CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Instrumento particular de promessa de venda e compra – Pretensão a registro quando já inscrita alienação fiduciária em favor do banco BVA S/A – Óbice existente ao tempo da prenotação – Irrelevância, no caso, da data da celebração dos negócios jurídicos – Prior in tempore, potior in iure – Incidência do princípio da continuidade registrária – Necessidade de cancelamento da alienação fiduciária para o registro do título – Despicienda a discussão sobre óbice existente em caso de virtual cancelamento da alienação fiduciária – Arrematação posterior do imóvel em ação judicial e pretensão do arrematante de obter a condenação do requerente às penas de litigância de má-fé são questões extrarregistrárias – Óbice mantido – Sentença reformada para julgar procedente a dúvida – Apelação a que se nega provimento.

Apelação Cível nº 1010610-46.2022.8.26.0161

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1010610-46.2022.8.26.0161

Comarca: DIADEMA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1010610-46.2022.8.26.0161

Registro: 2023.0000575205

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010610-46.2022.8.26.0161, da Comarca de Diadema, em que é apelante ANDERSON GOMES CAVALCANTE, é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE DIADEMA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de junho de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010610-46.2022.8.26.0161

APELANTE: Anderson Gomes Cavalcante

APELADA: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Diadema

INTERESSADO: Projeto Imobiliário Liv Diadema Spe Ltda.

VOTO Nº 39.037

Registro de imóveis – Dúvida – Instrumento particular de promessa de venda e compra – Pretensão a registro quando já inscrita alienação fiduciária em favor do banco BVA S/A – Óbice existente ao tempo da prenotação – Irrelevância, no caso, da data da celebração dos negócios jurídicos – Prior in tempore, potior in iure – Incidência do princípio da continuidade registrária – Necessidade de cancelamento da alienação fiduciária para o registro do título – Despicienda a discussão sobre óbice existente em caso de virtual cancelamento da alienação fiduciária – Arrematação posterior do imóvel em ação judicial e pretensão do arrematante de obter a condenação do requerente às penas de litigância de má-fé são questões extrarregistrárias – Óbice mantido – Sentença reformada para julgar procedente a dúvida – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de apelação (fls. 328/340) interposta por Anderson Gomes Cavalcante contra a r. sentença (fls. 320/321) proferida pela MMª . Juíza Corregedora Permanente da Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Diadema, que julgou extinto o processo de dúvida, por carência da ação, na modalidade falta de interesse de agir (desnecessidade de provimento jurisdicional). Segundo a sentença, não há mais interesse jurídico no registro do instrumento de promessa de venda e compra de unidade futura diante da arrematação judicial do imóvel onde foi erigido parcialmente o empreendimento imobiliário por “Projeto Imobiliário LIV Diadema Spe Ltda.”, em processo em trâmite na 30ª Vara Cível da Comarca da Capital.

Em seu recurso, o apelante insiste na efetivação do registro do instrumento particular de promessa de venda e compra de imóvel em construção firmado com Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda, em 30/04/2014, referente ao imóvel que corresponderá à unidade residencial nº 13 e 01 (uma) vaga de garagem, localizadas no Bloco “A”, integrantes do condomínio Residencial Punto Diadema, objeto da matrícula 49.355 do Registro de Imóveis de Diadema.

Alega que o instrumento particular de promessa de venda e compra em referência foi firmado depois da alienação fiduciária do imóvel celebrada entre a Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda. e o Banco BVA S/A, com a qual não anuiu, daí porque deve ser considerada a situação de fato vigente à época em que formalizado o contrato, efetivando-se o seu registro. Acrescenta que a existência da alienação não é óbice ao registro do contrato que celebrou porque o crédito já foi totalmente quitado, restando apenas a obrigação da construtora e do credor fiduciário de outorgar a escritura de compra e venda do imóvel. Imputa a mesma obrigação, ainda, ao arrematante do imóvel. Defende que a arrematação só se referiu aos direitos creditórios, e não ao imóvel, de modo a persistir seu interesse de agir porque se o registro do contrato for deferido, seu direito estará resguardado e o arrematante terá apenas a obrigação de outorgar a escritura. Diz também que a exigência de apresentação da Certidão Conjunta Negativa de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União, emitida pela Receita Federal do Brasil, é indevida, conforme jurisprudência que menciona.

