CGJ/SP: O Egrégio Conselho Superior da Magistratura de São Paulo já teve a oportunidade de declarar inviável a propositura de ação rescisória contra decisão proferida em processo de dúvida

DESPACHO Nº 2054280-52.2021.8.26.0000

Processo Digital. Petições para juntada devem ser apresentadas exclusivamente por meio eletrônico, nos termos do artigo 7º da Res. 551/2011 – Ação Rescisória – Ribeirão Preto – Requerente: João Alberto Mello – Recorrido: Oficiala do 2° Registro de Imóveis da Comarca de Ribeirão Preto – Vistos. 1. Trata-se de “pedido de reconsideração(autuado como ação rescisória) apresentado por João Alberto Mello em face do Município de Ribeirão Preto, para ver desfeito o acórdão proferido na Apelação Cível n. 450-6/5-00, do Conselho Superior da Magistratura (fl. 420/427 e fl. 446/449), transitado em julgado em 2 de maio de 2007 (fl. 452). Segundo o autor, não teria sido feita justiça pelo acórdão atacado, o qual haveria beneficiado a Municipalidade de Ribeirão Preto, conquanto essa nunca tivesse manifestado interesse pelas áreas em questão ou impugnado o título (i. e., um formal de partilha) apresentado a registro. Assim, o referido acórdão deve ser modificado, ou para que se reconsidere o que ficou estabelecido ou para que, anulada a decisão, sejam os autos redistribuídos à esfera contenciosa, para julgamento. É o relatório. 2. O interessado apresentou pedido de reconsideração do que já havia sido decidido, anos atrás, por v. acórdão do Egrégio Conselho Superior da Magistratura. O requerimento de reconsideração, portanto, é manifestamente incabível, uma vez que, encerrada a via administrativa, não cabe mais rever o que foi decidido, e ao interessado não mais competem meios de impugnação na esfera administrativa. O pedido de reconsideração também não pode ser admitido como ação rescisória, pois esse meio de impugnação somente cabe quando se pretender desfazer ou (a) decisão de mérito, transitada em julgado (Cód. de Proc. Civil, art. 966, caput) ou (b) decisão que não seja de mérito, mas haja transitado em julgado e esteja a impedir nova propositura da demanda ou a admissibilidade do recurso correspondente (eodem, art. 966, I e II). Nenhum desses pressupostos se dá in casu. Como se vê dos termos da própria petição inicial, o v. acórdão que se ataca foi proferido em processo de dúvida (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, arts. 198- 204 e 207), o qual tem pura natureza administrativa; desse modo, a relativa sentença não produz coisa julgada material, cuja formação, de resto, está expressamente excluída por clara disposição legal: A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente. (Lei n. 6.015/1973, art. 204). Logo, não existe o pressuposto dado pelo caput do art. 966 da Lei Adjetiva Civil. De outro lado, e como também se tira do mencionado art. 204 da Lei de Registros Públicos, a preclusão da sentença atacada não impede em nada que o interessado volte a apresentar o seu título (se sanar as irregularidades que tenham sido apontadas, e ressalvado que, se não houver fato novo, prevalece a decisão já proferida) ou empregue ação jurisdicional. Dessa maneira, não se perfaz, tampouco, o pressuposto do inciso I do § 2º do art. 966 do Cód. de Processo Civil (impedir nova propositura da demanda). Do pressuposto do inciso II do referido § 2º não se há de cogitar, pois que a ação de dúvida não é recurso e, ainda que o fosse, não estaria a sofrer obstáculo pelo v. acórdão desafiado: este, repita-se, não impede que o interessado volte a levar o seu título ao ofício de registro de imóveis, havendo fato novo e depois de corrigir o que couber, nem embaraça o emprego da providência contenciosa que porventura lhe pareça adequada. O Egrégio Conselho Superior da Magistratura de São Paulo já teve a oportunidade de declarar inviável a propositura de ação rescisória contra decisão proferida em processo de dúvida: A inicial merece pronto indeferimento, dada a inadequação da pretensão rescisória à esfera administrativa. Com efeito, de acordo com o que dispõe o artigo 485, ‘caput’, do Código de Processo Civil, a ação rescisória presta-se a rescindir a sentença de mérito, transitada em julgado, desde que presentes as hipóteses previstas em seus incisos I a IX (grifo nosso). Tal não é, porém, o que se verifica dos autos. A pretensão rescisória, ora formulada, dirigese contra v. acórdão que foi proferido em procedimento de dúvida, isto é, no âmbito exclusivamente administrativo, em que não há que se falar em decisão de mérito ou em trânsito em julgado, não se confundindo, pois, com a esfera jurisdicional. (CSMSP, Processo DJ 0049382.79.2011.8.26.000, Rel. Des. Maurício Vidigal, j. 4.4.2011, DJ 20.4.2011). Por fim, se fosse cabível a ação rescisória, o prazo para tanto já teria decorrido de há muito, pois o v. acórdão transitou em julgado há mais de dois anos (fls. 452; Cód. de Proc. Civil, art. 975, caput e § 2º). Em suma: o pedido de reconsideração é incabível e, de outro lado, ainda que se receba como ação rescisória, falta ao autor o interesse de agir, pela sua faceta de adequação, de modo que a petição inicial tem de ser indeferida, com a consequente extinção do processo sem julgamento de mérito (Cód. de Proc. Civil, arts. 330, III, e 485, VI). 3. À vista do exposto, com fundamento nos arts. 330, II, e 485, VI, do Cód. de Proc. Civil, indefiro a petição inicial do requerimento de reconsideração (autuado como ação rescisória) apresentado por João Alberto Mello. Não há honorários advocatícios. A parte autora pagará as despesas processuais e as custas que houver, na forma da lei. 4. Intimem-se e Registrese. – Magistrado(a) Ricardo Anafe (Corregedor Geral) – Advs: Ronaldo Funck Thomaz (OAB: 161166/SP) (DJe de 06.04.2021 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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Recurso Especial representativo de controvérsia – Usucapião extraordinária – Imóvel usucapiendo com área inferior ao módulo urbano disposto na legislação municipal – Requisitos previstos no art. 1.238 do CC: posse, animus domini, prazo de 15 (quinze) anos – Reconhecimento do direito à aquisição da propriedade não sujeito a condições postas por legislação diferente daquela que disciplina especificamente a matéria – 1. Tese para efeito do art. 1.036 do CPC/2015: O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal – 2. No caso concreto, recurso especial não provido, a fim de afirmar a inexistência de impedimento para que o imóvel urbano, com área inferior ao módulo mínimo municipal, possa ser objeto da usucapião extraordinária.

RECURSO ESPECIAL Nº 1667843 –SC (2017/0099186-0)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RECORRIDO : CLEBER DE OLIVEIRA

ADVOGADO : JARDEL BATISTA RASCHE –SC023470

RECORRIDO : LUCINEIDE JOÃO ALVES DE OLIVEIRA

ADVOGADO : JARDEL BATISTA RASCHE –SC023470

INTERES. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO –”AMICUS CURIAE”

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

EMENTA

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMÓVEL USUCAPIENDO COM ÁREA INFERIOR AO MÓDULO URBANO DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 1.238 DO CC: POSSE, ANIMUS DOMINI, PRAZO DE 15 (QUINZE) ANOS. RECONHECIMENTO DO DIREITO À AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE NÃO SUJEITO A CONDIÇÕES POSTAS POR LEGISLAÇÃO DIFERENTE DAQUELA QUE DISCIPLINA ESPECIFICAMENTE A MATÉRIA.

1. Tese para efeito do art. 1.036 do CPC/2015: O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

2. No caso concreto, recurso especial não provido, a fim de afirmar a inexistência de impedimento para que o imóvel urbano, com área inferior ao módulo mínimo municipal, possa ser objeto da usucapião extraordinária.

ACÓRDÃO –Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, preliminarmente, rejeitar -se questão de ordem suscitada pelo Sr. Ministro Raul Araújo quanto à desafetação do processo como recurso repetitivo.

No mérito, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial para, em consonância com as instâncias ordinárias, afirmar a inexistência de impedimento para que imóvel urbano, cuja área seja inferior ao módulo mínimo estabelecido pela legislação municipal, possa ser objeto da usucapião extraordinária prevista no art. 1.238 do CC/2002 e seu parágrafo único, sem qualquer outra restrição, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Para os fins repetitivos, foi fixada a seguinte tese: “O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão da área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Moura Ribeiro.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.

