CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro da instituição de condomínio edilício – Área de propriedade e de uso comum, não construída, que apesar de indicada nas descrições das unidades autônomas não foi descrita na instituição de condomínio e no memorial que o integra – Critério puramente quantitativo que não serve para aferir a existência, ou não, de condomínio edilício – Ausência de indícios de fraude às disposições legais que tratam do parcelamento do solo – Divergência entre as áreas da planta baixa do empreendimento – Óbice mantido – Memorial de incorporação que não atende ao princípio da especialidade objetiva – Necessidade de adequação – Nega-se provimento ao recurso, com observação.


  
 

Apelação Cível nº 0002772-10.2019.8.26.0344

Espécie: APELAÇÃO
Número: 0002772-10.2019.8.26.0344
Comarca: MARÍLIA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 0002772-10.2019.8.26.0344

Registro: 2020.0000413350

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0002772-10.2019.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que é apelante CM 2 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MARÍLIA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 5 de junho de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 0002772-10.2019.8.26.0344

Apelante: CM 2 Empreendimentos Imobiliários SPE LTDA

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Marília

VOTO Nº 31.092

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro da instituição de condomínio edilício – Área de propriedade e de uso comum, não construída, que apesar de indicada nas descrições das unidades autônomas não foi descrita na instituição de condomínio e no memorial que o integra – Critério puramente quantitativo que não serve para aferir a existência, ou não, de condomínio edilício – Ausência de indícios de fraude às disposições legais que tratam do parcelamento do solo – Divergência entre as áreas da planta baixa do empreendimento – Óbice mantido – Memorial de incorporação que não atende ao princípio da especialidade objetiva – Necessidade de adequação – Nega-se provimento ao recurso, com observação.

1. Trata-se de apelação interposta por CM 2 Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. contra a r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Marília/SP, que manteve os óbices apresentados ao registro da instituição de condomínio edilício na matrícula nº 61.326 daquela serventia imobiliária (fl. 98/102).

Alega a apelante, em síntese, que foram atendidos todos os requisitos da Lei nº 4.591/64, estando previstas, no empreendimento, a área privativa de 251,50m², correspondente a 64,56% da área útil total, assim como a área comum de 138m², correspondente a 35,43% da área útil total. Aduz que as salas comerciais serão construídas em uma única fachada, o que afasta a alegada ocorrência de burla à Lei de Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766/79) e também impede a aplicação da Lei nº 13.465/17, que trata do condomínio urbano simples. Esclarece que a Prefeitura de Marília/SP aprovou o projeto, mediante expedição de alvará de construção das salas comerciais com número próprio na via pública, visando facilitar a construção por não existir acesso comum, como portaria ou recepção.

O título foi devolvido com as seguintes exigências pelo registrador: “- Apresentar atestado de idoneidade financeira mencionando o empreendimento; – Retificar na planta e na convenção a referência a números da rua diversos para cada unidade, pois o condomínio exige um único número para todo o prédio, ficando cada unidade com a designação de loja 1, 2, etc.; – Esclarecer a divergência de áreas constantes da planta de fls. 18, constando uma área no quadro de áreas e outra nas unidades; – Efetuar depósito de R$ 3.620,38” (fl. 64).

A interessada cumpriu a primeira e a última exigências, insurgiu-se em relação às demais e insistiu no registro da incorporação (Protocolo nº 220289 – fl. 12) , requerendo, caso mantida a qualificação negativa do título, a suscitação de dúvida pelo Sr. Oficial Registrador (fl. 67/72).

É o relatório.

2. A dúvida foi suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Marília/SP, a requerimento da ora apelante, que não se conformou com a exigência de retificação da planta e da convenção, a fim de que passe a constar um único número para todo o prédio, e tampouco com a exigência de esclarecimentos quanto à divergência de áreas, ambas apontadas na nota devolutiva expedida (fl. 64).

Da análise das razões da dúvida suscitada pelo registrador, observam-se dois fundamentos distintos para a recusa. O primeiro diz respeito à descaracterização do condomínio em sentido amplo, por conta da existência de área comum ínfima em relação à área construída, numeração distinta para cada unidade e acesso autônomo de cada uma para a via pública. Entendeu o Oficial pela possibilidade de conversão do pedido para um condomínio urbano simples, na forma da Lei nº 13.465/2017, o que não foi aceito pela incorporadora. O segundo está relacionado à necessidade de correção da planta baixa do condomínio junto à Prefeitura, após os esclarecimentos prestados pela incorporadora a respeito da divergência nas áreas de cada unidade prevista.

