CSM/SP: Registro de Imóveis – Imóvel rural – Constituição de garantia de alienação fiduciária em favor de instituição financeira cujo controle societário é detido por pessoa jurídica estrangeira – Lei nº 5.709/71, art. 1º, § 1º – Orientação normativa contida na decisão da Corregedoria Geral da Justiça, que aprovou o Parecer nº 461/2012-E, suspensa por força de liminar deferida na Ação Civil Originária – ACO 2463, em curso perante o E. STF – Exigências mantidas – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.


  
 

Apelação Cível nº 1004462-94.2019.8.26.0073

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1004462-94.2019.8.26.0073

Comarca: AVARÉ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1004462-94.2019.8.26.0073

Registro: 2020.0000339780

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004462-94.2019.8.26.0073, da Comarca de Avaré, em que é apelante NUTRIEN AG SOLUTIONS INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA. (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL), é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AVARÉ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 28 de abril de 2020.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1004462-94.2019.8.26.0073

Apelante: Nutrien Ag Solutions Indústria e Comércio de Produtos Agrícolas Ltda. (Em Recuperação Judicial)

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Avaré

VOTO Nº 31.132

Registro de Imóveis – Imóvel rural – Constituição de garantia de alienação fiduciária em favor de instituição financeira cujo controle societário é detido por pessoa jurídica estrangeira – Lei nº 5.709/71, art. 1º, § 1º – Orientação normativa contida na decisão da Corregedoria Geral da Justiça, que aprovou o Parecer nº 461/2012-E, suspensa por força de liminar deferida na Ação Civil Originária – ACO 2463, em curso perante o E. STF – Exigências mantidas – Dúvida julgada procedente – Apelação não provida.

1. Trata-se de apelação interposta por Nutrien AG Solutions Indústria e Comércio de Produtos Agrícolas Ltda. contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Avaré/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa ao registro do instrumento particular de abertura de crédito e seu aditivo, garantido por alienação fiduciária de parte ideal correspondente a 94,5361536% do imóvel rural denominado Sítio do Cerrado, objeto da matrícula nº 38.463 da referida serventia imobiliária (fl. 117/120).

Alega a apelante, em síntese, que a hipótese não se refere à aquisição de imóvel rural por estrangeiro, mas sim, à constituição de garantia de alienação fiduciária em favor de instituição financeira cujo controle societário é detido por pessoa jurídica estrangeira, razão pela qual não se aplicam ao caso concreto as restrições estabelecidas pela Lei nº 5.709/1971 (fl. 128/139).

Na nota de devolução expedida (fl. 83), o Oficial registrador formulou duas exigências: “1. Juntar a autorização do INCRA para a aquisição, tendo em vista que a maioria do capital social é detida por empresas estrangeiras, em atenção ao disposto no artigo 1º, § 1º, e no artigo 6º, ambos da Lei 5.709/71. A credora Nutrien AG Solutions Indústria e Comércio de Produtos Agrícolas Ltda tem como sócias Alberta Ltd (610918) empresa canadense (0,000002) e Nutrien AG Solutions Participações Ltda (99,9999998) e esta tem como sócias Nutrien AG Solutions Argentina S/A – empresa argentina (0,11) e a Alberta Ltd (610918) – empresa candense (99,89). 2. Em virtude da autorização do INCRA solicitada no item acima, a transmissão da propriedade resolúvel do imóvel deve ser feita através de escritura pública (artigo 8º da Lei 5.709/71).

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 157/161).

É o relatório.

2. Dispõe a Lei nº 5.709/71 que:

“Art. 1º – O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.

§ 1º – Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.

§ 2º – As restrições estabelecidas nesta Lei não se aplicam aos casos de sucessão legítima, ressalvado o disposto no art. 7º”.

A matéria relativa à interpretação do § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709/71, que para efeito das restrições de aquisição de imóvel rural por estrangeiro equipara a pessoa jurídica brasileira que tenha sede no exterior ou cuja maioria acionária seja estrangeira, foi objeto de apreciação pelo Órgão Especial deste Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[1].

Em consonância com o entendimento adotado por referido órgão julgador, sobreveio orientação normativa da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo no sentido de que: “o § 1.° do artigo 1.° da Lei n.° 5.709/1971 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de sorte a dispensar os tabeliães e oficiais de registro de observarem as restrições e as determinações impostas pela Lei n.° 5.709/1971 e pelo Decreto n.° 74.965/1974, bem como do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior.” (Parecer nº 461/2012-E, proferido nos autos do Processo CG nº 83.224/2010, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini, por decisão datada de 05.12.2012).

O tema voltou a ser debatido perante o Supremo Tribunal Federal, em virtude de ação ajuizada pela União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra contra o Estado de São Paulo (Ação Civil Originária nº 2.463), visando a declaração de nulidade da orientação normativa contida no Parecer nº 461/2012-E da Corregedoria Geral da Justiça deste Estado, acima transcrito, para o fim de lhes assegurar a atribuição de autorizar, ou não, a aquisição de propriedade rural, no Brasil, por pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social pertença a estrangeiros residentes no exterior ou com sede em outro país.