Brasília, 03 de dezembro de 2020.

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

1. CLEBER DE OLIVEIRA e LUCINEIDE JOÃO ALVES DE OLIVEIRA ajuizaram ação de usucapião extraordinário, ao argumento de que mantinham a posse mansa, pacífica, contínua, sem oposição e com animus domini de imóvel localizado no município de Garopaba-SC.

Registraram que o terreno objeto da lide fora adquirido por instrumento de Contrato Particular de Cessão de Direitos e Transferência de Posse de Imóvel celebrado com Glaucia Cardoso Batista Mello. Acrescentaram que, somando-se as posses sobre o imóvel por parte de todos os possuidores, comprovadas até aquela data, constatava-se o domínio pelo período de 37 anos, sempre de forma mansa, pacífica e ininterrupta.

Afirmaram que, tendo decorrido o prazo previsto nos arts. 1.238, parágrafo único, e 1.243 do Código Civil, faziam jus à aquisição da propriedade do imóvel pelo reconhecimento da usucapião extraordinária.

Em parecer ofertado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, opinou-se pela procedência do pedido formulado, sob condição de que os autores não pudessem usar, ocupar ou realizar edificações em desconformidade com a legislação municipal, devendo a restrição proposta ser averbada na matrícula a ser gerada para o imóvel (fls. 107-111).

Analisada a demanda (fls. 113-116), o juízo de piso julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo o domínio sobre a área reivindicada, servindo a sentença como título para a matrícula no Cartório de Registro de Imóveis.

Inconformado, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpôs apelação (fls. 118-128). Asseverou que o terreno em questão não atendia aos padrões exigidos pelo Município de Garopaba, “pois sua área fica muito aquém dos 2000m2 (dois mil metros quadrados) exigidos” (fl. 120) e, portanto a decisão mais acertada, na hipótese, seria a concessão do domínio da área ao autor, restringindo, entretanto, o direito de uso e ocupação do solo e edificação, que deverá obrigatoriamente acompanhar os preceitos da legislação municipal. Pleiteou pela improcedência da ação e, alternativamente, a procedência com determinação de averbação da matrícula do Registro de Imóveis nos termos apresentados.

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou provimento ao recurso, valendo-se da ementa que se transcreve abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO SOB FUNDAMENTO DE QUE A ÁREA USUCAPIDA NÃO PREENCHE OS REQUISITOS DA LEI N. 6.766/1979. IRRELEVÂNCIA. NÃO É REQUISITO DA USUCAPIÃO QUE A ÁREA USUCAPIENDA ESTEJA REGULAR. PRECEDENTES DESTA CORTE. COBRANÇA DE IMPOSTO PREDIAL PELA MUNICIPALIDADE QUE LHE CONFERE A APARÊNCIA DE LEGALIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (fl. 171)

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fls. 213-219).

Sobreveio, então, recurso especial (fls. 224-234), interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, com fundamento no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal de 1988.

O recorrente aponta violação aos arts. 1.238, caput, do Código Civil; 4º, § 1º, da Lei n. 6.766/1979; e 2º, caput, VI, “c”, e 39 da Lei n. 10.257/2001.

Argumenta, em síntese, que não é possível a aquisição da propriedade, por meio de usucapião, sempre que a área do imóvel for menor que o módulo urbano estabelecido pela legislação municipal em que esteja situado.

Destaca que a regra do art. 1.238, caput, do CC/2002 não deve ser interpretada de forma isolada, uma vez que, por si só, não esgota os requisitos para a aquisição da propriedade pela via da usucapião, em lugares nos quais preexiste disciplina da ocupação e do parcelamento do solo urbano.

Argumenta que, ao entender que a observância da disciplina sobre a ocupação do solo é indiferente para fins de aquisição dominial pela usucapião extraordinária, o órgão julgador a quo violou a legislação, que define a função social da propriedade urbana, vinculando-a às exigências de ordenação da cidade tal como expressas no plano diretor de cada município.

Aduz que o dever de respeitar o módulo urbano não é mero legalismo, mas exercício de interpretação sistêmica e teleológica do Código Civil, da Lei de Parcelamento do Solo Urbano e do Estatuto da Cidade, com o escopo de evitar burla à legislação local que discipline o regramento da ocupação e fracionamento do solo.

Pugnou pelo reconhecimento da impossibilidade de se usucapir área de terras cujas dimensões estão em conflito com o regramento municipal de parcelamento do solo.

Certidão de transcurso in albis do prazo para o oferecimento de contrarrazões ao recurso especial à fl. 238.

Em decisão proferida às fls. 240-250, a Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina elegeu o presente recurso especial como representativo de controvérsia.

Em parecer juntado às fls. 268-271, o Ministério Público Federal opinou pela admissibilidade do presente recurso especial como representativo de controvérsia.

Em sessão virtual realizada (29.11.2017 a 5.12.2017) no âmbito da egrégia Segunda Seção, o colegiado, por maioria, decidiu pela afetação do recurso ao rito dos recursos repetitivos (RISTJ, art. 257-C) e suspendeu a tramitação de processos sobre o tema em todo território nacional (art. 1037, II, do CPC/2015).

Do acórdão proferido, extrai-se a seguinte ementa (fl. 292):

PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. ÁREA INFERIOR AO MÓDULO ESTABELECIDO EM LEI MUNICIPAL.

1. Delimitação da controvérsia: Definir se o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

2. Recurso Especial afetado ao rito do art. 1.036 CPC/2015.

Facultada a atuação à Defensoria Pública da União como amicus curiae (fl. 299), esta juntou petição às fls. 319-327, manifestando-se pelo reconhecimento de que o tamanho do módulo urbano não pode ser utilizado como argumento para inviabilizar a usucapião extraordinária.

Assevera não ser possível ou razoável atribuir à Lei municipal capacidade para modificar ou “afastar a eficácia” da norma de hierarquia superior, qual seja, o Código Civil Brasileiro, que estabelece, sem deixar margem para modificação ou regulamentação, todos requisitos para os diferentes tipos da usucapião.

Complementa que, como solução ao aparente conflito de normas, o módulo urbano regularmente definido pela lei municipal deveria ser observado em todos os parcelamentos de solo, salvo nos casos de usucapião, resguardando-se a efetividade da função social da propriedade.

Conclui que “considerar que o módulo urbano seria obstáculo ou limite mínimo para a aquisição originária da propriedade via usucapião extraordinário, além de atentar contra todo o sistema de competências legislativas, também importaria em verdadeira vedação ao próprio direito à propriedade, bem como em inobservância de sua função social, penalizando justamente aquele que teve como sua, residiu e/ou tornou produtiva pequena parcela de solo urbano” (fl. 326).

Em parecer sobre a questão, o Ministério Público Federal (fls. 328-338), na linha de intelecção desenvolvida pela Defensoria Pública da União, sugere a confirmação da seguinte tese: “O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal”. (fl. 336), nos termos da seguinte ementa:

–Recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 e 1.041, do NCPC, e da Emenda Regimental nº 24/2016, que aponta violação ao art. 1.238, do CC; art. 4º, §1º, da Lei nº 6.766/79; art. 2º, caput, e inc. VI, alínea c; art. 39, da Lei nº 10.257/01.

–Tese sugerida para os efeitos dos arts. 1.036 e 1.041 do NCPC: o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

–Acerca do caso concreto: violação ao art. 4º, §1º, da Lei nº 6.766/79; art. 2º, caput, e inc. VI, alínea c; art. 39, da Lei nº 10.257/01. Não houve indicação clara e precisa, de como o Tribunal de origem teria conferido interpretação divergente às referidas normas em relação àquela atribuída pelo aresto paradigma. Incidência da Súmula nº284/STF.

–Acórdão que se ampara em fundamento constitucional, de modo que, não tendo sido interposto recurso extraordinário, a pretensão recursal encontra veto na Súmula nº 126/STJ.–Parecer pelo não conhecimento do presente recurso especial

É o relatório.

VOTO

2. De início, considero imprescindível reiterar a importância e conveniência da afetação do tema proposto, revelado pela incontestável relevância econômica, jurídica e social da matéria em debate.

