TJSP reconhece vínculo genético post mortem entre irmãos

A Segunda Vara de Família e Sucessões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP foi palco de uma decisão atípica para a Justiça brasileira. Uma pessoa entrou com um pedido e teve reconhecido o vínculo genético post mortem com seu irmão já falecido.

De acordo com a sentença, o requerente moveu a ação por acreditar que seria irmão biológico do falecido, embora ambos não possuíssem, no registro de nascimento, o reconhecimento de parentalidade materna e paterna.

A relação entre os dois começou na infância, quando foram encaminhados para uma instituição de acolhimento infantil. Apesar da falta de vestígios documentais que provassem a filiação, o requerente afirmou que sempre sentiu o vínculo de irmandade com o então suposto irmão biológico pelo fato de terem sido encaminhados juntos à instituição.

Aos oito anos, o requerente foi acolhido por uma família, enquanto o irmão não foi adotado. Após anos separados, os dois retomaram contato por meio de uma pessoa que trabalhou na instituição infantil.

No dia do falecimento do irmão, o requerente, após ser avisado por uma amiga, viajou até a cidade onde ele morava e tomou as providências para a realização do sepultamento. Além disso, foi requerida a produção antecipada de prova por meio da exumação do corpo para coleta de material genético e realização da perícia de DNA.

Relação socioafetiva

“A perícia comprovou o vínculo genético e a parentalidade também ficou provada por meio de outros documentos que demonstram a relação entre os dois. A sentença, portanto, vem declarar que os dois são irmãos biológicos e, assim, o juiz determinou que fosse acrescido na certidão de óbito essa informação sobre o irmão que faleceu”, explica o defensor público Paulo Fernando de Andrade Giostri, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso.

Segundo os autos, por meio da coleta de provas testemunhais, ficou comprovada a existência de um vínculo colateral socioafetivo. No entanto, a prova técnica, com exame de material genético, comprovou que os dois eram irmãos biológicos.

“O juízo que atuou neste caso é de extrema qualidade nas decisões e foi muito feliz ao sentenciar a partir de tudo o que ouviu e viu no processo, até mesmo o empenho da Defensoria Pública para chegar na declaração do vínculo parental”, afirma Paulo Fernando de Andrade Giostri.

Propósito nobre

Ele destaca que o requerente entrou com o pedido imbuído de propósito nobre, de se ver reconhecido como irmão do falecido.

“Não há, por exemplo, uma motivação econômica e financeira. No aspecto patrimonial, o irmão que morreu não deixou patrimônio. Trata-se, no entanto, de uma relação de amor, um vínculo afetivo que, na realidade, comprovou-se também ter um vínculo genético”, comenta.

O defensor público explica que, como o caso transitou em julgado e, portanto, não teve recurso, ele não passou a ser jurisprudência. No entanto, ele serve para “sedimentar a possibilidade de que existe a via judicial para se buscar em casos especialíssimos como esse”.

Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família

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Jurisprudência em Teses chega à 200ª edição com novos entendimentos sobre bem de família

A equipe responsável pelo produto destacou duas teses.

Após oito anos desde o início das publicações, a Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a edição 200 de Jurisprudência em Teses. A nova edição aborda o tema Bem de Família II. A equipe responsável pelo produto destacou duas teses.

A primeira tese mostra que é possível mitigar a proteção legal conferida ao bem de família quando o imóvel possuir frações com destinações distintas e separadas uma da outra, permitida a penhora da fração de uso comercial.

O segundo entendimento aponta que é inviável a interpretação extensiva do artigo 5º da Lei 8.009/1990 para abrigar bem que não ostenta característica de “moradia permanente”, pois o propósito da lei é evitar a blindagem de imóveis de uso eventual ou recreativo, não afetado à subsistência da entidade familiar.

A ferramenta 

Lançada em maio de 2014, Jurisprudência em Teses apresenta diversos entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.

Cada edição reúne teses identificadas pela Secretaria de Jurisprudência após cuidadosa pesquisa nos precedentes do tribunal. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.

Para visualizar a página, clique em Jurisprudência > Jurisprudência em Teses, na barra superior do site.

