Apelação/Remessa Necessária – Mandado de Segurança – ITCMD – Sobrepartilha – Revogação do benefício de desconto de 5% concedido na partilha original, com incidência de juros e multa de mora sobre a totalidade do monte partível – Abusividade configurada – 1. Impetrantes que realizaram o inventário extrajudicial poucos dias após o óbito de seu finado pai, fazendo jus ao desconto de 5% preconizado no art. 31 item 2, do Decreto nº 46.655/2002. Preenchimento dos requisitos legais – 2. Conhecimento tardio de saldo depositado em conta, antes pertencente ao seu finado pai, com realização da sobrepartilha. Inexistência de qualquer elemento que sinalize o intento de sonegação de bens. Má-fé que não se presume. Incidência de penalidades apenas sobre os bens partilhados a destempo – 3. Prova pré-constituída do direito líquido e certo das autoras. Preservação do desconto de 5% do ITCMD concedido na partilha inicial, aplicando-se juros e multa moratória apenas sobre o montante devido em razão da sobrepartilha – 4. Apelo não provido; remessa necessária rejeitada.


  
 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1013910-49.2022.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados MARIA ENEIDA MARCHETTI BERNA, MARIA ELIANA MARCHETTI BERNA e MARIA CLÁUDIA MARCHETTI BERNA PETRARCA DE ARAÚJO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao apelo e ao reexame necessário. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DÉCIO NOTARANGELI (Presidente sem voto), CARLOS EDUARDO PACHI E REBOUÇAS DE CARVALHO.

São Paulo, 7 de novembro de 2022.

OSWALDO LUIZ PALU

Relator

Assinatura Eletrônica

VOTO Nº 31046 (JV)

APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 1013910-49.2022.8.26.0053

COMARCA : SÃO PAULO

APELANTE: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELADAS: MARIA ENEIDA MARCHETTI BERNA E OUTRAS

MMa. Juíza de 1ª instância: Cynthia Thomé

APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA. Mandado de segurança. ITCMD. Sobrepartilha. Revogação do benefício de desconto de 5% concedido na partilha original, com incidência de juros e multa de mora sobre a totalidade do monte partível. Abusividade configurada.

1. Impetrantes que realizaram o inventário extrajudicial poucos dias após o óbito de seu finado pai, fazendo jus ao desconto de 5% preconizado no art. 31 item 2, do Decreto nº 46.655/2002. Preenchimento dos requisitos legais.

2. Conhecimento tardio de saldo depositado em conta, antes pertencente ao seu finado pai, com realização da sobrepartilha. Inexistência de qualquer elemento que sinalize o intento de sonegação de bens. Má-fé que não se presume. Incidência de penalidades apenas sobre os bens partilhados a destempo.

3. Prova pré-constituída do direito líquido e certo das autoras. Preservação do desconto de 5% do ITCMD concedido na partilha inicial, aplicando-se juros e multa moratória apenas sobre o montante devido em razão da sobrepartilha.

4. Apelo não provido; remessa necessária rejeitada.

I. RELATÓRIO.

Cuida-se de recurso de apelação interposto pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO em face da r. sentença de fls. 122/126, que concedeu a segurança nos autos da ação mandamental impetrada por MARIA ENEIDA MARCHETTI BERNA E OUTRAS contra ato coator reputado ao DELEGADO DA DELEGACIA REGIONAL TRIBUTÁRIA DE SÃO PAULO DRTC-III, para determinar à autoridade impetrada que se abstenha de estornar o desconto de 5% (cinco por cento) do ITCMD anteriormente concedido às impetrantes na partilha inicial, nos termos do artigo 31, § 1º, item 2, do Decreto Estadual nº 46.655/02, devendo proceder à emissão da Guia DARE retificada, com aplicação de juros e multa moratória apenas sobre o montante devido em razão da sobrepartilha. Inconformada, alega a FESP, em seu recurso de fls. 136/140, a necessidade de reforma do veredito, eis que no caso concreto, não colaborou para o atraso do processamento da sobrepartilha, motivo pelo qual a multa e os juros relativos ao ITCMD são plenamente devidos. Alega que se o bem sobrepartilhado existia no momento da morte, e não houve a abertura da sobrepartilha no prazo legal, irretocável a conduta do Fisco, motivo pelo qual a segurança deve ser denegada, sendo o que requer com o provimento do recurso.

