CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro da instituição de condomínio edilício – Área de propriedade e de uso comum, não construída, que apesar de indicada nas descrições das unidades autônomas não foi descrita na instituição de condomínio e no memorial que o integra – Critério puramente quantitativo que não serve para aferir a existência, ou não, de condomínio edilício – Ausência de indícios de fraude às disposições legais que tratam do parcelamento do solo – Divergência entre as áreas da planta baixa do empreendimento – Óbice mantido – Memorial de incorporação que não atende ao princípio da especialidade objetiva – Necessidade de adequação – Nega-se provimento ao recurso, com observação.

Apelação Cível nº 0002772-10.2019.8.26.0344

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0002772-10.2019.8.26.0344
Comarca: MARÍLIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 0002772-10.2019.8.26.0344

Registro: 2020.0000413350

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0002772-10.2019.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que é apelante CM 2 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MARÍLIA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 5 de junho de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 0002772-10.2019.8.26.0344

Apelante: CM 2 Empreendimentos Imobiliários SPE LTDA

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Marília

VOTO Nº 31.092

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro da instituição de condomínio edilício – Área de propriedade e de uso comum, não construída, que apesar de indicada nas descrições das unidades autônomas não foi descrita na instituição de condomínio e no memorial que o integra – Critério puramente quantitativo que não serve para aferir a existência, ou não, de condomínio edilício – Ausência de indícios de fraude às disposições legais que tratam do parcelamento do solo – Divergência entre as áreas da planta baixa do empreendimento – Óbice mantido – Memorial de incorporação que não atende ao princípio da especialidade objetiva – Necessidade de adequação – Nega-se provimento ao recurso, com observação.

1. Trata-se de apelação interposta por CM 2 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Marília/SP, que manteve os óbices apresentados ao registro da instituição de condomínio edilício na matrícula nº 61.326 daquela serventia imobiliária (fl. 98/102).

Alega a apelante, em síntese, que foram atendidos todos os requisitos da Lei nº 4.591/64, estando previstas, no empreendimento, a área privativa de 251,50m², correspondente a 64,56% da área útil total, assim como a área comum de 138m², correspondente a 35,43% da área útil total. Aduz que as salas comerciais serão construídas em uma única fachada, o que afasta a alegada ocorrência de burla à Lei de Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766/79) e também impede a aplicação da Lei nº 13.465/17, que trata do condomínio urbano simples. Esclarece que a Prefeitura de Marília/SP aprovou o projeto, mediante expedição de alvará de construção das salas comerciais com número próprio na via pública, visando facilitar a construção por não existir acesso comum, como portaria ou recepção.

O título foi devolvido com as seguintes exigências pelo registrador: “- Apresentar atestado de idoneidade financeira mencionando o empreendimento; – Retificar na planta e na convenção a referência a números da rua diversos para cada unidade, pois o condomínio exige um único número para todo o prédio, ficando cada unidade com a designação de loja 1, 2, etc.; – Esclarecer a divergência de áreas constantes da planta de fls. 18, constando uma área no quadro de áreas e outra nas unidades; – Efetuar depósito de R$ 3.620,38” (fl. 64).

A interessada cumpriu a primeira e a última exigências, insurgiu-se em relação às demais e insistiu no registro da incorporação (Protocolo nº 220289 – fl. 12) , requerendo, caso mantida a qualificação negativa do título, a suscitação de dúvida pelo Sr. Oficial Registrador (fl. 67/72).

É o relatório.

2. A dúvida foi suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Marília/SP, a requerimento da ora apelante, que não se conformou com a exigência de retificação da planta e da convenção, a fim de que passe a constar um único número para todo o prédio, e tampouco com a exigência de esclarecimentos quanto à divergência de áreas, ambas apontadas na nota devolutiva expedida (fl. 64).

Da análise das razões da dúvida suscitada pelo registrador, observam-se dois fundamentos distintos para a recusa. O primeiro diz respeito à descaracterização do condomínio em sentido amplo, por conta da existência de área comum ínfima em relação à área construída, numeração distinta para cada unidade e acesso autônomo de cada uma para a via pública. Entendeu o Oficial pela possibilidade de conversão do pedido para um condomínio urbano simples, na forma da Lei nº 13.465/2017, o que não foi aceito pela incorporadora. O segundo está relacionado à necessidade de correção da planta baixa do condomínio junto à Prefeitura, após os esclarecimentos prestados pela incorporadora a respeito da divergência nas áreas de cada unidade prevista.

