação. Ora, tratando-se de bens e direitos distintos (ações, imóveis, ganhos de capital), pode ter havido, a contar da dissolução do vínculo conjugal (ao longo do ano de 2008), diferentes formas de capitalização e administração do patrimônio individual, com capacidade de provocar uma variação maior em favor de qualquer um dos cônjuges, prejudicando, ao fim do exercício financeiro, a original identidade das meações.

De todo modo, para fins de conferir legalidade à exação do ITCMD, incumbia ao Fisco (e não ao contribuinte) demonstrar, cumulativamente(i) que todos os bens e direitos arrolados na declaração conjunta do IRPF-2007 integravam o acervo patrimonial comum do casal, ou seja, a absoluta inexistência de bens particulares; (ii) que, ao longo de todo o ano de 2008, depois de dissolvida a sociedade conjugal, os bens individuais de cada um dos cônjuges sofreram as mesmas intercorrência e variações de ganho/perda, ao ponto de resultar em conteúdo pecuniário idêntico ao do exercício anterior; (iii) que, quando da dissolução do vínculo conjugal, a ex-cônjuge virago omitiu [fraudulentamente] a doação de bens e direitos em favor do aqui autor, o que implicou a diferença entre as meações.

Todavia, na hipótese sub examine nada foi comprovado neste sentido. Limitou-se, a autoridade tributária, a presumir a ocorrência de negócio jurídico a título gratuito entre os ex-cônjuges, por meio de singelo e equivocado cálculo matemático, deixando de evidenciar o acerto das premissas utilizadas neste procedimento.

Anote-se que, inobstante a declaração do imposto de renda possa servir de indício da ocorrência de fato imponível de outros impostos (art. 199, do CTN), é no momento do lançamento (fase administrativa 142, do CTN[4]) que a autoridade tributária tem o dever de reunir todos os elementos informativos indispensáveis à comprovação da ocorrência do fato gerador.

Se, naquela oportunidade, optou-se por realizar o lançamento mesmo sem a presença de todos os requisitos indispensáveis a tanto, conclui-se que o procedimento é inválido e o crédito tributário daí resultante inexigível por ausência de causae debendi legítima.

Não se trata de atribuir exclusivamente ao Fisco o ônus da prova na demanda anulatória (art. 373, do CPC/2015). Ao revés, está-se afirmando que, para validar o lançamento do crédito tributário aqui impugnado, cabia à autoridade tributária reunir, ainda na fase administrativa, todos os elementos de informação indispensáveis à “verificação da ocorrência do fato gerador” (incumbência legal), dever do qual não se desincumbiu.

Por conseguinte, não evidenciado os pressupostos fáticos indispensáveis à configuração do fato gerador do ITCMD, inexiste causae debendi legítima para o crédito tributário (bem como para os atos tendentes a cobrálo), sendo de rigor a desconstituição do AIIM nº 4.027.898.

No mesmo sentido da tese aqui adotada, confiram-se os seguintes julgados desta Egrégia Corte de Justiça em casos análogos:

”APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – AUTO DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA – ITCMD Transferência patrimonial informada na Declaração de Imposto de Renda – Os imóveis do casal passaram a integralizar pessoa jurídica cujos únicos sócios eram eles mesmos – O Fisco compreendeu, no entanto, que se tratava de doação entre cônjuges – Alegação de que tal transferência realizada na vigência do regime de comunhão parcial de bens não caracteriza fato gerador do ITCMD – Demonstração de que os imóveis já integravam o patrimônio da autora, pois foram adquiridos na constância do casamento – Reconhecimento da inexistência do fato gerador e da nulidade do AIIM – Admissibilidade – Pedido inicial julgado procedente – Manutenção da sentença – Reexame necessário e recurso de apelação não providos.” (Apelação Cível nº 1055184-66.2017.8.26.0053, 12ª Câmara da Seção de Direito Público, Rel. Des. OSVALDO DE OLIVEIRA, j. 31.07.2019).

“APELAÇÃO CÍVEL ITCMD Notificação de lançamento ITCMD incidente sobre o suposto excesso na meação dos bens no divórcio – Declarações de imposto de renda retificadas à época da notificação de infração Conjunto probatório dos autos que demonstra que, de fato, houve erro material no preenchimento da Declaração original Excesso de meação não verificado Inocorrência do fato gerador do imposto Cobrança indevida – Sentença mantida Recurso da Fazenda Estadual improvido.“ (Apelação Cível nº 1008622-15.2017.8.26.0565, 5ª Câmara da Seção de Direito Público, Relª. Desª. MARIA LAURA TAVARES, j. 08.04.2019).