O primeiro óbice apresentado pelo Oficial deve ser afastado.

A instituição de condomínio edilício exige a comprovação da ocorrência das circunstâncias de fato descritas nos arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, especialmente a existência de edificação em que se observem partes que são de propriedade exclusiva e partes que são de propriedade comum dos condôminos. E no que tange à propriedade comum, há de se considerar que esta, seja quanto à extensão de área, seja quanto à sua especificação, deve indicar com segurança que serve a todas as unidades autônomas, tanto em relação à fruição pelos proprietários, quanto à própria estrutura do bem, ou indicar a unidade que dela poderá usufruir exclusivamente.

No caso concreto, apesar da existência de pequena área de uso comum em relação às áreas das unidades autônomas, da numeração própria e do acesso exclusivo à via pública para cada uma dessas unidades autônomas, ficou satisfatoriamente demonstrada a existência de um condomínio edilício.

Com efeito, da análise do memorial descritivo e, particularmente, da planta baixa do empreendimento, observa-se a construção de cinco unidades autônomas, para fins comerciais, com previsão de áreas comuns que se caracterizam como parcela essencial e única para todas aquelas. Além do solo, tem-se a previsão de propriedade comum a todos os condôminos nas paredes divisórias, fachada, compartimentos de luz, troncos de entrada de serviços públicos, muros e gradis externos e jardins, a indicar a efetiva existência de um condomínio em seu sentido funcional.

O projeto é claro na indicação da pretensão do incorporador: criar um condomínio de estabelecimentos comerciais na forma de lojas, em área comum defronte a futuro empreendimento habitacional, sem indícios, pois, de que há intenção de fraudar a legislação específica do parcelamento de solo.

O precedente citado pelo Oficial não encontra aplicação no caso concreto, por conta da divergência de fatos a afastar a mesma solução jurídica. Naquele caso (Apelação CSM nº 1066651-03.2014.8.26.0100), as casas não possuíam uma área de propriedade comum, a não ser pela existência de uma churrasqueira que já havia sido construída em data anterior ao projeto. Como se vê, o paradigma, em seu aspecto fático, é diverso do caso em análise. Em termos amplos, o precedente citado refere-se a um caso de simulação relativa, em que a instituição do condomínio visava ocultar uma divisão ilícita da propriedade urbana.

Na hipótese dos autos, entretanto, não se vislumbra nenhuma intenção de burlar à legislação urbanística. A divisão das unidades comerciais prevista no projeto não só atende à sua finalidade econômica, mas também à ocupação lícita e viável do solo, sem significar desrespeito à legislação.

O condomínio a ser instituído, nesse aspecto, está em conformidade com a lei, pois conjuga o exercício da propriedade exclusiva com o uso de áreas de propriedade comum, administrada em favor dos condôminos.

Note-se que a existência de numeração distinta para cada uma das unidades autônomas, todas com acesso à via pública a partir de uma área comum, não traduz por si só um parcelamento irregular do solo urbano. Embora o acesso comum seja um dos elementos identificáveis do condomínio instituído, não se mostra obrigatório, especialmente em casos como o presente.

A situação fática, como se vê, não pode ser comparada à previsão de um conjunto de residências, com numeração própria e acesso à via pública individualizado, sem a existência efetiva de uma área comum.

Assim, o primeiro fundamento da recusa, qual seja, a inexistência de propriedade comum suficiente à caracterização do condomínio, merece ser afastado.

Contudo, o segundo fundamento de recusa está correto.

Conforme sustenta o Oficial, há divergência entre as áreas da planta baixa do empreendimento, constando uma medida das unidades no desenho dos imóveis e outra no quadro de áreas.

A propósito, a apelante justificou a divergência ao argumento de que “as medidas corretas são aquelas constantes no quadro da planta, conforme respectivo alvará de construção e inclusa declaração anexa da Incorporadora junto com Arquiteto responsável pelo projeto (DOC. 2), pela qual, foi utilizada para elaborar o respectivo quadro de áreas da Tabela NBR” (sic, fl. 68).