O primeiro óbice apresentado pelo Oficial deve ser afastado.

A instituição de condomínio edilício exige a comprovação da ocorrência das circunstâncias de fato descritas nos arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, especialmente a existência de edificação em que se observem partes que são de propriedade exclusiva e partes que são de propriedade comum dos condôminos. E no que tange à propriedade comum, há de se considerar que esta, seja quanto à extensão de área, seja quanto à sua especificação, deve indicar com segurança que serve a todas as unidades autônomas, tanto em relação à fruição pelos proprietários, quanto à própria estrutura do bem, ou indicar a unidade que dela poderá usufruir exclusivamente.

No caso concreto, apesar da existência de pequena área de uso comum em relação às áreas das unidades autônomas, da numeração própria e do acesso exclusivo à via pública para cada uma dessas unidades autônomas, ficou satisfatoriamente demonstrada a existência de um condomínio edilício.

Com efeito, da análise do memorial descritivo e, particularmente, da planta baixa do empreendimento, observa-se a construção de cinco unidades autônomas, para fins comerciais, com previsão de áreas comuns que se caracterizam como parcela essencial e única para todas aquelas. Além do solo, tem-se a previsão de propriedade comum a todos os condôminos nas paredes divisórias, fachada, compartimentos de luz, troncos de entrada de serviços públicos, muros e gradis externos e jardins, a indicar a efetiva existência de um condomínio em seu sentido funcional.

O projeto é claro na indicação da pretensão do incorporador: criar um condomínio de estabelecimentos comerciais na forma de lojas, em área comum defronte a futuro empreendimento habitacional, sem indícios, pois, de que há intenção de fraudar a legislação específica do parcelamento de solo.

O precedente citado pelo Oficial não encontra aplicação no caso concreto, por conta da divergência de fatos a afastar a mesma solução jurídica. Naquele caso (Apelação CSM nº 1066651-03.2014.8.26.0100), as casas não possuíam uma área de propriedade comum, a não ser pela existência de uma churrasqueira que já havia sido construída em data anterior ao projeto. Como se vê, o paradigma, em seu aspecto fático, é diverso do caso em análise. Em termos amplos, o precedente citado refere-se a um caso de simulação relativa, em que a instituição do condomínio visava ocultar uma divisão ilícita da propriedade urbana.

Na hipótese dos autos, entretanto, não se vislumbra nenhuma intenção de burlar à legislação urbanística. A divisão das unidades comerciais prevista no projeto não só atende à sua finalidade econômica, mas também à ocupação lícita e viável do solo, sem significar desrespeito à legislação.

O condomínio a ser instituído, nesse aspecto, está em conformidade com a lei, pois conjuga o exercício da propriedade exclusiva com o uso de áreas de propriedade comum, administrada em favor dos condôminos.

Note-se que a existência de numeração distinta para cada uma das unidades autônomas, todas com acesso à via pública a partir de uma área comum, não traduz por si só um parcelamento irregular do solo urbano. Embora o acesso comum seja um dos elementos identificáveis do condomínio instituído, não se mostra obrigatório, especialmente em casos como o presente.

A situação fática, como se vê, não pode ser comparada à previsão de um conjunto de residências, com numeração própria e acesso à via pública individualizado, sem a existência efetiva de uma área comum.

Assim, o primeiro fundamento da recusa, qual seja, a inexistência de propriedade comum suficiente à caracterização do condomínio, merece ser afastado.

Contudo, o segundo fundamento de recusa está correto.

Conforme sustenta o Oficial, há divergência entre as áreas da planta baixa do empreendimento, constando uma medida das unidades no desenho dos imóveis e outra no quadro de áreas.

A propósito, a apelante justificou a divergência ao argumento de que “as medidas corretas são aquelas constantes no quadro da planta, conforme respectivo alvará de construção e inclusa declaração anexa da Incorporadora junto com Arquiteto responsável pelo projeto (DOC. 2), pela qual, foi utilizada para elaborar o respectivo quadro de áreas da Tabela NBR” (sic, fl. 68).

Ora, ainda que os esclarecimentos apresentados pela apelante pudessem ser aceitos, mostra-se imprescindível a correção da planta baixa aprovada pela Prefeitura Municipal. Tal providência é essencial para que se permita o ingresso do título, eis que a representação gráfica do condomínio a ser instituído, com especificação de todas as dimensões das unidades e partes comuns, deve ser única, seja na planta aprovada pelo Município, seja na descrição feita no projeto de construção constante no pedido de alvará para realização da obra.