Por tudo isso, o apelante requer a reforma da sentença, para que se lhe defira o registro, como rogara.

A arrematante ofertou contrarrazões (fls. 343/366), na condição de terceira interessada, afirmando que o recurso infringiu o princípio da dialeticidade recursal, pelo que não deve ser conhecido. No mérito, aduziu que a alienação fiduciária de imóvel em garantia transfere a propriedade resolúvel do imóvel do proprietário originário para o credor fiduciário, nos termos do artigo 22 da Lei nº 9.514/1997, de sorte que antes de averbado o cancelamento da alienação fiduciária de bem imóvel na matrícula correspondente, não é possível a transferência da titularidade do imóvel, nem mesmo dos direitos e deveres do devedor fiduciante, sem expressa anuência do credor fiduciário, nos termos do artigo 29 da lei mencionada e item 232 do Capítulo XX, do Tomo II, das NSCGJ do TJSP. Disse ser irrelevante, para o exame de questões afetas a registros públicos, a anuência do compromissário comprador para a constituição da alienação fiduciária, mas, de todo modo, sustentou que houve a concordância no instrumento particular de promessa de venda e compra, em várias cláusulas que destacou. Invocou o princípio do “prior tempore, potior in iure” para a recusa do registro do referido título porque, ao tempo de sua apresentação, já estava registrada a alienação fiduciária na matrícula do imóvel. Advogou a necessidade da apresentação das certidões negativas previstas na Lei nº 8.212/1991. Refutou a pretensão do recorrente de que seja obrigada a outorgar a escritura definitiva, haja vista que arrematou o imóvel e não os direitos do devedor fiduciante, tendo constado do edital sua desvinculação das promessas de compra e venda relacionadas às unidades do empreendimento. Defendeu também a pertinência da exigência da apresentação de certidões negativas da Receita Federal, invocando legislação de regência. Por fim, pediu a condenação do recorrente à multa por litigância de má-fé decorrente de ato atentatório à dignidade da justiça porque compõe o corpo diretivo da “Associação dos Adquirentes do Condomínio Residencial Punto Diadema – Punto Diadema” e é presidente da “Comissão de Representantes do Condomínio Residencial Punto Diadema”, tendo sido cientificado do edital de leilão do imóvel nos autos judiciais, e só veio a apresentar o instrumento de promessa de venda e compra a registro às vésperas do término do certame, mas anos depois de sua celebração, para impedir o registro da carta de arrematação.

Aos autos foi juntada cópia da decisão judicial advinda do juízo da 30ª Vara Cível Central, com determinação para o cancelamento da prenotação relativa ao instrumento particular de compra e venda tratado nos autos (fls. 381), ao que a Oficial respondeu existir prorrogação da prenotação, nos termos do artigo 198, inciso VI, da Lei nº 6.015/1973, com recurso pendente em dúvida suscitada (fls. 399).

A arrematante noticiou pedido de habilitação de crédito deduzido pelo recorrente, postulando a extinção do recurso por perda superveniente do objeto (fls. 412/413 e documentos a fls. 414/420).

A douta Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fls. 428/431).

É o relatório.

Em que pese às razões do apelante, a dúvida é procedente, e a sentença está a merecer reparo porque extinguiu o processo de dúvida por falta de interesse de agir, considerando a desnecessidade de procedimento judicial, quando, na verdade, pende o interesse na solução do óbice que impediu o registro do título, como adiante se verá.

O recurso de apelação está em termos para conhecimento porque ataca suficientemente a fundamentação da sentença no que se referiu à extinção do processo pela falta de interesse de agir, como se constata pelo relatório antes exarado.

O interessado apresentou em 13/05/2022 e reapresentou em 01/08/2022, para registro na matrícula nº 49.355 da Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Diadema, o instrumento particular de promessa de venda e compra de imóvel em construção, correspondente à unidade residencial nº 13 e 01 (uma) vaga de garagem, localizadas no bloco “A”, integrantes do condomínio Residencial Punto Diadema, firmado com a então proprietária, Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda., na data de 30/04/2014.

O título foi desqualificado e a nota devolutiva emitida nos seguintes termos (fls. 01/02):

“Reiterando exigências feitas anteriormente em 27.05.2022 e 05.07.2022, conforme protocolo nº 183.790:

I – Tendo em vista que, conforme R.05/49.355 deste Registro, o imóvel encontra-se alienado fiduciariamente ao BANCO BVA S/A, portanto sob a propriedade resolúvel deste, NÃO É POSSÍVEL O REGISTRO DO PRESENTE TÍTULO da maneira como está formalizado.

