CGJ/SP: REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA COM CONFISSÃO E ASSUNÇÃO DE DÍVIDA E PACTO ADJETO DE HIPOTECA – DESNECESSIDADE DE CANCELAMENTO DE HIPOTECA ANTERIOR PARA AVERBAÇÃO DE NOVA GARANTIA – IMPOSSIBILIDADE, NO ENTANTO, DE MANUTENÇÃO DE CLÁUSULAS DE IMPENHORABILIDADE, VISTO QUE SE TRATA DE CONTRATO ONEROSO – INTELIGÊNCIA DO ART. 11 DA LEI COMPLEMENTAR N. 93/98 – POSSIBILIDADE DE REGISTRO DA ESCRITURA, DESCONSIDERADAS AS CLÁUSULAS, EM FACE DO PRINCÍPIO DA CINDIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.

Acórdão – DJ nº 0002464-95.2012.8.26.0480 – Apelação Cível 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0002464-95.2012.8.26.0480, da Comarca de Presidente Bernardes, em que é apelante BANCO DO BRASIL S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE PRESIDENTE BERNARDES.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO, V.U.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 24 de junho de 2014.      

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 0002464-95.2012.8.26.0480

Apelante: Banco do Brasil

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Presidente Bernardes

Voto nº 34.021

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – REGISTRO DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA COM CONFISSÃO E ASSUNÇÃO DE DÍVIDA E PACTO ADJETO DE HIPOTECA – DESNECESSIDADE DE CANCELAMENTO DE HIPOTECA ANTERIOR PARA AVERBAÇÃO DE NOVA GARANTIA – IMPOSSIBILIDADE, NO ENTANTO, DE MANUTENÇÃO DE CLÁUSULAS DE IMPENHORABILIDADE, VISTO QUE SE TRATA DE CONTRATO ONEROSO – INTELIGÊNCIA DO ART. 11 DA LEI COMPLEMENTAR N. 93/98 – POSSIBILIDADE DE REGISTRO DA ESCRITURA, DESCONSIDERADAS AS CLÁUSULAS, EM FACE DO PRINCÍPIO DA CINDIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.

O Banco do Brasil interpôs recurso administrativo contra sentença que manteve recusa de registro de escritura de compra e venda com confissão, assunção de dívida e pacto adjeto de hipoteca.

A negativa do registro deu-se por dois fundamentos. Entendeu, o Oficial, que seria necessário o cancelamento da hipoteca de primeiro grau, inscrita no R. 02 da matrícula, para a constituição de nova garantia e que não poderiam prevalecer as cláusulas décima nona e vigésima da escritura, instituidoras d impenhorabilidade, por se tratar de negócio oneroso.

O recorrente aduz que houve mera assunção do contrato por novo mutuário e que o ônus da garantia hipotecária foi transferido a ele. E, no que diz respeito à impenhorabilidade, ela decorre da inteligência do art. 11 da Lei Complementar n. 93/98, que prescreve a inalienabilidade.

Em primeiro grau, o Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida mas nesta instância o Parquet se manifestou pelo desprovimento do recurso.

Intervieram, na dúvida, os compradores, ora mutuários, na condição de interessados.

É o relatório.

O recurso comporta provimento.

Quanto à exigência de cancelamento da hipoteca inscrita no R. 02 e registro de nova hipoteca, o Oficial entendeu que, alienado o imóvel do mutuário originário para os novos mutuários, o Banco do Brasil deveria fornecer instrumento de quitação ao primeiro, cancelando a hipoteca e instituindo nova garantia, em face dos segundos.

Desse raciocínio, data venia, se diverge. O que ocorreu, no caso em tela, foi a cessão da posição contratual. O mutuário originário, com anuência do credor hipotecário – o Banco do Brasil – e da União, cedeu sua posição contratual aos novos mutuários, que assumiram a dívida pendente e a transferência do gravame hipotecário que, em virtude da sequela, seguiu o bem imóvel.

Como anota Caio Mário da Silva Pereira, o proprietário “não está inibido de alienar o imóvel hipotecado, porque não perde o ius disponendi. Ao adquirente, porém, transfere-se o ônus que o grava, não lhe valendo de escusa a alegação de ignorância, que não prevalece contra o registro, nem lhe socorrendo para libertá-lo de qualquer cláusula de sua escritura, ou compromisso assumido pelo devedor hipotecário. A alienação transfere o domínio do imóvel; mas este passa ao adquirente com o ônus hipotecário – transit cum onere suo” (Instituições de Direito Civil, vol. IV, 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 386).

A situação, aqui, afigura-se ainda mais simples. A existência do gravame era de conhecimento dos novos mutuários, que a ele acederam. E a cessão da posição contratual deu-se, ademais, com anuência do credor hipotecário e da União.

A conclusão evidente é que se transferiu o ônus da hipoteca, nos termos da cláusula primeira, alínea ‘e’, da escritura. Não há nenhuma razão ou necessidade de cancelamento da hipoteca para a constituição de nova garantia.

No que diz respeito às cláusulas décima nona e vigésima, que instituem a impenhorabilidade, a situação é diferente. Elas não podem subsistir.

O recorrente afirma que o art. 11, da Lei Complementar n. 93/98, que instituiu o Fundo de Terras e da Reforma Agrária e criou o Banco da Terra, ao prever a inalienabilidade (“Os beneficiários do Fundo não poderão alienar as suas terras e as respectivas benfeitorias no prazo do financiamento, salvo para outro beneficiário enumerado no parágrafo único do art. 1º e com a anuência do credor”) prescreveu também a impenhorabilidade. Daí a legalidade da cláusula.

Da leitura desse dispositivo, vislumbra-se, com clareza, que ele não trata de inalienabilidade. Prova maior disso é que o próprio artigo permite a alienação, condicionando-a, tão somente, à anuência do credor. Aliás, foi exatamente o que ocorreu aqui.