Fonte:  Instituto de Registro Imobiliário do Brasil

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Administrativo – Recurso em Mandado de Segurança – Concurso público – Serviços notarial e de registro – Fase de títulos – Previsão de pontos pelo exercício, por três anos, de delegação, cargo, emprego ou função pública privativa de bacharel em direito – Exercício de atividade notarial por bacharel em direito por mais de três anos até a data da primeira publicação do edital do certame – Contagem dos pontos – Possibilidade – Interpretação de regras editalícias – Novo posicionamento do CNJ – Direito líquido e certo à pontuação – Precedente desta Corte – Recurso provido.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 56102 – MG (2017/0324111-0)
RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
RECORRENTE : JULIAN GONÇALVES DA SILVA
ADVOGADOS : DANIEL CALAZANS PALOMINO TEIXEIRA – MG128887
GABRIELA NAZARETH VELOSO RIBEIRO – DF050185
ELPIDIO DONIZETTI NUNES – MG045290
RECORRIDO : ESTADO DE MINAS GERAIS
PROCURADOR : JASON SOARES DE ALBERGARIA NETO E OUTRO(S) – MG046631N
EMENTA
ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇOS NOTARIAL E DE REGISTRO. FASE DE TÍTULOS. PREVISÃO DE PONTOS PELO EXERCÍCIO, POR TRÊS ANOS, DE DELEGAÇÃO, CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA PRIVATIVA DE BACHAREL EM DIREITO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE NOTARIAL POR BACHAREL EM DIREITO POR MAIS DE TRÊS ANOS ATÉ A DATA DA PRIMEIRA PUBLICAÇÃO DO EDITAL DO CERTAME. CONTAGEM DOS PONTOS. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DE REGRAS EDITALÍCIAS. NOVO POSICIONAMENTO DO CNJ. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À PONTUAÇÃO. PRECEDENTE DESTA CORTE. RECURSO PROVIDO.
DECISÃO 
Trata-se de recurso em mandado de segurança interposto por Julian Gonçalves da Silva contra acórdão proferido pelo TJMG, assim ementado (fls. 646/648):
MANDADO SEGURANÇA – DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO PÚBLICO – NOVA CONFORMAÇÃO INAUGURADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS – OUTORGA DAS DELEGAÇÕES NO ÂMBITO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – DEMAIS CANDIDATOS CLASSIFICADOS – FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – DESCABIMENTO – JURISPRUDÊNCIA DO COL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – INTERVENÇÃO COMO ASSISTENTES – DESCABIMENTO – ART. 24, DA LEI 12.016/09 – ILEGITIMIDADE DOS DEMAIS CANDIDATOS CLASSIFICADOS PARA INGRESSAREM NA AÇÃO MANDAMENTAL – PROVA DE TÍTULOS – PONTOS PELO EXERCÍCIO, POR TRÊS ANOS, DE DELEGAÇÃO, CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA PRIVATIVA DE BACHAREL EM DIREITO – INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO DA PONTUAÇÃO – RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Nº 81/09 – INTERPRETAÇÃO DADA PELO PRÓPRIO CONSELHO – ATIVIDADE NOTARIAL NÃO É PRIVATIVA DE BACHAREL EM DIREITO – VALORIZAÇÃO DAS CARREIRAS JURÍDICAS, PRIVATIVAS DE BACHAREL EM DIREITO, NA ESTEIRA DA JURISPRUDÊNCIA DO COL. SUPREMO TIRUBNAL FEDERAL – AUSÊNCIA DE VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA – DIFERENCIAÇÃO EM RAZÃO DA NATUREZA DA ATIVIDADE EXERCIDA, CONCERNENTE AO EXERCÍCIO DAS CARREIRAS JURÍDICAS E NÃO DA QUALIDADE DE BACHAREL – CRIAÇÃO DE CRITÉRIO AD HOC DE CONTAGEM DE PONTOS, REFERENTE À TITULAÇÃO, APÓS A ABERTURA DA FASE DE TÍTULOS DO CONCURSO – DESCABIMENTO – JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL– AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À PONTUAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO NO ATO INDIGITADO COATOR – SEGURANÇA DENEGADA.
1– Conforme entendimento sedimentado pelo STJ “é prescindível a formação de litisconsórcio passivo necessário em relação aos candidatos aprovados em melhor classificação, por existir apenas expectativa de direito à nomeação” (AgRg no REsp. 1.478.420/RR).
2– Impossibilidade de intervenção como assistentes, na forma do art. 24, da Lei 12.016/09.
3– Ilegitimidade dos peticionários, candidatos classificados no concurso público, para ingressarem na ação mandamental.
4– Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi alterado o regramento para o ingresso no serviço notarial e de registro, estabelecendo-se que o acesso ao serviço será feito obrigatoriamente por meio de concurso público, determinando, ainda, o disciplinamento e a fiscalização dos serviços notariais pelo Poder Judiciário, conforme art. 236 e parágrafo 1º, da Carta Federal.
5– Nesse espeque, foi criado o Conselho Nacional de Justiça, através da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, conferindo-se ao Respeitável Órgão, entre outras, a tarefa de fiscalizar os serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, conforme inciso III, do parágrafo 4º, do inciso XIII, do art. 2 º da referida emenda.
6– No âmbito de sua competência constitucional, o col. Conselho Nacional de Justiça consolidou o entendimento, com base na jurisprudência do col. Supremo Tribunal Federal, de que o exercício de delegação de serviços notariais ou de registros públicos não pode ser considerado atividade privativa de bacharel em Direito para fins de obtenção de pontuação por título apresentado.
7– Não fere o princípio da isonomia, norma editalícia que, na forma da Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 81/09, que, por sua vez, segue a orientação jurisprudencial do col. Supremo Tribunal Federal acima referida, cria hipóteses de pontuação de títulos, distinguindo as situações de experiência em “carreira jurídica”, privativa de bacharel em direito, e a experiência notarial, conferindo a mesma pontuação, para um tempo de exercício inferior à primeira, em relação à segunda.
8– Critério legal que não faz distinção entre iguais, mas sim distingue entre situações diversas: o exercício da “carreira jurídica” e o da atividade notarial, valorizando a primeira, em relação à segunda, por considerar, baseado no interesse público, que os candidatos que comprovem a primeira são mais aptos para exercer atribuições cartoriais, na esteira do entendimento do col. Supremo Tribunal Federal.
9– Possibilidade, prevista no edital, de eventuais candidatos bacharéis em direito, que tenham exercido a função delegada notarial pelo tempo exigido, pontuar pelo segundo critério. Ausência de tratamento diferenciado entre candidatos bacharéis em direito. Critério de distinção baseado, não em relação à qualidade de bacharel, mas sim em razão da natureza da atividade exercida, concernente às “carreiras jurídicas”, em relação à atividade notarial.
10– Descabimento de o Poder Judiciário criar critério ad hoc de pontuação por titulação, após o início da respectiva fase de provas de títulos, sob pena de vulnerar-se o princípio da segurança jurídica e da impessoalidade (Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 34.703/DF, Relator Ministro Dias Toffoli, citando entendimento colegiado do col. Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do e. Ministro Roberto Barroso).
11– Por força do §2° do art. 89, do Regimento Interno do CNJ, as respostas às Consultas apresentadas, como as referentes a presente matéria discutida, quando proferidas por maioria absoluta do Plenário, se revestem de caráter normativo geral, sendo de observância obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário.
12– Cumprimento, pela digna autoridade indigitada coatora de determinação sedimentada no âmbito do col. Conselho Nacional de Justiça. Ausência de vulneração do princípio da isonomia. Impossibilidade de criar critério de contagem de pontos por títulos, em momento posterior à abertura da respectiva fase no concurso. Ausência de ilegalidade ou abusividade no ato acusado coator. Segurança denegada. v. v. p – 1. É cabível a conversão do julgamento em diligência, para fins de citação dos litisconsortes passivos necessários, por serem aqueles que sofrerão os efeitos diretos da eventual concessão da ordem, diante da atribuição de pontuação de títulos almejada pela parte impetrante que ensejará a alteração da ordem de classificação no certame.
