Artigo – A doação ao cônjuge, ou companheiro, de imóvel recebido com cláusula de incomunicabilidade – João Francisco Massoneto Junior e Rafael Gil Cimino.

Pode um cônjuge ou companheiro doar ao outro imóvel gravado com a cláusula de incomunicabilidade? O tema, como muitos outros no ramo do Direito, divide opiniões. Muitos profissionais do direito entendem pela impossibilidade, assim como muitos entendem pela possibilidade dessa doação. Traremos a seguir os argumentos das duas correntes existentes sobre o tema.

Apesar de nos posicionarmos a favor de uma das duas correntes, o objetivo é trazer os fundamentos legais de ambos os lados, de maneira a comprovar a existência da divergência sobre o tema e suas consequências, e, principalmente, chamar a atenção dos profissionais do direito, especialmente dos notários, para que percebam a importância de se tomar certos cuidados, no momento em que o doador mencione seu desejo de impor a cláusula de incomunicabilidade.

Para que possamos abordar amplamente os efeitos da cláusula de incomunicabilidade, não entraremos em outras questões importantes contidas nas doações, por exemplo, os impedimentos existentes quando se tratar de bem pertencente à legítima herança, e a necessidade de justa causa em determinadas situações (arts. 549 e 1.848, CC), e a obrigatoriedade de se resguardar o mínimo para subsistência do doador, impossibilitando a doação da totalidade de seu patrimônio (art. 548, CC). Em razão disso, adiantamos que tais observações são imprescindíveis, portanto, a leitura a seguir deve ser feita levando-se em consideração já terem sido observadas e solucionadas todas essas questões.

Outra breve observação é a de que a cláusula de incomunicabilidade, dentro do contexto de que trataremos, não tem efeito, ao menos diretamente, no direito sucessório; sendo assim, mesmo que o donatário receba, por testamento ou doação, bem gravado com esta cláusula, ao falecer, esse bem será herdado pelo seu cônjuge ou companheiro sobrevivente, salvo no regime da separação obrigatória de bens (artigo 1.641, CC). Sobre esse tema, nos parece que não há mais divergência, visto que o Superior Tribunal de Justiça já consolidou tal entendimento.

Sabemos que, quando se tratar de bem particular, um cônjuge ou companheiro pode perfeitamente doar ao outro, pois o bem é de propriedade exclusiva do doador, o que não iria causar confusão patrimonial alguma. Já se o regime do casal for o da comunhão universal de bens, em regra, um cônjuge (ou companheiro) não poderia doar ao outro, pois o bem doado comunicaria novamente, tornando inútil a doação, salvo nas exceções trazidas no artigo 1.668, do Código Civil Brasileiro. Trataremos de mais alguns detalhes sobre essa situação específica, ao final deste artigo.

A divergência surge quando aquele que agora pretenda doar um imóvel ao seu cônjuge (ou companheiro) tenha recebido este bem com a cláusula de incomunicabilidade, pois, nesse caso, há quem entenda que ele não poderia realizar esta doação, uma vez que o objetivo da imposição desta cláusula foi exatamente proibir que o bem doado fizesse parte do patrimônio de seu cônjuge (ou companheiro).

Cumpre ressaltar que a imposição de cláusula de incomunicabilidade somente cumpre sua finalidade no caso em que o donatário é casado no regime de comunhão universal de bens. Isso porque, por se tratar de aquisição a título gratuito, não haverá comunicação do bem com o cônjuge do donatário caso estes sejam casados nos demais regimes de bens matrimoniais previstos no Código Civil.

Um dos principais argumentos de quem entende não ser possível a doação é o de ferir a vontade dos doadores primitivos (normalmente os pais), frustrando o objetivo principal almejado por eles, de não haver, em hipótese alguma, comunicação ao cônjuge (ou companheiro) do donatário primitivo (filho). Alegam, ainda, que, ao aceitar a doação com a cláusula de incomunicabilidade, o donatário (filho) se comprometeu a respeitá-la e cumpri-la, na forma em que foi instituída, e, ao fazer a doação ao cônjuge (ou companheiro), estaria, de certa forma, descumprindo o contratado, visivelmente burlando ou rompendo a cláusula imposta e aceita no momento da liberalidade dos doadores primitivos (pais).

Alguns adeptos dessa corrente defendem, inclusive, que tal prática, por parte do donatário (filho), estaria ferindo a teoria da vedação do comportamento contraditório e da boa-fé objetiva, que visa um comportamento coerente com o objetivo a ser alcançado. Alegam, também, que aquilo que não pode ser feito diretamente, também não se pode realizar indiretamente, ou, em outras palavras, se é vedado fazer de forma direta, não se pode fazer por vias oblíquas. Citam, ainda, que o doador primitivo (pai) colocou somente a incomunicabilidade, sem incluir também a inalienabilidade, pois o objetivo não era tornar o imóvel inalienável para terceiros.