O que o legislador pretendeu ressaltar, no referido artigo, foi a necessidade da anuência, não a inalienabilidade, que não existe. Trata-se da mesma regra do Sistema Financeiro da Habitação. Permite-se a alienação, condicionando-a, contudo, à anuência do credor hipotecário.

Ressalte-se, ainda, que as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, por limitarem o direito de propriedade, são cabíveis, tão somente, em atos graciosos. Elas são restritas a atos de mera liberalidade, como doação e testamento.

Assentado que o art. 11 da Lei Complementar 93/98 não retrata hipótese de inalienabilidade, da mesma maneira não poderia ser inserida na escritura cláusula de impenhorabilidade. Afinal, a segunda – impenhorabilidade – não pode decorrer da primeira – inalienabilidade – se essa não existe.

A escritura pode ser registrada, em suma, extirpando-se as cláusulas décima nona e vigésima, levando-se em consideração o princípio da cindibilidade.

Conforme decidido em voto da lavra do Des. Maurício Vidigal (Apelação Cível nº 0024268-85.2010.8.26.0320), em que se discutia a possibilidade de registro de escritura de doação, com cláusula de impenhorabilidade, “a falta de justa causa compromete apenas a validade da cláusula restritiva, não da doação. Há muito este Egrégio Conselho Superior da Magistratura vem aplicando a regra da cindibilidade do título, pelo qual autoriza-se o registro daquilo que possa ingressar no fólio real, e nega-se o daquilo que não possa, permitindo-se extrair do título apenas aquilo que comporta o registro. A doação é hígida e foi livremente celebrada entre os contratantes. Apenas a cláusula de impenhorabilidade padece de vício, por afronta ao art. 1848, “caput”, do Código Civil. Admissível, portanto, o registro da escritura de doação, desconsiderando-se a cláusula de impenhorabilidade nele inserida.

Em caso similar, este Egrégio Conselho Superior decidiu:

Há, contudo, um único vício no instrumento de compra e venda do imóvel adquirido pela apelante que impede o seu ingresso no registro, na forma como elaborado. Diz respeito à cláusula de incomunicabilidade inserida na escritura. Com efeito, quando a interveniente Maria Helena doou a importância de R$ 120.000,00, representada pelo apartamento do edifício Príncipe de Liverpool, no. 63, transmitindo-o a seguir aos vendedores Edmundo Antonio e sua mulher, fez constar que a doação se fazia com exclusividade, em caráter incomunicável, como adiantamento de sua legítima. A disposição constante do título é nula, porque afronta o disposto no art. 1848 do Código Civil … Todavia a nulidade ora apontada se restringe apenas à cláusula inserida no título e não importa na invalidade deste, mas somente na sua cindibilidade, a fim de que se torne viável o seu registro a seguir” (Ap. Civ. 440-6/0, de 06 de dezembro de 2005, Rel. Des. José Mário Antonio Cardinale).

Possível, então, o ingresso do título no registro imobiliário, com a desconsideração das cláusulas restritivas de impenhorabilidade nele inseridas.

É preciso consignar, porém, importante advertência feita por Mário Guerra Serra e Monete Hipólito Serra:

Devemos ressaltar por fim que, caso se aplique o princípio da cindibilidade, o registrador deve deixar bem claro no título que somente parte dos direitos foram registrados, especificando-os. Isto tendo em vista que a regra é o registro integral do título, e, como estamos aqui tratando de uma exceção, devemos tomar todos os cuidados para evitar que terceiros possam ser induzidos em erro” (Registro de Imóveis, vol. I, parte geral, São Paulo: Saraiva, 2013, p. 141)

Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, dou provimento ao recurso, com a observação acima.

HAMILTON ELLIOT AKEL                                   

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: TJ/SP | 14/07/2014.

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Informativo de Jurisprudência nº. 2 | Coletânea das decisões atualizadas do CNJ | Decisões de interesse de notários e registradores.

Gratuidade de atos extrajudiciais

PROCEDIMENTOS DE CONTROLE ADMINISTRATIVO 0002680-31.2013.2.00.0000, 0003018-05.2013.2.00.0000 E PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS 0002872-61.2013.2.00.0000

RELATOR: Conselheiro Saulo Casali Bahia

Requerentes: João Carlos Pereira da Silva, Ivan Nizer Gonçalves André Cândido Almeida

REQUERIDO: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO.. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.. ATO NORMA-TIVO 17/2009.. GRATUIDADE DE ATOS EXTRAJUDICIAIS.. EXI-GÊNCIA DE DOCUMENTOS PARA COMPROVAÇÃO DA CON-DIÇÃO DE INSUFICIENCIA DE RECURSOS DO INTERESSADO.. ILEGALIDADE.. LEI 1..060/50.. CF, ART.. 5º, LXXIV.. LEI 11..441/07.. RESOLUÇÃO CNJ 35/07.. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS..

1.. Pretensão de invalidação de ato normativo de Tribunal que exige outros documentos, além da declaração de pobreza, para a con-cessão da gratuidade de justiça na prática de atos extrajudiciais..

2.. A miserabilidade para efeitos legais é comprovada por de-claração do interessado, sob as penas da lei, de modo que o tema não deve sofrer acréscimos de outros requisitos, os quais podem acabar por prejudicar ou inviabilizar o direito dos declarados necessitados..

3.. A Resolução CNJ 35/2007, que disciplina a Lei 11..441/07 pelos serviços notarias e de registro, dispõe expressamente que basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído..

4.. Nada obsta que o notário ou registrador suscite dúvida quanto ao referido benefício ao Juízo competente como meio de coibir abusos..

5..Pedidos julgados procedentes para anulação do ato e para determinar ao Tribunal que edite nova regulamentação da ma-téria, no prazo de 60 dias..