2. Conquanto, de fato, o indeferimento de pontuação de títulos, do tipo previsto na alínea ‘a’ do item 4 do Capítulo XVIII do Edital n.º 01/2014 – que rege o Concurso Público, de Provas e Títulos, para a outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais –, ao argumento de que o exercício de delegação de serviços notariais e ou registrais não é privativa de bacharel em Direito, viole o princípio da isonomia, se a parte impetrante não logrou êxito em comprovar 3 (três) anos de exercício de advocacia ou de delegação, não há falar em soma do tempo de ambas as atividades para fins de aquisição da pontuação de títulos prevista na aludida alínea.
Em suas razões o requerente aduz que o entendimento manifestado pelo Tribunal de origem (o exercício de delegação notarial e de registro não pode ser computado para fins do título previsto na alínea “a”, do item “4”, do Capítulo XVIII do Edital n. 01/2014, já que tal função não é privativa de bacharel em direito) está embasado unicamente em um precedente do CNJ, proferido no bojo do PCA 0005398-98.2013.2.00.0000, que interpretou equivocadamente a Resolução CNJ 81 (especificamente o item 7.1, incisos I e II, da anexa minuta de edital, que serve de paradigma para os Editais para concursos de outorga de delegação de todos os Estados).
Defende que tal interpretação do CNJ, acolhida pela Comissão do presente concurso e pelo Tribunal de origem, está equivocada, na medida em que se utilizou de premissas falsas e de precedentes do STF não aplicáveis ao caso concreto, dando azo a uma “decisão que viola frontalmente o princípio da isonomia e a jurisprudência do STF, além de subverter a própria finalidade da exigência de títulos, criando uma vantagem exacerbada aos candidatos oriundos das demais carreiras jurídicas” (fls. 1.140).
Para tanto, sustenta que: i) “a palavra “delegação” contida no item 7.1, inciso I, da Resolução CNJ n. 81/09 refere-se à “delegação notarial e de registro”; assim, a expressão “privativa de bacharel em direito” não se refere à “delegação”, mas sim a “cargo, emprego ou função pública” (fls. 1.122); ii) “o exercício da delegação foi previsto no item I, que exige um prazo de 3 anos, e o exercício de outras funções/serviços notariais ou de registro de menor complexidade, como as funções de escrevente substituto, escrevente juramentado ou auxiliar, foram previstas no item II, exigindo um prazo de 10 anos, justamente por não exigirem, para sua execução, tanto saber jurídico como o exercício da delegação” (fls. 1.120); iii) “a Resolução CNJ n. 81/09 em nenhum momento menciona a expressão “carreira jurídica”, de forma que a consulta n. 0004268-78.2010.2.00.0000 feita ao CNJ não é aplicável ao caso” (fls. 1.126); e iv) “é perfeitamente possível a soma do tempo de exercício de delegação notarial com o tempo de exercício da advocacia, partindo da premissa que as duas atividades estão previstas no item 7.1, I da Resolução CNJ 81/09, de modo que seus tempos podem se complementar até o total de três anos previsto – trata-se, inclusive, de prática comum em diversos concursos para delegação de serventias extrajudiciais” (fls. 1.140).
Defende, em suma, que a delegação a que se refere o inciso I do item 7.1 do edital constante na Resolução 81 do CNJ, é sim a delegação de notas ou de registros, razão pela qual deve ser deferida a respectiva pontuação ao recorrente, na medida em que é bacharel em direito e comprovou ter exercício a delegação notarial e de registro pelo prazo mínimo de três anos.
Ressalta que tal entendimento é adotado por todos os demais Tribunais de Justiça do país em concursos e andamento e já finalizados.
Aduz que o precedente do STF citado no acórdão (liminar no MS 34.544, Rel. Dias Toffoli) prestigia uma interpretação criada cinco anos depois da publicação da Resolução CNJ 81/09, por uma composição do Conselho completamente diferente daquela que a elaborou. Destaca que, por outro lado, o MS 33.527/STF, Rel. Min. Marco Aurélio, que também está em fase liminar, tem chances reais de caminhar para uma solução colegiada nos termos propostos pelo recorrente nestes mandamus.