Por fim, boa parte, dos que defendem a impossibilidade dessa doação ao cônjuge (ou companheiro), entende que a comunicação não deixa de ser uma alienação atípica, e também explicam sobre a necessidade de se observar o artigo 112, do Código Civil, que diz: “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

Embora, respeitosamente, discordarmos, existem muitos juristas que entendem dessa maneira, ou seja, que essa incomunicabilidade também se estenderia para uma inalienabilidade específica, ou seja, somente em relação ao cônjuge (ou companheiro) do donatário, dentre eles estão: José Hildor Leal, José Flávio Fischer, Vania Carvajal, Maria da Penha Emerli Madeira, Rudinei Baumbach, Felipe Leonardo Rodrigues, Priscila Agapito, Fernando Dias, Márcio Campacci, Pedro Lupporini, Paulo Roberto Gaiger Ferreira, Marcos Antônio Santorsula, Carlos Eduardo Meira Jassi, Evelyn Aída Tonioli Valente, Fábio Nougalli. Nesse sentido, também entende o ilustre civilista Ulysses da Silva.

De outro lado, entre os que pensam como nós, que a doação ao cônjuge (ou companheiro), caso exista apenas a cláusula de incomunicabilidadeé perfeitamente possível, estão os juristas: Ademar Fioranelli, Martha El Debs, Carolina Mosmman, Arthur Del Guércio Neto, Gustavo Canheu, Alexandre Kassama, Marco Antônio Camargo, Bruno Cysne, Nilo de Carvalho Nogueira Coelho, Carlos Londe, Pedro Bacelar, Orlando Ceschin e outros. No mesmo sentido, estão os renomados civilistas Orlando Gomes, José Fernando Simão, Maurício Bunazar, Flávio Tartuce, Giselda Hironaka, Cristiano Chaves de Faria, Mario Delgado e Christiano Cassettari.

Os motivos pelos quais entendemos possível a doação ao cônjuge (ou companheiro), de bem gravado somente com a cláusula de incomunicabilidade, iremos expor a seguir. No entanto, não desejamos dizer que a razão está com uma corrente ou com a outra, pois, como já dito, ambas possuem bons argumentos. O objetivo, então, é expor os fundamentos das duas, para que o leitor reflita e tire suas conclusões, mas, sobretudo, para comprovar a divergência existente sobre o tema, e sugerir algo que possa contribuir para evitar litígio, não deixando que novas doações cheguem a esse impasse no futuro.

O primeiro ponto a ser esclarecido é que cada cláusula tem seu efeito próprio, que o próprio nome já diz, não havendo necessidade, e, a nosso ver, não sendo possível, realizar interpretações mais amplas, uma vez existir em nosso ordenamento jurídico uma cláusula para cada situação específica (inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade) e, ainda, a possibilidade de usá-las como desejar, seja de modo vitalício ou por tempo determinado, ou, ainda, para pessoas ou situações determinadas. A única cláusula que possui o poder de atrair as outras duas, segundo nosso ordenamento jurídico, é a de inalienabilidade, conforme consta do artigo 1911, do Código Civil Brasileiro. Nota-se, assim, que as demais cláusulas são totalmente independentes, do contrário, também haveria previsão expressa na legislação.

A cláusula de inalienabilidade, considerada individualmente, importa em proibição ao beneficiário da liberalidade em dispor ou alienar o bem clausulado. O negócio jurídico de disposição ou de alienação é aquele que implica em alteração da titularidade de uma posição jurídica subjetiva patrimonial ou, em outras palavras, é o negócio que opera transmissão de direitos, reais ou pessoais, de uma pessoa, alienante, a outra, adquirente. São exemplos de negócios jurídicos de disposição: compra e venda, doação, permuta e dação em pagamento, além de outros contratos atípicos que possam ser formalizados pelas partes. Sobre esses negócios incide a cláusula de inalienabilidade.

A cláusula que importa em incomunicabilidade, por sua vez, visa impedir que o bem objeto da liberalidade venha a ser adquirido por meio de comunhão pelo cônjuge do beneficiário ou donatário. Comunhão não é negócio jurídico de disposição (nem o pressupõe), pois, embora importe em aquisição de posição jurídica subjetiva patrimonial pelo comunheiro, essa aquisição não implica em alteração ou alienação da posição jurídica subjetiva patrimonial do outro comunheiro, titular inicial do direito subjetivo patrimonial que, nesta condição, permanece.

Significa dizer a aquisição de determinado bem por meio da comunhão (resultante de regime de bens matrimonial, por exemplo) não implica em perda de titularidade desse bem pela outra. Embora haja transmissão de direito, não há negócio jurídico dispositivo.

Neste sentido, as lições de Luciano de Camargo Penteado:

Comunhão implica conjunto unitário de situações jurídicas pertencentes no mesmo polo a sujeitos distintos, mas unidos por uma causa preexistente (casamento, contrato social) […] ocorre, a bem verdade, uma transmissão do objeto da situação jurídica sem negócio jurídico para formar o todo […] na comunhão verifica-se uma situação jurídica em que o mesmo direito sobre determinada coisa comporta diferentes sujeitos.  1

Sob esse viés, além de forma de aquisição de bens, a comunhão consiste em titularidade, por pessoas diversas, de uma única situação jurídica sobre determinado bem ou bens. Percebe-se, como dissemos, que a comunhão não é e não pressupõe negócio jurídico dispositivo, uma vez que seus efeitos decorrem da própria lei, por meio de normas cogentes, a depender do regime de bens matrimonial escolhido.

