Processo 1098212-64.2022.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 1098212-64.2022.8.26.0100
Processo 1098212-64.2022.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Elisabete Maria de Fátima Socci Alves – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JOSÉ ADRIANO CASSIMIRO SOARES (OAB 264940/SP), ALEXANDRE PARRA DE SIQUEIRA (OAB 285522/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1098212-64.2022.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 16º Oficio de Registro de Imoveis da Capital
Suscitado: Elisabete Maria de Fátima Socci Alves
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Elisabete Maria de Fátima Socci Alves diante da negativa de registro de instrumento particular de distrato de cessão de direitos e obrigações na matrícula n. 172.509 daquela serventia.
O Oficial informa que o óbice reside na necessidade de comprovação de recolhimento do imposto de transmissão (ITBI ou ITCMD, conforme o negócio tenha se dado a título oneroso ou gratuito – artigos 155, §1º, I, e 156, II, da CF; artigo 1º, I, “b”, da Lei Municipal n. 11.154/91, e artigo 3º, §1º, Lei Estadual n. 10.705/00); que a parte suscitada não questiona a natureza jurídica do negócio em questão: o distrato implica nova cessão de direitos; que, embora não haja transmissão da propriedade, o imposto de transmissão é devido na forma da lei e porque o acórdão proferido pelo STF, que tratou da não incidência do ITBI em face da cessão de direitos do promitente comprador com repercussão geral, não transitou em julgado (ARE n. 1.294.969, Tema 1.124).
Documentos vieram às fls. 06/24.
Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que o STF assentou, em sede de repercussão geral, a não incidência do ITBI em se tratando da cessão de direitos de bens imóveis (ARE n. 1.294.969, Tema 1.124), o que também se aplica para o caso de cessão gratuita de direitos sobre bens imóveis (ITCMD). Em outros termos, o recolhimento do imposto de transmissão é indevido por não ausência de fato gerador: não há transmissão de propriedade, a qual somente se efetiva com o registro de escritura pública na matrícula (artigos 1.227 e 1.245, do CC, e 113, §1º, do CTN – fls. 11/15). Não houve, porém, impugnação nestes autos (fls. 07 e 25).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 29/31).
É o relatório.
Fundamento e decido.
No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.
De início, vale ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n.6.015/73; art.134, VI, do CTN e art.30, XI, da Lei 8.935/1994).
O caso concreto trata do registro do instrumento particular copiado às fls. 17/20, por meio do qual os contratantes efetivaram o distrato de cessão de direitos de compromissário comprador registrada na matrícula n. 172.509 do 16º RI da Capital (Avs.02 e 03, fls. 22/24).
A parte suscitada reconhece que, embora o distrato implique nova cessão dos direitos de compromissário comprador, não resulta em transmissão da propriedade, de modo que inexiste fato gerador do imposto de transmissão.
Essa conclusão, contudo, está equivocada.
É certo que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo – ARE n.1.294.969, firmou a seguinte tese sob a sistemática da Repercussão Geral:
Tema 1124: “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.
Cumpre destacar que a questão então controvertida ficou assim delimitada no relatório do Ministro Luiz Fux (fl.383):
“Possibilidade de incidência do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) em cessão de direitos de compra e venda, mesmo sem a transferência de propriedade pelo registro imobiliário”.
Em outros termos, o debate tratou do alcance do artigo 156, inciso II, da Constituição Federal, no que diz respeito à cobrança do ITBI sobre a cessão de direitos de compra e venda de imóvel, mesmo sem ingresso em Cartório de Registro de Imóveis.
A jurisprudência do STF referida e reafirmada nesse julgamento tratou de leis municipais que, interpretando de maneira equivocada o artigo 150, §7º, da Constituição Federal, impõem o recolhimento do ITBI no momento da contratação, independentemente do registro.
