1VRP/SP: Registro de Imóveis. Diante da vedação de constituição de hipoteca em segundo grau sobre o imóvel (art. 7º, III, Resolução Bacen n. 4.676/2018), de rigor o cancelamento da hipoteca anteriormente registrada antes.


  
 

Processo 1139554-55.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A. – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registral. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: LUIZ HENRIQUE CABANELLOS SCHUH (OAB 18673/RS)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA –

Processo Digital nº: 1139554-55.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 13º Registro de Imóveis

Suscitado: Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A.

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 13º Registro de Imóveis da Capital a requerimento do Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A, tendo em vista negativa em se proceder à averbação de aditamento a contrato particular de venda e compra, financiamento com hipoteca, fiança e outros pactos, firmado em 21 de setembro de 2022, o qual foi registrado na matrícula n. 51.858 daquela serventia.

O Oficial informa que, conforme nota devolutiva (prenotação n. 370.243 – fls. 25/27), a recusa foi motivada pela ausência de previsão legal para ingresso do título na forma de aditamento, sendo necessário novo instrumento para registro de nova hipoteca, com observância de todos os seus requisitos.

Não se trata, portanto, de hipótese de averbação, notadamente porque, por meio do título, pretende-se aditar a hipoteca original, registrada sob n. 14 na matrícula, adicionando-se o valor de R$14.000.000,00.

O acréscimo no valor da garantia configura, assim, novo negócio jurídico, não se tratando de novação: a dívida original não se extinguiu. Cuida-se de novo valor atrelado à garantia, sendo que o primeiro se destinou ao pagamento dos vendedores, enquanto o segundo destina-se à ampliação e à reforma do imóvel. Neste sentido, a decisão proferida no processo de autos n. 0011994-89.2012.8.26.0362.

Documentos vieram às fls. 03/27.

Em manifestação dirigida ao Oficial e em impugnação, a parte suscitada aduz que, diante da linha de crédito da operação (CICAP-Aquisição de Terreno e Construção Individual da Casa Própria SH), inexiste obrigação legal que imponha a aquisição do terreno e a construção no mesmo momento contratual; que a utilização dos valores para diferentes propósitos é da essência da operação, uma vez que o valor relativo à compra do terreno é pago ao vendedor e os valores da construção são liberados ao financiado, de acordo com a evolução da obra; que a aquisição do terreno e a construção são considerados uma única operação, sendo cada etapa parte do todo (artigo 9º da Lei n. 4.380/64); que o aditamento é instrumento contratual apto a proceder às alterações no título, notadamente quando os recursos são liberados em momentos distintos, e pode ser objeto de averbação (artigo 167, II, item 15, da Lei n. 6.015/73); que não há novação nem nova operação, de modo que o registro de um novo contrato acarretaria hipoteca em segundo grau do mesmo imóvel, o que contraria a regulamentação do Bacen (artigo 7º, III, da Resolução n. 4.676/18). Juntou documentos às fls. 33/72.

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 75/77).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, vale ressaltar que, conforme esclarecido pelo Oficial, embora a parte interessada defenda que se trata de averbação, estamos diante de hipótese de registro em sentido estrito.

De fato, o negócio jurídico firmado em 28 de abril de 2022, com constituição de hipoteca sobre o imóvel da matrícula n. 51.858 em virtude de confissão de dívida no valor de R$13.500.000,00, já foi registrado (R.14 – fls. 22/23 e 36/48), sendo que não há como se concluir que a aquisição do terreno e a construção integram uma única operação, conforme previsto no artigo 9º da Lei n. 4.380/64, aplicável exclusivamente ao Sistema Financeiro da

Habitação, já que o bem foi avaliado em R$15.200.000,00 (fl. 38), o que supera o limite de enquadramento da operação pelo Sistema Financeiro da Habitação (R$1.500.000,00 – artigo 13, I, da Resolução Bacen n. 4.676/2018).