A manutenção de parte das exigências feitas pelo Oficial, por si só, é suficiente para o acolhimento da dúvida e, consequentemente, para negativa de ingresso do título junto ao fólio real.

Entretanto, há ainda outro óbice a impedir o registro requerido. No caso concreto, o princípio da especialidade objetiva foi desrespeitado, havendo descrição insuficiente das áreas de uso comum, não construídas, no memorial de incorporação, o que impede a identificação, no plano espacial, de sua exata localização dentro do condomínio.

A instituição de condomínio deve descrever, com precisão, a localização e o regramento do uso das áreas comuns em relação às unidades autônomas. O art. 8º da Lei nº 4.591/1964 indica a necessidade de se discriminar, com precisão, as partes comuns do bem imóvel objeto da instituição do condomínio, o que pressupõe também a descrição precisa de sua localização e a previsão geral de seu uso, dando-se publicidade à forma de uso da propriedade pelos condôminos.

“Art. 8º. Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:

(…)

c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;

d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.”

O mesmo comando se observa, de forma geral, para todos os condomínios de prédios, consoante disposto nos arts. 1.331 e 1.332 do Código Civil, exigindo-se a discriminação e a individualização das partes comuns que irão compor o condomínio.

No caso concreto, o memorial de incorporação do “Condomínio Comercial II Villa Felicittà Brigadeiro” assim descreve as partes comuns do empreendimento:

A) PARTES COMUNS – consubstanciada de coisas e áreas de uso comum dos condôminos, inalienáveis e indivisíveis, acessórias e indissoluvelmente ligadas às unidades autônomas, tal como definidas no artigo 3º da Lei n. 4.591/64, a saber: o terreno em que se levantam as edificações e suas instalações; as estruturas de alvenaria e suas fundações, as paredes externas de cada unidade; as paredes internas divisórias entre as unidades autônomas e entre estas e as partes comuns; as fachadas de cada unidade e seus ornamentos (exclusiva janelas das unidades autônomas); os compartimentos dos medidores de luz; os telhados que cobrem as unidades autônomas; os fios e encanamentos; a (sic) caixas d’água; os troncos de entrada de água, eletricidade, telefone e os de saída de esgoto e todos os respectivos ramais que servem as dependências e uso comum; os condutores de águas pluviais; bem como, as áreas do subsolo; os muros e gradis externos; os jardins e os passeios e respectivas (sic) e rebaixamento de guias para acesso as unidades e demais benfeitorias (g.n.).”

Não há descrição precisa, no memorial, das medidas e localização dos jardins, passeios e eventuais áreas comuns de acesso às unidades autônomas, observando-se, inclusive, erro material no documento a impedir a correta identificação de alguma estrutura que seria indicada após a partícula “respectivas”, constante no item VIII, A, parte final do documento (fl. 18).

Nem é possível, da análise da planta baixa do condomínio, identificar de forma clara e isenta de dúvidas a localização das áreas comuns, a fim de se aferir sua correspondência com as medidas indicadas no memorial de incorporação, bem como para que o registro das unidades condominiais futuras possa dar publicidade das áreas comuns de uso exclusivo ou não, como, por exemplo, o acesso à via pública, defronte aos cinco prédios (fl. 80).

Como se vê, o memorial de incorporação não respeita o princípio da especialidade objetiva, impedindo seu registro na matrícula do imóvel a ser incorporado, sob pena de ofensa ao art. 176 da Lei nº 6.015/1973, perfeitamente aplicável aos casos de registro de memoriais de incorporação para fins de implantação de condomínios.

Assim, sem a devida adequação do memorial de incorporação ao princípio da especialidade objetiva, também não há como se admitir o ingresso do título junto ao fólio real.

À vista do exposto, NEGO PROVIMENTO, com observação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 19.06.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Imóvel rural – Constituição de garantia de alienação fiduciária em favor de instituição financeira cujo controle societário é detido por pessoa jurídica estrangeira – Lei nº 5.709/71, art. 1º, § 1º – Orientação normativa contida na decisão da Corregedoria Geral da Justiça, que aprovou o Parecer nº 461/2012-E, suspensa por força de liminar deferida na Ação Civil Originária – ACO 2463, em curso perante o E. STF – Exigências mantidas – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.

