Pedido de providências – Registro de Imóveis – Pleito de desdobro – Conjunto habitacional – Inadmissibilidade – Concepção urbanística e ambiental que seria desvirtuada – Desrespeito aos direitos dos demais adquirentes – Parecer pelo não provimento do recurso.


  
 

Número do processo: 1017747-74.2021.8.26.0562

Ano do processo: 2021

Número do parecer: 90

Ano do parecer: 2022

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1017747-74.2021.8.26.0562

(90/2022-E)

Pedido de providências – Registro de Imóveis – Pleito de desdobro – Conjunto habitacional – Inadmissibilidade – Concepção urbanística e ambiental que seria desvirtuada – Desrespeito aos direitos dos demais adquirentes – Parecer pelo não provimento do recurso.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso denominado “apelação” interposto por MARIA CECÍLIA DE JESUS SILVA MORAES, AGUINALDO CESAR DA SILVA MORAES e MARIA HELENA DE JESUS DA SILVA MORAES contra a r. sentença de fls. 55/59, que julgou improcedente o pedido de providências ofertado em face do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, mantendo a negativa de desmembramento da matrícula n.º 34.938.

Sustentam os recorrentes, em suma, a ausência de impedimento legal para a realização do ato pretendido; que a Lei nº 13.465/17 criou novas oportunidades para regularização, inclusive em relação às edificações que não obedecem as normas urbanísticas.

A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 80/82).

É o relatório.

Opino.

Apesar da interposição do recurso com a denominação de apelação, substancialmente cuida-se de recurso administrativo previsto no artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, cujo processamento e apreciação competem a esta Corregedoria Geral da Justiça.

Diante disso, pela aplicação dos princípios da instrumentalidade e fungibilidade ao processo administrativo, passo a seu conhecimento.

Cuida-se de pedido de providências em que os recorrentes pretendem o desmembramento da matrícula n.º 34.938, referente a casa n.º 122, tipo II B, situada na Rua Dr. Antonio Alves Arantes e seu respectivo terreno, integrantes do Conjunto Residencial Marechal Arthur da Costa e Silva.

A nota de devolução nº 3.766, de 28 de julho de 2021, estabeleceu as seguintes exigências (fls. 09):

“1) Exigência anterior n.º 1.837/2021 não cumprida. A casa n.º 122, tipo II – B, situada na Rua Dr. Antonio Alves Arantes e seu respectivo terreno é integrante do Conjunto Residencial Marechal Arthur da Costa e Silva conforme memorial arquivado nesta serventia. O projeto original, portanto, não poderá ser alterado, de acordo com o atual entendimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, vide Recurso Administrativo n.º 1025120-87.2016.8.26.0577, da CGJSP, julgado em data de 22/09/2017, publicado no DJE de 14/11/2017, p. 34.

2) O ato solicitado, desmembramento, trata-se de averbação, portanto o pedido deverá ser, s.m.j., dirigido diretamente ao Juiz Corregedor, na forma de Pedido de Providência, não se confundindo com o procedimento de Dúvida, previsto nos artigos 198 e seguintes da Lei de Registros Públicos (L. 6.015/73), pertinente somente quando o ato colimado diz respeito a registro em sentido estrito e cuja iniciativa cabe ao Oficial Registrador”.

O recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não comporta guarida.

Consoante informado pelo Oficial Registrador, o imóvel telado é parte integrante de conjunto habitacional construído e regularizado em 11 de outubro de 1977.

Disto decorre, diversamente do que querem fazer crer os recorrentes, a inaplicabilidade do regramento dos condomínios de lotes disposto no art. 1.358-A do Código Civil, que assim dispõe:

“Art. 1.358-A. Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1º A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição.”

Pressupõe-se, assim, a instituição de um condomínio de lotes sobre determinada área, com partes de propriedade exclusiva e partes comuns, o que não ocorre na hipótese de desdobro.

Ultrapassado este ponto, o subitem 167.1 do Capitulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, define o conjunto habitacional como o empreendimento em que o parcelamento do imóvel urbano, com ou sem abertura de ruas, é feito para alienação de unidades habitacionais já edificadas pelo próprio empreendedor.

A partir desta redação infere-se, então, não se tratar de mero lote, mas sim de unidade habitacional.