Ademais, o presente título somente teria ingresso no Registro Imobiliário com o cancelamento da referida alienação fiduciária, consolidando assim, a propriedade plena do imóvel na pessoa da devedora fiduciante AMPLOSETE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS EIRELI.

II – Caso seja providenciado o cancelamento da alienação fiduciária objeto do R.05/49.355 deste Registro, e para que seja possível o registro do presente título, deverão ser cumpridas as seguintes exigências:

01. Apresentar Certidão Negativa de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União, emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em nome de AMPLOSETE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS EIRELI, conforme determina a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, regulamentada pelo Decreto nº 3.048/99, de 06 de maio de 1999.

02. Apresentar, original ou cópia autenticada, da certidão de nascimento do compromissário comprador CARLOS ALBERTO DA SILVA, para verificação de seu estado civil e filiação.

OBSERVAÇÕES:

01. As Certidões Negativas de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União e de Tributos Municipais Imobiliários apresentadas nesta oportunidade tiveram sua validade expirada em 2011.

02. Caso o ato pretendido seja o da cessão dos direitos do devedor fiduciante (cessão de posição), nos termos do art. 29, da Lei nº 9.514/97, abaixo transcrito, hipótese em que o cessionário (adquirente dos direitos) assume todas as obrigações decorrentes do contrato de financiamento que deu origem à alienação fiduciária objeto do R.05/49.355 deste Registro, substituindo o cedente na relação jurídica com o credor (BANCO BVA S/A), tornando-se, portanto, titular do direito real de aquisição da fração ideal do imóvel e devedor na relação decorrente do financiamento, além das exigências mencionadas nos itens 01 e 02 desta Nota de Devolução, o título deverá ser retificado para formalizar perfeitamente a referida cessão dos direitos, bem como para dele constar expressamente a anuência do credor fiduciário BANCO BVA S/A, providenciando o reconhecimento da firma de seu representante legal, juntando prova da respectiva representação.

“Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações”.

Analisados detidamente os autos, conclui-se que o instrumento de promessa de venda e compra não estava apto a registro.

A matrícula nº 49.355 indica como registros anteriores os R.05/48.096 e R.05/48.097, ambos de 26.10.2010, do Oficial de Registro de Imóveis de Diadema, figurando como proprietária Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Da matrícula do imóvel (fls. 449/483), constata-se existirem o registro da incorporação imobiliária do empreendimento residencial denominado “Condomínio Residencial Punto Diadema” (R.01, em 11/05/2011); a submissão do imóvel ao regime de afetação de que trata o disposto no artigo 31-A, da Lei nº 4.591, de 16/12/1964 (Av.02, em 11/05/2011); a alienação fiduciária firmada com o Banco BVA S/A (R.05, em 09/11/2011); a penhora dos direitos da devedora fiduciante em ação judicial movida pela Massa Falida do Banco BVA S/A (Av.09, em 14/07/2016), além de outras penhoras, de cancelamentos de constrições e de alterações da denominação da primitiva proprietária, passando, finalmente, a Amplosete Empreendimentos Imobiliários Eireli.

Vê-se, portanto, que a proprietária do imóvel não era mais a Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda., atualmente denominada Amplosete Empreendimentos Imobiliários Eireli, haja vista a alienação fiduciária registrada na matrícula em favor do Banco BVA S/A (R.05).

Nesse sentido é que a nota de devolução apresentou o óbice para ingresso do instrumento particular de promessa de venda e compra no Registro Imobiliário. Como o imóvel não pertence mais à vendedora, porquanto o alienara fiduciariamente ao Banco BVA S/A, apenas com o cancelamento da mencionada alienação fiduciária é que seria possível efetivar o registro do título apresentado.

Trata-se de observar o princípio da prioridade registral (Código Civil, artigo 1.246; Lei nº 6.015/1973, artigos 182, 183 e 186), evitando “conflitos de títulos contraditórios, que são aqueles incompatíveis entre si ou reciprocamente excludentes, referentes ao mesmo imóvel” (Apelação Cível nº 1037783-85.2019.8.26.0602, Conselho Superior da Magistratura do TJSP, Relator Corregedor Geral de Justiça, DES. RICARDO ANAFE, data do julgamento: 05/07/2020).