Apelação Cível nº 1004462-94.2019.8.26.0073

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1004462-94.2019.8.26.0073

Comarca: AVARÉ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1004462-94.2019.8.26.0073

Registro: 2020.0000339780

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004462-94.2019.8.26.0073, da Comarca de Avaré, em que é apelante NUTRIEN AG SOLUTIONS INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA. (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL), é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AVARÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 28 de abril de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1004462-94.2019.8.26.0073

Apelante: Nutrien Ag Solutions Indústria e Comércio de Produtos Agrícolas Ltda. (Em Recuperação Judicial)

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Avaré

VOTO Nº 31.132

Registro de Imóveis – Imóvel rural – Constituição de garantia de alienação fiduciária em favor de instituição financeira cujo controle societário é detido por pessoa jurídica estrangeira – Lei nº 5.709/71, art. 1º, § 1º – Orientação normativa contida na decisão da Corregedoria Geral da Justiça, que aprovou o Parecer nº 461/2012-E, suspensa por força de liminar deferida na Ação Civil Originária – ACO 2463, em curso perante o E. STF – Exigências mantidas – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.

1. Trata-se de apelação interposta por Nutrien AG Solutions Indústria e Comércio de Produtos Agrícolas Ltda. contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Avaré/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro do instrumento particular de abertura de crédito e seu aditivo, garantido por alienação fiduciária de parte ideal correspondente a 94,5361536% do imóvel rural denominado Sítio do Cerrado, objeto da matrícula nº 38.463 da referida serventia imobiliária (fl. 117/120).

Alega a apelante, em síntese, que a hipótese não se refere à aquisição de imóvel rural por estrangeiro, mas sim, à constituição de garantia de alienação fiduciária em favor de instituição financeira cujo controle societário é detido por pessoa jurídica estrangeira, razão pela qual não se aplicam ao caso concreto as restrições estabelecidas pela Lei nº 5.709/1971 (fl. 128/139).

Na nota de devolução expedida (fl. 83), o Oficial registrador formulou duas exigências: “1. Juntar a autorização do INCRA para a aquisição, tendo em vista que a maioria do capital social é detida por empresas estrangeiras, em atenção ao disposto no artigo 1º, § 1º, e no artigo 6º, ambos da Lei 5.709/71. A credora Nutrien AG Solutions Indústria e Comércio de Produtos Agrícolas Ltda tem como sócias Alberta Ltd (610918) empresa canadense (0,000002) e Nutrien AG Solutions Participações Ltda (99,9999998) e esta tem como sócias Nutrien AG Solutions Argentina S/A – empresa argentina (0,11) e a Alberta Ltd (610918) – empresa candense (99,89). 2. Em virtude da autorização do INCRA solicitada no item acima, a transmissão da propriedade resolúvel do imóvel deve ser feita através de escritura pública (artigo 8º da Lei 5.709/71).

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 157/161).

É o relatório.

2. Dispõe a Lei nº 5.709/71 que:

“Art. 1º – O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

§ 1º – Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.

§ 2º – As restrições estabelecidas nesta Lei não se aplicam aos casos de sucessão legítima, ressalvado o disposto no art. 7º”.

A matéria relativa à interpretação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/71, que para efeito das restrições de aquisição de imóvel rural por estrangeiro equipara a pessoa jurídica brasileira que tenha sede no exterior ou cuja maioria acionária seja estrangeira, foi objeto de apreciação pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[1].

Em consonância com o entendimento adotado por referido órgão julgador, sobreveio orientação normativa da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo no sentido de que: “o § 1.° do artigo 1.° da Lei n.° 5.709/1971 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de sorte a dispensar os tabeliães e oficiais de registro de observarem as restrições e as determinações impostas pela Lei n.° 5.709/1971 e pelo Decreto n.° 74.965/1974, bem como do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior.” (Parecer nº 461/2012-E, proferido nos autos do Processo CG nº 83.224/2010, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini, por decisão datada de 05.12.2012).

O tema voltou a ser debatido perante o Supremo Tribunal Federal, em virtude de ação ajuizada pela União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra contra o Estado de São Paulo (Ação Civil Originária nº 2.463), visando a declaração de nulidade da orientação normativa contida no Parecer nº 461/2012-E da Corregedoria Geral da Justiça deste Estado, acima transcrito, para o fim de lhes assegurar a atribuição de autorizar, ou não, a aquisição de propriedade rural, no Brasil, por pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social pertença a estrangeiros residentes no exterior ou com sede em outro país.