Como se sabe, o empreendimento é aprovado pela Municipalidade e pelo GRAPROHAB (inciso II do artigo 5º do Decreto Estadual n.º 52.053/07), além de deter finalidade social. Além disso, o terreno é dimensionado para conter um projeto harmônico equilibrando-se os aspectos urbanísticos, ambientais, jurídicos, registrários e protetivos dos adquirentes.

Nesta ordem de ideias, aliás como já fixado anteriormente por esta Corregedoria Geral da Justiça em diversos precedentes, a pretensão inaugural resta inviável porquanto eventual desdobro implicaria em aumento do número das unidades autônomas; em potencial adensamento da ocupação e aumento da carga sobre a estrutura do conjunto, desvirtuando, também, a finalidade precípua do empreendimento.

Como bem destacado pelo Oficial Registrador, o acolhimento da pretensão poderá, inclusive, gerar o “efeito manada” em que, em virtude do deferimento da divisão do lote, um número indiscriminado de proprietários faça o mesmo, acarretando o colapso populacional e estrutural do empreendimento.

Neste exato sentido foi a decisão do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, que aprovou o r. Parecer 338/2017, nos autos do Recurso Administrativo n.º 1025120- 87.2016.8.26.0577, de lavra da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria Geral da Justiça. Dra. Tatiana Magosso, cuja ementa assim se transcreve:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Pedido de averbação de desdobro de lote de conjunto habitacional – Impossibilidade – Concepção urbanística e ambiental que seria desvirtuada – Direitos dos demais adquirentes – Pedido de providências improcedente – Recurso não provido.”

Do r. Parecer 338/2017 relevante destacar o seguinte trecho:

“O r. parecer, da lavra do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria José António de Paula Santos Neto, aprovado pelo Exmo. Corregedor Geral da Justiça Des. Ruy Pereira Camilo (Proc CG 2008/91555), trouxe importantes considerações no sentido de que a própria natureza da figura denominada conjunto habitacional repele, por si só, a ideia de ulterior desmembramento de suas frações, haja vista se tratar de empreendimento previamente edificado, cujo terreno foi especialmente dimensionado para conter um projeto harmônico equilibrando-se os aspectos urbanísticos, ambientais, jurídicos, registrários e protetivos dos adquirentes. Nos autos do precedente citado, citou-se parte das informações prestadas pelo … º Oficial de Registro de Imóveis de que, pela relevância, menciono novamente:

A vedação do parcelamento do ‘lote’, portanto, não está meramente implícita, mas é da essência do Conjunto Habitacional, está no cerne de sua conceituação. Admiti-la, pressupõe a admissão da descaracterização do Conjunto Habitacional. Uma vez definida a finalidade do empreendimento, há que se ter em mente que visa ele criar realidades ambiental e urbanística próprias, gerando a perspectiva no conjunto de adquirentes que tal realidade será preservada. Nesse sentido que se insere a qualificação registral, visando não à mera obstaculização do intento da requerente, mas buscando preservar a chamada segurança jurídica e a proteção do direito obtido pelos diversos adquirentes, que confiam na manutenção da realidade ambiental e urbanística de onde vivem.

Como se vê, o posterior desdobro de um dos imóveis ali inseridos poderia frustrar a expectativa dos demais titulares de idênticas frações ideais.” (Proc CG n. 56.893/2012, Parecer do MM. Juiz Gustavo Henrique Bretas Marzagão, aprovado pelo MM. Desembargador José Renato Nalini).

Por seu turno, a “carta de habitação n.º 43/2019”, emitida pela Secretaria de Infraestrutura e Edificações do Município de Santos, não é, por si, suficiente ao acolhimento do pleito inicial, diversamente do alegado pelos recorrentes.

Além do acima já disposto, não se pode olvidar que o desmembramento tal como requerido implica em ofensa à segurança jurídica, afetando diretamente os demais adquirentes das unidades habitacionais que confiam na manutenção da realidade ambiental e urbanística de onde vivem.

Ante o exposto, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de que a apelação seja recebida como recurso administrativo e a ele seja negado provimento.

Sub censura.

São Paulo, 18 de fevereiro de 2022.

Leticia Fraga Benitez

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MMª Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo, ao qual nego provimento. São Paulo, 21 de fevereiro de 2022. (a) FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA, Corregedor Geral da Justiça – ADV: EFRAIN FRANCISCO DOS SANTOS, OAB/SP 63.034.

Fonte: INR Publicações. 

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito