Anulação de retificação de escritura pública de compra e venda e cancelamento de registro – Ilegitimidade de parte passiva do tabelionato acolhida – Tabelionatos extrajudiciais que não possuem personalidade jurídica – Imóvel adquirido pela Ré quando já era separada judicialmente do Autor – Ausência de irregularidade da retificação da escritura de venda e compra, realizada com base nos documentos apresentados – Autor que não nega que à época era separado judicialmente, ausente ainda prova acerca da alegada união estável – Sentença de improcedência mantida – Verba honorária majorada, observada a Justiça gratuita – Recurso não provido.


  
 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos destes autos do Apelação Cível nº 1037229-05.2017.8.26.0576, da Comarca São José do Rio Preto, em que é apelante GILBERTO DURAN (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados MARCIA REGINA PEREIRA DE CASTRO e SEGUNDO TABELIAO DE PROTESTO DE LETRAS E TITULO DE SAO JOSE DO RIO PRETO SERVIÇO NOTARIAL E REGISTRAL.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação do Exmos. Desembargadores JOÃO PAZINE NETO (Presidente), DONEGÁ MORANDINI E BERETTA DA SILVEIRA.

São Paulo, 17 de julho de 2020

JOÃO PAZINE NETO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Apelação Cível Nº 1037229-05.2017.8.26.0576 Comarca: São José do Rio Preto

Apelante: Gilberto Duran

Apelados: Marcia Regina Pereira de Castro e Segundo Tabeliao de Protesto de Letras e Titulo de Sao Jose do Rio Preto Serviço Notarial e Registral

Juiz sentenciante: Sandro Nogueira de Barros Leite

Voto nº 25.716

Anulação de retificação de escritura pública de compra e venda e cancelamento de registro. Ilegitimidade de parte passiva do tabelionato acolhida. Tabelionatos extrajudiciais que não possuem personalidade jurídica. Imóvel adquirido pela Ré quando já era separada judicialmente do Autor. Ausência de irregularidade da retificação da escritura de venda e compra, realizada com base nos documentos apresentados. Autor que não nega que à época era separado judicialmente, ausente ainda prova acerca da alegada união estável. Sentença de improcedência mantida. Verba honorária majorada, observada a Justiça gratuita. Recurso não provido.

Trata-se de ação de anulação de retificação de escritura de compra e venda e cancelamento de registro, julgada improcedente pela r. sentença de págs. 131/133, cujo relatório adoto, com condenação do Autor ao pagamento das custas, despesas processuais e verba honorária arbitrada em 10% do valor atualizado da causa, observada a Justiça gratuita.

Apela o Autor (págs. 136/140) com alegação, em síntese, que não houve equívoco quanto à qualificação do estado civil das partes, uma vez que naquela época não existia averbação da separação judicial. A averbação somente foi feita no ano de 2010. Bastava somente um pouco de atenção do segundo Réu para que esta desastrosa retificação fosse evitada. Bastava uma simples consulta nos seus arquivos para verificação da certidão apresentada no ano de 2003. Mas, ao contrário, o segundo Réu se contentou com a falsa informação passada pela primeira Ré, acompanhada da apresentação da certidão atualizada de casamento, constando a averbação da separação e do divórcio, feita sete anos após a lavratura da escritura pública. Portanto, não existiu qualquer equívoco cometido pelo segundo Réu naquela época, e sim um grande equívoco cometido agora, na retificação. Importante esclarecer que a questão a envolver a propriedade do bem já foi exaustivamente discutida no processo de divórcio nº 0033827-69.2013.8.26.0576, tendo sido lá produzidas inúmeras provas, encerrada esta questão na sentença já transitada em julgado, com o reconhecimento da aquisição do imóvel em nome do Autor e da Ré Márcia. A Ré Márcia agiu com absoluta má-fé e o 2º Tabelionato, se não agiu de má-fé, agiu com negligência, uma vez que era seu dever exigir a autorização ou ao menos a ciência do Autor para a retificação solicitada pela Ré Márcia. Pugna pela procedência do pedido em relação à Ré Márcia, visto ter agido com má-fé.

Dispensado o preparo, por ser o Autor beneficiário da Justiça gratuita (pág. 34). Ofertadas contrarrazões, em que suscitada preliminar de ilegitimidade de parte passiva pelo Tabelionato (págs. 144/162 e 163/178).

Originariamente distribuído para o e. Desembargador Egídio Giacoia, foi o processo redistribuído para este relator, em 29.6.2020.

É o relatório.

A r. sentença de págs. 131/133 não comporta reparos.

Em ação de anulação de retificação de escritura pública de compra e venda e anulação do registro, argumenta o Autor que adquiriu imóvel juntamente com a Ré Márcia Regina Pereira de Castro, conforme escritura pública de compra e venda de nº 0718, do 2º Tabelionato de Notas de São José do Rio Preto. Na oportunidade, o Autor e a Ré Márcia foram qualificados como “casados”. Posteriormente, foi realizada averbação da separação do casal e foi decretada a conversão da separação judicial em divórcio do casal, onde restou reconhecida propriedade do bem a ambos os litigantes. No entanto, a Ré Márcia dirigiu-se ao 2º Tabelionato de Notas de São José do Rio Preto e solicitou a retificação da escritura pública de compra e venda de nº 0718, sob a alegação de que quando da lavratura da escritura o casal adquirente era separado judicialmente. Com isso, o Réu 2º Tabelionato procedeu à retificação e excluiu o nome do Autor da escritura, passando a constar como adquirente apenas a Ré Márcia. Busca a anulação da retificação da escritura e seu consequente registro.