Em atenção à liminar[2] deferida pelo ilustre Ministro Marco Aurélio nos autos da referida ação, foi publicado o Comunicado CG nº 1577/2016 (DJe de 08.09.2016), nos seguintes termos:

“COMUNICADO CG Nº 1577/2016

PROCESSO Nº 2010/83224 – A Corregedoria Geral da Justiça COMUNICA que, nos Autos da Ação Cível Originária ACO 2463 Distrito Federal, foi deferida pelo Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, liminar suspendendo os efeitos do Parecer nº 461/12-E, de 03/12/2012, acolhido por r. decisão de 05/12/2012, do Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que dispensou os Tabeliães e Oficiais de Registro de observarem as restrições e determinações impostas pela Lei nº 5709/1971 e pelo Decreto nº 74965/1974 e do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior, até o julgamento definitivo da ação.”

Ou seja, a orientação que dispensava os Tabeliães e Oficiais de Registro de observarem as restrições e determinações impostas pela Lei nº 5.709/1971 e pelo Decreto nº 74.965/1974 e do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior, está suspensa.

Logo, estando suspensa a dispensa antes autorizada, prevalecem as restrições e determinações trazidas pela Lei nº 5.709/1971 e pelo Decreto nº 74.965/1974 que, assim, devem ser observadas pelos Tabeliães e Oficiais de Registro.

E considerando que, até a presente data, não há notícia do julgamento da ACO 2463 pelo E. Superior Tribunal Federal3, tal orientação vem sendo cumprida pelas serventias extrajudiciais do Estado de São Paulo. Nesse sentido, e não como interpretou a apelante, é o Parecer nº 182/2018-E nos autos do Processo nº 2018/00063613 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

Acrescente-se que, sobre a aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira, assim dispõem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“Capítulo XVI, Subseção II – Dos Imóveis Rurais

70. A pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil somente pode adquirir bens imóveis rurais, seja qual for a extensão, mediante a prévia aprovação do Ministério da Agricultura.

(…)

74. Quando o adquirente de imóvel rural for pessoa jurídica estrangeira, da escritura pública correspondente à aquisição constará, obrigatoriamente, a aprovação pelo Ministério da Agricultura, os documentos comprobatórios de sua constituição e de licença para seu funcionamento no Brasil e, nos casos previstos no § 3.º do art. 12 da Lei n.º 5.709, de 7 de outubro de 1971, e no § 3.º do art. 5.º do Decreto 74.965, de 26 de novembro de 1974, a autorização do Presidente da República.

74.1. O prazo de validade do deferimento do pedido é de 30 (trinta) dias, dentro do qual deverá ser lavrada a escritura.

75. O Tabelião de Notas, que lavrar escritura que viole as prescrições legais atinentes à aquisição de imóvel rural por pessoa estrangeira, e o Oficial de Registro de Imóveis, que a registrar, responderão civil e criminalmente por tais atos”.

E também:

“Subseção VIII – 1. Do Livro de Registro de Aquisição de Imóveis Rurais por Estrangeiros

97. O Livro de Registro de Aquisição de Imóveis Rurais por Estrangeiros terá o formato e os lançamentos preconizados no regulamento da lei que o instituiu.

97.1. A escrituração deste livro não dispensa a correspondente do Livro nº 2 de Registro Geral.

(…)

99. Na aquisição de imóvel rural por pessoa estrangeira, física ou jurídica, é da essência do ato a escritura pública, sendo vedado ao registrador, sob pena de responsabilidade, registrar títulos que não atendam aos requisitos legais.

(…)

103. Aplicam-se as mesmas restrições relativas à aquisição de imóvel rural por estrangeiro aos casos de fusão ou incorporação de empresas, de alteração de controle acionário de sociedade, ou de transformação de pessoa jurídica nacional para pessoa jurídica estrangeira.”

Nesse cenário, havendo expressas disposições legais e normativas sobre o tema e, ainda, considerando que a alienação fiduciária transfere a propriedade resolúvel, o que também justifica a exigência de autorização quando o credor é estrangeiro, mostra-se correta a recusa formulada pelo registrador. Por conseguinte, há que ser mantida a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Notas:

[1] TJSP; Mandado de Segurança Cível 0058947-33.2012.8.26.0000; Relator (a): Guerrieri Rezende; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo; Data do Julgamento: 12/09/2012; Data de Registro: 05/10/2012.