O novo título, portanto, não pode ingressar no fólio real com fundamento no artigo 167, inciso II, item 15, da Lei de Registros Públicos, que cuida “da re-ratificação do contrato de mútuo com pacto adjeto de hipoteca em favor de entidade integrante do Sistema Financeiro da Habitação, ainda que importando elevação da dívida, desde que mantidas as mesmas partes e que inexista outra hipoteca registrada em favor de terceiros”.

Verifica-se, ademais, que, por meio do novo negócio, aditamento firmado em 21 de setembro de 2022, houve aumento do valor da garantia hipotecária, com acréscimo do montante de R$14.000.000,00 ao saldo devedor consolidado no valor de R$13.449.325,18, além de alteração na forma e nos prazos para pagamento (fls. 08/15).

Inequívoco, portanto, que o novo contrato altera elementos essenciais da garantia anteriormente constituída, o que evidencia verdadeira novação. Neste sentido, este juízo decidiu no processo de autos n. 1060253-93.2021.8.26.0100.

A identificação do crédito, com especificação da coisa dada em garantia e dos demais elementos da negociação, é requisito formal da validade dos direitos reais de garantia (princípio da especialização).

Tal princípio decorre da necessidade de segurança jurídica e garante conhecimento adequado dos fatos a terceiros. É por isso que não se pode admitir alteração sem a devida observância aos limites legais que norteiam a atividade registral.

Fácil concluir, portanto, que a apresentação de novo título é necessária, com retrato adequado do negócio ou negócios celebrados, o qual, então, será passível de registro em sentido estrito.

Nesse sentido, a jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de aditamento e ratificação de hipoteca – Aumento do crédito garantido – Contratação de nova hipoteca – Especialização – Requisito de validade do direito real de garantia – Ato sujeito a registro em sentido estrito – Situação não se amolda às hipóteses excepcionais submetidas à averbação – Emolumentos – Redução descabida – Dúvida procedente – Recurso provido” (CSM – Apelação Cível n. 0011994-89.2012.8.26.0362 – Des. José Renato Nalini; j. 23.08.2013).

Em referido acórdão, esclarece-se que:

“A especialidade atende à necessidade de segurança do sistema de crédito e, por isso, constitui-se em requisito formal de validade dos direitos reais de garantia. Sem as formalidades legais, os contratos de penhor, hipoteca e anticrese, válidos como acordo de vontade entre partes, não configuram direitos reais e, portanto, consideram-se, como tais, ineficazes. Nessa perspectiva, os procedimentos formais afiguramse, a um só tempo, requisito essencial de validade (dos direitos reais) e de eficácia perante terceiros (dos acordos de vontade subjacentes). Por isso, a dúvida, nada obstante a r. sentença proferida pelo i. MM Juiz Corregedor Permanente, é procedente: com efeito, o título apresentado é passível de registro em sentido estrito, não de averbação. Excepcionadas as situações tratadas no artigo 167, II, 15, da Lei n.º6.015/1973, e nos artigos 58, do Decreto-Lei n.º 167/67, e 50, do Decreto-Lei n.º 413/69 que servem para confirmar a regra , o título versando sobre ratificação de hipoteca é suscetível de registro, se pactuada a elevação do crédito garantido: a novação, in concreto, com constituição de nova hipoteca, é manifesta”.

Por esse mesmo ângulo, mas tratando especificamente da garantia fiduciária, nega-se a averbação de aditamento contratual com alterações substanciais (CGJSP, Processo n. 31.763/2015, Des. Hamilton Elliot Akel, j. 30/03/2015; CGJSP, Processo n. 146.225/2013, Des. José Renato Nalini, j. 03.12.2013; CGJSP, Processo n. 151.796/2013, Des. Elliot Akel, j. 21.01.2014).

Note-se que, diante da vedação de constituição de hipoteca em segundo grau sobre o imóvel (art. 7º, III, Resolução Bacen n. 4.676/2018), de rigor o cancelamento da hipoteca anteriormente registrada antes do registro da garantia referente ao novo negócio jurídico pactuado.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registral.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 19 de janeiro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 23.01.2023 – SP)

Fonte: DJe – SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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