1VRP/SP: Registro de Imóveis. Não é possível averbar uma locação para assegurar ao locador direito de preferência que incidirá apenas sobre uma parte do imóvel descrito na matrícula.


  
 

Para isso, é necessário efetivo desmembramento da parcela alugada sobre a qual incidirá o direito de preferência do locador.

Processo 1068623-90.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Dw Centro Automotivo Ltda – Diante do exposto, RECONHEÇO COMO PREJUDICADA A DÚVIDA, observando que os óbices subsistem. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: PÉRSIO THOMAZ FERREIRA ROSA (OAB 183463/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1068623-90.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital – Sp

Suscitado: Dw Centro Automotivo Ltda

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de DW Centro Automotivo Ltda diante da negativa de registro e averbação de contrato de locação e respectivo termo aditivo nas matrículas n.208.623 e n.206.779 daquela serventia (prenotação n.805.076).

O Oficial informa que a qualificação restou negativa, pelo que exigiu retificação do contrato para fazer constar cláusula de vigência, regularização do desdobro do terreno e das respectivas construções que não constam nas matrículas, bem como comprovação de representação das partes, notadamente porque os imóveis constantes do negócio pertencem apenas à matrícula n.208.623; que, conforme R.4/M.206.779, esse imóvel foi vendido pela locadora antes da celebração do contrato, de modo que o registro violaria os princípios da disponibilidade e da continuidade; que a matrícula n.208.623 descreve um amplo terreno sem edificação, sendo necessária conformidade entre a situação registral e a descrição do imóvel alugado; que a parte deixou de contestar as exigências pela retificação do contrato para inclusão da cláusula de vigência e pela comprovação da representação das pessoas jurídicas contratantes.

Documentos vieram às fls.10/85.

Ao requerer a suscitação da dúvida, a parte narrou a evolução da relação contratual, destacando que a cláusula 13.7 traz apontamento sobre o direito de preferência; que pretende o registro para assegurar publicidade, o direito de ser mantida no imóvel em caso de alienação e o direito de preferência, dentre outros previstos em lei; que houve aditamento ao contrato para atendimento de exigências apontadas anteriormente pelo Oficial, com expressa e detalhada identificação dos imóveis locados; que não há necessidade de regularização de desdobro e construções pois os imóveis têm um único dono; que as exigências pela retificação do contrato e pela comprovação da representação dos contratantes serão oportunamente solucionadas (fls.51/56). Nestes autos, porém, não foi apresentada impugnação (fls.86/88).

O Ministério Público se manifestou pela prejudicialidade da dúvida ante a ausência de impugnação a todos os óbices e, no mérito, pela procedência (fls. 92/94).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o qu não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Em segundo lugar, verifica-se que não há insurgência da parte suscitada contra todas as exigências formuladas pelo Oficial, notadamente porque ela concorda com a apresentação futura de aditivo contratual e de documentação pertinente (item 9, fl.54), de modo que a dúvida resta prejudicada.

Ainda assim, como estamos na via administrativa, visando evitar novo questionamento futuro, passo à análise do óbice impugnado, o que é possível segundo entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Recusa de ingresso de título – Resignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Correta descrição dos imóveis envolvidos em operações de desdobro e fusão – Princípio da especialidade objetiva – Manutenção das exigências – Exibição de certidões negativas de débitos federais, previdenciários e tributários municipais – Inteligência do item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho – Afastamento das exigências – Exibição de certidões de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais – Exigência que encontra amparo na letra “c” do item 59 do Capítulo XIV das NSCGJ e na Lei nº 7.433/1985 – Manutenção das exigências” (Apelação n.1000786-69.2017.8.26.0539 Relator Des. Pereira Calças).

No mérito, a dúvida seria procedente. Vejamos os motivos.

A parte suscitada requereu o registro de contrato de locação visando assegurar publicidade ao seu direito de ser mantida no imóvel em caso de alienação e o seu direito de preferência (item 6, fl.53).

Para tanto, apresentou o instrumento de contrato, firmado em abril de 2017, entre a Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga, na condição de locadora, e Derek Wilker Silva – EPP, na condição de locatária, tendo como objeto o imóvel situado na avenida Nazaré, n.1010/1026, no bairro Ipiranga, descrito como “salão com área construída de 67,59 m², contendo galpão, loja com salas e banheiros”, com previsão de vigência pelo prazo de sessenta meses (fls.14/23).

Em 23 de julho de 2021, as partes acordaram o encerramento desse contrato inicial, consolidando o saldo devedor existente na época e regulando sua quitação por meio do instrumento de distrato e confissão de dívida copiado às fls.24/27.

No mesmo dia 23 de julho de 2021, as partes firmaram novo contrato de locação comercial, com prazo de vigência de cinco anos, tendo por objeto, desta vez, não só o imóvel situado na avenida Nazaré n.1010/1026, mas também o imóvel de número 1038 daquela avenida, descritos como tendo “áreas construídas de 667,59m² e 418 m², ambos salões contendo galpão, loja com salas e banheiro” (fls.32/42).