Ademais, consoante esclarecimento prestado pelo Núcleo de Gerenciamento de Precedentes –NUGEP, à época da deliberação acerca da afetação do recurso para julgamento sob rito especial, constatou-se que, apenas no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, foram localizadas 4.498 ações sobre o tema tramitando na 1ª instância. Ainda, quanto ao Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins, o Núcleo de precedentes acusou o recebimento de planilha com a informação de que existiam 1.988 processos em 1º grau e 159 processos em 2º grau.

Também naquela oportunidade, consignou-se a estimativa de existência, neste Superior Tribunal, de cerca de uma centena de processos aguardando julgamento quanto à possibilidade de a legislação municipal estabelecer requisitos para o reconhecimento de usucapião extraordinária em área inferior ao módulo urbano.

Registro, outrossim, que a escolha da “causa-piloto” para julgamento pelo rito especial dos recursos repetitivos condiciona-se à potencialidade de que, por meio do recurso escolhido, sejam examinados todos os pontos de vista que de alguma forma influenciem o debate da questão.

Essa a interpretação que se extrai do § 6º, do art. 1036 do CPC/2015, que preceitua que somente recursos que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da controvérsia a ser decidida devem ser selecionados.

Com efeito, como os processos candidatos ao julgamento pelo rito especial, por razões óbvias, veicularão questões comuns, é natural que as discussões que neles se traduzam sejam apresentadas por meio de argumentos também padronizados. Todavia, é, da mesma forma, correto afirmar que as questões repetitivas, com idêntica controvérsia, podem apresentar-se ao julgador com base em variadas alegações.

Nesse rumo, Antonio do Passo Cabral, Doutor em Direito Processual pela UERJ e pela Universidade de Munique, ensina que a orientação do diploma processual civil para a escolha da “causa-piloto” é que o processo eleito seja aquele em que se verificar um espectro maior de fundamentos da pretensão e da defesa. (A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução e processos repetitivos. Revista de Processo. v. 231. mai/2014. pp. 201–223. ).

Sobre o ponto, há de ser ressaltado que a abrangência requerida pelo código processual refere-se aos argumentos que se ligam a determinada questão. Dito de outra forma, o ordenamento não exige que o processo escolhido abrigue um número considerável de questões controvertidas. Assim, um processo eleito como representativo, ainda que ampare uma única controvérsia, terá cumprido o requisito do § 6º, acima mencionado, se, entre os todos os processos identificados com a mesma questão, contiver a mais significativa relação de argumentações.

Na linha desse raciocínio, não é possível extrair do art. 1036 a exigência do debate de variadas questões no recurso eleito como representativo. Também não é o número de pedidos formulados numa ação que revelará a “prestabilidade” da afetação de um recurso ou outro, já que o determinante é que seja apresentado pelas partes o maior número de argumentos para convencimento do juízo acerca da questão controvertida.

No caso que ora se examina, conforme deliberado, a questão sob afetação diz respeito à necessidade de o imóvel usucapiendo, na usucapião extraordinária, respeitar a área de um módulo fixada em legislação municipal.

Com base nas premissas apresentadas, é que se reitera a escorreita eleição deste recurso, uma vez que, na hipótese, a circunstância de o imóvel se encontrar em loteamento irregular ou não ser registrado, ou a possibilidade de se conceder o domínio da área ao autor, com restrição do direito de uso e ocupação do solo não são argumentos direcionados ao convencimento da questão relativa à área do imóvel, tratando, todas, na verdade, de novas questões, destacadas e distintas da eleita como tema do repetitivo.

3. A controvérsia dos autos consiste em definir se o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos previstos na legislação federal, pode ser obstado em razão da área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em legislação municipal.

Acerca dos fatos, manifestou-se a sentença de piso (fls. 114-116):

A usucapião extraordinária é uma das formas mais simples de aquisição originária da propriedade, uma vez que basta o exercício de uma posse qualificada, denominada de posse ad usucapionem.

No entanto, possui como requisitos a posse mansa, pacífica e ininterrupta, a qual deve ser exercida com animus domini de forma pública e notória, pelo prazo legal.

(…)

Em análise aos documentos trazidos, verifica-se que a Fazenda Pública Municipal não se opôs ao pedido (fls. 83/84) e as Fazendas Públicas Federal e Estadual nada requereram, apesar de devidamente intimadas (fls. 60 e 61). Além disso, os confrontantes, devidamente citados (fls. 50/51 e 59-v), deixaram fluir o prazo sem manifestação.

Em cumprimento à Portaria135/2012 foram juntadas declarações de duas testemunhas, atestando que a parte autora exerce a posse, juntamente com seus antecessores, há mais de 25 (vinte e cinco) anos, desconhecendo litígios que envolvem a área usucapienda (fls. 63/64 e 71/72).

Neste contexto, destaca-se que, tratando de usucapião extraordinária admite-se a soma das posses, nos termos do art. 1.243, in verbis:

(…)

Ressalta-se que o imóvel não se encontra registrado nos Registros de Imóveis de Garopaba (fl. 33), Imbituba (fl. 34) nem Palhoça (fI. 35).

No que tange à manifestação do Ministério Público quanto à procedência do pedido sob condição de ser averbado na matrícula que os autores não poderão usar, ocupar ou realizar edificações em desconformidade com a legislação municipal, tem-se como incabível.

Isto, porque, conforme recente julgado, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu que, no presente caso, não se admite a averbação de qualquer restrição na matrícula do imóvel, posto que afrontaria a natureza jurídica da usucapião, a qual consiste na aquisição originária da propriedade, devendo respectivo registro estar livre de qualquer gravame, conforme segue.

Portanto, atendidos os requisitos da usucapião extraordinária, impõese a declaração de aquisição da propriedade, visto que novas exigências e condições não se encontram elencadas na legislação pátria.

Assim, depreende-se dos autos que os requisitos de posse quinzenária, exercida de forma mansa, pacífica, ininterrupta, pública, notória e com animus domini, os quais se fazem necessários para a procedência da ação, foram comprovados pela parte autora e ratificados tanto pelas testemunhas quanto pelos documentos acostados aos autos.

Assim, estando comprovado que a parte autora possui o imóvel litigioso pelo lapso temporal quinzenário, bem como a posse mansa e pacífica com animus domini, deve-se reconhecer a usucapião extraordinária.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na presente Ação de Usucapião Extraordinária, para declarar a Cleber de Oliveira e Lucineide João Alves de Oliveira o domínio sobre a área descrita no memorial descritivo de fl. 20, servindo esta sentença como título para a matrícula que se realizará no Cartório de Registro de Imóveis.

Na mesma linha de intelecção, decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (fls. 174-178):

Pois bem. Não sendo impugnado o lapso temporal para a aquisição prescritiva da propriedade, a controvérsia diz respeito ao fato de o imóvel, objeto da lide, não atender às normas municipais de parcelamento urbano e aos ditames da Lei Federal n. 6.766/1.979.

Todavia, o fato de o imóvel possuir área menor que 2.000 metros quadrados não obsta o processamento de ação que visa à usucapião extraordinária nos moldes do art. 1.238 do CC.

É que a usucapião, por ser modo originário de aquisição da propriedade, sempre foi considerada hábil a regularizar a aquisição de domínio de imóvel, constituindo a circunstância de se tratar de área com 422,86 metros quadrados, mera irregularidade administrativa.

Ademais, o mencionado dispositivo legal do Código Civil, não exige que o imóvel tenha sido objeto de regular parcelamento do solo e atenda às posturas municipais e aos preceitos urbanísticos.

Adotar o posicionamento defendido pela Douta Promotora de Justiça significa, no meu entendimento, eleger mais um requisito, não explicitado na legislação federal, para a aquisição da propriedade pela usucapião.

Com efeito, não há razão para exigir como mais um requisito para o reconhecimento da aquisição prescritiva, esteja o imóvel usucapiendo dentro de todas as posturas municipais, mormente quando tal situação foge ao alcance dos apelados, que por mais de 15 anos exercem a posse mansa e pacífica daquela terra.

Ademais, relevante salientar que nem mesmo o Município de Garopaba se opôs ao pedido de usucapião.

Inclusive, na certidão emitida pela Prefeitura Municipal de Garopaba consta que a área discutida possui inscrição imobiliária n.1.5.13051.000 e a municipalidade lança e cobra o tributo de sua competência incidente sobre o imóvel (fl. 17).