[2] Andamento processual: 01/09/2016 – Liminar deferida – Por MIN. MARCO AURÉLIO. Em 1/9/2016. “…3. Defiro a liminar pleiteada para suspender os efeitos do parecer nº 461/12-E da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo, até o julgamento definitivo desta ação. 4. Considerada a identidade de objetos, apensem este processo ao revelador da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 342, para julgamento conjunto. 5. Pronunciem-se os autores acerca da contestação. 6. Vindo ao processo a manifestação, colham o parecer da Procuradoria-Geral da República. 7. Publiquem.”

[3] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4598070 (DJe de 19.06.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Título judicial – Servidão administrativa – Dúvida julgada procedente pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente – Inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que não pode ser imposta à concessionária de serviço público – Emolumentos que devem ser fixados segundo a avaliação estabelecida na ação judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Exigências afastadas com base em precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Especialidade objetiva – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área do imóvel atingido, em razão da ausência de planta e memorial descritivo com pontos de amarração – Óbice mantido – Nega-se provimento ao recurso de apelação.

Apelação Cível nº 1006984-12.2018.8.26.0047

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1006984-12.2018.8.26.0047

Comarca: ASSIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1006984-12.2018.8.26.0047

Registro: 2020.0000413360

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006984-12.2018.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que é apelante TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ASSIS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para afastar os óbices apresentados pelo Sr. Oficial Registrador e julgar improcedente a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 5 de junho de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1006984-12.2018.8.26.0047

Apelante: TRIANGULO MINEIRO TRANSMISSORA S/A

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis

VOTO Nº 31.098

Registro de Imóveis – Título judicial – Servidão administrativa – Dúvida julgada procedente pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente – Inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que não pode ser imposta à concessionária de serviço público – Emolumentos que devem ser fixados segundo a avaliação estabelecida na ação judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Exigências afastadas com base em precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Especialidade objetiva – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área do imóvel atingido, em razão da ausência de planta e memorial descritivo com pontos de amarração – Óbice mantido – Nega-se provimento ao recurso de apelação.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por Triângulo Mineiro Transmissora S.A. em face da r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro de servidão administrativa junto à matrícula nº 1.963 daquela serventia extrajudicial (fl. 89/92), confirmando os óbices apresentados na nota devolutiva emitida pelo registrador (fl. 12/13).

Afirma a apelante, em síntese, que a servidão administrativa está perfeitamente descrita no memorial descritivo e planta do imóvel apresentados em conformidade com a prova pericial elaborada nos autos do Processo nº 1007599-41.2014.8.26.0047, da 3ª Vara Cível da Comarca de Assis/SP, o que afasta qualquer dúvida de que esteja inserida nos limites da propriedade rural denominada Fazenda Bom Retiro, objeto da matrícula nº 1.963. Aduz, assim, que a obrigação de providenciar o georreferenciamento do imóvel serviente é do proprietário da área, sobretudo porque a servidão administrativa já está devidamente georreferenciada. Ainda, sustenta não estar obrigada à inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR, bem como que as custas e os emolumentos deve ser calculados com base no valor econômico apurado na ação judicial que instituiu a servidão administrativa (fl. 115/132).

O Sr. Oficial de Registro manifestou-se nos autos, insistindo na manutenção da r. decisão recorrida (fl. 177/182).

A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer (fl. 207/212).

É o relatório.

2. A apelante, concessionária de serviço público de transmissão de energia elétrica, por sentença proferida em ação judicial teve instituída, em seu favor, servidão administrativa sobre uma faixa de terras, declarada de utilidade pública, inserida em imóvel rural objeto da matrícula nº 1.963 do Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Assis/SP.

Contudo, o mandado judicial expedido nos autos da ação de instituição de servidão administrativa (Processo nº 1007599-41.2014.8.26.0047, da 3ª Vara Cível da Comarca de Assis/SP), apresentado a registro pela apelante, foi negativamente qualificado pelo Sr. Oficial Registrador, que apresentou as seguintes exigências: i) apresentar a planta e memorial descritivo do imóvel serviente, com a localização da respectiva servidão, a fim de que seja preservado o princípio da especialidade objetiva, e juntar a Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, devidamente quitada, emitida pelo profissional responsável pelo levantamento; ii) apresentar comprovação da inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR do imóvel objeto da matrícula nº 1.963; iii) juntar a última declaração do ITR, bem como a certidão negativa de débitos do ITR, para fins de cálculo das custas e emolumentos devidos para a prática do ato registrário.