Apelo tempestivo, isento de preparo e com contrarrazões apresentadas a fls. 146/165. O v. acórdão de fls. 171/176 declinou da competência para conhecer e julgar o recurso, apontando prevenção desta relatoria por conta do prévio julgamento da Apelação nº 1055502-44.2020.8.26.0053, ocorrido em 07/04/2021. Há remessa necessária. É o relatório.

II. FUNDAMENTO E VOTO.

1. A r. sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

2. De tudo quanto alegado e comprovado nos autos, infere-se que as impetrantesapeladas são herdeiras de BENEDICTO ANTONIO LISBOA BERNA, falecido em 9 de junho de 2017, e intentando a partilha dos bens deixados, realizaram, poucos dias após o óbito, o requerimento de inventário extrajudicial, procedendo ao recolhimento do ITCMD incidente sobre a operação. Entretanto, após o encerramento do inventário, tomaram ciência da existência de saldo em conta bancária no valor de R$ 13.983,25, razão pela qual iniciaram os trâmites de sobrepartilha, emitindo declaração retificadora de ITCMD nº. 74062960, datada de 16 de março de 2022. Tal fato resultou na apuração de valor devido, a título de ITCMD, de R$ 17.895,94, eis que o Fisco estornou o desconto de 5% concedido à época da partilha inicial e cobrou juros e multa moratória sobre os bens. Inconformadas com a cobrança, invocando que a existência do saldo bancário não era de seu conhecimento, impetraram o ‘writ’, em sede do qual obtiveram a segurança para preservar o desconto de 5% do ITCMD anteriormente concedido, restringindo a aplicação dos juros e multa moratória apenas sobre o montante na sobrepartilha. E contra tal veredito se volta a FESP, muito embora sem razão.

3. Não há dúvida sobre a presença de direito líquido e certo que, diante da demonstrada ilegalidade e/ou abusividade, merece proteção. As impetrantes, na condição de herdeiras de seu genitor, promoveram extrajudicialmente o inventário e a partilha dos bens deixados (fls. 26 e ss.), recolhendo o ITCMD incidente sobre a operação dentro do prazo previsto na Lei Estadual n.º 10.705/00, fazendo jus ao desconto de 5% (fls. 34/48) previsto no artigo 31, § 1º, ‘2’, do Decreto Estadual nº 46.655/02, “in verbis”:

“Artigo 31 – O imposto será recolhido (Lei 10.705/00, art. 17, com alteração da Lei 10.992/01, e 18):

I – na transmissão “causa mortis”, no prazo de 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento;

(…)

§ 1.º – Na hipótese prevista no inciso I:

1 – o prazo de recolhimento do imposto não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias da abertura da sucessão, sob pena de sujeitar-se o débito aos juros e à multa previstos no artigo seguinte, acrescido das penalidades cabíveis, ressalvado, por motivo justo, o caso de dilação desse prazo pela autoridade judicial;

2 – será concedido desconto de 5% (cinco por cento) sobre o valor do imposto devido, desde que recolhido no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de abertura da sucessão.” (grifos acrescentados)

3.1. É certo que, posteriormente, as impetrantes tiveram conhecimento da existência de saldo depositado em conta bancária n° 1.001.743-5, agência 10-51, do Banco Bradesco, na monta de R$ 13.983,25 (treze mil, novecentos e oitenta e três reais e vinte e cinco centavos), razão pela qual procederam à Declaração Retificadora de ITCMD, na forma do art. 2.022 do CC, que preconiza:

“Art. 2.022. Ficam sujeitos a sobrepartilha os bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência após a partilha.”

4. Ora, no caso em apreço, não se vislumbra indício de que as impetrantes tenham escolhido a sonegação das ações quando da partilha inicial, como aventa a FESP. Ao revés, perfeitamente crível que não possuíssem ciência do saldo em conta, procedendo à sobrepartilha assim que dele tomaram conhecimento. Note que a má-fé não se presume, inexistente nos autos qualquer elemento que sinalize a falta de boa-fé das autorasapeladas.

5. Sob outra ótica, evidente que a atuação do Fisco Paulista, que estornou o desconto de 5% concedido à época da partilha inicial e, ainda, cobrou juros e multa moratória sobre o valor dos bens inventariados em sobrepartilha, apresentasse desprovida de embasamento legal, não autorizada a interpretação de que o desconto de 5% concedido aos contribuintes deve ser estornado ou revogado ante o não-pagamento integral do imposto, porque essa não é a letra da lei, especialmente à luz do teor do art. 112 do CTN, que determina que a interpretação de penalidades deve ser realizada de forma restritiva e, na dúvida, de maneira mais favorável ao responsável pela obrigação tributária.