Nas palavras de Afrânio de Carvalho:

“O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois”. (Registro de Imóveis, 4a ed., Editora Forense, 1997, p. 181).

Os títulos apresentados a registro serão, então, qualificados conforme a data de apresentação, e sofrerão os efeitos de quaisquer outros fatos impeditivos que houverem, antes, acedido conhecimento do Oficial de Registro de Imóveis e dados ao Protocolo: prior in tempore, potior in iure, isto é, prevalece o fato jurídico com precedência, no tempo.

Na espécie, o negócio jurídico de promessa de venda e compra foi celebrado em 30 de abril de 2014, e o instrumento particular correspondente foi apresentado ao registro e prenotado apenas no ano de 2022, quando já havia o registro da alienação fiduciária em favor do Banco BVA S/A, o qual ocorrera em 09 de novembro de 2011 (R.05).

Portanto, os requisitos de inscrição da promessa de venda e compra tinham de ser avaliados segundo a situação jurídica da data de sua apresentação a registro, em 2022. E em 2022 o obstáculo já era existente: com efeito, o imóvel estava alienado fiduciariamente ao Banco BVA S/A, conforme o registro realizado em 09 de novembro de 2011.

As regras prior in tempore, potior in iure e a sua correlata tempus regit actum não ferem a boa-fé, nem prejudicam a igualdade jurídica, pelo contrário: num sistema formal, como é o registro de imóveis, trata-se de exigência fundamental da segurança jurídica, para que se conheça, desde o início do processo de inscrição, quais sejam o direito aplicável e os requisitos normativos para o registro, a averbação ou a matriculação que o interessado rogou.

Portanto, agiu bem a Oficial quando indeferiu o registro da promessa de venda e compra.

Trata-se também de obedecer ao princípio da continuidade registrária ou do trato consecutivo, previsto no artigo 195 da Lei de Registros Públicos:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

Sobre o princípio da continuidade, novamente ensina Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito sse o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente.

Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao  seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Obra citada, pág. 253).

Bem por isso é que a Oficial aduziu que o título somente teria ingresso no Registro Imobiliário com o cancelamento da alienação fiduciária objeto do R.05/49.355.

No mais, caso fosse providenciado o cancelamento da alienação fiduciária, seria necessária a apresentação de certidão negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União e certidão de nascimento do compromissário comprador, como afirmou a Oficial.

Considerando, portanto, que as exigências quanto à apresentação de certidões estavam condicionadas ao cancelamento da alienação fiduciária, o que não ocorreu, é despiciendo aferir a pertinência das exigências nessa oportunidade.

Por oportuno, o pleito de condenação do recorrente às penas por litigância de má-fé não pode ser analisado na seara administrativa, competindo ao terceiro interessado, caso queira, deduzir seu requerimento na via apropriada.

Por fim, resta apenas consignar que a extinção do processo de dúvida dá-se pelo mérito, afastada a extinção pela falta de interesse de agir porque a arrematação havida em ação judicial é questão extrarregistral que, justamente por isso (= porque não contribui em nada para afastar o óbice ao registro pretendido), não pode ser levada em linha de conta. Da mesma forma, a invocação da perda superveniente do interesse de agir sob assertiva de que o recorrente habilitou seu crédito na ação de execução de título extrajudicial em que se deu a arrematação é questão extrarregistral e não comporta consideração no âmbito restrito do processo de dúvida.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo e julgo procedente a dúvida.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 19.07.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


1VRP/SP: Registro de Imóveis. Para ingresso do negócio em análise nas matrículas, imprescindível que sejam apresentados ao Oficial, prévia ou concomitantemente, os documentos elencados nos incisos do artigo 32 da Lei de Incorporações Imobiliárias, com vistas ao registro da incorporação imobiliária.

Processo 1078412-16.2023.8.26.0100.

Dúvida – Registro de Imóveis – Adalberto Santi – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, mantendo os óbices. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: EVERTON ALEXANDRE SANTI (OAB 200181/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1078412-16.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 16º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Adalberto Santi

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Adalberto Santi diante da negativa de registro de instrumento particular de compromisso de permuta de unidades imobiliárias autônomas para entrega futura, envolvendo as matrículas n.14.941 e n.185.363 daquela serventia (prenotação n. 626.937).