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 119 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça1, vigente à época da qualificação (atual item 117). Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial2.

No que diz respeito à necessidade de prévia inscrição do imóvel serviente junto ao Cadastro Ambiental Rural – CAR e de apresentação da documentação relativa ao ITR, importa anotar que este C. Conselho Superior da Magistratura, apreciando hipótese bastante semelhante àquela versada nos presentes autos, entendeu, recentemente, que as exigências formuladas pelo registrador não merecem subsistir. A propósito, assim ficou decidido:

“Registro de Imóveis – Servidão administrativa instituída por decisão judicial – I – Exigência de prévia averbação da inscrição do imóvel serviente no Cadastro Ambiental Rural – CAR que não deve subsistir. ‘Servidão administrativa’ não se confunde com ‘servidão de passagem’ para os fins do item 125.2 das NSCGJ – Informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e do Decreto nº 7.830/2012, e não da empresa concessionária do serviço público de transmissão de energia elétrica, até mesmo porque têm o condão de criar restrições de uso para os primeiros (delimitação dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal, nos moldes do art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012) – Elaboração do CAR pela empresa concessionária que acarretaria, ainda, ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa – II – Emolumentos que devem ser fixados em consideração à avaliação estabelecida na demanda judicial, nos moldes do art. 7º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002 – Recurso provido, para afastar a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Assis-SP” (TJSP; Apelação Cível nº 1002363-69.2018.8.26.0047; Relator (a): Pereira Calças (Presidente Tribunal de Justiça); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Assis – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/04/2019; Data de Registro: 21/05/2019).

Para efetiva compreensão das razões que levaram ao afastamento dos referidos óbices pelo C. Conselho Superior da Magistratura, vale a transcrição de parte do voto vencedor proferido nos autos da Apelação nº 1002363-69.2018.8.26.0047:

“O Cadastro Ambiental Rural, criado pela Lei nº 12.651/2012 (Código Florestal), consiste em registro público eletrônico integrante do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente SINIMA, contemplando, nos termos do art. 5º do Decreto nº 7.830/2012, ‘os dados do proprietário, possuidor rural ou responsável direto pelo imóvel rural, a respectiva planta georreferenciada do perímetro do imóvel, das áreas de interesse social e das áreas de utilidade pública, com a informação da localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e da localização das Reservas Legais.’ Cuidando-se de pequena propriedade familiar, a planta georreferenciada pode ser substituída por croqui que indique o perímetro do imóvel, as Áreas de Preservação Permanente e os remanescentes que formam a Reserva Legal, consoante art. 8º, caput, do mesmo Decreto.

As informações acima listadas, ante a sua complexidade e significativa extensão, devem ser fornecidas pelo proprietário ou possuidor do imóvel, conforme determina o art. 29, §1º, da Lei nº 12.651/2012 (‘A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do proprietário ou possuidor rural: I identificação do proprietário ou possuidor rural; II comprovação da propriedade ou posse; III identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal’).

Outrossim, dispõe o art. 5º, §4º, do Decreto nº 7.830/2012, que ‘a atualização ou alteração dos dados inseridos no CAR só poderão ser efetuadas pelo proprietário ou possuidor rural ou representante legalmente constituído.’

É certo que, uma vez efetivada a inscrição no CAR, a averbação do respectivo número junto ao Cartório de Registro de Imóveis pode ser feita por iniciativa de ‘qualquer pessoa’, como prevê o item 125.3 do capítulo XX das NSCGJ.

Contudo, nos casos em que o proprietário ou possuidor deixou de realizar o cadastro ambiental (hipótese sub examine), não se pode exigir que o titular de servidão administrativa promova, por si mesmo, a regularização do imóvel perante o SINIMA, para só então solicitar a averbação do respectivo número ao CRI e obter, finalmente, o registro do direito de servidão.