O EXMO. SR. CONSELHEIRO SAULO CASALI BAHIA (RELATOR): Tra-ta-se de procedimentos de controle administrativo (PCA) e pedido de providências (PP) propostos por João Carlos Pereira da Silva, Ivan Nizer Gonsalves e André Cândido Almeida contra o ato normativo 17, de 26 de agosto de 2009, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), especificamente no tocante à exigência de apresentação de ou-tros documentos, além da declaração de pobreza, como condição para o benefício da gratuidade de justiça na prática de atos extrajudiciais..

Alegam, em síntese, que a norma é limitadora do exercício do direito à gratuidade e afronta a Resolução CNJ 35, de 24 de abril de 2007, que dis-ciplina a aplicação da Lei 11..411/07 pelos serviços notariais e de registro..

O TJRJ prestou informações defendendo a legalidade do ato, em razão dos seguintes argumentos, por ele próprio sintetizados: “a) a afirmação de pobreza gera, na forma da lei, a presunção relativa do estado de hipos-suficiência econômica; b) na seara dos atos extrajudiciais, a concessão de gratuidade para os emolumentos e acréscimos destinados a fundos instituídos em lei depende de sua regulamentação a nível estadual, in-clusive com a preocupação de indicar a respectiva fonte de custeio; c) diversamente da área judicial, em que os efeitos da afirmação de pobreza passam pelo crivo do órgão jurisdicional, para a prática do ato extrajudicial a sua aferição não pode ficar sob a apreciação derradeira do Tabelião ou Registrador, sob pena de evidente conflito de interesses; d) a Lei estadual n.. 3350/99 prevê exatamente que, em caso de dúvida acerca do estado de hipossuficiência da parte requerente, cabe ao Delegatário do Serviço extrajudicial suscitá-la ao Juízo competente; e) para equacionar todos os interesses em jogo e dar cumprimento à Lei estadual n.. 3350/99, o Tri-bunal de Justiça do Rio de Janeiro editou o Ato Normativo n.. 17/2009, consolidado pelo Ato Normativo” (Inf10, fls.. 2-3 do PCA 2680-31)”..

O Tribunal ressalta, ainda, que a ausência de regulamentação nos mol-des realizados traria resultados indesejáveis para efeito de segurança das partes interessadas e afetaria a boa sistemática dos serviços extra-judiciais.. Além disso, ensejaria a elevação do número de conflitos entre delegatários e usuários dos serviços extrajudiciais, principalmente na hipótese de apresentação de simples declaração, bem como incremen-to no número de processos judicializados.. Dificultaria, outrossim, a de-vida fiscalização e permitiria a concessão de gratuidade sem qualquer critério, com sérios prejuízos ao erário público..

É o relatório..

VOTO

O EXMO. SR. CONSELHEIRO SAULO CASALI BAHIA (RELATOR): Trata-se de procedimento no qual se discute a legalidade do ato normativo 17, de 26 de agosto de 2009, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, especificamente no tocante à exigência de apresentação de ou-tros documentos, além da declaração de pobreza, para que a parte possa se beneficiar da gratuidade de justiça na prática de atos extrajudiciais..

Eis o teor do ato impugnado24..

TEXTO CONSOLIDADO DO ATO NORMATIVO N.. . 17/2009, publica-do no DJERJ de 28..08..2009, com as alterações do Ato Normativo n.. . 12/2011, publicado no DJERJ de 21..07..2011

ATO NORMATIVO N.. 17 /2009

Unifica e consolida os procedimentos para concessão da gratuida-de de justiça na prática de atos extrajudiciais, nas hipóteses auto-rizadas por lei..

O Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no uso de suas atribuições legais, na forma do art.. 30, XXXVII, do Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro, 

CONSIDERANDO o que restou decidido pelo Órgão Especial na ADIN n.. 22/2007, com relação a inconstitucionalidade dos incisos IV , V e VII do artigo 43 da Lei Estadual n.. 3..350/99 , e a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da referida decisão;

CONSIDERANDO a Súmula n.. 39 do Órgão Especial do TJERJ, que uniformiza o entendimento de que a parte deve comprovar a insu-ficiência de recursos para obter a concessão do benefício da gra-tuidade de justiça, nos termos do art.. 5º, inciso LXXIV da CF/88;

CONSIDERANDO que a afirmação de hipossuficiência goza de pre-sunção relativa de veracidade, cumprindo à Administração Pública adotar critérios objetivos e impessoais para concessão da gratuida-de, como bem demonstrado no Parecer CGJ n.. . 10 , de 15/2/2000, – Divisão de Fiscalização – Processo n.. . 2000/11108;

CONSIDERANDO, em especial, que a unificação de normas admi-nistrativas atinentes à concessão da gratuidade de justiça objetiva evitar evasão de recursos à administração financeira do Tribunal de Justiça, da Defensoria Pública e da Procuradoria Geral do Es-tado, por meio dos recursos destinados ao FUNDO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA e aos FUNDOS DA DEFENSORIA PÚBLICA e da PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – FUNDPERJ E FUNPERJ, respectivamente;

R E S O L V E:

Art.. 1º.. A gratuidade de justiça na prática de atos extrajudiciais depende de prévia comprovação de insuficiência de recursos, não bastando para tanto a mera declaração do interessado, razão pela qual deverão ser apresentados, no ato do requerimento, os seguin-tes documentos:

I – Ofício da Defensoria Pública ou de entidades assistenciais assim reconhecidas por lei;

II – Comprovante de renda familiar; III – Declaração da hipossuficiência..

§  1º.. O requerimento de gratuidade deverá ser formulado de forma fundamentada e apresentado, pelo próprio interessado na prática do ato, perante o serviço extrajudicial ao qual é dirigido..