Assim, ao se partir do pressuposto que as restrições ao exercício da propriedade devem ser sempre previstas em lei, seja por meio dos direitos reais limitados, em numerus clausus, seja por meio de estipulações de cláusulas restritivas, a interpretação de tais negócios, não obstante o conteúdo do artigo 112, do Código Civil, deve-se dar sempre de forma restrita, por se tratar de situações excepcionais que impedem ou limitam a livre circulação de bens, protegendo interesses sociais e econômicos, além dos interesses particulares do instituidor da cláusula restritiva, de forma que a cláusula de inalienabilidade (considerada individualmente) tem como fim impedir a realização de negócios dispositivos sobre determinado bem, enquanto que a cláusula de incomunicabilidade apenas impede que determinado bem seja transmitido por meio de comunhão.

Os argumentos trazidos acima já se mostram contrários a algumas alegações sobre a impossibilidade de doação de bens gravados somente com a incomunicabilidade. O primeiro seria pelo fato de o doador poder usar a cláusula de inalienabilidade de forma específica, ou seja, somente em relação ao cônjuge (ou companheiro) do donatário, se assim ele desejar, fazendo com que o argumento de que o doador não impôs a inalienabilidade, por não querer restringir o direito do donatário de alienar o imóvel a terceiros, não prosperar. O segundo, pelo fato de a lei trazer expressamente qual é a cláusula restritiva que tem o poder de atrair as demais (CC, 1.911), restaria prejudicado o entendimento de que a incomunicabilidade atrairia uma inalienabilidade específica, ou seja, válida somente em relação ao cônjuge (ou companheiro) do donatário, pois, se houvesse mais alguma possibilidade de atração entre cláusulas, esta deveria igualmente estar expressa em lei.

Seguindo essa linha de raciocínio, entendemos ser evidente que a cláusula de incomunicabilidade foi criada para evitar a comunicação automática com o cônjuge (ou companheiro), decorrente do regime de bens do donatário, o que, sem dúvida alguma, e até aqui não há divergência, ela sempre resulta no propósito almejado, fazendo com que o bem doado se torne de propriedade exclusiva do donatárioseja qual for o regime de bens do casal. A nosso ver, os efeitos dela param por aí; não se pode querer ampliá-los, se o doador, que é quem detém esse poder, não o fez expressamente. Ele, doador, é o único que pode estender essa restrição, e, para isso, como já vimos, existe em nosso ordenamento jurídico as outras cláusulas específicas, como a de inalienabilidade, caso queira proibir o donatário de alienar, e a de impenhorabilidade, caso queira proibi-lo de penhorar.

Acreditamos que esse entendimento, de ampliar os efeitos dessa cláusula de incomunicabilidade por conta própria, criando certo cenário fictício ao supor que o desejo do doador primitivo será frustrado, é muito perigoso, pois estaríamos adentrando na vontade do doador, que tanto poder ser essa, como não. A lógica nem sempre pode ser a que imaginamos, além da existência das exceções, que estão presentes em quase todas as situações de nosso dia a dia. O que é lógico para alguns, pode não ser para outros. Ou, como diriam alguns estudiosos, a lógica, assim como o óbvio, é individual.

Também é perfeitamente possível que os doadores só queiram impedir a comunicação ao cônjuge (ou companheiro) no momento de sua doação, deixando o donatário livre para alienar futuramente, seja para quem for, até para o seu cônjuge (ou companheiro), que pode muito bem se mostrar merecedor no futuro. O doador pode simplesmente inserir a cláusula, deixando, dali por diante, a critério e conveniência do donatário, qualquer ato que ele queria realizar em relação ao imóvel doado.

E, se fôssemos partir para o campo das imaginações, o que não recomendamos, assim como fazem em relação à vontade dos doadores, ao defenderem que alienação ao cônjuge (ou companheiro) iria ferir a vontade primária do doador, também poderia se imaginar a hipótese de o donatário estar passando por uma fase turbulenta em seu relacionamento, e, a seu pedido, o pai acabou inserindo a cláusula de incomunicabilidade naquele momento da doação, o que, futuramente, com o relacionamento fortalecido, poderia o filho, já como proprietário exclusivo, doar a metade para sua esposa (ou companheira), caso desejasse.

Ainda no perigoso campo das imaginações, o donatário poderia divorciar-se, e, depois, se casar ou viver em união estável com outra pessoa, ter filhos com ela, e, eventualmente, desejar doar metade desse imóvel à atual esposa (ou companheira), que nada tem a ver com a primeira, de quem foi protegida a comunicação patrimonial. Nesse caso, seríamos obrigados a fazer novas imaginações, pois, se fosse mesmo possível atrair a tal da “inalienabilidade específica”, mesmo tendo sido colocada somente a incomunicabilidade, com o argumento de ferir a vontade dos doadores primitivos, de não comunicar com o cônjuge (ou companheiro), agora teríamos novamente que interferir na vontade dos doadores, supondo se era somente àquele primeiro cônjuge (ou companheiro), ou se também seria para esse novo, que eles nem imaginavam que poderia existir.

Como podemos ver, o simples “imaginar”, “supor”, “deduzir”, é muito complexo, por isso entendemos que esse tipo de interpretação não pode ficar a cargo de terceiros, tampouco do notário que se nega a realizar o ato, ou do registrador que se nega a registrá-lo. É preciso analisar o que foi imposto de forma expressa, e saber separar seus significados, sob pena de cometer grave injustiça, retirando das pessoas, direitos que se encontram garantidos em nosso ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, explica o professor Cristiano Chaves de Faria:

Se o pai, apenas, impôs a cláusula de incomunicabilidade ao beneficiário (filho, no exemplo), impediu que ocorresse a COMUNHÃO DO BEM, em face do regime de bens da relação afetiva. Apenas isso! Todavia, não se retirou dele o direito de livre dispor da sua propriedade, que lhe é garantia constitucional (CF, artigo 5º, inciso XXII) e carrega consigo esse poder (CC, artigo 1.228).