Em 17 de agosto de 2021, foi apresentado ao Registro de Imóveis o primeiro contrato de locação, firmado em 2017, sendo devolvido para indicação expressa da averbação pretendida e da matrícula afetada (prenotação n.749.676, fls.72/73).

Em 23 de setembro de 2021, a parte apresentou ambos os contratos (o firmado em 2017 e o firmado em 2021), que foram devolvidos com exigência pela descrição completa do imóvel locado e informação da matrícula afetada (prenotações n.753.540 e n.753.541, fls.68/71).

Assim, visando atendimento das exigências formuladas pelo Registrador, as contratantes firmaram, em 27 de outubro de 2021, aditamento ao contrato de locação, para fazer constar que (fls.43/44):

“(…) os referidos imóveis constituem partes da área maior objeto da Matrícula número 208.623 do 6º Oficial de Registro de Imóveis desta Capital, dela ainda não desmembrados, estando cadastrados na Prefeitura do Município de São Paulo (…) formando conjunto que confronta pela frente com a Avenida Nazaré, do lado direito de quem desta avenida olha com o imóvel nº1000 (contribuinte 040.125.0046-5), do lado esquerdo com o imóvel nº1040 (contribuinte 040.125.0036-8) e, nos fundos, com o imóvel situado à Rua Moreira de Godói nº226 (contribuinte 040.125.0046-5), objeto da matrícula nº206.779 do 6º Registro de Imóveis da Capital, tudo conforme demonstrado na cópia da planta da quadra anexa, que fica fazendo parte integrante do presente”.

Os contratos foram reapresentados ao Registro de Imóveis em 22 de dezembro de 2021 e em 04 de abril de 2023, sendo novamente devolvidos com exigências (prenotações n.762.010, n.762.011 e n.802.209, fls.67 e 74/76).

Devolução esta correta, já que, embora a parte tenha apresentado requerimento expresso pelo registro e pela averbação dos contratos (item 3, fl.12), o artigo 167, inciso I, 3, da LRP, dispõe que o registro em sentido estrito dos contratos de locação de prédios é reservado para as hipóteses nas quais “tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada”, o que não ocorre na espécie.

Como bem esclarecido pelo Oficial nas razões iniciais, o artigo 8º da Lei n.8.245/91 e o artigo 576 do Código Civil deixam claro que a aplicação da cláusula de vigência é opcional, devendo ser expressamente prevista nos contratos (fl.07).

A cláusula 13.7 dos contratos apontada pela parte suscitada (item 3 de fl.52) não trata da vigência no caso de alienação, mas somente faz menção ao texto legal do artigo 32 da Lei n.8.245/91, o qual estabelece limites ao exercício do direito de preferência na aquisição dos imóveis locados (fls.22 e 41), hipótese em que se admite apenas a averbação do contrato, conforme previsto no artigo 167, II, 16, da LRP.

Porém, no caso concreto, sequer a averbação dos contratos é possível.

Em relação à matrícula n.206.779, constata-se que a parte suscitada se equivocou, pois referida matrícula diz respeito a imóvel distinto, com frente para a rua Moreira de Godói, o qual sequer pertence à Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga.

Conforme se constata no Registro n.4 da matrícula n.206.779, referido imóvel foi vendido para Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI por escritura lavrada em maio de 2014 (fls.79/80), de modo que o contrato de locação não pode ser averbado nessa matrícula: a contratante locadora não tem disponibilidade sobre referido bem, o que também viola a continuidade registral (artigo 195 da LRP).

Já em relação à matrícula n.208.623, a averbação não é possível devido à divergência entre as descrições feitas na matrícula e no contrato.

Verifica-se que a matrícula n.208.623 descreve um terreno de formato irregular, formando um polígono complexo com 29.022,68 metros quadrados de área, sem referência à qualquer edificação (fls.81/82).

Por outro lado, em que pese o aditamento do contrato para uma descrição mais acurada dos prédios alugados (fls.43/44), a locação se restringe a uma área construída de 1.085,59 m² (667.59 m² + 418 m²), cuja localização na área delimitada na matrícula não é precisa.

Assim, não é possível averbar uma locação para assegurar ao locador direito de preferência que incidirá apenas sobre uma parte do imóvel descrito na matrícula.

Para isso, é necessário efetivo desmembramento da parcela alugada sobre a qual incidirá o direito de preferência do locador.

Note-se que não é possível a alienação de parcela específica de imóvel sem regular desmembramento, sob pena de violação às normas urbanísticas por via oblíqua.

Nesse sentido, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, no seu Capítulo XX, dispõem que:

“166. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis”.

Assim, na hipótese de alienação do imóvel pela proprietária locadora, o locatário não poderá exercer direito de preferência apenas sobre a parcela alugada se ela não estiver desmembrada, com matrícula própria.

Diante do exposto, RECONHEÇO COMO PREJUDICADA A DÚVIDA, observando que os óbices subsistem.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 14 de julho de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 18.07.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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