§  2º.. Nos Atos Notariais e/ou Registrais, efetivados em favor de maiores de 65 anos, que percebam até 10 salários mínimos, é ne-cessária a apresentação de declaração de hipossuficiência, bem como a comprovação de ser esta a única renda do requerente..

§  3º.. Nas hipóteses de gratuidade requisitadas pela União, Estados e Municípios por meio de seus órgãos competentes, bem como pelas Autarquias, Fundações e CEHAB-RJ, integrantes da Adminis-tração Indireta do Estado do Rio de Janeiro, deverão tais entidades demonstrar, quando do requerimento, o interesse institucional do pedido, não se admitindo a formulação do mesmo para mera atu-alização cadastral..

§  4º.. Nos atos notariais e/ou registrais efetivados por determina-ção judicial, no qual conste da ordem a referência ao Aviso CGJ n.. 810/2010 e a extensão da gratuidade deferida no processo para prática do ato extrajudicial, fica dispensada a apresentação da do-cumentação indicada no caput deste artigo.. (com a alteração do Ato Normativo TJ n.. . 12/2011)

5º.. É dispensada a apresentação dos documentos mencionados no caput quando se tratar de ofício assinado pela Coordenação da Campanha Institucional Permanente da Defensoria Pública, acompanhado da declaração de hipossuficiência da parte interessada, para fins de obtenção de certidões relativas a atos de Registro Civil das Pessoas Naturais.. (acrescentado pelo Ato Normativo TJ n.. . 12/2011)

Art.. 2º.. Este ato entra em vigor na data de sua publicação, revoga-das as disposições em contrário..

Rio de Janeiro, 20 de julho de 2011..

Desembargador MANOEL ALBERTO REBÊLO DOS SANTOS Presidente do Tribunal de Justiça

Assiste razão aos requerentes..

A lei de assistência judiciária (Lei 1..060, de 5 de fevereiro de 1950), há muito já dispõe que “a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família..”

A Constituição Federal, ao prever que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de re-cursos” (art.. 5º, inciso LXXIV), recepcionou a Lei 1..060/50 e, de forma programática, legitimou a inserção do § 3º no artigo 1124-A do Código de Processo Civil pela Lei 11..441/07, de 4 de janeiro de 2007, garan-tindo a gratuidade da escritura e demais atos notariais “àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei”..

A Resolução CNJ N.. 35, de 24 de abril de 2007, que disciplina a Lei 11..441/07 pelos serviços notarias e de registro dispõe expressamente em seu artigo 7º que “para a obtenção da gratuidade de que trata a Lei n. 11.441/07, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído”..

O simples confronto literal das normas já revela a contrariedade invoca-da pelos requerentes.. O ato normativo do TJRJ desconsidera a declara-ção de pobreza como instrumento apto e suficiente para demonstrar a situação econômica do interessado..

Assim, nada justifica a criação de atos normativos, ainda que de natu-reza administrativa, impondo mais documentos ou maiores exigências para o exercício de um direito..

Sobre o tema, destaco o bem lançado parecer exarado pelo então juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça José Antônio de Paula San-tos Neto no pedido de providências 0005387-74..2010..2..00..0000, no qual se discutia a comprovação de pobreza nos procedimentos de habi-litação para o casamento (evento17, Desp6):

Em atendimento ao DESP5, observa-se que, na verdade, o art.. 1..512, parágrafo único, do CC já estabelece, em caráter geral e de forma bastante ampla, quanto ao casamento, a focalizada gratuidade:

Art.. 1..512.. O casamento é civil e gratuita a sua celebração..

Parágrafo único.. A habilitação para o casamento, o registro e a primeira certidão serão isentos de selos, emolumentos e custas, para as pessoas cuja pobreza for declarada, sob as penas da lei..

Para obtenção do benefício, portanto, basta, pura e simplesmente, a apresentação de declaração de pobreza pelos interessados..

A “regulamentação” proposta, nos termos do requerimento inicial, poderia, data venia, levar a que se restringisse essa possibilidade, com uma indevida burocratização, de modo não harmonioso com o desiderato de facilidade que inspirou a citada norma legal..

Destaca-se que, diante da declaração de pobreza, é obrigatória a prática gratuita dos atos em tela pelo Oficial de Registro, o qual, em caso de recalcitrância, ficará sujeito às penalidades previstas na Lei n.. 8..935/94.. Trata-se de aspecto já fiscalizado pelas Corregedorias Ge-rais dos Estados e pela Corregedoria Nacional de Justiça, sendo que, em caso de infração, qualquer interessado, inclusive o órgão do Mi-nistério Público, pode formular a cabível reclamação contra o infrator..

Quanto aos fundos para compensação de atos gratuitos, a discipli-na normativa se faz em nível estadual, conforme lembrado na INF4 (evento 9), o que fica reiterado..

Observa-se, todavia, que, como o modelo de certidão de casa-mento veio a ser alvo de padronização no Provimento n.. 3 desta Corregedoria Nacional (valendo, indistintamente, tanto para casos de gratuidade, quanto para aqueles em que tal não ocorra), a ins-tituição de formulário padronizado se restringiria, na hipótese em análise, à criação de modelo de declaração de pobreza.. Contudo, em nova análise conjunta levada a efeito no âmbito desta Correge-doria, com a participação do MM.. Juiz Auxiliar Dr.. Ricardo Cunha Chimenti, autor do parecer constante do evento 9, concluiu-se, apesar da primeira impressão ali enunciada, que a própria singe-leza inerente a tal declaração torna, s..m..j.., despicienda e, mesmo, desaconselhável a imposição de um formulário específico, cujo preenchimento pode representar uma dificuldade adicional para o interessado (o Oficial recalcitrante poderia, por exemplo, alegar que “os formulários acababaram”, ou, ainda, exigir que pessoas humil-des redigissem declarações estritamente nos moldes do modelo que lhes entregasse)..