Por isso, o titular pode, sim, dispor livremente para quem quer que seja, inclusive para o próprio cônjuge – que não foi beneficiado por conta do regime de bens, mas, sim, pela liberalidade praticada pelo consorte. (Informação verbal) 2

Não há dúvidas, tampouco divergências, que a cláusula de inalienabilidade, como o próprio nome diz, foi criada para impedir a alienação do bem, seja por venda e compra ou doação, permuta, dação em pagamento etc. O impedimento, portanto, recai sobre negócios jurídicos dispositivos. Assim, se em nosso ordenamento jurídico existe cláusula específica para proibir a alienação, não há sentido algum utilizar-se de uma outra cláusula, de menor abrangência, para atrair a inalienabilidade, de maior abrangência, por pura suposição ou dedução, quando, além de existir cláusula própria para o caso, não há qualquer previsão nesse sentido em nosso ordenamento jurídico.

Sendo assim, acreditamos que, se a real intenção do doador é de, além de não comunicar, impedir a alienação ao cônjuge (ou companheiro), que se amplie expressamente a imposição restritiva no momento da doação, pois, para isso, existem meios legais previstos em nosso ordenamento jurídico, podendo inserir a cláusula existente e adequada para cada desejo do doador. Assim, se essa for realmente a vontade do doador, ele deve impor, além da cláusula de incomunicabilidade, também a de inalienabilidade em relação ao cônjuge (companheiro), seja ao atual, ou, se for o caso, a qualquer cônjuge ou companheiro que o donatário possa, eventualmente, ter ao longo de sua vida.

A cláusula de inalienabilidade, como já mencionado, pode perfeitamente ser específica ao caso pretendido, não abrangendo outras situações, ou seja, pode o doador impor que o donatário esteja proibido de doar somente ao seu cônjuge (ou companheiro), estando livre para doar, ou, por qualquer outro meio, alienar o bem, para qualquer outra pessoa, basta que ele diga que esse é o seu desejo, colocando-o de modo expresso na doação.

Por outro lado, seria possível ao doador instituir a cláusula de inalienabilidade com exclusão de incomunicabilidade, vez que se trata de direito patrimonial disponível. Neste caso, o bem ou bens excluídos expressamente da cláusula de incomunicabilidade se comunicarão ao patrimônio do outro cônjuge, embora inalienáveis em razão da cláusula de inalienabilidade 3.  Isso se torna possível uma vez que cada cláusula restritiva cumpre uma finalidade social específica, de forma que são independentes entre si 4, mesmo que, no silêncio do contrato, a imposição de cláusula de inalienabilidade implique automaticamente as de incomunicabilidade e impenhorabilidade. É de suma importância que o doador ou testador, no momento da realização da liberalidade, seja informado dos efeitos e possibilidades de se incluir, de maneira conjunta ou separada, as cláusulas restritivas.

Defendemos que a insegurança jurídica não pode pairar sobre o ato, há de se ter a certeza da real intenção do doador, inserindo-a no ato de modo claro, não podendo imaginá-la ou deduzi-la. Os profissionais do direito, principalmente os notários, devem estar atentos ao verdadeiro desejo do doador e questioná-lo sobre todos esses detalhes, explicando todas as possíveis consequências de inserir somente uma cláusula, inclusive os possíveis litígios futuros, caso não fique bem claro e expresso no ato, seu real desejo.

Para que se possa inserir no ato exatamente o que o doador deseja, basta utilizar-se dos institutos legais adequados e existentes em nosso ordenamento jurídico. Se não quer que comunique com o cônjuge, coloque apenas a incomunicabilidade; se quer ir além, utilize a inalienabilidade, na medida do seu desejo. Ou também a impenhorabilidade, que apesar de não ser objeto do presente estudo, também deve ser bem explicada, e usada da forma correta, caso seja o desejo do doador.

A respeito do tema, houve uma decisão da 1ª Vara dos Registros Públicos de São Paulo, de autoria da brilhante juíza Dra. Tânia Mara Ahualli, da qual destacamos o trecho final:

A alienação, portanto, de imóvel gravado com a cláusula de impenhorabilidade ou com a de incomunicabilidade é livre e não depende do cancelamento de qualquer delas” (g.n). Logo, entendo que a doação do imóvel realizada por M. não afronta a vontade dos instituidores do gravame, uma vez que se quisessem que o imóvel não pudesse ser alienado, instituiriam a cláusula de inalienabilidade, o que não ocorreu. Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do (-) Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de K. C. F. M., e determino o registro do título.  (1ª VRP-SP – proc. 1120715-21.2018.8.26.0100)

Reforçamos que a cláusula de incomunicabilidade, como o próprio nome diz, tem como objetivo impedir a comunicação do bem doado, com o cônjuge (ou companheiro) do donatário. Nesse caso, a comunicação impedida é a que decorre do regime de bens do donatário, pois, a depender do regime, pode o bem doado, após entrar no patrimônio do donatário, comunicar com seu cônjuge (ou companheiro), como é o caso do regime da comunhão universal de bens. Em nossa opinião, esse é o único efeito que esta cláusula pode surtir, não cabendo, em qualquer situação, uma extensão de seus efeitos.

