RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 69051 – MG (2022/0177014-4)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : FABIANO KUHLMANN SOUZA
ADVOGADOS : ADERALDO DA SILVA ROCHA – MG055008
RAPHAEL SILVA ALMEIDA ROCHA – MG134119
RECORRIDO : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROCURADOR : PAULO DA GAMA TORRES – MG055288
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INTERINO. REMUNERAÇÃO. LIMITE. TETO CONSTITUCIONAL. DECISÃO DO CNJ: AUSÊNCIA DE DIREITO DE RETENÇÃO À GRATIFICAÇÃO NATALINA E DE TERÇO DE FÉRIAS. VERBAS RETIDAS INDEVIDAMENTE PELO RECORRENTE. DEVOLUÇÃO. NECESSIDADE. BOA-FÉ. NÃO DEMONSTRAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO.
DECISÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –
Trata-se de recurso ordinário manejado por Fabiano Kuhlmann Souza em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais nestes termos sintetizado (e-STJ fl. 297):
MANDADO DE SEGURANÇA – SERVENTIA EXTRAJUDICIAL – INTERINO – REMUNERAÇÃO – LIMITE – TETO CONSTITUCIONAL – DIREITO À RETENÇÃO E AO PAGAMENTO DA GRATIFICAÇÃO NATALINA E DO TERÇO DE FÉRIAS – INEXISTÊNCIA – RESTITUIÇÃO DAS VERBAS PERCEBIDAS ACIMA DO TETO REMUNERATÓRIO – ORDEM DENEGADA.
Conforme entendimento há muito consolidado, o Interino de Serventia Extrajudicial se submete aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, em especial ao teto remuneratório.
Mesmo que eventualmente autorizados a retenção e o pagamento do 13º salário e do terço de férias ao Interino de Serventia Extrajudicial, a sua remuneração integral não pode exceder o limite máximo do teto remuneratório.
É cabível a reposição de valores recebidos ainda que de boa-fé por servidor se o pagamento resultou de erro de interpretação do próprio interessado e não da Administração Pública.
Os embargos de declaração apresentados na origem foram rejeitados.
No recurso em mandado de segurança, o recorrente assevera ter exercido o cargo de Oficial Interino de Cartório de Imóveis de 08 de fevereiro de 2012 a 14 de janeiro de 2018. Assevera que o recebimento de férias e de gratificação natalina foi chancelado pelo Juízo do Foro de Ipanema expediu a portaria de n. 26/2014. Contudo, assevera que Inspeção Contábil na Serventia ocorrida em agosto de 2018 apontou irregularidades no recebimento dessas vantagens. Com efeito, alega que a manifestação da GENOT de novembro de 2019 asseverou que o CNJ declarou, no processo n. 0006249- 69.2015.2.00.0000, destacou que o interino está submetido ao regime do teto e não possui direito a 13º salário e a férias. Argui que a decisão final do CNJ não determinou a restituição das parcelas recebidas pelos interinos. Em síntese, afirma ter direito líquido e certo à anulação o processo administrativo n. 0090511-80.2018.8.13.0000 e a decisão de n. 6816, pois não pode ser compelido a restituir os valores que reteve a título de 13º salário e de férias. Para tanto, assevera que (e-STJ fl. 386): “se o Impetrante/Recorrente encaminhava regularmente as informações como determinado no Provimento e eram realizadas correições ordinárias pelos Juízes de Direito e nada foi apontado de irregular, onde está a má-fé, ao contrário, comprova sua boa-fé, pois jamais omitiu qualquer desconto.”
Contrarrazões às e-STJ fls. 398/408.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento do recurso ordinário em mandado de segurança.
É o relatório. Passo a decidir.
A jurisprudência do STJ já consolidou entendimento de que verbas alimentares recebidas de boa-fé pelos servidores públicos não devem ser restituídas quando pagas por erro de interpretação da Administração Pública. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VALORES INDEVIDOS RECEBIDOS DE BOA-FÉ. INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA OU MÁ APLICAÇÃO DA LEI. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II – O acórdão recorrido contrariou entendimento pacificado nesta Corte, no sentido de ser incabível a devolução de valores percebidos por servidor público ou pensionista de boa-fé, decorrente de interpretação equivocada ou má aplicação da lei.
III – Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
IV – Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
V – Agravo Interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.823.232/ES, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 21/3/2022, DJe de 25/3/2022.)
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ART. 46, CAPUT, DA LEI N. 8.112/90 VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. BOA-FÉ DO ADMINISTRADO. RECURSO SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC.
1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei.
2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.
3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.
4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.
5. Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.244.182/PB, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012, DJe de 19/10/2012.)
Contudo, esse entendimento não deve ser aplicado na presente hipótese. Da própria narrativa dos fatos feita pelo recorrente, infere-se que o equívoco de entendimento partiu dele mesmo. Com efeito, apesar de ele ter feito consulta a um Juízo, no mesmo ano dessa consulta o CNJ proferiu decisão declarando que o interino está submetido às regras do teto constitucional e não possui direito ao terço de férias e à gratificação natalina. Ademais, observa-se que o STJ já declarou que a delegação interina de serventia extrajudicial deve obedecer o teto remuneratório:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVENTIA CARTORÁRIA EXTRAJUDICIAL. EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO. DESIGNAÇÃO DEINTERINO E TEMPORÁRIO. LIMITAÇÃOREMUNERATÓRIA. SUBSÍDIO DE MINISTRO DOSTF. DETERMINAÇÃO PROVINDA DO CNJ. ATODO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇADO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. MERAEXECUÇÃO DE ORDEM SUPERIOR. CARÊNCIADE LEGITIMIDADE AD CAUSAM.
1. Trata-se na origem de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que disciplinou “a limitação do teto remuneratório e a prestação de contas a substitutos (interinos) designados para o exercício de função delegada em serventias extrajudiciais vagas no Estado do Rio Grande do Sul”.
2. Nos termos da jurisprudência do STJ, em Mandado de Segurança a definição da competência do tribunal diz com a qualidade da autoridade impetrada que determina a prática do ato ilegal, assim como é capaz de fazer cessar a sua irregularidade, nesse sentido distinguindo-se o ato ilegal daquele que meramente executa suas ordens.
3. A imposição do teto constitucional decorre de resolução do Conselho Nacional de Justiça, a saber, Resolução CNJ 80/2009, sendo esse o órgão do qual se origina o ato normativo tido por violador do alegado direito líquido e certo do postulante. Dessa forma, o Presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul carece de legitimidade passiva ad causam para responder como autoridade coatora.
4. Ademais, ainda que superado tal óbice, o acórdão combatido está em sintonia com a jurisprudência do STF, que, ao apreciar o MS 29.186/DF, DJe 3.8.2015, consolidou orientação segundo a qual a limitação do teto, prevista no art. 37, XI, da Constituição da República, aplicasse a quem detém interinamente a serventia extrajudicial.
5. A repercussão geral da matéria versada no Recurso Especial em exame foi reconhecida, nos autos do Recurso Extraordinário 808.202/RS. Contudo, o pedido de sobrestamento do processo em decorrência da admissão de Recurso Extraordinário sob o regime da Repercussão Geral não deve ser acolhido. Isso porque, até a presente data, o relator do referido Recurso Extraordinário não proferiu decisão determinando a suspensão de todos os processos que tratam do mesmo assunto, nos termos do art. 1.035, § 5º, do CPC/2015. Portanto, deve ser observada a jurisprudência do STJ, segundo a qual o reconhecimento da repercussão geral pelo STF não impõe, em regra, o sobrestamento dos Recursos Especiais pertinentes. Nesse sentido: EDcl no AgRg no REsp 1468858/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 9.6.2016, DJe17.6.2016, AgInt no AREsp 880.709/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em9.6.2016, DJe 17.6.2016.
6. Recurso Ordinário não provido.
(RMS n. 49.213/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/11/2016, DJe de2/2/2017.)
Dessa forma, a princípio, não é possível reconhecer que a retenção dessas vantagens ocorreu de boa-fé. Ademais, ainda que se considere boa-fé ao recorrente, temse que a retenção ocorreu de erro por parte dele mesmo que não pode ser considerado escusável. Afinal, ele tinha o dever de acompanhar as decisões do CNJ e o entendimento do STJ. Nesse aspecto, não observo haver direito manifesto, delimitado e apto a ser exercido. São os termos da jurisprudência:
ADMINISTRATIVO. PRÓ-DF. CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO. PRÉ-INDICAÇÃO DA ÁREA. CONCESSÃO ONEROSA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AUSÊNCIA.
[…]
2. Conforme ensina Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança, 35ª ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 37), “direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa, se sua extensão ainda não estiver delimitada, se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais”.
[…]
6. Agravo Regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no RMS 40.803/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 10/09/2015).
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO NO MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. […].
1. O rito do Mandado de Segurança demanda a comprovação initio litis do fatos em que se funda o direito líquido e certo invocado pelo impetrante.
2. Ausência nos autos comprovação pré-constituída da violação a direito líquido e certo a ser amparo por writ.
3. “O direito líquido e certo, para fins de mandado de segurança, é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração” (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, págs. 36/37).
[…]
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RMS 30.427/PE, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 30/09/2013).
Ante o exposto, com fulcro no artigo 932, inciso IV, alínea “a”, do CPC/2015 c/c artigo 34, inciso XVIII, alínea “b” do RISTJ, nego provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 21 de novembro de 2022.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
Relator – – /
Dados do processo:
STJ – RMS nº 69.051 – Minas Gerais – 2ª Turma – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 22.11.2022
Fonte: INR Publicações.
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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