Como o intuito da lei é o de facilitar ao máximo a obtenção da gra-tuidade, parece de melhor alvitre que nada mais se imponha além do já estabelecido no art.. 1..512 do Código Civil: simples declaração de pobreza, sob as penas da lei, que poderá ser até manuscrita, sem forma especial..

Também milita no sentido de consagrar simplicidade e informalida-de da declaração de pobreza o artigo 30, § 2º, da Lei 6..015/73, na esteira das normas sobre gratuidade de atos, com destaque para os artigos 39, VI, e 45, §§ 1º e 2º, da Lei N.. 8..935/1994..

Por outro lado, nada impede, evidentemente, que o Registrador dili-gente disponibilize aos interessados declarações de pobreza já im-pressas, bastando que assinem.. Isto, porém, sem que a utilização de tais impressos seja obrigatória e sem que o Oficial possa recusar declarações de pobreza apresentadas de outra forma..

Enfim, a teleologia das normas sobre a gratuidade de atos neces-sários ao exercício da cidadania, como vetores de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, é a de facilitar o acesso às pessoas carentes.. Destarte, o que se afigura imperativo observar, isto sim, é a rigorosa vigilância em relação a qualquer recusa indevida ou embaraço na disponibilização do benefício, o que deverá ser dura e prontamente reprimido pelas Corregedorias Gerais dos Estados e pelos Juízes Corregedores Permanentes das Comarcas, aos quais compete a fiscalização (primeira) dos serviços extrajudiciais..

Eis, no contexto atual, as considerações enunciadas no âmbito desta Corregedoria Nacional de Justiça, propondo-se, s..m..j.., nos termos da INF4 (evento 9) e das ponderações agora apresentadas, ante a ausência de providências concretas a adotar, o arquivamento do presente procedimento..

Conclui-se, pois que a negação ab initio da declaração de pobreza, como instrumento para obtenção da gratuidade, antes mesmo de que haja qualquer indicação de inverdade do ali declarado, é ilegal.. Nesse sentido, os corretos precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

JUSTIÇA GRATUITA.. HIPÓTESES DE DEFERIMENTO.. DECISÃO IM-PLÍCITA.. DESERÇÃO..

I.. A jurisprudência desta Corte Superior admite a concessão da assistência judiciária gratuita mediante a simples declaração, pelo requerente, de que não pode custear a demanda sem prejuízo da sua própria manutenção e da sua família..

II.. Apresentado o pedido, e não havendo indeferimento expresso, não se pode estabelecer uma presunção em sentido contrário ao seu deferimento, mas sim a seu favor.. Precedentes.. Agravo Regi-mental a que se nega provimento..

(AgRg no REsp 925..411/RJ, Rel.. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJE 23/3/2009)

PROCESSUAL CIVIL.. AGRAVO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.. PEDIDO PERANTE O TRIBUNAL.. POSSIBILIDADE.. ESTADO DE PO-BREZA.. PROVA.. DESNECESSIDADE.. PREJUDICIALIDADE AFASTADA..

– É admissível, nas instâncias de origem, a formulação do pedido de gratuidade da justiça em qualquer fase do processo.. Precedentes..

– A concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita não se condiciona à prova do estado de pobreza do requerente, mas tão somente à mera afirmação desse estado, sendo irrelevante o fato de o pedido haver sido formulado na petição inicial ou no curso do processo..

Negado provimento ao agravo..

(AgRg nos EDcl no Ag 728657/SP, Rel.. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 6/4/2006, DJ 2/5/2006, p.. 314)

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INTERDIÇÃO – PEDIDO DE ASSISTÊN-CIA JUDICIÁRIA GRATUITA – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DA DECLA-RAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO..

1 – O v.. acórdão, ao examinar o caso, afastou o benefício da justiça gratuita, essencialmente, sob o argumento de que o artigo 4º, da Lei 1..060/50 não teria sido recepcionado pelo preceito contido no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal.. Entretanto, equivo-cou-se o decisum hostilizado.. Com efeito, o STF já declarou que o referido dispositivo legal foi recepcionado..

2 – Assim sendo, esta Corte já firmou entendimento no sentido de que tem presunção legal de veracidade a declaração firmada pela parte, sob as penalidades da lei, de que o pagamento das custas e despesas processuais ensejará prejuízo do sustento próprio ou da família..

3 – Recurso provido, para, reformando o v.. acórdão recorrido, con-ceder ao recorrente os benefícios da assistência judiciária gratuita..

(REsp 710..624/SP, Rel.. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 28/6/2005, DJ 29/8/2005, p.. 362)

Note-se que a própria legislação estadual traz a previsão do procedi-mento a ser adotado para coibir abusos em caso de discordância do notário ou registrado quanto à concessão do benefício.. Confira-se:

Lei 3..350, de 29 de setembro de 1999.. Dispõe sobre as custas judiciais e emolumentos dos serviços notariais e de registros no Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências25..

[…. .]

Art.. 38 – Nos serviços notariais e de registros privatizados nos termos da Lei Federal n.. 8..935/94, os emolumentos serão pagos diretamente ao notário ou registrador, no momento da lavratura do ato ou da apresentação do documento ou requerimento..

§ 1º – Nos casos de solicitação de gratuidade, excetuando-se os registros de nascimento e óbito, o notário ou registrador, em petição fundamentada, em 72 (setenta e duas) horas da apresentação do requerimento, poderá suscitar dúvida quanto ao referido benefício ao Juízo competente, a qual será dirimi-da também em igual prazo.

§ 2° – Os emolumentos devidos pelo registro de penhora e de ou-tros gravames decorrentes de ordem judicial, nas execuções fiscais e trabalhistas, serão pagos ao final pela parte interessada, obser-vados os valores vigentes à época do pagamento..

Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos para anular o Ato Nor-mativo 17/2009, com as modificações introduzidas pelo Ato Normativo 12/2011, e determinar ao TJRJ que edite nova regulamentação da ma-téria, no prazo de 60 dias, nos termos da fundamentação supra..

É como voto..

Intimem-se.. Em seguida, instaure-se o procedimento adequado para o acompanhamento do cumprimento das deliberações deste Conselho (art.. 104 do RICNJ)..

Brasília, 8 de outubro de 2013..

Conselheiro Saulo Casali Bahia

Relator

__________________________

Averbação em cartório de registro de imóveis – reserva legal

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO N. 0001186-34.2013.2.00.0000

RELATOR: CONSELHEIRA ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO

REQUERENTE: CLAUDIUS AUGUSTUS FAGGION FILHO

REQUERIDO: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO.. LEI N..º 12..651/2012.. RESERVA LEGAL.. CADASTRO AMBIENTAL RU-RAL AINDA NÃO IMPLANTADO.. MANUTENÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE AVERBAÇÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS.. DISPENSA NÃO AUTORIZADA.. IMPROCEDÊNCIA..

1.. O presente procedimento cuida do exame de dispositivo do Novo Código Florestal (Lei n.. 12..651/2012, alterada pela Lei n.. 12..727/2012) que provocou alterações no sistema de proteção e controle da área de reserva legal das propriedades rurais, com particular modificação na forma de realização do seu registro junto aos órgãos competentes..

2.. De acordo com a interpretação literal da norma, apenas o registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, ou seja, o registro no Cadastro Rural é fator crucial para a total aplicação do preceito legal.. Se não há o registro/cadastro, permanece a obrigação imposta na Lei n.. 6..015/73 para averbação na matrícula do imóvel, pois o Novo Código Florestal não preconiza liberação geral e abstrata..

3.. A manutenção da obrigação de averbar no Registro de Imó-veis, enquanto ainda não disponível o Cadastro Rural, atende, portanto, ao princípio da prevenção ambiental, tal qual previsto pela Lei n.. 6..938, de 1981, em seu art.. 2º..

4.. Procedimento de Controle Administrativo julgado improce-dente para manter hígida a obrigação da averbação da Reserva Legal junto ao Cartório de Registro de Imóveis..

RELATÓRIO

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo apresentado pelo Sr.. Claudius Augustus Faggion Filho, devidamente qualificado, em des-favor da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina, que teria mantido a obrigatoriedade da prévia averbação no registro imobiliário da área denominada reserva legal..

Argumenta que a CGJSC publicou o Ofício-Circular n.. 7/2010 deter-minando aos oficiais registradores de Santa Catarina que os atos re-gistrais de transmissão, desmembramento ou retificação de imóveis rurais deveriam ser condicionados à prévia averbação da reserva legal, obrigatoriedade que constou, também, do Termo de Cooperação Téc-nica Conjunto n.. 1/2010, firmado entre o Ministério Público, o Poder Judiciário, a Fundação do Meio Ambiente, a Associação dos Titulares de Cartório e a Associação dos Notários e Registradores de Santa Catarina.. Alega, porém, que a redação do § 4º do art.. 18 da Lei n.. 12..651, de 25 de maio de 2012, alterado pela Lei n.. 12..727, de 17 de outubro de 2012, desonera os proprietários rurais de procederem à averbação da reserva legal junto ao Registro de Imóveis, situação acatada, p.. ex.., pelo Estado do Paraná.. Não obstante, relata que os proprietários rurais do Estado de Santa Catarina não conseguiram afastar tal imposição, embora tivessem realizado idêntico pedido junto à CGJSC.. Por esse mo-tivo, requer, inclusive em sede de liminar, a suspensão dos efeitos do Ofício-Circular n.. 7/2010..

Quando da inicial apreciação (DEC3), a medida liminar requerida foi in-deferida, porquanto não comprovados os requisitos necessários para a suscitada tutela de urgência..

Cientificado para apresentar informações, e após iniciais tratativas com os representantes da FATMA – Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina –, do Ministério Público do Estado de Santa Catarina e da ANOREG/SC, o Corregedor-Geral da Justiça reconheceu a neces-sidade de revisão do posicionamento, para o fim de dispensar a aver-bação da área de reserva legal nos assentos cartorários da propriedade rural, por entender que tal obrigatoriedade não mais subsiste.. Contudo, diante das consequências práticas que a medida poderá provocar na esfera ambiental, antes da homologação do mencionado parecer, o Corregedor-Geral submete a citada manifestação à apreciação do CNJ..

É, em síntese, o relato..

VOTO

O presente procedimento cuida do exame de dispositivo do Novo Có-digo Florestal (Lei n.. 12..651/2012, alterada pela Lei n.. 12..727/2012) que provocou alterações no sistema de proteção e controle da área de reserva legal das propriedades rurais, com particular modificação na forma de realização do seu registro junto aos órgãos competentes..

A Reserva Legal é a área localizada no interior de um imóvel rural (pro-priedade ou posse rural), necessária ao uso sustentável dos recursos na-turais, bem como à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, servindo ainda para conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna silvestre e flora nativas (art.. 3º, inciso III, da Lei n.. 12..651/2012)..

Como se sabe, a previsão legal para salvaguarda de área ambiental possui firme substrato constitucional.. A Constituição Federal de 1988, em seu art.. 225, prescreve que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”..

Relativamente ao controle da área de Reserva Legal, o antigo Código Florestal de 1965 previa que o controle deveria ser feito por meio da averbação da área no Registro de Imóveis.. Essa obrigação que, poste-riormente, foi confirmada pela Lei n.. 6..015, de 1973, ainda em vigor:

“Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. […]

II – a averbação: […]

22. da reserva legal; […]

Art. 169 – Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel”.