A propósito, o inciso I, do artigo 1.668, do CC, prevê exatamente a situação em que, mesmo casados na comunhão universal de bens, pela existência de uma cláusula de incomunicabilidade, o bem se tornou exclusivo de um dos cônjuges (ou companheiros), podendo, assim, livremente alienar ao outro. Lembrando que o termo alienar abrange tanto a compra e venda, e outras formas onerosas, como também a doação, que é a título gratuito.

Mas sobre essa doação acima citada, também temos que tomar certo cuidado, pois, se o regime é o da comunhão universal de bens, mesmo que o cônjuge (ou companheiro) seja proprietário exclusivo do bem, há de se verificar a real intenção dele, ao querer doar para seu cônjuge (ou companheiro). É preciso saber do doador qual é o cenário final que ele deseja em relação à propriedade do bem. Se o cônjuge (ou companheiro) deseja doar a metade do bem, para que este fique pertencendo aos dois, de forma igualitária, será importante que ele também insira a cláusula de incomunicabilidade, uma vez que, se assim não proceder, a parte doada consequentemente irá comunicar com ele, doador, não alcançando seu desejo primário.

Em tal circunstância, a falta da imposição da cláusula de incomunicabilidade resultaria na manutenção dos 50% do bem, de propriedade exclusiva do cônjuge (ou companheiro) doador, e os outros 50% do bem, doados por ele ao seu cônjuge (ou companheiro), em virtude da comunicação resultante do regime da comunhão universal de bens, ficaria pertencendo ao casal, em partes iguais, tendo como resultado 75% para o cônjuge (ou companheiro) doador, e 25% para o cônjuge (ou companheiro) donatário. Já se ele inserir a cláusula de incomunicabilidade ao doar a metade do bem para seu cônjuge (ou companheiro), ambos ficariam donos de metade do bem, com exclusividade.

Diante disso entendemos que a solução correta no caso de doação de bem particular entre cônjuges casados no regime da comunhão universal de bens será sempre viável se houver imposição de cláusula de incomunicabilidade. Entendimento contrário resultaria em situação na qual, sobre o mesmo bem, haveria fração ideal em comunhão e fração ideal exclusiva.

Tal posição é defendida pelo nosso inesquecível mestre Zeno Veloso (in memoriam) , que diz:

Se o regime é da comunhão universal, além da necessidade de o bem doado ser de propriedade exclusiva do doador, é preciso que seja imposta a cláusula de incomunicabilidade. Sem essas ressalvas, a doação seria impossível, logicamente impossível, nesse regime, conforme a aguda observação de Pontes de Miranda: “Se um cônjuge doasse ao outro determinado bem, esse passaria a ser, novamente, bem comum, uma vez que no regime da comunhão universal todos os adquiridos se comunicam”. No mesmo sentido, é a lição de Agostinho Alvim. Teixeira de Freitas, em nota ao art. 136 da Consolidação das Leis Civis, já observara que no regime da comunhão a doação entre marido e mulher torna-se inútil, e só poder ser celebrada se o regime do casamento for de separação de bens. Lafayette Rodrigues Pereira ensina que se o casamento foi por carta de metade (ou segundo o costume geral do Império, ou pelo regime da comunhão universal), as doações entre marido e mulher são impraticáveis: ‘anular-se-iam de si mesmas, visto como tudo que adquirem os casados por carta de metade, ipso facto, faz-se comum entre eles. 5

Importante enfatizar que essa imposição da cláusula de incomunicabilidade sobre o mesmo bem, mas agora por outro doador, não retira o bem do comércio, sendo perfeitamente possível, uma vez que, especificamente nesse caso, o único prejudicado seria o próprio doador.

Desse modo, defendemos que, mediante clara divergência doutrinária, fica evidente a importância de se orientar o doador sobre a necessidade de se esclarecer exatamente o seu desejo, colocando ao seu dispor as cláusulas disponíveis a serem usadas, evitando dúvidas e litígios futuros, eliminando, assim, qualquer chance de serem necessárias outras interpretações de seu desejo, que, como vimos, é algo totalmente incerto e perigoso, que pode muito bem causar injustiças.

Por fim, o que gostaríamos de chamar a atenção é que, independentemente de qual posição doutrinária esteja correta, não custa prevenir possíveis litígios no futuro. Assim, defendemos que seria muito melhor, no ato da doação primitiva, buscar o verdadeiro desejo do doador, esclarecendo os detalhes, e colocando, daqui para frente, nas doações a serem realizadas, as cláusulas restritivas desejadas de modo claro, sem deixar dúvidas. Afinal, mesmo para aqueles que entendem já estar implícita a inalienabilidade ao cônjuge, quando o bem recebido por doação contiver a incomunicabilidade, não custa colocá-la de modo expresso e específico, caso essa seja mesmo a vontade do doador, evitando possíveis litígios futuros e fortalecendo a segurança jurídica ao ato praticado.

Assim entendemos, respeitando as opiniões contrárias.

João Francisco Massoneto Junior – Especializando em Direito Notarial e Registral pelo Centro Universitário Ítalo Brasileiro (2021). Especialista em Direito Notarial e Registral pela USP – Ribeirão Preto (2019). Especialista em Direito Notarial e Registral, com formação para o magistério superior pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2012). Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR (2010). Bacharel em Direito pela Universidade Paulista de Ribeirão Preto-SP (2005). Preposto Substituto do Tabelião de Notas e Protesto de Monte Azul Paulista-SP, onde iniciou suas atividades em 1999.