Ao final, pugna “lhe seja concedido o título previsto na alínea a do item 4 do Capítulo XVIII do Edital n. 01/2014, em razão do exercício da advocacia e do exercício de delegação, cargo, emprego ou função pública privativa de bacharel em Direito, por mais de três anos até a data da primeira publicação do Edital do Concurso. Por consequência, devem ser revogadas as outorgas de delegação decorrentes do Edital n. 01/2014, de modo que elas sejam outorgadas novamente, conforme as novas colocações no certame” (fls. 1.155/1.156).
O Estado de Minas Gerais apresentou contrarrazões às fls. 1.164/1.169.
O MPF opinou pelo desprovimento do recurso, nos termos de parecer com a seguinte ementa (fls. 1.268):
ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CARTÓRIO. SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTRO. PONTUAÇÃO. TÍTULO. INDEFERIMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO. PARECER PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO.
É o relatório. Decido.
Examinando os autos, verifica-se que são oriundos de mandado de segurança impetrado contra ato do Desembargador Presidente da Comissão Examinadora do Concurso Público de Provas e Títulos para outorga de delegações de tabelionatos e de registros do Estado de Minas Gerais, consubstanciado no indeferimento da pontuação relativa ao item 4, a, do Capítulo XVIII do Edital 01/2014, na medida em que o candidato não comprovou o exercício da advocacia pelo período mínimo de 03 anos e o exercício da delegação de serventia extrajudicial não se trata de atividade privativa de bacharel de direito, nos termos do art. 15, §2º, da Lei 8.935/94, 7º, IV, da Resolução CNJ 81 e precedentes do CNJ (PCA n. 0006029-08.2014.2.00.0000 e Consulta n. 0004268-78.2010.2.00.0000).
A impetração foi embasada no argumento de que o exercício da atividade notarial e de registro por bacharel em direito constitui título hábil à concessão dos pontos previstos no item 4, a, do Capítulo XVIII do Edital 01/2014, seja porque a expressão nele contida “privativa de bacharel em direito” a ela não se refere, seja porque todos os demais Tribunais de Justiça do país interpretam de forma favorável à tese defendida pelo impetrante o item 7.1, I e II, da minuta de edital da Resolução 81/2009 do CNJ, que serve de parâmetro para os editais para concursos de outorga de delegação de todos os Estados. O pedido foi para que fosse concedido ao impetrante a pontuação prevista no item 4, a, do Capítulo XVIII do Edital 01/2014, em razão da consideração cumulativa do tempo de exercício da advocacia e de delegação de serventia extrajudicial.
O Tribunal de origem entendeu por bem denegar a ordem, ao fundamento de que o ato apontado como coator traduz previsão editalícia consubstanciada na determinação do CNJ sobre a matéria, não havendo o que se falar em princípio da isonomia, tampouco competindo ao Poder Judiciário criar critério de contagem de pontos por títulos em momento posterior à abertura da respectiva fase no certame.
Na presente insurgência, o recorrente repisa as teses aventadas na inicial, alegando, em suma, que a interpretação dada pelo CNJ à Resolução 81/2009, acolhida pelo acórdão de origem, é equivocada, especialmente porque a delegação a que se refere o inciso I do item 7.1 do edital constante na Resolução 81 do CNJ, é sim a delegação de notas ou de registros, razão pela qual deve ser deferida a respectiva pontuação ao recorrente.
Acerca do tema, esta Corte, recentemente, julgou caso idêntico, referente ao mesmo concurso, tendo decido que, “considerando-se que o edital do certame previu expressamente que deverá ser contado como título, dentre outros, o “exercício […] de delegação[…] por um mínimo de três anos até a data da primeira publicação do Edital do Concurso” (item XVIII.4.a), sem qualquer restrição à modalidade de delegação envolvida, outra interpretação não é possível que não a pretendida pela ora agravante, no sentido de que o termo “delegação” também se refere à “delegação notarial e de registro””. Assim o fez não só em razão do disposto no edital, como também em face do novo posicionamento do próprio CNJ (considerado como fato novo e superveniente), que passou a admitir a contagem da pontuação pleiteada pelos candidatos.