O Oficial informa que, inicialmente, exigiu formalização por instrumento público, nos termos do artigo 108 do Código Civil, tendo em vista o valor do negócio (maior que trinta salários mínimos vigentes), o que não vê mais como necessário; que, ao qualificar o título, constatou que os contratantes identificados como “segundos permutantes” não são proprietários do imóvel no qual será erigida a edificação cujas unidades foram negociadas; que é preciso ingresso preliminar ou concomitante das incorporações imobiliárias relativas a ambos os empreendimentos, sobretudo porque não há registro nas matrículas das frações ideais correspondentes às futuras unidades autônomas que serão permutadas; que as futuras unidades somente podem ser objeto de negócio após o registro da incorporação.

Documentos vieram às fls. 04/28.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls.29/31, defendendo a viabilidade do registro da promessa de permuta instrumentalizada por contrato particular, independentemente de seu valor; que a proprietária das unidades oferecidas pelos segundos permutantes é pessoa jurídica que também pertence ao representante legal da primeira permutante, pelo que suficiente sua anuência ao negócio; que a ausência de registro da incorporação não pode ser óbice ao ingresso do título, pois o artigo 35, §4º, da Lei n.4.591/64, prevê tal possibilidade.

Juntou documentos às fls.32/61.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 65/66).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/94), o que não se traduz como falha funcional.

Também vale anotar que, diante da reconsideração expressa da exigência relativa à formalização do negócio por instrumento público, somente os demais itens da nota de devolução de fls.08/09 serão analisados.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

O caso concreto envolve registro de instrumento particular de compromisso de permuta entre unidades imobiliárias autônomas para entrega futura, firmado em junho de 2021 (fls.10/20).

Nesse contrato, a parte suscitada, identificada como “segundos permutantes”, prometeu entregar à empresa JRK Construções e Empreendimentos SPE LTDA (identificada como “primeiro permutante”) as futuras unidades 15 e 23 do Conjunto Residencial Mansion Rose, empreendimento projetado para ser realizado no imóvel da matrícula n.14.941 do 16ºRI da Capital, com previsão para conclusão até fevereiro de 2022.

Em contrapartida, o “primeiro permutante” prometeu entregar a futura unidade 21 do empreendimento Concept Vila Matilde, projetado para ser realizado no imóvel da matrícula n.185.363 do 16ºRI da Capital, com previsão para conclusão até maio de 2023.

A diferença de preço seria paga mediante torna em dinheiro.

Contudo, não há registro de tais incorporações nas matrículas n.14.941 e n.185.363 (fls.21/28)

Tratando-se de permuta entre unidades autônomas de empreendimentos futuros, o negócio deve ser analisado sob as regras da incorporação imobiliária previstas na Lei n. 4.591/64.

Com efeito, no Direito Registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais: o Registrador, quando da qualificação, perfaz exame de seus elementos extrínsecos à luz dos princípios e normas do sistema jurídico em vigor (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

O artigo 32 da Lei de Incorporações, por sua vez, veda a alienação ou oneração de futuras unidades autônomas antes do arquivamento, perante o Registro de Imóveis competente, dos documentos destinados ao registro da incorporação imobiliária:

“O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos…”.

Desta forma, para ingresso do negócio em análise nas matrículas, imprescindível que sejam apresentados ao Oficial, prévia ou concomitantemente, os documentos elencados nos incisos do artigo 32 da Lei de Incorporações Imobiliárias, com vistas ao registro da incorporação imobiliária.

Note-se que é o registro do memorial de incorporação que confere existência jurídica às futuras unidades autônomas, vinculando as frações do terreno, conforme dispõe o parágrafo 1º-A, do artigo 32, da Lei n.4.591/64:

“§ 1º-A O registro do memorial de incorporação sujeita as frações do terreno e as respectivas acessões a regime condominial especial, investe o incorporador e os futuros adquirentes na faculdade de sua livre disposição ou oneração e independe de anuência dos demais condôminos”.

A parte suscitada entende que o artigo 35, §4º, da lei, prevê a possibilidade de averbação da avença, nos seguintes termos:

“Art. 35. O incorporador terá o prazo máximo de 45 dias, a contar do termo final do prazo de carência, se houver, para promover a celebração do competente contrato relativo à fração ideal de terreno, e, bem assim, do contrato de construção e da Convenção do condomínio, de acôrdo com discriminação constante da alínea “i”, do art. 32.