Portanto, deve ser mantida a decisão recorrida

(…)

Dessarte, se até então o Município não se insurgiu contra a situação do terreno em questão, inclusive cobrando dos apelados o imposto pertinente, não há dar respaldo à tese recursal, lembrando, inclusive, que tal fiscalização também lhe compete. Porém, se ambos os entes não tomaram as medidas cabíveis e deixaram, no decorrer dos anos, a situação se estabelecer, não pode a parte que não deu causa à irregularidade sofrer prejuízo neste momento.

Ademais, o texto legal cuidou exaustivamente dos requisitos necessários à configuração da usucapião, ausente qualquer menção à observância de legislação municipal, quanto à regularidade do parcelamento do solo, de modo que, essa exigência não pode ser considerada para o reconhecimento da usucapião.

4. Como se sabe, a usucapião é instituto propício à aquisição da propriedade pela posse continuada, por determinado tempo, sempre que observados os requisitos formais eleitos pelo ordenamento jurídico.

Exatamente nessa linha, sintetizam Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves que “a prescrição é modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais” (Direitos reais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 258).

Acerca desses requisitos, extrai-se da doutrina de Orlando Gomes serem de natureza pessoal, consistentes nas exigências relativas à pessoa do possuidor (usucapiente) que ambiciona adquirir a coisa or meio da usucapião, bem como do proprietário, que, em decorrência da aquisição da propriedade pelo usucapiente, perde a sua; de natureza real, atrelados às coisas e aos direitos suscetíveis de serem usucapidos, tendo em vista a existência de direitos e coisas sobre os quais não incidirá a prescrição aquisitiva e os requisitos formais, elementos que dão forma a cada espécie de usucapião, oscilando, principalmente, o lapso temporal estabelecido nos dispositivos legais (Direitos reais. 20. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 181).

Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, agora, acompanhados por Felipe Braga Netto, advertem, quanto aos requisitos formais, que seriam três, dessa natureza, os “essenciais a qualquer modalidade de usucapião em nosso ordenamento jurídico: o tempo, a posse mansa e pacífica e o animus domini”. (Manual de direito civil. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 1029).

Aos elementos destacados, como de conhecimento, haverá requisitos suplementares, a depender da modalidade de usucapião a ser analisada. Acresça-se, assim, o justo título boa-fé à usucapião ordinária, por exemplo; a moradia, na usucapião especial e, associado a esta, o trabalho, na usucapião rural.

Seguindo por essa linha, os doutrinadores referidos acima asseveram que o mais significativo requisito formal da usucapião extraordinária, espécie invocada pelos recorrentes deste recurso, como de qualquer outra modalidade de usucapião – é mesmo o tempo. E concluem: “dos requisitos necessários à usucapião, o tempo é o único que, quando não demonstrado, conduz à improcedência da pretensão sem, contudo, qualificar-se a sentença pela imutabilidade”. (Op. Cit. p. 1029)

Acerca da usucapião extraordinária, confira-se o que preceitua o Código Civil:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se–á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Destaque-se recente julgado da egrégia Quarta Turma desta Corte em que se menciona aqueles elementos:

RECURSO ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CORREDOR DE 60 CM EXISTENTE ENTRE OS IMÓVEIS DAS PARTES. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO. ATOS POSSESSÓRIOS PRATICADOS SOBRE A COISA INSUFICIENTES À CONFIGURAÇÃO DE POSSE QUALIFICADA. PROPRIETÁRIO NÃO DESIDIOSO. SERVIDÃO. OCORRÊNCIA DE QUASE POSSE. POSSIBILIDADE DE USUCAPIR A SERVIDÃO E NÃO A PROPRIEDADE. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO.

(…)

2. A usucapião extraordinária, nos termos art. 1.238 do CC/2002, exige, além da fluência do prazo de 15 (quinze) anos, salvo exceções legais, posse mansa, pacífica e ininterrupta, independentemente de justo título e boa-fé.

3. Qualquer que seja a espécie de usucapião alegada, a comprovação do exercício da posse sobre a coisa será sempre obrigatória, sendo condição indispensável à aquisição da propriedade. Isso porque a usucapião é efeito da posse, instrumento de conversão da situação fática do possuidor em direito de propriedade ou em outro direito real.

4. Se não se identificar posse com ânimo de dono, acrescido do despojamento da propriedade, que qualifica a posse, o exercício de fato sobre a coisa não servirá à aquisição da propriedade.

4. No caso concreto, ainda que os recorrentes tenham se utilizado do corredor de propriedade dos recorridos, por longos anos, como forma de acesso aos fundos de sua casa, isso não importou constatação de abandono, desídia ou não exercício de posse pelos proprietários da área.

6. Servidão é a relação jurídica real por meio da qual o proprietário vincula o seu imóvel, dito serviente, a prestar certa utilidade a outro prédio, dito dominante, pertencente a dono distinto. Sendo assim, o poder de fato exercido pelo titular do prédio dominante não constitui posse qualificada para usucapir a propriedade.

7. Na servidão, o sujeito exerce quase posse e age com animus domini, mas não da propriedade do bem serviente. O animus domini relaciona-se à própria servidão: a posse é exteriorização da propriedade, enquanto a quase-posse seria a expressão da exteriorização da servidão.

8. Na hipótese, não ocorrendo desídia do proprietário em relação à área reivindicada e a natureza de quase-posse dos atos praticados, além de não posse, essencial à aquisição da propriedade, configura-se o direito à usucapião da servidão, expressada pela intenção de transitar, como se fossem donos daquela servidão, e não da coisa sobre a qual o direito real recaía.

9. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1644897/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 07/05/2019)

5. Noutra vertente, cumpre ressaltar que a usucapião tem como fundamento e, ao mesmo tempo, consequência, a consolidação da propriedade, tendo em sua mira o proprietário desidioso, que não cuida de seu patrimônio e que merece, por essa razão, “ser privado da coisa, em favor daquele que, unindo posse tempo, deseja consolidar e pacificar a sua situação perante o bem e a sociedade” (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos reais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 258).

No mesmo sentido, Benedito Silvério afirma, ao tratar do fundamento da usucapião, que, “à primeira vista, parece que o direito de propriedade é ofendido quando o possuidor passa a ocupar o lugar do proprietário, ficando este despojado de seu direito de dominus”. No entanto, a aparente ofensa se motiva no fato de que “a sociedade não tolera direitos sonolentos, senão até o momento que não lhe surge do seio alguém que os queira acordar” (Tratado de usucapião. v. 1. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 197-198).

Acerca da propriedade, situação que se pretende consolidar com o reconhecimento da usucapião, saliente-se sua natureza de direito complexo, que se instrumentaliza pelo domínio, não sendo os dois vocábulos, no entanto, sinônimos, para parte da doutrina civilista. Com efeito, o domínio, no entendimento dessa linha acadêmica, seria a substância econômica da propriedade, que dá a seu titular a possibilidade e exercício de um feixe de atributos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto (art. 1228 do CC).

Por sua vez, a propriedade seria a feição econômica e jurídica que a representa formalmente, dotando o proprietário de uma situação ativa que lhe permita o trânsito jurídico de titularidades e a proteção plena do aparato jurisdicional. (GOMES, Luis Roldão de Freitas. Propriedade de fato. p. 17).

Na linha desse raciocínio, é certo, ademais, que a propriedade é um direito fundamental que, ao lado dos valores da vida, liberdade, igualdade e segurança, compõe a norma do art. 5º, caput, da Constituição Federal.

Uma vez mais, Rosenvald assevera que, como garantia institucional, a propriedade assume função tão elevada no ordenamento jurídico a ponto de ter o seu núcleo essencial preservado de restrições desproporcionais pelo legislador infraconstitucional. “É o que se convém chamar de limite do limite, uma linha que demarca as faculdades dominiais de fruição e disposição particular como núcleo duro e inconformável do direito de propriedade” (Op. Cit. p. 1005).

No rumo dessas ideias, afirma-se que, num Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal garante não apenas a propriedade em termos de tutela das posições jurídicas de direito privado já existentes, mas também a possibilidade de aceder a elas.

Em nível internacional, rememore-se a previsão contida no art. 17 da Declaração dos Direitos do Homem que prevê que toda pessoa tem direito à propriedade. Nessa direção, o excelentíssimo Ministro Edson Fachin, em célebre obra, destaca que

o acesso universal à propriedade é o fundamento de todos os sistemas nacionais reguladores das diversas propriedades. Assim, a dignidade humana assume um papel de defesa da integridade humana em dois planos: (a) tutelando as situações jurídicas da personalidade de modo a preservar esses bens jurídicos intrínsecos e essenciais; (b) situando a missão e parte do patrimônio, justamente na preservação das condições materiais mínimas da humanidade, o chamado patrimônio mínimo.

(FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 41)

No julgamento do REsp n. 1.040.296/ES, aliás, ficou consignado que os incisos do art. 170 da CF/1988 enumeram os princípios básicos da ordem econômica, tomando por referência a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, fundamentos da ordem econômica, explicitados no caput do dispositivo. Confira-se:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I –soberania nacional;

II –propriedade privada;

III –função social da propriedade;

IV –livre concorrência;

V –defesa do consumidor;

VI –defesa do meio ambiente;

VI –defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII –redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII –busca do pleno emprego;

IX –tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

IX –tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Destarte, o caráter compromissário da Constituição está mesmo estampado no artigo reproduzido acima. A intenção da Carta é clara: integração e harmonia com a livre iniciativa, que deve ser assegurada, sem se descuidar da valorização do trabalho humano, fator de produção que ocupa papel primordial na concretização da justiça social.

Assim, o tratamento conferido pelo Constituinte à propriedade privada como princípio da ordem econômica, revela o Brasil como Estado capitalista, em que a apropriação privada dos meios de produção é permitida e albergada. No entanto, ao lado da propriedade privada, também apontada como princípio da ordem econômica, caminha a função social da propriedade, que necessariamente deverá ser atendida.

A propriedade privada e a função social da propriedade estão também previstas, na Constituição Federal de 1988, entre os direitos e garantias individuais (art. 5.º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2º) e rural (art. 186, I a IV) e instalada no Código Civil como verdadeira cláusula geral, que por sua natural generalidade, exige de seu intérprete ajustá-la à constante influência de valores sociais, propiciando a necessária requalificação da norma jurídica. (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Christiano Chaves de. Manual de direito civil. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 1010).

6. No caso concreto, os recorrentes defendem a possibilidade de usucapir imóvel urbano, cuja área é inferior ao módulo estabelecido pela legislação municipal. Argumentam que o art. 1.238 do CC/2002 prevê como requisitos para a aquisição da propriedade por meio da usucapião extraordinária tão somente a posse com animus domini e o prazo de seu exercício, 15 (quinze) ou 10 (dez) anos, nos termos do parágrafo único.

Cumpre então definir, uma vez atendidos os requisitos previstos no Código Civil para o reconhecimento da usucapião extraordinária, se impõe-se a declaração de aquisição da propriedade, ou se outros elementos, constantes em instrumentos normativos diversos, podem representar condicionante extra à consolidação da propriedade em favor do requerente.

Nesse turno, visitando a jurisprudência deste Superior Tribunal, percebe-se a existência de julgados da Terceira Turma enfrentando matéria semelhante, cristalizada pelo seguinte entendimento: o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel. Menciona-se a ementa:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. REQUISITOS DO ART. 183 DA CF/88 REPRODUZIDOS NO ART. 1.240 DO CCB/2002. PREENCHIMENTO. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. ÁREA INFERIOR. IRRELEVÂNCIA. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DECLARATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL. RE Nº 422.349/RS. MÁXIMA EFICÁCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL.

1. Cuida-se de ação de usucapião especial urbana em que a autora pretende usucapir imóvel com área de 35,49 m2.

2. Pedido declaratório indeferido pelas instâncias ordinárias sob o fundamento de que o imóvel usucapiendo apresenta metragem inferior à estabelecida na legislação infraconstitucional que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e nos planos diretores municipais.

3. O Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE nº 422.349/RS, após reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, fixou a tese de que, preenchidos os requisitos do artigo 183 da Constituição Federal, cuja norma está reproduzida no art. 1.240 do Código Civil, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

4. Recurso especial provido.

(REsp 1360017/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 27/05/2016)

Em sentido semelhante, no âmbito da Quarta Turma, agora tratando de usucapião rural, o colegiado deixou consignada a ausência de impedimento à aquisição de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localiza, nos termos da ementa abaixo:

RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO RURAL CONSTITUCIONAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL. MÓDULO RURAL. ÁREA MÍNIMA NECESSÁRIA AO APROVEITAMENTO ECONÔMICO DO IMÓVEL.INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA NORMA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREVISÃO DE ÁREA MÁXIMA A SER USUCAPIDA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE ÁREA MÍNIMA. IMPORTÂNCIA MAIOR AO CUMPRIMENTO DOS FINS A QUE SE DESTINA A NORMA.

1. A propriedade privada e a função social da propriedade estão previstas na Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias individuais (art. 5.º, XXIII), sendo pressupostos indispensáveis à promoção da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 2.º) e rural (art. 186, I a IV).

2. No caso da propriedade rural, sua função social é cumprida, nos termos do art. 186 da CF/1988, quando seu aproveitamento for racional e apropriado; quando a utilização dos recursos naturais disponíveis for adequada e o meio ambiente preservado, assim como quando as disposições que regulam as relações de trabalho forem observadas.

3. A usucapião prevista no art. 191 da Constituição (e art. 1.239 do Código Civil), regulamentada pela Lei n. 6.969/1981, é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural.

4. O módulo rural previsto no Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal –com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros.

5. Com efeito, a regulamentação da usucapião, por toda legislação que cuida da matéria, sempre delimitou apenas a área máxima passível de ser usucapida, não a área mínima, donde concluem os estudiosos do tema, que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social.

6. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize.

7. A premissa aqui assentada vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento realizado em 29.4.2015, que proveu recurso extraordinário, em que se discutia a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo para parcelamento do solo, para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF.

8. Na oportunidade do Julgamento acima referido, a Suprema Corte fixou a seguinte tese: Preenchidos os requisitos do art. 183 da CF, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área onde situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 29.4.2015).

9. Recurso especial provido.

(REsp 1040296/ES, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 14/08/2015)

Em sentido contrário ao externado nos julgados destacados, por dever de lealdade, há de ser mencionado acórdão também da Quarta Turma, do ano de 2004, sob a relatoria do eminente Ministro Jorge Scartezzini:

CIVIL –RECURSO ESPECIAL –USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – ÁREA INFERIOR AO MÓDULO URBANO –LEI MUNICIPAL –VEDAÇÃO –ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 550 e 552 DO CC/16 –INOCORRÊNCIA.

1 –In casu, como bem ressaltado no acórdão impugnado, o imóvel que se pretende usucapir não atende às normas municipais que estabelecem o módulo mínimo local, para parcelamento do solo urbano (fls. 168/169), não constituindo o referido imóvel, portanto, objeto legalizável, nos termos da lei municipal. Conforme evidenciado pela Prefeitura Municipal de Socorro, no Ofício de fls. 135, o módulo mínimo para o parcelamento do solo urbano daquele município é de 250m2, e o imóvel em questão possui apenas 126m2. Ora, caso se admitisse o usucapião de tal área, estar-se-ia viabilizando, de forma direta, o registro de área inferior àquela permitida pela lei daquele município. Há, portanto, vício na própria relação jurídica que se pretende modificar com a aquisição definitiva do imóvel.

2 –Destarte, incensurável o v. acórdão recorrido (fls. 169) quando afirmou que “o entendimento do pedido implicaria em ofensa a norma municipal relativa ao parcelamento do solo urbano, pela via reflexa do usucapião. Seria, com isso, legalizado o que a Lei não permite.

Anotou, a propósito, o DD. Promotor de Justiça que, na Comarca de Socorro, isso vem ocorrendo “como meio de buscar a legitimação de parcelamento de imóveis realizados irregularmente e clandestinamente.” 3 –Recurso não conhecido.

(REsp 402.792/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2004, DJ 06/12/2004)

Por oportuno, deve ser registrado que a decisão monocrática proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no Ag n. 1.407.458/RJ, invocado pelo recorrente como precedente que iria ao encontro de sua pretensão, apesar de também ter apresentado como controvérsia a definição da possibilidade de deferimento da ação de usucapião nos casos em que a área do imóvel fosse menor que o módulo previsto pela legislação municipal, na verdade percebe-se da leitura da decisão proferida naquela oportunidade, que, de fato, o recurso resolveu-se pela incidência da Súmula n. 280 do STF:

Inicialmente, o acórdão foi decidido com amparo na legislação urbanística municipal, o que atrai a incidência da Súmula 280 do STF, com o seguinte teor: “Súmula nº 280 –Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”.