Rafael Gil Cimino – Mestre em Direito pela Escola Paulista de Direito (2021). Especialista em Direito Notarial e Registral pela USP – Ribeirão Preto (2019). Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo-USP. 3º Tabelião de Notas e Protesto de São Vicente/SP.

Notas:

1. PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das Coisas. 2 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2.012, p. 454, grifos nossos.

2. Informação fornecida aos autores pelo Professor Cristiano Chaves de Faria a propósito do tema, em comunicação mediada pela Professora Martha El Debs, em 17/08/2021.

3. SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. As restrições voluntárias na transmissão de bens imóveis – cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. São Paulo, Quinta Editorial, 2012, p. 28.

4. FIORANELLI, Ademar. Das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. São Paulo, Saraiva, 2.009, p. 24.

5. Veloso, Zeno. Direito Civil – Temas, Editora Artes Gráfica Perpétuo Socorro, Belém, 2018, pp. 267 e 268.

Fonte: Blog do DG – Direito Notarial e Registral.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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Registro Civil de Pessoas Naturais – Pedido de Providências – Gratuidade – Casamento – Não havendo norma jurídica que estabeleça teto de renda para deferimento de isenção de emolumentos, pode o Oficial registrador, no exame das peculiaridades do caso concreto, solicitar a comprovação de renda quando se deparar com elementos objetivos geradores de dúvida sobre a concessão do benefício – Falta de cordialidade da preposta da serventia não comprovada – Infração disciplinar não configurada – Arquivamento – Impossibilidade de apreciação, de forma originária, pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, ou mesmo por esta Corregedoria Geral da Justiça, acerca do pedido de gratuidade – Pretensão que deve ser analisada, antes, pelo Oficial registrador, sob pena de afronta à garantia do devido processo legal – Recurso não provido.

Número do processo: 1090466-53.2019.8.26.0100

Ano do processo: 2019

Número do parecer: 133

Ano do parecer: 2020

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1090466-53.2019.8.26.0100

(133/2020-E)

Registro Civil de Pessoas Naturais – Pedido de Providências – Gratuidade – Casamento – Não havendo norma jurídica que estabeleça teto de renda para deferimento de isenção de emolumentos, pode o Oficial registrador, no exame das peculiaridades do caso concreto, solicitar a comprovação de renda quando se deparar com elementos objetivos geradores de dúvida sobre a concessão do benefício – Falta de cordialidade da preposta da serventia não comprovada – Infração disciplinar não configurada – Arquivamento – Impossibilidade de apreciação, de forma originária, pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, ou mesmo por esta Corregedoria Geral da Justiça, acerca do pedido de gratuidade – Pretensão que deve ser analisada, antes, pelo Oficial registrador, sob pena de afronta à garantia do devido processo legal – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto por Agda Alves de Matos e Robson Lopes Paixão contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Perus, Comarca da Capital, que, por entender não estar configurada a prática de infração disciplinar passível de punição, determinou o arquivamento do pedido de providências iniciado em virtude de discordância manifestada pelos nubentes em relação às exigências formuladas pelo registrador para concessão da gratuidade do casamento e à forma de tratamento que lhes foi dispensada pela atendente da serventia extrajudicial (fl. 38/39).

Os recorrentes, em síntese, alegam que fazem jus à gratuidade requerida, entendendo ser suficiente, para tanto, a apresentação das declarações de hipossuficiência e de suas carteiras de trabalho. Dizem que se sentiram envergonhados e constrangidos quando lhes foi exigida também a apresentação de holerite, certo que não havia placa indicativa do nome do Juiz Corregedor da Serventia Extrajudicial para que pudesse ser feita uma reclamação em relação ao atendimento que lhes foi dispensado. Entendem que a foto de sua residência e o holerite juntados aos autos confirmam sua alegada condição de pobreza, assim como os demais documentos apresentados. Pugnam, então, pela reforma da sentença, para que seja deferida a gratuidade do casamento civil postulada (fl. 47/55).

O Oficial manifestou-se a fl. 24/29, afirmando a possibilidade de solicitar, mediante a apresentação de documentação complementar, a comprovação da alegada hipossuficiência econômica dos nubentes, em procedimento de habilitação de casamento. Acrescenta que suas atendentes são orientadas a sempre usar de cordialidade e atenção aos usuários, ressaltando que não chegou ao seu conhecimento nenhum fato relacionado aos supostos constrangimentos sofridos pelos usuários dos serviços. Ainda, aduz que há no quadro de avisos do Cartório, em local bem visível ao público, placa com a indicação do contato da Corregedoria Permanente. Por fim, esclarece que o caso não chegou a ser objeto de instauração de expediente perante o MM. Juiz Corregedor Permanente, pois sequer houve qualquer fato, no atendimento aos reclamantes, que pudesse ensejar a intervenção da Corregedoria Permanente.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo parcial provimento do recurso (fl. 74/76).

É o relatório.

Opino.