É o que se extrai da ementa do referido julgado:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO PÚBLICO. PROVA DE TÍTULOS. INTERPRETAÇÃO DE REGRAS EDITALÍCIAS. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXERCÍCIO DE DELEGAÇÃO POR UM MÍNIMO DE TRÊS ANOS ATÉ A DATA DA PRIMEIRA PUBLICAÇÃO DO EDITAL DO CERTAME. CONTAGEM DOS PONTOS. POSSIBILIDADE.
1. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado contra apontado ato ilegal do PRESIDENTE DA COMISSÃO EXAMINADORA DO CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE TABELIONATOS E DE REGISTROS DO ESTADO DE MINAS GERAIS – EDITAL N. 01/2014, consubstanciado no indeferimento do recurso administrativo interposto contra a negativa de pontuação dos títulos previstos no item 4, a, Capítulo XVIII, do Edital 01/2014, especificamente no que tange ao exercício “de delegação, cargo, emprego ou função pública privativa de bacharel em Direito, por um mínimo de três anos até a data da primeira publicação do Edital do Concurso”.
2. O citado item editalício reproduz, em sua essência, as disposições contidas na minuta de edital aprovada pelo CNJ por meio da Resolução 81/2009 (que dispõe “sobre os concursos públicos de provas e títulos, para a outorga das Delegações de Notas e Registro, e minuta de edital”). Veja-se: “7.1. O exame de títulos valerá, no máximo, 10 (dez) pontos, com peso 2 (dois), observado o seguinte: I – exercício da advocacia ou de delegação, cargo, emprego ou função pública privativa de bacharel em Direito, por um mínimo de três anos até a data da primeira publicação do edital do concurso (2,0)”.
3. O Tribunal de origem denegou a segurança, confirmando, assim, o entendimento anteriormente firmado pela Banca Examinadora, que havia negado à impetrante, ora agravante, os pontos previstos no item XIII.4.a do Edital do certame, sob o fundamento de que o termo “delegação”, como nele contido, não alcança a hipótese de “delegação de serviços notariais e ou registrais”, uma vez que estes não são privativos de bacharéis em Direito.
4. Conquanto a pretensão da impetrante seja a de interferir no alcance da expressão “delegação”, admitido pelo Tribunal de origem à luz da orientação contida na Resolução 81/CNJ, o objeto do writ não é a eventual ilegalidade desse ato normativo, mas simplesmente a interpretação a ela conferida pela Corte de origem, assim como ao próprio edital do certame em tela. Logo, apresenta-se adequada a via eleita.
4. Consoante inteligência do art. 236 da Constituição Federal, os serviços notariais e de registro são exercidos por particulares em regime de delegação do Poder Público.
5. Nessa linha de ideias, considerando-se que o edital do certame previu expressamente que deverá ser contado como título, dentre outros, o “exercício […] de delegação […] por um mínimo de três anos até a data da primeira publicação do Edital do Concurso” (item XVIII.4.a), sem qualquer restrição ao tipo de delegação envolvido, outra interpretação não é possível que não a pretendida pela impetrante, no sentido de que o termo “delegação” também se refere à “delegação notarial e de registro”.
6. Se já não bastasse o referido fundamento para assegurar à agravante o direito por ela pleiteado, há que se anotar, ainda, a ocorrência de fato novo e superveniente a corroborar tal compreensão, consubstanciado em decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça, no sentido de determinar “o cômputo dos pontos previstos no referido item 7.1., I, da minuta anexa à Resolução CNJ 81/2009, para aqueles que tenham exercido a delegação de notas e registro por três anos na data da primeira publicação do edital, e que sejam portadores de diploma de bacharel em Direito, assim como ocorre para os advogados, ou aqueles que ocupem cargo, emprego ou função pública privativa de bacharel em direito; ficando determinado que o TJMG proceda à reavaliação dos títulos apresentados pelos candidatos aprovados no concurso público para a outorga de delegação de notas e registro, objeto do Edital nº 01/2018, pelos motivos acima” (CNJ/ Recurso Administrativo em PCA – Procedimento de Controle Administrativo n. 0000360-61.2020.2.00.0000, Rel. DIAS TOFFOLI – 65ª Sessão Virtual, julgado em 22/5/2020).