Em atenção à liminar[2] deferida pelo ilustre Ministro Marco Aurélio nos autos da referida ação, foi publicado o Comunicado CG nº 1577/2016 (DJe de 08.09.2016), nos seguintes termos:

“COMUNICADO CG Nº 1577/2016

PROCESSO Nº 2010/83224 – A Corregedoria Geral da Justiça COMUNICA que, nos Autos da Ação Cível Originária ACO 2463 Distrito Federal, foi deferida pelo Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal, liminar suspendendo os efeitos do Parecer nº 461/12-E, de 03/12/2012, acolhido por r. decisão de 05/12/2012, do Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que dispensou os Tabeliães e Oficiais de Registro de observarem as restrições e determinações impostas pela Lei nº 5709/1971 e pelo Decreto nº 74965/1974 e do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior, até o julgamento definitivo da ação.”

Ou seja, a orientação que dispensava os Tabeliães e Oficiais de Registro de observarem as restrições e determinações impostas pela Lei nº 5.709/1971 e pelo Decreto nº 74.965/1974 e do cadastramento no Portal do Extrajudicial, em relação às pessoas jurídicas brasileiras cuja maioria do capital social se concentre em poder de estrangeiros residentes fora do Brasil ou de pessoas jurídicas com sede no exterior, está suspensa.

Logo, estando suspensa a dispensa antes autorizada, prevalecem as restrições e determinações trazidas pela Lei nº 5.709/1971 e pelo Decreto nº 74.965/1974 que, assim, devem ser observadas pelos Tabeliães e Oficiais de Registro.

E considerando que, até a presente data, não há notícia do julgamento da ACO 2463 pelo E. Superior Tribunal Federal3, tal orientação vem sendo cumprida pelas serventias extrajudiciais do Estado de São Paulo. Nesse sentido, e não como interpretou a apelante, é o Parecer nº 182/2018-E nos autos do Processo nº 2018/00063613 da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

Acrescente-se que, sobre a aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira, assim dispõem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“Capítulo XVI, Subseção II – Dos Imóveis Rurais

70. A pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil somente pode adquirir bens imóveis rurais, seja qual for a extensão, mediante a prévia aprovação do Ministério da Agricultura.

(…)

74. Quando o adquirente de imóvel rural for pessoa jurídica estrangeira, da escritura pública correspondente à aquisição constará, obrigatoriamente, a aprovação pelo Ministério da Agricultura, os documentos comprobatórios de sua constituição e de licença para seu funcionamento no Brasil e, nos casos previstos no § 3.º do art. 12 da Lei n.º 5.709, de 7 de outubro de 1971, e no § 3.º do art. 5.º do Decreto 74.965, de 26 de novembro de 1974, a autorização do Presidente da República.

74.1. O prazo de validade do deferimento do pedido é de 30 (trinta) dias, dentro do qual deverá ser lavrada a escritura.

75. O Tabelião de Notas, que lavrar escritura que viole as prescrições legais atinentes à aquisição de imóvel rural por pessoa estrangeira, e o Oficial de Registro de Imóveis, que a registrar, responderão civil e criminalmente por tais atos”.

E também:

“Subseção VIII – 1. Do Livro de Registro de Aquisição de Imóveis Rurais por Estrangeiros

97. O Livro de Registro de Aquisição de Imóveis Rurais por Estrangeiros terá o formato e os lançamentos preconizados no regulamento da lei que o instituiu.

97.1. A escrituração deste livro não dispensa a correspondente do Livro nº 2 de Registro Geral.

(…)

99. Na aquisição de imóvel rural por pessoa estrangeira, física ou jurídica, é da essência do ato a escritura pública, sendo vedado ao registrador, sob pena de responsabilidade, registrar títulos que não atendam aos requisitos legais.

(…)

103. Aplicam-se as mesmas restrições relativas à aquisição de imóvel rural por estrangeiro aos casos de fusão ou incorporação de empresas, de alteração de controle acionário de sociedade, ou de transformação de pessoa jurídica nacional para pessoa jurídica estrangeira.”

Nesse cenário, havendo expressas disposições legais e normativas sobre o tema e, ainda, considerando que a alienação fiduciária transfere a propriedade resolúvel, o que também justifica a exigência de autorização quando o credor é estrangeiro, mostra-se correta a recusa formulada pelo registrador. Por conseguinte, há que ser mantida a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Notas:

[1] TJSP; Mandado de Segurança Cível 0058947-33.2012.8.26.0000; Relator (a): Guerrieri Rezende; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo; Data do Julgamento: 12/09/2012; Data de Registro: 05/10/2012.

[2] Andamento processual: 01/09/2016 – Liminar deferida – Por MIN. MARCO AURÉLIO. Em 1/9/2016. “…3. Defiro a liminar pleiteada para suspender os efeitos do parecer nº 461/12-E da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo, até o julgamento definitivo desta ação. 4. Considerada a identidade de objetos, apensem este processo ao revelador da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 342, para julgamento conjunto. 5. Pronunciem-se os autores acerca da contestação. 6. Vindo ao processo a manifestação, colham o parecer da Procuradoria-Geral da República. 7. Publiquem.”

[3] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4598070 (DJe de 19.06.2020 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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