O Novo Código Florestal, tal qual o antigo, ao densificar o comando constitucional, manteve a obrigação real de fazer quando diz, em seu art.. 12, que “todo o imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva legal […]”, respeitando percentuais mínimos definidos em lei.. Não houve, portanto, alteração no que se refere à obrigação legal de preservar parte da cobertura vegetal nativa da propriedade rural.. Inalterada, também, a ligação entre a manutenção de área preservada e o “princípio da função social da propriedade”, reconhecido expressamente na Constituição de 1988, nos arts.. 5º, inc.. XXIII, 170, inc.. III e 186, inc.. II..

A nova norma, porém, ao alterar a redação do antigo Código Florestal, passou a vislumbrar o controle e a proteção das áreas de Reserva Le-gal por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que, operando-se por novas tecnologias, utiliza-se de cartas georreferenciadas para mapear, em todo território nacional, as áreas protegidas.. Em razão da nova pers-pectiva, o legislador passou a entender que a averbação da área de proteção junto ao cartório de registro imobiliário poderá ser facultativa:

“Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.

[…]

§ 4o O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou pos-suidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato. (Redação dada pela Lei n. 12.727, de 2012)”.

Ao tempo em que estabelece a nova forma de registro e fiscalização, a norma prescreve clara e indiscutível condição para a dispensa da averbação no Cartório de Registro de Imóveis.. De acordo com a inter-pretação literal da norma, apenas o registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, ou seja, o re-gistro no Cadastro Rural é fator crucial para a total aplicação do preceito legal.. Se não há o registro/cadastro, permanece a obrigação imposta na Lei n.. 6..015/73 para averbação na matrícula do imóvel, pois o Novo Código Florestal não preconiza liberação geral e abstrata..

Se assim não fosse, enquanto não implantado o Cadastro Ambiental Rural, ausente estaria mais uma importante forma de controle para preservação do meio ambiente que, como dito, é direito fundamental do ser humano.. Vê-se, assim, a extensão do caso em razão de uma interpretação sistemática das normas..

Ocorre, porém, que o recém lançado Cadastro Ambiental Rural ainda não foi criado e efetivamente implantado, embora haja previsão de que até o fim do primeiro semestre de 2013 já esteja em funcionamento.. Não obstante, ainda que em pleno funcionamento, a legislação concede aos proprietários o prazo de um ano para se adaptarem às novas exigências, sendo lícito perguntar se haveria, nesse interregno, obrigação de averba-ção a fim de garantir efetividade à proteção das áreas de reserva..

Nesse contexto, tem-se que persiste a obrigação de averbar a reserva legal enquanto não efetivamente implantado o CAR, pois evidente que a faculdade de averbar depende da opção pelo Registro no Cadastro Rural: não havendo o Cadastro, não há faculdade..

Observe-se, com efeito, que a averbação da área de Reserva Legal é verdadeira condição de existência do espaço protetivo, pois “o efeito da inscrição […. .] no Registro de Imóveis é o de definir a área reserva-da, marcando a mesma com a inalterabilidade” (Paulo Affonso Leme Machado).. Além disso, como destaca o professor de Direito Ambiental:

“Essa inscrição é de alta relevância para a sobrevivência do ecos-sistema vegetal não só no Brasil como no planeta Terra. Essa afirmação não é exagerada, pois a existência e manutenção das Reservas Legais não têm efeitos ecológicos benéficos somente no Brasil, mas têm também consequências extremamente positivas além fronteiras” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro).

A manutenção da obrigação de averbar no Registro de Imóveis, enquan-to ainda não disponível o Cadastro Rural, atende, portanto, ao princípio da prevenção ambiental, tal qual previsto pela Lei n.. 6..938, de 1981, em seu art.. 2º:

“Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental pro-pícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvi-mento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

[…]

IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas re-presentativas”.

Há que se reconhecer, como dito há pouco, que a lei apenas dá con-cretude à diretriz constitucional de preservação; diretriz que, frise-se, é dever do Poder Público e da coletividade.. A aplicação do princípio da preservação ao caso em tela não autoriza, portanto, outra interpretação que não a que exija dos proprietários, enquanto ainda não estiver plena-mente em funcionamento o Cadastro Ambiental Rural, a averbação no Registro de Imóveis da área de Reserva Legal..

Por salutar, cite-se posicionamento apresentado pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo em caso de idêntica convergência:

PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 2012/44346 – ARARAQUARA – MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – Parte: EMER-SON FITTIPALDI.

Parecer 308/2012-E.

RETIFICAÇÃO DO REGISTRO IMOBILIÁRIO – NECESSIDADE DE AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL ENQUANTO NÃO IMPLANTADO O CADASTRO DE IMÓVEL RURAL PREVISTO NO NOVO CÓDIGO FLO-RESTAL (LEI N. 12.651/12) – RECURSO PROVIDO.

Nesse processo administrativo, o Juiz Assessor da Corregedoria Dr.. Marcelo Benacchio assim se posicionou:

“Ora, se o art. 18, parágrafo 4º, desobriga a averbação no Registro Imobiliário na hipótese de registro no Cadastro Ambiental Rural, a contrário senso, ausente inscrição no mencionado cadastro é obri-gatória a averbação, tal qual estabelecia o sistema anterior.

Considerando-se a não implantação, até o presente momento, des-se novo registro ambiental eletrônico, a conclusão é da necessida-de da averbação da reserva legal no registro imobiliário, tal qual o sistema anterior e pelas mesmas razões jurídicas.

Desse modo, parece-nos caber a mudança de orientação na Cor-regedoria Geral de Justiça de maneira a se reconhecer o dever do proprietário rural em averbar a reserva legal na matrícula do imóvel quando da retificação do registro imobiliário; notadamente em razão da não implementação do Cadastro Ambiental Rural, do contrário, modestamente, parece-nos que não haveria cumprimento dos man-damentos legais incidentes no sentido da proteção ao meio ambien-te a partir da imposição de deveres ao proprietário do imóvel”.