7. Sobreleva acrescentar que, em decorrência do aludido julgamento, o CNJ aprovou o Enunciado Administrativo n. 21, de 9/6/2020, no qual restou estabelecido que, “Em todos os concursos de provas e títulos para a outorga de delegação de notas e registro, em andamento ou futuros, serão computados: a) os pontos previstos no item 7.1., I, da Minuta de Edital do Anexo à Resolução CNJ no 81/2009, aos candidatos que, concomitantemente, na data da primeira publicação do edital do concurso, preencherem os requisitos de serem bacharéis em direito e houverem exercido, por três anos, titularidade de delegação de notas ou registro anterior” (Precedente: Procedimento de Controle Administrativo n. 0000360– 61.2020.2.00.0000, 65ª Sessão Virtual, julgado em 14 de maio de 2020).
8. De se ver, portanto, que o advento desse enunciado administrativo caracteriza fato novo e superveniente, capaz de influenciar no resultado do julgamento, na medida em que o CNJ passou a admitir a contagem da pontuação pleiteada no subjacente writ.
9. Também é relevante anotar que, estando a impetrante, ora agravante, em situação sub judice, em virtude da pendência do presente mandado de segurança, a ela não se aplica a modulação de efeitos a que alude o Enunciado Administrativo/CNJ n. 22, de 9/6/2020, in verbis: “Nos concursos de provas e títulos para a outorga de delegação de notas e registro, já encerrados, com situação de fato já consolidada pela efetiva outorga das respectivas delegações, o resultado será mantido, independentemente de sua conformidade ou não à interpretação ora adotada” (Precedente: Procedimento de Controle Administrativo n. 0000360-61.2020.2.00.0000, 65ª Sessão Virtual, julgado em 14 de maio de 2020).
10. Agravo interno da parte impetrante provido (AgInt no RMS n. 57.019/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 31/8/2022)
Tal posição também está em consonância com o entendimento externado pelo STF no recentíssimo julgamento de tema idêntico (AO 2.670/RS, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 14/2/2022), no qual foi assentado que “a pretensão dos autores encontra guarida no posicionamento do próprio CNJ, emissor da Resolução 81 e dos Enunciados 21 e 22 do Conselho, de caráter vinculante, motivo pelo qual deve ser afastado, em relação aos autores, o entendimento firmado no acórdão do PCA 0006147-47-2015.2.00.0000, permitindo, por consequência, a contagem dos “pontos previstos no item 7.1., II, da Minuta de Edital do Anexo à Resolução CN1 n2 81/2009, aos candidatos que, na data da primeira publicação do respectivo edital do concurso, não sendo bacharéis em direito, tiverem exercido, por dez anos, titularidade de delegação de notas ou registro anterior, ou atividade notarial ou de registro como substituto de titular de delegação, interino designado pela autoridade competente, ou escrevente autorizado pelo titular a praticar atos da fé pública”.
Por fim, como bem assentado nos precedentes citados, vale registrar que a modulação dos efeitos constante no Enunciado n. 22 do CNJ (inaplicabilidade do novo entendimento do CNJ – Enunciado 21 – aos processos findos) não obsta o direito do recorrente, já que seu caso ainda está sub judice.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para conceder a ordem e assegurar à impetrante o direito à contagem dos pontos referentes ao título previsto na alínea ado item 4 do Capítulo XVIII do Edital/TJMG n. 01/2014, devendo-lhe ser oportunizada a escolha dentre as serventias extrajudiciais que se acharem vagas após a publicação desta decisão, sem a necessidade de realização de nova outorga de serventias.
Custas ex lege. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos da Súmula 105/STJ.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 20 de setembro de 2022.
Ministro Benedito Gonçalves
Relator – – /
Dados do processo:
STJ – RMS nº 56.102 – Minas Gerais – 1ª Turma – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJ 22.09.2022
Fonte: INR Publicação
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