Primeiro, porque, como visto, as informações que integram o CAR devem partir do proprietário ou possuidor do bem imóvel (objeto da inscrição), nos moldes da Lei nº 12.651/2012 e do Decreto nº 7.830/2012. Até mesmo porque a inscrição no CAR, por demandar a ‘localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal’ (art. 29, §1º, III, da Lei nº 12.651/2012), tem o condão de criar restrições de uso (obrigações de não fazer) para o proprietário ou possuidor. Não parece adequado, nesse contexto, que o titular de servidão administrativa, a qual atinge apenas uma fração do imóvel serviente (diminuta, no mais das vezes), possa estabelecer os limites de uso e fruição de todo o imóvel, afetando direitos alheios (do proprietário e do possuidor). Segundo, porque a elaboração do CAR pela empresa concessionária acarretaria ônus desproporcional à extensão do direito de servidão administrativa, podendo prejudicar, em última análise, o atendimento dos interesses da coletividade.

(…)

Possível imaginar, ainda, os efeitos negativos potencializados em escala nacional, caso exigidas tais providências das concessionárias de energia elétrica, para todas as propriedades sem CAR pelas quais passem as redes de transmissão.

(…)

É preciso salientar, no entanto, que a Lei nº 12.651/2012 dispensa a criação de Reserva Legal sobre ‘áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica’ (art. 12, §7º). Logo, nesse cenário, a delimitação da Reserva Legal continua a cargo do proprietário, que deve excluir do cálculo da Reserva o trecho abrangido pela utilidade pública (art. 23, inciso I, da Instrução Normativa MMA nº 02/2014).

(…)

Sustenta o Sr. Oficial que a exibição da declaração de ITR se prestaria à verificação do ‘maior valor’ entre aqueles arrolados nos incisos I a III do art. 7º (preço do imóvel, valor lançado para fins de ITR ou base de cálculo do ITBI), conforme dispõe o caput do mesmo dispositivo. Todavia, o caso em análise subsume-se ao parágrafo único do art. 7º, que vincula a base de cálculo dos emolumentos ao valor atribuído à coisa em sede de ação judicial ou procedimento fiscal (exceção à regra do caput). Assim, a quantia indenizatória fixada em favor do proprietário do imóvel (art. 40 do Decreto-Lei nº 3.365/1941) dá a justa dimensão patrimonial da servidão, devendo ser utilizada como parâmetro na apuração das despesas registrais”.

No mais, em que pese a realização de prova técnica no bojo da ação judicial em que instituída a servidão administrativa em favor da apelante, com a indicação das coordenadas geográficas e geodésicas da área (fl. 26), não foram apresentados, nestes autos, planta ou memorial descritivo com pontos de amarração que permitam identificar em que parte da matrícula nº 1.963 se encontra a área sujeita à servidão.

São diversos os precedentes deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura no sentido de que o registro da servidão administrativa se submete a todos os princípios informadores dos registros públicos[3]. A propósito, já ficou decidido que:

“Registro de Imóveis – Dúvida Inversa – Carta de sentença – Servidão administrativa – Princípio da especialidade objetiva – Impossibilidade de identificar a servidão dentro da área de cada um dos imóveis atingidos, em razão da descrição deficiente nas respectivas matrículas – Dúvida julgada procedente – Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1005785-19.2017.8.26.0037; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Araraquara – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/12/2018; Data de Registro: 19/12/2018).

No referido voto, ficou expressamente consignado que:

“A servidão administrativa proporciona utilidade para o prédio dominante e grava o prédio serviente, que pertence a proprietário diverso, com força de limitação administrativa. Uma vez registrada, grava o direito real em favor de seu titular, no caso, a Administração Pública ou suas concessionárias.

Ora, não se pode admitir a constituição de um direito real sem a necessária certeza sobre a amarração da área objeto da servidão à base territorial sobre a qual está sendo implantada.

É verdade que as servidões administrativas não possuem natureza similar à da desapropriação, como modo de aquisição de domínio; entretanto, de outro enfoque, traduzem gravame e limitam o exercício da propriedade, com natureza pública, instituído sobre imóvel alheio.

Não se pode falar em mitigação da especialidade objetiva para atos de registro constitutivo de um novo direito real, sob pena de ofensa a todos os princípios de segurança jurídica e publicidade afetos ao serviço de registro imobiliário.”

Assim sendo, correta a exigência formulada pelo registrador, quanto à necessidade de apresentação de planta e memorial descritivo do imóvel objeto do imóvel serviente, com a localização da respectiva servidão, a fim de que seja preservado o princípio da especialidade objetiva.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Notas:

[1] 119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

[2] Apelação Cível n° 413-6/7; Apelação Cível n° 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223. (DJe de 19.06.2020 – SP)

Fonte: IDJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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