Desde logo, cumpre consignar que, em se tratando de pedido de providências, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, certo que o inconformismo foi manifestado contra r. decisão proferida no âmbito administrativo pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

A celebração do casamento civil é gratuita por força do art. 1.512 do Código Civil, estendendo-se a gratuidade à habilitação, ao registro, à primeira certidão e aos emolumentos para as pessoas cuja pobreza for declarada sob as penas da lei:

“Art. 1.512. O casamento é civil e gratuita a sua celebração. Parágrafo único. A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei.”

As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça vigentes à época dos fatos dispunham em seu Capítulo XVII, subitem 3.1:

“Os reconhecidamente pobres, cujo estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, sob pena de responsabilidade civil e criminal, estão isentos de pagamento de emolumentos pela habilitação de casamento, pelo registro e pela primeira certidão, assim como pelas demais certidões extraídas pelos Registros Civis das Pessoas Naturais.”

Afirmam os recorrentes que a solicitação de documentação complementar para comprovação de que fazem jus à gratuidade requerida, na forma como feita, teria lhes gerado indesejável constrangimento.

Ora, a despeito da previsão legal de gratuidade aos reconhecidamente pobres, nos termos do referido art. 1.512, parágrafo único, do Código Civil, mediante apresentação da respectiva declaração, é preciso ressaltar que não há norma jurídica que estabeleça um teto de renda para conferir isenção aos nubentes. Por conseguinte, nada impede que o registrador, no exame das peculiaridades do caso concreto, solicite a comprovação de renda aos usuários dos serviços extrajudiciais quando se deparar com elementos objetivos geradores de dúvida sobre a concessão do benefício.

Com efeito, a afirmativa acerca da situação jurídica de pobreza não tem caráter absoluto, razão pela qual, observado o respeito à intimidade, é possível ao responsável pela Serventia Extrajudicial solicitar maiores esclarecimentos sobre os rendimentos do usuário. Nada há de ilegal ou abusivo nessa conduta, sobretudo porque, no caso concreto, o próprio nubente declarou receber comissão de 4% sobre as vendas que realiza no trabalho.

Ressalte-se que o deferimento do benefício da gratuidade de maneira indiscriminada, podendo contemplar aqueles que não são, de fato, pobres na acepção jurídica do termo, acarretaria prejuízos aos cofres públicos e ao Fundo de Custeio do Registro Civil, afetando negativamente o cidadão que realmente necessita do amparo do poder estatal.

Nesse cenário, bem como porque nada de concreto foi apresentado nos autos que pudesse corroborar o alegado descaso e falta de cordialidade no atendimento dispensado aos nubentes, não se mostra configurada nenhuma falta funcional na atuação do Oficial, concretamente, ao solicitar cópia do holerite do interessado, na medida em que, à vista dos elementos geradores de dúvida sobre a concessão do benefício da gratuidade, a simples solicitação para exibir o referido documento não abarca aptidão, por si só, para causar constrangimento ou macular a intimidade.

Bem por isso, a situação dos autos não dá margem à adoção de qualquer medida censório-disciplinar em relação ao delegatário, devendo ser mantida a decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, que determinou o arquivamento do pedido de providências.

Por fim, tal como já esclarecido na decisão recorrida, não é possível a apreciação, de forma originária, pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, ou mesmo por esta Corregedoria Geral da Justiça, acerca do pedido de gratuidade, devendo a pretensão, antes, ser analisada pelo Oficial, sob pena de afronta à garantia do devido processo legal.

A questão somente é levada ao MM. Juiz Corregedor Permanente em sede de recurso administrativo eventualmente interposto pelos interessados, eis que não é de atribuição da Corregedoria Permanente apreciar o pedido de gratuidade de modo direto, a exemplo do que pretendem os recorrentes. Nesse sentido:

“Anulação de decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente, que examinou de modo originário pedido de gratuidade em habilitação de casamento deduzido perante serventia extrajudicial, por afronta à garantia do devido processo legal, com observação.” (CGJSP Parecer nº 172/2019-E; Processo nº 41.967/2019; Data da decisão: 02/04/2019; Autor(es) do Parecer: Marcelo Benacchio; Corregedor: Geraldo Francisco Pinheiro Franco; Data da Decisão: 02/04/2019; Data do Parecer: 01/04/2019).

Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação interposta como recurso administrativo e a ele negar provimento.

Sub censura.

São Paulo, 26 de março de 2020.

Stefânia Costa Amorim Requena

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação interposta como recurso administrativo e a ele nego provimento. São Paulo, 30 de março de 2020. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – Advogada: VALÉRIA DE CASTRO VIEIRA, OAB/SP 342.067.

Fonte: INR Publicações.

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Lei PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA nº 14.216, de 07.10.2021 – D.O.U.: 08.10.20

Ementa

Estabelece medidas excepcionais em razão da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) decorrente da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2, para suspender o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, e a concessão de liminar em ação de despejo de que trata a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, e para estimular a celebração de acordos nas relações locatícias.


PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu promulgo, nos termos do parágrafo 5º do art. 66 da Constituição Federal, a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei estabelece medidas excepcionais em razão da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) decorrente da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2, para suspender até 31 de dezembro de 2021 o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, e a concessão de liminar em ação de despejo de que trata a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, para dispensar o locatário do pagamento de multa em caso de denúncia de locação de imóvel e para autorizar a realização de aditivo em contrato de locação por meio de correspondências eletrônicas ou de aplicativos de mensagens.