(Ag n. 1.407.458/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, julgado 02/05/2012, DJ 09/05/2012)

Ademais, concluindo o panorama jurisprudencial, impõe-se seja referenciado o precedente do Supremo Tribunal Federal firmado no julgamento do RE n. 422.349, por meio do qual se registrou a seguinte tese:

Preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

Na definição da matéria promovida pela Suprema Corte, o ilustre relator, Ministro Dias Toffoli, pontuou que, na hipótese, os recorrentes teriam pleiteado fosselhes reconhecido o direito de usucapir imóvel urbano sobre o qual exerciam posse mansa e pacífica desde o ano de 1991, onde teriam inclusive, edificado uma casa, na qual residiam. Esclareceu, ademais, que o pedido declaratório teria sido rejeitado pelo Tribunal de origem, sob o argumento de que tinha por objeto imóvel com área inferior ao módulo mínimo definido pelo Plano Diretor do respectivo município para os lotes urbanos.

O voto condutor posicionou-se pela incorreção da decisão recorrida, uma vez que “para o acolhimento de uma pretensão como essa, basta o preenchimento dos requisitos exigidos pelo texto constitucional, não podendo ser erigido obstáculo outro, de índole infraconstitucional, para impedir que se aperfeiçoe, em favor de parte interessada, o modo originário de aquisição de propriedade”. Concluiu:

Assim, a desconformidade de sua metragem com normas e posturas municipais que disciplinam os módulos urbanos em sua respectiva área territorial não podem obstar a implementação de direito constitucionalmente assegurado a quem preencher os requisitos para tanto exigidos pela Carta da República; até porque – ressalte-se – trata-se de modo originário de aquisição da propriedade.

Confira-se a ementa do julgado:

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Usucapião especial urbana. Interessados que preenchem todos os requisitos exigidos pelo art. 183 da Constituição Federal. Pedido indeferido com fundamento em exigência supostamente imposta pelo plano diretor do município em que localizado o imóvel. Impossibilidade. A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado. Recurso provido.

1. Módulo mínimo do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2. Pretensão da parte autora de usucapir porção de 225 m2, destacada de um todo maior, dividida em composse.

2. Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal.

3. Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

4. Recurso extraordinário provido.

(RE 422349, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-153 DIVULG 04-08-2015 PUBLIC 05-08-2015)

Nesse ponto, cumpre salientar que, ainda que os julgados colacionados acima não se tenham referido especificamente à usucapião extraordinária, certo é que a questão de direito posta a exame, em todos eles, é coincidente: a possibilidade de um requisito não previsto na legislação responsável pela disciplina específica da usucapião condicionar o provimento da ação em que se pretende a aquisição da propriedade. E mais, em todos os precedentes invocados, o requisito excepcional, cuja força condicionante era questionada, referiu-se, exatamente, ao tamanho da área do imóvel usucapiendo.

Diante dessas considerações, para a formação do convencimento que ora se propõe, não há como desconsiderar os fundamentos utilizados pelos julgadores na oportunidade em que se debruçaram sobre a matéria, providência, aliás, que, segundo penso, se aconselha.

7. Seguindo por essa trilha, já se disse que o texto do art. 1238 do Código Civil regula a usucapião extraordinária, modo originário de aquisição da propriedade imóvel, que se aperfeiçoa pelo só fato da posse, preenchidos os demais requisitos da norma sob comentário (posse usucapionem). “Decorrido o prazo, o possuidor adquire a propriedade, extinguindo-se o domínio do anterior proprietário, bem como todos os direitos reais que eventualmente haja constituído sobre o imóvel”. Essa a lição de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. (Instituições de Direito Civil. v. III: direitos patrimoniais, reais e registrários. 2.ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 383-384)

Benedito Silvério Ribeiro, em sua obra Tratado de Usucapião, preceitua, acerca da usucapião rural, mas cujos fundamentos nos aproveita, que “erigindo o legislador um instituto no ordenamento jurídico, dando um limite máximo de área a ser usucapida, presentes todos os requisitos necessários, sem ressalva de um tamanho mínimo, parece evidenciado que não emerge empecilho à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior que o módulo previsto para a região em que se localize” (Tratado de usucapião. v. 2. 8.ed. rev. e atual com a usucapião familiar. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1.156-1.160)

Da mesma forma conclui Celso Ribeiro Bastos em Comentários à Constituição do Brasil:

Outro problema suscitável é o de a área usucapienda ter menos de cinquenta hectares. A conclusão mais correta é de considerar usucapível mesmo as áreas inferiores, até porque a Constituição fala em área de terra não superior a cinqüenta hectares. Não é de aplicar-se aqui a legislação referente a módulos. Estes têm em mira o desdobramento comum de propriedade, mas no nosso entender não podem funcionar como obstáculo para que um instituto constitucional atinja o seu desiderato. São portanto, usucapíveis mesmo as áreas de proporções inferiores às do módulo rural da região.

(BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à constituição do Brasil: promulgada0 em 5 de outubro de 1988. v. 7. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 339).

Como dito, a lição reproduzida acima se refere à espécie diferente da ora debatida, mas sua invocação se justifica e se recomenda, tendo em vista que o argumento contrário à usucapião, lá e aqui, é contestado pela impossibilidade de eleição de requisito novo para usucapião, por legislação municipal, sobre matéria a respeito da qual não possui competência a municipalidade, conforme será explicitado.

Com efeito, segundo penso, na linha da fundamentação dos precedentes similares apresentados, quisesse o legislador competente para a questão fixar parâmetros relativos à área usucapienda, por certo o teria feito, como o fez ao fixar área máxima para a usucapião especial rural, prevista no art. 1239 do CC/2002 e na Constituição Federal.

De fato, da reprodução apresentada acima se extrai o entendimento de que o desrespeito à regulação referente ao parcelamento e uso do solo é argumento frágil, especialmente quando comparado ao fundamento consistente na ilegitimidade da eleição de requisito para o aperfeiçoamento de determinada situação (consolidação da propriedade por meio da usucapião) por quem não tem poderes para tanto, assim como por contrariar o sentido do instituto em destaque.

Nessa toada, considerando que não há na legislação ordinária, própria à disciplina da usucapião, regra que especifique área mínima sobre a qual deva o possuidor exercer sua posse para que seja possível a usucapião extraordinária, a conclusão natural será pela impossibilidade de o intérprete discriminar o que o legislador não discriminou.

Valendo-me do que fora compreendido no julgamento do REsp n. 1.040.296/ES, que apresentou a usucapião rural como objeto de debate, trago à colação trecho esclarecedor do voto proferido pelo eminente Ministro Raul Araújo acerca da questão:

Convém lembrar que a ação de usucapião não promove a vedada divisão de terras, mas sim a regularização da situação fática de um imóvel já preexistente, para efeito de reconhecimento de aquisição de propriedade e de formalização de registro imobiliário. Tem esse instituto notória função social, contribuindo para prestigiar a segurança jurídica, dando respaldo jurídico a uma situação fática existente.

(REsp 1040296/ES, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 14/08/2015)

No mesmo rumo, foram as ponderações realizadas pelo preclaro Ministro Antonio Carlos Ferreira, na mesma oportunidade mencionada acima que, igualmente, merecem ser reproduzidas:

Deveras, não se revela impossível – como afirmou o magistrado de primeiro grau –, tampouco de flagrante improcedência – segundo o julgamento do TJES –, o pedido de usucapião ajuizado pelos recorrentes no intuito de ver declarada a aquisição da propriedade do bem imóvel descrito na peça inicial. Isso porque a vedação legal da divisão do imóvel em área inferior ao módulo rural não é por si apta a obstar o exercício de direito previsto em legislação que não encampa a restrição, posterior ao “Estatuto da Terra”.

Em tais circunstâncias, a possível incompatibilidade da regra restritiva em face da legislação mais recente (e especial, afirmo desde logo) deve ser resolvida em favor desta, a teor do que disciplina o art. 2º, § 1º, segunda parte, da LINDB.

8. Acerca da competência para elaboração de normas que tratem de matérias atinentes a este debate, saliente-se que, aos Municípios, a Constituição Federal atribuiu a promoção do ordenamento territorial, “mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (art. 30, inciso VIII), assim como execução da política de desenvolvimento urbano, por meio do instrumento básico do plano diretor, aprovado por cada Câmara Municipal, observadas as diretrizes gerais estabelecidas em lei federal (artigo 182, caput e §§ 1º, 2º e 4º, da Constituição Federal).