5.1. Ora, se foram preenchidos os requisitos legais para a incidência do desconto de 5% à época da partilha, descabido, agora, revogar tal benefício; cabendo apenas a incidência dos juros e multa sobre os bens correspondentes à sobrepartilha, eis que apenas em relação a estes pode-se falar em extemporaneidade da partilha, a justificar o afastamento do benefício tributário e a incidência da penalidade preconizada nos artigos 21, inciso I, da Lei Estadual 10.705/20002 e art. 38, I, do Decreto n. 46.655/2002.

6. Em caso semelhante, essa C. 9ª Câmara de Direito Público assim se pronunciou:

“MANDADO DE SEGURANÇA – ITCMD – Pretensão de manutenção do desconto de 5% concedido para recolhimento do imposto e afastamento da cobrança de juros e multa sobre o ITCMD, em razão de suposto atraso no pagamento Imposto recolhido dentro do prazo legal, com direito ao desconto. Complementação de valores retificados que não impede a concessão do desconto previsto no art. 31 item 2, do Decreto nº 46.655/2002 – Observância do art. 21, inciso I, da Lei Paulista nº 10.705/2000 – Precedentes – Segurança parcialmente concedida – R. Sentença mantida. Recursos oficial e das partes improvidos. (TJSP; Apelação/Remessa Necessária 1038656-49.2020.8.26.0053; Relator: Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Data do Julgamento: 16/12/2020; Data de Registro: 16/12/2020)

6.1. E não se esqueça, ainda, da solução apresentada nos autos da Apelação nº 1055502-44.2020.8.26.0053, julgada em 07/04/2021, desta relatoria, proferida em favor das mesmas autoras ora requeridas, mas naqueles autos, em relação à ciência tardia acerca da existência de 5.683 ações da Petrobrás S/A de titularidade do extinto, e que restou assim ementada:

“APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA. Mandado de segurança. ITCMD. Sobrepartilha. Revogação do benefício de desconto de 5% concedido na partilha original, com incidência de juros e multa de mora sobre a totalidade do monte partível. Abusividade configurada. 1. Impetrantes que realizaram o inventário extrajudicial poucos dias após o óbito de seu finado pai, fazendo jus ao desconto de 5% preconizado no art. 31 item 2, do Decreto nº 46.655/2002. Preenchimento dos requisitos legais. 2. Conhecimento tardio das ações antes pertencentes ao seu finado pai, com realização da sobrepartilha. Inexistência de qualquer elemento que sinalize o intento de sonegação de bens. Má-fé que não se presume. Incidência de penalidades apenas sobre os bens partilhados a destempo. 3. Prova pré-constituída do direito líquido e certo das autoras. Preservação do desconto de 5% do ITCMD concedido na partilha inicial, aplicando-se juros e multa moratória apenas sobre o montante devido em razão da sobrepartilha. 4. Apelo não provido; remessa necessária rejeitada.”

7. Destarte, não há dúvida da presença de direito líquido e certo que merece ser tutelado. As impetrantes não se esquivaram da obrigação de partilhar os bens deixados por seu finado pai; ao revés, procederam ao inventário de todos os bens dos quais possuíam conhecimento, com o competente recolhimento do tributo, garantida a obtenção do desconto legal de 5%. Se tomaram conhecimento da existência de saldo em conta anos após o óbito, realizaram a sobrepartilha que delas se esperava, não restando configurada a aventada ‘sonegação’ de bens. A atuação do Fisco, que pretende revogar o benefício garantido por lei e fazer incidir juros e multa sobre bens partilhados tempestivamente, além de irrazoável, apresenta-se desprovida de qualquer embasamento legal.

8. Em suma, tem-se suficientemente comprovada, por prova pré-constituída, a prática de ato abusivo que configura lesão ao direito líquido e certo das autoras-apeladas, razão pela qual merecedora de manutenção a r. sentença concessiva da segurança, para preservar o desconto de 5% do ITCMD anteriormente concedido, restringindo a aplicação dos juros e multa moratória apenas sobre o montante na sobrepartilha.

9. Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo e rejeito a remessa necessária.

OSWALDO LUIZ PALU

RELATOR – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1013910-49.2022.8.26.0053 – São Paulo – 9ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu – DJ 09.11.2022

Fonte: INR publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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