Art. 2º Ficam suspensos até 31 de dezembro de 2021 os efeitos de atos ou decisões judiciais, extrajudiciais ou administrativos, editados ou proferidos desde a vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, até 1 (um) ano após o seu término, que imponham a desocupação ou a remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, que sirva de moradia ou que represente área produtiva pelo trabalho individual ou familiar.

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, aplica-se a suspensão nos seguintes casos, entre outros:

I – execução de decisão liminar e de sentença em ações de natureza possessória e petitória, inclusive mandado pendente de cumprimento;

II – despejo coletivo promovido pelo Poder Judiciário;

III – desocupação ou remoção promovida pelo poder público;

IV – medida extrajudicial;

V – despejo administrativo em locação e arrendamento em assentamentos;

VI – autotutela da posse.

§ 2º As medidas decorrentes de atos ou decisões proferidos em data anterior à vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, não serão efetivadas até 1 (um) ano após o seu término.

§ 3º Durante o período mencionado no caput deste artigo, não serão adotadas medidas preparatórias ou negociações com o fim de efetivar eventual remoção, e a autoridade administrativa ou judicial deverá manter sobrestados os processos em curso.

§ 4º Superado o prazo de suspensão a que se refere o caput deste artigo, o Poder Judiciário deverá realizar audiência de mediação entre as partes, com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública, nos processos de despejo, de remoção forçada e de reintegração de posse coletivos que estejam em tramitação e realizar inspeção judicial nas áreas em litígio.

Art. 3º Considera-se desocupação ou remoção forçada coletiva a retirada definitiva ou temporária de indivíduos ou de famílias, promovida de forma coletiva e contra a sua vontade, de casas ou terras que ocupam, sem que estejam disponíveis ou acessíveis as formas adequadas de proteção de seus direitos, notadamente:

I – garantia de habitação, sem nova ameaça de remoção, viabilizando o cumprimento do isolamento social;

II – manutenção do acesso a serviços básicos de comunicação, de energia elétrica, de água potável, de saneamento e de coleta de lixo;

III – proteção contra intempéries climáticas ou contra outras ameaças à saúde e à vida;

IV – acesso aos meios habituais de subsistência, inclusive acesso a terra, a seus frutos, a infraestrutura, a fontes de renda e a trabalho;

V – privacidade, segurança e proteção contra a violência à pessoa e contra o dano ao seu patrimônio.

Art. 4º Em virtude da Espin decorrente da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2, não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo a que se referem os incisos I, II, V, VII, VIII e IX do § 1º do art. 59 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 31 de dezembro de 2021, desde que o locatário demonstre a ocorrência de alteração da situação econômico-financeira decorrente de medida de enfrentamento da pandemia que resulte em incapacidade de pagamento do aluguel e dos demais encargos sem prejuízo da subsistência familiar.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo somente se aplica aos contratos cujo valor mensal do aluguel não seja superior a:

I – R$ 600,00 (seiscentos reais), em caso de locação de imóvel residencial;

II – R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), em caso de locação de imóvel não residencial.

Art. 5º Frustrada tentativa de acordo entre locador e locatário para desconto, suspensão ou adiamento, total ou parcial, do pagamento de aluguel devido desde a vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, até 1 (um) ano após o seu término, relativo a contrato findado em razão de alteração econômico-financeira decorrente de demissão, de redução de carga horária ou de diminuição de remuneração que resulte em incapacidade de pagamento do aluguel e dos demais encargos sem prejuízo da subsistência familiar, será admitida a denúncia da locação pelo locatário residencial até 31 de dezembro de 2021:

I – nos contratos por prazo determinado, independentemente do cumprimento da multa convencionada para o caso de denúncia antecipada do vínculo locatício;

II – nos contratos por prazo indeterminado, independentemente do cumprimento do aviso prévio de desocupação, dispensado o pagamento da multa indenizatória.

§ 1º A denúncia da locação na forma prevista nos incisos I e II do caput deste artigo aplica-se à locação de imóvel não residencial urbano no qual se desenvolva atividade que tenha sofrido a interrupção contínua em razão da imposição de medidas de isolamento ou de quarentena, por prazo igual ou superior a 30 (trinta) dias, se frustrada tentativa de acordo entre locador e locatário para desconto, suspensão ou adiamento, total ou parcial, do pagamento de aluguel devido desde a vigência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, até 1 (um) ano após o seu término.

§ 2º Não se aplica o disposto no caput deste artigo quando o imóvel objeto da locação for o único de propriedade do locador, excluído o utilizado para sua residência, desde que os aluguéis consistam na totalidade de sua renda.

Art. 6º As tentativas de acordo para desconto, suspensão ou adiamento de pagamento de aluguel, ou que estabeleçam condições para garantir o reequilíbrio contratual dos contratos de locação de imóveis durante a Espin decorrente da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2, poderão ser realizadas por meio de correspondências eletrônicas ou de aplicativos de mensagens, e o conteúdo deles extraído terá valor de aditivo contratual, com efeito de título executivo extrajudicial, bem como provará a não celebração do acordo para fins do disposto no art. 5º desta Lei.

Art. 7º As medidas de que tratam os arts. 2º e 3º desta Lei:

I – não se aplicam a ocupações ocorridas após 31 de março de 2021;

II – não alcançam as desocupações já perfectibilizadas na data da publicação desta Lei.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 7 de outubro de 2021; 200º da Independência e 133º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

Fonte: INR Publicações.

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