No que respeita à União, a CF/1988 atribuiu a competência para legislar sobre Direito Civil (artigo 22, inciso I, da CF/1988), para formular diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano (artigo 21, inciso XX) e para a política urbana (artigo 182, caput e § 4º), sendo a Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) a regulamentadora dessas matérias.

Na linha da repartição apresentada, asseverou o ilustre Ministro Luiz Fux, no julgamento do precedente do STF, alhures referenciado (RE n. 422.349), que as atribuições constitucionais do Município se resumem ao planejamento da ocupação do solo urbano –por intermédio do seu próprio plano diretor, atendidos os vetores do Estatuto da Cidade, em especial o seu artigo 4º, inciso III, alínea b, que lhe outorga a prerrogativa de disciplinar o parcelamento, uso e ocupação do solo –e na fiscalização da execução desse programa habitacional –através de instrumentos previstos pela Constituição Federal, como o parcelamento e edificação compulsórios, o IPTU progressivo e a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, além de outros enumerados pelo artigo 4º do Estatuto da Cidade.

Com base nas premissas traçadas, definiu em seu judicioso voto que a usucapião, tendo natureza jurídica de forma de aquisição originária da propriedade, é instituto inerente ao Direito Civil, sendo, portanto, da União a competência privativa para legislar sobre a matéria. Consignou que as atribuições constitucionais dos Municípios outorgam-lhes, sim, a possibilidade de dispor sobre a área mínima do módulo de ocupação municipal, assim como de fiscalizar e exigir a sua observância, pelo emprego dos instrumentos legais já mencionados. Em seguida, concluiu que no caso de inércia do Município em cumprir a sua missão de ordenamento territorial, a consolidação de situações de fato ilícitas pelo decurso do tempo faz surgir o direito subjetivo à aquisição originária do direito real de propriedade, mediante o atendimento dos requisitos estabelecidos pelos artigos 183 da Constituição Federal e 9º do Estatuto da Cidade, já que, naquele caso, estavam a tratar da usucapião especial urbana.

Com efeito, não pode a população urbana, em constante crescimento e expansão territorial, ser privada do seu direito de moradia (artigo 6º, caput, da Constituição Federal) pela inoperância do Município em prover a adequada urbanização do seu território. Ao contrário, deve ser protegida a segurança jurídica daquele que deu função social à sua posse, estabelecendo no solo urbano a residência da sua família, de forma prolongada no tempo e incontestada (inclusive pelo Município, a quem caberia apontar eventual irregularidade na ocupação).

Aliás, essa é a conclusão que se extrai da leitura conjunta dos incisos VI e XIV do artigo 2º do Estatuto da Cidade. Por um lado, o Poder Público deve ordenar a ocupação do solo de forma racional, proporcionando o bem-estar da coletividade e evitando situações deletérias ao ambiente urbano, mas por outro, não pode deixar de observar a necessidade de regularização fundiária em áreas ocupadas por populações de baixa renda, considerando, nesse mister, a situação socioeconômica de tais grupos.

(RE 422349, Relator (a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – DIVULG 04-08-2015 PUBLIC 05-08-2015)

O professor José dos Santos Carvalho Filho, em consonância com a orientação aqui defendida, ao comentar as situações elencadas pelo art. 2º, inciso VI, do Estatuto da Cidade, a serem evitadas no parcelamento e ocupação do solo urbano, anota:

De fato, as situações contempladas no dispositivo, que são as que se devem evitar, têm sido as grandes vilãs da degradação e do caos urbano a que chegaram as cidades, infligindo pesados gravames e dissabores aos integrantes das comunidades. Por conseguinte, as estratégias a serem implantadas na ordem urbanística jamais devem perdê-las de vista e, ao contrário, precisarão enfrentá-las se já estiverem consolidadas e desfazê-las, caso isso ainda se afigure possível.

E enfatizamos esse aspecto particular para relembrar que, lamentavelmente, algumas delas são atualmente insuscetíveis de reversão, tal o estado de sedimentação irremovível em que se encontram. Trata-se de erro histórico. Desse modo, por mais eficiente que possam ser as ações de política urbana, sempre vão restar alguns quistos desprovidos de qualquer harmonia e adequação no que tange ao devido processo de urbanização.

(Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013, 5. ed, p. 60).

No julgamento paradigmático realizado pela Suprema Corte ficou assentado, registre-se, a inexistência de inconstitucionalidade na lei municipal que fixa o módulo urbano em área superior a 250 m², como parâmetro de planejamento e fiscalização da política urbana local, desde que isso não impeça ao particular, por sua vez, a aquisição do direito de propriedade de área menor, no caso de o órgão de controle não se insurgir no prazo definido constitucionalmente.

O eminente relator, Ministro Dias Toffoli, registrou que a decisão proferida na ocasião não implicava, por via reflexa, no reconhecimento da invalidade de estipulação de metragem mínima de lotes pela legislação infraconstitucional; ao revés, tais limitações permaneceriam hígidas, mas deveriam ser afastadas sempre que restrições como a referente ao tamanho do módulo pretendessem afetar o direito daquele que eventualmente realizasse o preenchimento de todos os requisitos constitucionais para a aquisição da propriedade pela via da usucapião.

E, para concluir, assinalou: “é que o direito de propriedade, adquirido originariamente por intermédio de usucapião, deve prevalecer em detrimento de normas de índole infraconstitucional, ou mesmo a despeito das frágeis alegações sobre a impossibilidade de regularização da titularidade do bem usucapido perante o Cartório de Registro de Imóveis competente”(RE 422349, Relator (a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL –DIVULG 04-08-2015 PUBLIC 05-08-2015).

9. Sistematizando os fundamentos para ensejar a conclusão deste tema, cabe ainda algumas breves considerações acerca do módulo urbano.

Primeiramente, importa destacar que a delimitação do tamanho do módulo urbano, pelo Plano Diretor, é conduta de promoção de limitação ao aproveitamento urbanístico da propriedade, não significando, todavia, sua incidência sobre o direito de propriedade em si.

Isso, porque, conforme a doutrina especializada elucida, existem diferenças entre o direito de propriedade do solo e o direito de seu titular de pretender o aproveitamento urbanístico de sua propriedade. Essas noções são distintas porquanto a primeira consiste em aceitar as implicações do direito fundamental e geral de propriedade; a segunda, impõe-se como limitação urbanística ao uso e gozo da propriedade. O proprietário de um terreno qualificado como não edificável está privado de construir nele, mas não perde a propriedade do bem. (NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Junior, Nelson. Instituições de Direito Civil. v. III: direitos patrimoniais, reais e registrários. 2.ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 248)

Ademais, deve ser destacado, que o parcelamento do solo e as normas de edificação são providências ínsitas à função social da cidade, instrumentos adequados à sua realização.

Nessa extensão, a promoção da função social da cidade se verifica por ações capitaneadas pelo Município, responsável pela promoção, no que couber, de adequado ordenamento territorial, mediante planejamento, controle do uso, do parcelamento e da ocupação o solo urbano, nos termos do art. 30, VIII, da CF/1988.

Com efeito, o parcelamento, a edificação e a utilização do imóvel configuram ônus subjetivamente reais, que afetam o exercício do direito de propriedade, sem serem capazes, no entanto, de impossibilitar seu nascimento. Isso, porque não são atributos do direito, mas coadjuvantes no seu aperfeiçoamento. Seu principal escopo é mesmo a concretização da política pública de transformação dos espaços onde localizados os imóveis.

Em outro rumo, a usucapião tem como objetivo a regularização das posses e uma vez reconhecida judicialmente, confere legitimidade ao estado que lhe deu causa, assegurando-se o cumprimento da função social da propriedade, que também se revela como seu fundamento. Sobre o ponto, Rosa Maria Nery e Nelson Nery preceituam que propriedade sem função é algo que não existe, posto que a propriedade é função e, portanto, ela se revela ao jurista no momento em que este descobre qual a utilidade desta ou daquela propriedade. (Op. Cit. p. 259)

Na linha dessas ideias, as normas contidas no Plano Diretor, referentes ao módulo urbano, por exemplo, voltam-se ao disciplinamento, repita-se, do exercício do direito de propriedade urbana (limitações, direitos, obrigações, faculdades).