Pelos fundamentos acima expostos, há que se julgar improcedente o presente Procedimento de Controle Administrativo para manter hígida a obrigação da averbação da Reserva Legal junto ao respectivo Cartório de Registro de Imóveis, persistindo tal obrigação até o efetivo registro da área de proteção ambiental junto ao Cadastro Ambiental Rural previsto na Lei n.. 12..651/12 (Novo Código Florestal) e ainda não implantado..

Considerando a extensão dos efeitos da medida aqui debatida, voto, ainda, pela remessa de cópia desta decisão para todos os Tribunais de Justiça..

É como voto..

Brasília, 16 de setembro de 2013..

CONSELHEIRA ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO

RELATORA

Fonte: CNJ – Informativo de Jurisprudência nº 2 | Junho de 2014.

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1ªVRP/SP: Pedido de providências – averbação de aditamento de contrato de aluguel que prevê duas modalidades de garantia (caução e fiança) – nulidade – parágrafo único do artigo 37 da Lei 8245/91 – caução configurada embora não nomeada como tal – improcedência

Processo 0002713-51.2014.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro de Imóveis – João Dias Godoy – – Maria Eugência Ortolan Godoy – 13º Cartório do Registro de Imóveis da Capital – “Pedido de providências – averbação de aditamento de contrato de aluguel que prevê duas modalidades de garantia (caução e fiança) – nulidade – parágrafo único do artigo 37 da Lei 8245/91 – caução configurada embora não nomeada como tal – improcedência”. Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado por João Dias Godoy e sua esposa Maria Eugênia Ortolan Godoy em face da negativa do Oficial do 13º Registro de Imóveis da Capital em proceder a averbação na matrícula nº 57.931, do aditamento de um contrato de locação, onde figuram os requerente como locadores, a Drogaria São Paulo como locatária e a empresa DSP – Administração de Bens Imóveis e Participações S/A, como fiadora e principal pagadora. Relata que, dentre as poucas alterações havidas no instrumento original, houve a substituição da garantia, sendo que equivocadamente o Oficial Registrador entendeu como duplicidade de garantia. O Oficial prestou informações às fls. 17/18. Esclarece que em 08.01.2014 foi apresentado instrumento particular de primeiro aditamento ao contrato de locação comercial, datado de 20.09.2013. Todavia, consta no item 5.2 da cláusula V, do referido documento, que a fiadora apresenta como garantia, até a efetiva entrega das chaves do imóvel locado, a loja nº 01, localizada na Av. Brigadeiro Faria Lima, nº 2.156, matriculada sob nº 57.931, caracterizando dupla garantia (fiança e caução), o que é vedado pelo artigo 37 da Lei Federal 8.245/1991. O Ministério Público opinou pelo indeferimento do pedido (fls. 23/24). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão o Oficial Registrador e o Ministério Público. Os termos do aditamento ao contrato de locação comercial que se pretende averbar (fls. 06/09) afrontam o parágrafo único, do artigo 37, da Lei 8245/91 – Lei de Locações, tendo em vista que ficou, de fato, configurada a duplicidade de garantias. Ao contrário do que sustentam os requerentes, a caução é garantia de caráter real que recai sobre determinado e particularizado bem de domínio do garantidor. A fiança, por sua vez, é garantia pessoal em que todo o patrimônio do garantidor responde pela dívida (v. Proc. 071384/0/01 – 1ªVRP – j.08/08/2001 – Juiz Venício Antônio de Paula Salles). Analisando o título que se pretende averbar; A) a fiança encontra-se configurada no item 5.1, onde é expressamente prevista a solidariedade entre os garantidores, por todos os débitos decorrentes da locação, sem observância do benefício de ordem a que alude os artigos 827, 828, 835 837 a 839 do CC, dispositivos que tratam dos efeitos da fiança; B) a caução encontra-se prevista no item 5.2, onde é estipulado como garantia até a entrega das chaves do imóvel locado, a loja de propriedade da fiadora. Tal questão já foi objeto de exame pela Egrégia Corregedoria da Justiça: “Registro de imóveis – Averbação de caução constituída sobre imóvel em locação – Contrato de locação com dupla garantia (fiança e caução real) – Inadmissibilidade à luz do disposto no art. 37, parágrafo único da Lei nº 8.245/1991 – Nulidade da caução, como garantia subsequente à fiança- Inviabilidade da averbação correspondente – Cancelamento que se determina, com amparo no poder de revisão hierárquica da Corregedoria Geral da Justiça”. (CGJSP Processo nº 34.906/2005 CGJSP – Processo/Localidade: Guarulhos. Data Julgamento? 09/08/2006. Relator: Álvaro Luiz Valery Mirra). Nestes termos, consubstancia-se claramente a nulidade prevista no parágrafo único do artigo 37 da Lei de Locações, o que impede a averbação do próprio contrato de locação. Diante do exposto, indefiro o pedido de providências formulado por João Dias Godoy e sua esposa Maria Eugênia Ortolan Godoy em face do Oficial do 13º Registro de Imóveis da Capital, mantendo, assim, o óbice registrário. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, . Tania Mara Ahualli Juíza de Direito (CP 493) – ADV: JOSE MARIA RIBAS (OAB 198477/SP), WALDEMAR DE OLIVEIRA RAMOS JUNIOR (OAB 95226/SP)

no curso do processo administrativo, diante da impossibilidade de dilação probatória nessa ação. Precedentes. 5. Segurança denegada. (MS 25191, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2007, DJe-162 DIVULG 13-12-2007 2-    

Fonte: DJE/SP | 26/06/2014.

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