Ora, ainda que os esclarecimentos apresentados pela apelante pudessem ser aceitos, mostra-se imprescindível a correção da planta baixa aprovada pela Prefeitura Municipal. Tal providência é essencial para que se permita o ingresso do título, eis que a representação gráfica do condomínio a ser instituído, com especificação de todas as dimensões das unidades e partes comuns, deve ser única, seja na planta aprovada pelo Município, seja na descrição feita no projeto de construção constante no pedido de alvará para realização da obra.

A manutenção de parte das exigências feitas pelo Oficial, por si só, é suficiente para o acolhimento da dúvida e, consequentemente, para negativa de ingresso do título junto ao fólio real.

Entretanto, há ainda outro óbice a impedir o registro requerido. No caso concreto, o princípio da especialidade objetiva foi desrespeitado, havendo descrição insuficiente das áreas de uso comum, não construídas, no memorial de incorporação, o que impede a identificação, no plano espacial, de sua exata localização dentro do condomínio.

A instituição de condomínio deve descrever, com precisão, a localização e o regramento do uso das áreas comuns em relação às unidades autônomas. O art. 8º da Lei nº 4.591/1964 indica a necessidade de se discriminar, com precisão, as partes comuns do bem imóvel objeto da instituição do condomínio, o que pressupõe também a descrição precisa de sua localização e a previsão geral de seu uso, dando-se publicidade à forma de uso da propriedade pelos condôminos.

“Art. 8º. Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte:

(…)

c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;

d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.”

O mesmo comando se observa, de forma geral, para todos os condomínios de prédios, consoante disposto nos arts. 1.331 e 1.332 do Código Civil, exigindo-se a discriminação e a individualização das partes comuns que irão compor o condomínio.

No caso concreto, o memorial de incorporação do “Condomínio Comercial II Villa Felicittà Brigadeiro” assim descreve as partes comuns do empreendimento:

A) PARTES COMUNS – consubstanciada de coisas e áreas de uso comum dos condôminos, inalienáveis e indivisíveis, acessórias e indissoluvelmente ligadas às unidades autônomas, tal como definidas no artigo 3º da Lei n. 4.591/64, a saber: o terreno em que se levantam as edificações e suas instalações; as estruturas de alvenaria e suas fundações, as paredes externas de cada unidade; as paredes internas divisórias entre as unidades autônomas e entre estas e as partes comuns; as fachadas de cada unidade e seus ornamentos (exclusiva janelas das unidades autônomas); os compartimentos dos medidores de luz; os telhados que cobrem as unidades autônomas; os fios e encanamentos; a (sic) caixas d’água; os troncos de entrada de água, eletricidade, telefone e os de saída de esgoto e todos os respectivos ramais que servem as dependências e uso comum; os condutores de águas pluviais; bem como, as áreas do subsolo; os muros e gradis externos; os jardins e os passeios e respectivas (sic) e rebaixamento de guias para acesso as unidades e demais benfeitorias (g.n.).”

Não há descrição precisa, no memorial, das medidas e localização dos jardins, passeios e eventuais áreas comuns de acesso às unidades autônomas, observando-se, inclusive, erro material no documento a impedir a correta identificação de alguma estrutura que seria indicada após a partícula “respectivas”, constante no item VIII, A, parte final do documento (fl. 18).

Nem é possível, da análise da planta baixa do condomínio, identificar de forma clara e isenta de dúvidas a localização das áreas comuns, a fim de se aferir sua correspondência com as medidas indicadas no memorial de incorporação, bem como para que o registro das unidades condominiais futuras possa dar publicidade das áreas comuns de uso exclusivo ou não, como, por exemplo, o acesso à via pública, defronte aos cinco prédios (fl. 80).

Como se vê, o memorial de incorporação não respeita o princípio da especialidade objetiva, impedindo seu registro na matrícula do imóvel a ser incorporado, sob pena de ofensa ao art. 176 da Lei nº 6.015/1973, perfeitamente aplicável aos casos de registro de memoriais de incorporação para fins de implantação de condomínios.

Assim, sem a devida adequação do memorial de incorporação ao princípio da especialidade objetiva, também não há como se admitir o ingresso do título junto ao fólio real.

À vista do exposto, NEGO PROVIMENTO, com observação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator. (DJe de 19.06.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.