“APELAÇÃO – Demanda destinada à anulação de auto de infração e imposição de multa – ITCMD – Doação – AIIM lavrado no pressuposto de doação, extraída de transferência patrimonial constante em Declaração de Imposto de Renda – Doação, contudo, inexistente – Separação judicial e consequente divisão do patrimônio comum do casal, a título material de partilha, a justificar a referida declaração – Prova documental suficiente para extrair quadro de substancial partilha de patrimônio comum, nada obstante a deficiência formal desse ato jurídico, que não se materializou no bojo da separação judicial – Prevalência da análise material (à formal), atenta ao fluxo econômico das riquezas e à identificação da real razão do apontamento da transferência patrimonial declarada (lastros negociais reveladores da divisão do patrimônio comum do casal) – Fato gerador (doação) do tributo (ITCMD) não verificado – Exação tributária indevida Inexigibilidade do crédito fiscal e anulação do AIIM – Sentença de improcedência da demanda reformada para a de procedência, invertendo os ônus econômicos do processo, com majoração da verba honorária (1%) pelo acréscimo da fase recursal. RECURSO PROVIDO.” (Apelação Cível nº 1009501-44.2015.8.26.0451, 1ª Câmara da Seção de Direito Público, Rel. Des. VICENTE DE ABREU AMADEI, j. 13.11.2018).

Em suma, o apelo do autor comporta provimento, devendo a r. sentença de primeiro grau ser reformada, no sentido de se julgar integralmente procedente o pedido inicial e desconstituir o crédito tributário (ITCMD) objeto do AIIM nº 4.027.898, com a sustação dos efeitos dele decorrentes.

Com a inversão da sucumbência na demanda, caberá à FESP arcar com as despesas e custas do processo, além dos honorários advocatícios devidos em favor do causídico do autor, ora arbitrados em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido, observados os critérios de ponderação estatuídos nos incisos do §2º, do art. 85, do CPC/2015, e já considerado o trabalho adicional realizado para a fase cognitiva estritamente recursal (§11).

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto pelo autor, de modo a REFORMAR a r. sentença de primeiro grau e, nos termos da fundamentação, JULGAR INTEGRALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, para desconstituir o crédito tributário (ITCMD) objeto do AIIM nº 4.027.898, com a sustação dos efeitos dele decorrentes. Com a inversão da sucumbência na demanda, caberá à FESP arcar com as despesas e custas do processo, além dos honorários advocatícios devidos em favor do causídico do autor, ora arbitrados em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido, observados os critérios de ponderação estatuídos nos incisos do § 2º, do art. 85, do CPC/2015, e já considerado o trabalho adicional realizado para a fase cognitiva estritamente recursal (§11).

PAULO BARCELLOS GATTI

RELATOR


Notas:

[1] ALEXANDRE, Ricardo, Direito Tributário Esquematizado, 7ª Ed., São Paulo: Método, 2013, pp. 573-574.

[2] Conceito extraído do site da Receita Federal. Disponível em: http://receita.economia.gov.br/interface/cidadao/irpf/2020/perguntao/p-rirpf-2020-v-1-0-2020-02-19.pdf (acesso aos 14.05.2020).

[3] A mesma racionalidade foi observada pelo Decreto Federal nº 9.580/2018, que instituiu o novo Regulamento IRPF:

Art. 7º Os cônjuges poderão optar pela tributação em conjunto de seus rendimentos, inclusive quando provenientes de bens gravados com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, da atividade rural e das pensões de que tiverem gozo privativo.

§ 1º O imposto sobre a renda pago ou retido na fonte sobre os rendimentos do outro cônjuge, incluídos na declaração, poderá ser compensado pelo declarante.

§ 2º Os bens, inclusive aqueles gravados com cláusula de incomunicabilidade ou inalienabilidade, deverão ser relacionados na declaração de bens do cônjuge declarante.

§ 3º O cônjuge declarante poderá pleitear a dedução do valor a título de dependente relativo ao outro cônjuge.

[4] Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1039845-33.2018.8.26.0053 – São Paulo – 4 Câmara de Direito Público – Rel. Des. Paulo Barcellos Gatti – DJ 29.05.2020

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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