De início, reconheço a ilegitimidade de parte passiva do 2º Tabelionato de Notas de São José do Rio Preto. Conforme entendimento jurisprudencial “…, hodiernamente, os serviços notariais e de registros passaram a ser delegados pelo Poder Público, por meio de concurso e exercidos, em caráter privado, consoante o disposto no art. 136, da CF. Ou seja, os Cartórios não são pessoas jurídicas e não detêm personalidade que tal, pois não há registro de atos constitutivos na Junta Comercial ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Ressalte-se que o Estado apenas investe o particular na função de delegatário, mas não lhe transfere a titularidade do serviço, de modo que todos os serviços prestados são sujeitos ao controle e à fiscalização do Poder Judiciário. O entendimento mais atual do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que: “a possibilidade do próprio tabelionato ser demandado em juízo, implica admitir que, em caso de sucessão, o titular sucessor deveria responder pelos danos que o titular sucedido ou seus prepostos causarem a terceiros, nos termos do art. 22 da Lei dos Cartórios, o que contrasta com o entendimento de que apenas o titular do cartório à época do dano responde pela falha no serviço notarial” (REsp 911.151/DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010). Assim, nesse sentido, os Cartórios Extrajudiciais são entes desprovidos de personalidade jurídica, não podendo assim figurar como parte em juízo, quer no polo ativo, quer no polo passivo, mas tão somente o próprio Tabelião delegado e titular do serviço, consoante disposto no art. 22, da Lei nº 8.935/94. Portanto, não há que se falar em personalidade jurídica ou mesmo personalidade judiciário do Tabelião de Notas” (Apelação nº 1003327-05.2016.8.26.0606, relator o Desembargador GIFFONI FERREIRA, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 05.10.2018).

No mérito, a pretensão deduzida pelo Autor deve ser afastada, uma vez que a retificação da escritura de venda e compra de imóvel (págs. 100) foi realizada à vista dos documentos apresentados junto ao 2º Tabelionato de Notas de São José do Rio Preto, de modo que deve ser prestigiada, uma vez que ausente qualquer demonstração, pelo Autor, que na época da celebração da escritura de venda e compra do imóvel (págs. 97/99), em que pese encontrar-se separado judicialmente da Ré Márcia, com ela convivia em união estável.

Acrescente-se que a prova documental carreada ao processo evidencia exatamente o contrário, uma vez que a escritura de venda e compra celebrada em 19.12.2003 (págs. 97/99) foi antecedida pelo “contrato por instrumento particular de cessão de direitos”, celebrado pela Ré Márcia, em 08.8.2003, e, em que pese constar em sua qualificação ser casada com o Autor, fato é que na época da celebração do contrato já era dele separada judicialmente. Ademais, os termos em que lavrada a cessão de direitos indica para a existência de apenas um comprador, no caso, a Ré Márcia, o que é corroborado pela ausência de assinatura do Autor no contrato celebrado. E, ao contrário do afirmado pelo Autor, não se verifica do processo de conversão da separação judicial em divórcio o reconhecimento da meação sobre o bem objeto da escritura objeto da retificação.

Ainda que o imóvel tivesse sido adquirido durante a suposta união estável, fato não comprovado, interessante lembrar que entre os companheiros vigora o regime de comunhão parcial de bens, nos termos do artigo 1.725 do Código Civil, que, por sua vez, afasta da integração ao patrimônio comum os bens já existentes à época do início da vida em comum, assim como aqueles sub-rogados em seu lugar (artigo 1.659, I, do Código Civil), que é a hipótese aqui verificada.

Pelo que se infere do processo, a Ré Márcia quando da aquisição do imóvel objeto deste processo, utilizou os bens que recebeu em razão da partilha quando da separação judicial do casal (pág. 109), o que importa reconhecer a sub-rogação, a afastar qualquer direito do Autor sobre o imóvel aqui descrito.

Verifica-se, portanto, que a r. sentença atacada analisou de forma correta as questões suscitadas, com adequada fundamentação jurídica à hipótese em exame, além de bem avaliar o conjunto probatório. Qualquer acréscimo que se faça aos seus bem lançados fundamentos constituiria desnecessária redundância, enquanto os demais argumentos suscitados não são suficientes para infirmar os fundamentos acima enunciados para a solução da lide.

Diante da manutenção do julgado, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, majoro os honorários de sucumbência então arbitrados para o equivalente a 15% do valor da causa atualizado (R$ 8.700,00), observada a Justiça gratuita.

Nestes termos, nego provimento ao recurso.

João Pazine Neto

Relator – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1037229-05.2017.8.26.0576 – São José do Rio Preto – 3ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. João Pazine Neto – DJ 23.07.2020

Fonte: INR Publicações

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