Contudo, embora a Constituição autorize a atribuição antecipada de obrigação tributária por fato gerador presumido, a conclusão alcançada é que a ocorrência do fato gerador do ITBI depende da efetiva transmissão dos direitos reais sobre imóveis constituídos, o que somente se dá com o registro do título perante os Cartórios de Registro de Imóveis, tal como dispõe o artigo 1.227 do Código Civil.
Assim também se preserva o princípio da instância ou da rogação, segundo o qual todo procedimento de registro público apenas se inicia a pedido do interessado (artigo 13 da Lei 6.015/73), afastando-se a incidência do imposto sobre a negociação de direitos obrigacionais sem vínculo real.
Note-se que a propriedade imobiliária e o direito do promitente comprador do imóvel são direitos reais distintos (artigo 1.225, incisos I e VII, do Código Civil).
A Constituição Federal, em seus artigos 155, §1º, I, e 156, inciso II, atribui aos Estados e aos municípios competência para instituir o imposto não apenas sobre a transmissão de bens imóveis (domínio), como também sobre a transmissão de direitos reais sobre imóveis (dentre eles o direito do promitente comprador), conforme a transmissão se opere a título oneroso (ITBI) ou gratuito (ITCMD).
No município de São Paulo, o ITBI é regulado pela Lei n. 11.154/91, que prevê a incidência do imposto tanto sobre transmissão onerosa inter vivos dos bens imóveis e direitos reais que incidem sobre eles, quanto em casos de cessão de direitos relativos à sua aquisição:
“Art. 1º O Imposto sobre Transmissão “inter vivos” de bens imóveis e de direitos reais sobre eles tem como fato gerador:
I – a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso:
a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física;
b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões.
II – a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis”.
“Art. 2º: Estão compreendidos na incidência do imposto:
I a compra e venda;
(…)
IX a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda”.
No mesmo sentido, os artigos 170 e 171 da Consolidação das Leis
Tributárias do município aprovada pelo Decreto n. 61.810/22 reproduzem o mesmo texto.
O Estado de São Paulo, por sua vez, prevê a incidência do ITCMD, para a hipótese de transmissão da propriedade imobiliária ou dos direitos a ela relativos a título gratuito, no artigo 3º, §1º, da Lei Estadual n. 10.705/00:
“Artigo 3º (…)
§1º – A transmissão de propriedade ou domínio útil de bem imóvel e de direito a ele relativo, situado no Estado, sujeita-se ao imposto, ainda que o respectivo inventário ou arrolamento seja processado em outro Estado, no Distrito Federal ou no exterior; e, no caso de doação, ainda que doador, donatário ou ambos não tenham domicílio ou residência neste Estado”.
Verifica-se, portanto, hipótese de incidência tributária sobre a cessão dos direitos decorrentes do compromisso de compra e venda, o que configura fato gerador diverso da transmissão da propriedade por escritura definitiva.
Anteriormente ao acesso do respectivo instrumento particular ao fólio real, o que se tem são apenas direitos obrigacionais entre os contratantes.
Porém, com o surgimento do direito real pelo registro, verifica-se a ocorrência do fato gerador, o que impõe a comprovação do respectivo recolhimento, que deve ser fiscalizado pelo Oficial registrador.
Havendo, assim, previsão legal de exação para a hipótese aqui tratada, não cabe ao Oficial de Registro nem a este juízo administrativo entender pela não tributação.
Neste sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Poder hierárquico – possibilidade de anulação do decidido na hipótese de vício jurídico – Cessão de Direitos de Compromisso de Compra e Venda e Carta de Adjudicação previsão legal de incidência de ITBI em cada transmissão de direitos dever do Oficial de conferir os recolhimentos devidos – impossibilidade de exame da legalidade da norma jurídica na esfera administrativa legalidade estrita – recurso não provido com observação” (CSM – Apelação n.0000027-02.2010.8.26.0238 – Des. Maurício Vidigal j. 22.08.2011).
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 26 de outubro de 2022.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juiz de Direito (DJe de 31.10.2022 – SP)
Fonte: Diário da Justiça Eletrônico
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.
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