De fato, o plano diretor tem a finalidade de definir as metas e ações estratégicas, de disciplinar os instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade para que o Poder Público municipal possa exercer a missão de garantir o cumprimento das funções sociais da cidade e de efetivar o direito a cidades sustentáveis, o direito à moradia dos habitantes. (SAULE JUNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia. p. 254).

“A função social da cidade pode redirecionar os recursos e a riqueza de forma mais justa, combatendo situações de desigualdade econômica e social vivenciadas em nossas cidades, garantindo um desenvolvimento urbano sustentável no qual a proteção aos direitos humanos seja o foco”. (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Christiano Chaves. Manual de direito civil. 5. ed. rev., atua. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 1011).

Merece ser registrado, ainda que evidente, que a função social da cidade não se efetiva de maneira apartada da função social da propriedade. Todo sabemos que não. Aliás, certo é que ambos os institutos são membros de um mesmo corpo e que a realização coordenada de ambos sempre promoverá um bem maior.

Todavia, a compartimentação dessas ideias se justifica em situações como a deste recurso, para que seja possível a solução de conflito entre institutos de tamanha envergadura: direito de propriedade enquanto promotor de riqueza e dignidade humana e o bem-estar social.

Como realçado alhures, a função social da propriedade é, por certo, cláusula geral acomodada no Código Civil e sua conformação ao caso concreto impõe ao magistrado a ponderação acurada dos valores sociais em jogo.

Nessa linha, sublinham Rosenvald e Chaves, que “em qualquer caso, a função social é um conceito relativo e maleável que será interpretado pelo magistrado com base na concretude do caso, com arrimo em precedentes, sempre se preservando o chamado conteúdo essencial mínimo da propriedade. Isto é, exceto nas hipóteses radicais de desapropriação, jamais se confundirá a função social da propriedade com socialização da propriedade, pois será respeitado um círculo mínimo de exclusividade dos poderes dominiais ao proprietário”.(Op. cit., p. 1014)

Na direção dessas concepções, quanto à questão aqui estudada, o renomado Benedito Silvério Ribeiro preceitua “que a função social da propriedade pode levar a contornar requisitos urbanísticos e mesmo do plano diretor da cidade, sem o rigor inerente ao parcelamento do solo”. E, na sequência, elucida: “não se trata de atropelar preceito sobre postura municipal, de vez que à norma constitucional deve-se atribuir máxima eficácia, cediço também que é competente a União para legislar nesse particular, conforme o inciso I, do artigo 22 da CF” (Tratado de Usucapião. v. 1, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 942 e 945).

Na mesma linha de entendimento, o professor Celso Bastos, examinando a usucapião rural, posiciona-se no sentido de que áreas inferiores ao tamanho fixado na norma constitucional também podem ser objeto desse tipo de usucapião, refutando a aplicação da legislação referente a módulos, na medida em que “es[s]es têm em mira o desdobramento comum da propriedade, mas no nosso entender não podem funcionar como obstáculo para que um instituto constitucional atinja o seu desiderato. São, portanto, usucapíveis mesmo as áreas de proporções inferiores ao módulo rural da região”. (Comentários à Constituição do Brasil. v. 7, São Paulo: Saraiva, 1990. p. 347)

Um ponto importante de todo o conteúdo até aqui debatido é o reconhecimento de que a usucapião, em si, é das mais legítimas formas de promoção da função social da propriedade, tendo em vista ser instrumento que prestigia a situação de fato, fato social, qual seja, a boa posse, de enorme repercussão para edificação da cidadania e das necessidades básicas do ser humano.

Nessa toada, deve ser dito que a reverência à boa posse, consubstanciando-a em propriedade, concede ao possuidor tranquilidade, em atenção à superior previsão constitucional do direito à moradia (art. 6º da CF1988), mas não somente a ele, porque também promove o acesso a outros bens vitais mínimos, hábeis a conceder dignidade à pessoa humana, alvo supremo do ordenamento jurídico. (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Christiano Chaves. Manual de direito civil. 5. ed. rev., atua. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 960).

10. Diante de todo exposto, concluo que o reconhecimento do direito à usucapião extraordinária condiciona-se tão somente ao preenchimento dos requisitos constantes do art. 1238 do Código Civil de 2002, sendo, portanto, incabível condicionar a constituição e declaração da propriedade ao exercício da posse sob imóvel, cuja área seja equivalente ao módulo urbano proposto na normatização regional.

Nessa extensão, proponho a seguinte tese como representativa do julgamento do recurso repetitivo:

O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.

11. No caso concreto, nego provimento ao recurso especial, para, em consonância com as instâncias ordinárias, afirmar a inexistência de impedimento para que imóvel urbano, cuja área seja inferior ao módulo mínimo estabelecido pela legislação municipal, possa ser objeto da usucapião extraordinária prevista no art. 1.238 do CC/2002 e seu parágrafo único, sem qualquer outra restrição.

É como voto. – –/

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.667.843 – Santa Catarina – 2ª Seção – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 05.04.2021

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias

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Receita Federal divulga tabela para recolhimento de débitos federais em atraso – Vigência Abril/2021.

TABELAS PARA CÁLCULO DE ACRÉSCIMOS LEGAIS PARA RECOLHIMENTO DE DÉBITOS EM ATRASO – VIGÊNCIA: Abril de 2021

Tributos e contribuições federais arrecadados pela Receita Federal do Brasil, inclusive Contribuições Previdenciárias da Lei nº 8.212/91

MULTA

A multa de mora incide a partir do primeiro dia após o vencimento do débito e será cobrada em 0,33% (trinta e três centésimos por cento) por dia de atraso, até o limite de 20% (vinte por cento).

Assim, se o atraso superar 60 (sessenta) dias, a multa será cobrada em 20% (vinte por cento).

JUROS DE MORA

No pagamento de débitos em atraso relativos a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil incidem juros de mora calculados pela taxa SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, até o último dia do mês anterior ao do pagamento, mais 1% relativo ao mês do pagamento.

Assim, sobre os tributos e contribuições relativos a fatos geradores ocorridos a partir de 01.01.97, os juros de mora deverão ser cobrados, no mês de ABRIL/2021, nos percentuais abaixo indicados, conforme o mês em que se venceu o prazo legal para pagamento:

Ano/Mês 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Janeiro 129,89 118,79 106,85 97,74 88,17 77,10 69,22 61,05
Fevereiro 129,02 117,99 105,99 97,15 87,33 76,35 68,73 60,26
Março 127,97 117,15 105,02 96,39 86,41 75,53 68,18 59,49
Abril 127,03 116,25 104,18 95,72 85,57 74,82 67,57 58,67
Maio 126,00 115,37 103,41 94,97 84,58 74,08 66,97 57,80
Junho 125,09 114,41 102,65 94,18 83,62 73,44 66,36 56,98
Julho 124,12 113,34 101,86 93,32 82,65 72,76 65,64 56,03
Agosto 123,13 112,32 101,17 92,43 81,58 72,07 64,93 55,16
Setembro 122,33 111,22 100,48 91,58 80,64 71,53 64,22 54,25
Outubro 121,40 110,04 99,79 90,77 79,76 70,92 63,41 53,30
Novembro 120,56 109,02 99,13 89,96 78,90 70,37 62,69 52,46
Dezembro 119,72 107,90 98,40 89,03 77,99 69,82 61,90 51,50
Ano/Mês 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Janeiro 50,56 37,90 24,67 15,65 9,45 3,82 1,33
Fevereiro 49,74 36,90 23,80 15,18 8,96 3,53 1,20
Março 48,70 35,74 22,75 14,65 8,49 3,19 1,00
Abril 47,75 34,68 21,96 14,13 7,97 2,91
Maio 46,76 33,57 21,03 13,61 7,43 2,67
Junho 45,69 32,41 20,22 13,09 6,96 2,46
Julho 44,51 31,30 19,42 12,55 6,39 2,27
Agosto 43,40 30,08 18,62 11,98 5,89 2,11
Setembro 42,29 28,97 17,98 11,51 5,43 1,95
Outubro 41,18 27,92 17,34 10,97 4,95 1,79
Novembro 40,12 26,88 16,77 10,48 4,57 1,64
Dezembro 38,96 25,76 16,23 9,99 4,20 1,48

Fonte: INR Publicações

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