§ 4º Descumprida pelo incorporador e pelo mandante de que trata o § 1º do art. 31 a obrigação da outorga dos contratos referidos no caput deste artigo, nos prazos ora fixados, a carta-proposta ou o documento de ajuste preliminar poderão ser averbados no Registro de Imóveis, averbação que conferirá direito real oponível a terceiros, com o consequente direito à obtenção compulsória do contrato correspondente”.

Contudo, esse dispositivo se refere a eventuais ajustes preliminares relativos à fração ideal de terreno vinculada a cada unidade futura.

A lei exige que tais ajustes tragam o número do registro da incorporação, bem como menção ao prazo de carência (artigo 32, §3º, e artigo 33, §3º)

Note-se que o caput do artigo 35 determina que tais ajustes estejam “de acordo com a discriminação constante da alínea ‘i’, do art.32”, ou seja, em conformidade com o “instrumento de divisão do terreno em frações ideais autônomas que contenham a sua discriminação e a descrição, a caracterização e a destinação das futuras unidades e partes comuns que a elas acederão”.

É essa correspondência que determinará a extensão do direito real que será conferido ao adquirente com a averbação do contrato preliminar, de modo que o registro da incorporação especificando a divisão do terreno em frações ideais autônomas e a caracterizando as futuras unidades é pressuposto lógico para averbação de qualquer contrato.

Em outros termos, o acesso ao fólio real de título envolvendo unidade autônoma futura depende essencialmente do registro do memorial de incorporação, sob pena de violação dos princípios da continuidade e da especialidade objetiva.

A jurisprudência também é clara neste sentido:

“Registro de imóveis. Contrato de permuta não caracterizado em razão de uma das prestações encerrar entrega de dinheiro. Não cabimento de qualquer registro relativo à unidade autônoma a falta do registro da incorporação imobiliária com respectivo memorial. Não descrição no título a quais unidades autônomas estão sendo objeto de transmissão. Violação do Princípio da Especialidade Objetiva. Impossibilidade de registro mantida. Recurso não provido” (CSM – Apelação n. 1012344-60.2018.8.26.0100 – Rel. Corregedor Geral da Justiça Des. Pinheiro Franco – j. 15.12.2018).

Não bastasse isso, vê-se que o registro da permuta na matrícula n.14.941 fica prejudicado pela violação ao princípio da continuidade, uma vez que a proprietário tabular, J. Kawaguti Construção Eireli, não participou do negócio (R.5/14.941, fls.22/23).

Ainda que a parte suscitada tenha adquirido da proprietária tabular as futuras unidades permutadas por meio de instrumentos particulares de promessa de compra e venda (fls.35/50), essa transmissão não foi lançada na matrícula.

O artigo 231 da Lei de Registros Públicos determina que, no preenchimento dos livros, sejam lançados “por ordem cronológica e em forma narrativa, os registros e averbações dos atos pertinentes ao imóvel matriculado”.

Garante-se, assim, concretude ao princípio da continuidade registral.

O artigo 237 do mesmo diploma também estipula que “não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.

Portanto, não basta mera presunção de anuência da pessoa jurídica que detém o domínio pela participação de seu representante legal em transação envolvendo terceiros. É necessária a inscrição formal do título transmitindo os mesmos direitos ao permutante, com o recolhimento dos respectivos tributos.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, mantendo os óbices.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de julho de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 19.07.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.


1VRP/SP: Registro de Imóveis. Não é possível averbar uma locação para assegurar ao locador direito de preferência que incidirá apenas sobre uma parte do imóvel descrito na matrícula.

Para isso, é necessário efetivo desmembramento da parcela alugada sobre a qual incidirá o direito de preferência do locador.

Processo 1068623-90.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Dw Centro Automotivo Ltda – Diante do exposto, RECONHEÇO COMO PREJUDICADA A DÚVIDA, observando que os óbices subsistem. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: PÉRSIO THOMAZ FERREIRA ROSA (OAB 183463/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1068623-90.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital – Sp

Suscitado: Dw Centro Automotivo Ltda

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de DW Centro Automotivo Ltda diante da negativa de registro e averbação de contrato de locação e respectivo termo aditivo nas matrículas n.208.623 e n.206.779 daquela serventia (prenotação n.805.076).

O Oficial informa que a qualificação restou negativa, pelo que exigiu retificação do contrato para fazer constar cláusula de vigência, regularização do desdobro do terreno e das respectivas construções que não constam nas matrículas, bem como comprovação de representação das partes, notadamente porque os imóveis constantes do negócio pertencem apenas à matrícula n.208.623; que, conforme R.4/M.206.779, esse imóvel foi vendido pela locadora antes da celebração do contrato, de modo que o registro violaria os princípios da disponibilidade e da continuidade; que a matrícula n.208.623 descreve um amplo terreno sem edificação, sendo necessária conformidade entre a situação registral e a descrição do imóvel alugado; que a parte deixou de contestar as exigências pela retificação do contrato para inclusão da cláusula de vigência e pela comprovação da representação das pessoas jurídicas contratantes.

Documentos vieram às fls.10/85.

Ao requerer a suscitação da dúvida, a parte narrou a evolução da relação contratual, destacando que a cláusula 13.7 traz apontamento sobre o direito de preferência; que pretende o registro para assegurar publicidade, o direito de ser mantida no imóvel em caso de alienação e o direito de preferência, dentre outros previstos em lei; que houve aditamento ao contrato para atendimento de exigências apontadas anteriormente pelo Oficial, com expressa e detalhada identificação dos imóveis locados; que não há necessidade de regularização de desdobro e construções pois os imóveis têm um único dono; que as exigências pela retificação do contrato e pela comprovação da representação dos contratantes serão oportunamente solucionadas (fls.51/56). Nestes autos, porém, não foi apresentada impugnação (fls.86/88).

O Ministério Público se manifestou pela prejudicialidade da dúvida ante a ausência de impugnação a todos os óbices e, no mérito, pela procedência (fls. 92/94).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o qu não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Em segundo lugar, verifica-se que não há insurgência da parte suscitada contra todas as exigências formuladas pelo Oficial, notadamente porque ela concorda com a apresentação futura de aditivo contratual e de documentação pertinente (item 9, fl.54), de modo que a dúvida resta prejudicada.

Ainda assim, como estamos na via administrativa, visando evitar novo questionamento futuro, passo à análise do óbice impugnado, o que é possível segundo entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Recusa de ingresso de título – Resignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação – Correta descrição dos imóveis envolvidos em operações de desdobro e fusão – Princípio da especialidade objetiva – Manutenção das exigências – Exibição de certidões negativas de débitos federais, previdenciários e tributários municipais – Inteligência do item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ – Precedentes deste Conselho – Afastamento das exigências – Exibição de certidões de ações reais, pessoais reipersecutórias e de ônus reais – Exigência que encontra amparo na letra “c” do item 59 do Capítulo XIV das NSCGJ e na Lei nº 7.433/1985 – Manutenção das exigências” (Apelação n.1000786-69.2017.8.26.0539 Relator Des. Pereira Calças).

No mérito, a dúvida seria procedente. Vejamos os motivos.

A parte suscitada requereu o registro de contrato de locação visando assegurar publicidade ao seu direito de ser mantida no imóvel em caso de alienação e o seu direito de preferência (item 6, fl.53).

Para tanto, apresentou o instrumento de contrato, firmado em abril de 2017, entre a Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga, na condição de locadora, e Derek Wilker Silva – EPP, na condição de locatária, tendo como objeto o imóvel situado na avenida Nazaré, n.1010/1026, no bairro Ipiranga, descrito como “salão com área construída de 67,59 m², contendo galpão, loja com salas e banheiros”, com previsão de vigência pelo prazo de sessenta meses (fls.14/23).

Em 23 de julho de 2021, as partes acordaram o encerramento desse contrato inicial, consolidando o saldo devedor existente na época e regulando sua quitação por meio do instrumento de distrato e confissão de dívida copiado às fls.24/27.

No mesmo dia 23 de julho de 2021, as partes firmaram novo contrato de locação comercial, com prazo de vigência de cinco anos, tendo por objeto, desta vez, não só o imóvel situado na avenida Nazaré n.1010/1026, mas também o imóvel de número 1038 daquela avenida, descritos como tendo “áreas construídas de 667,59m² e 418 m², ambos salões contendo galpão, loja com salas e banheiro” (fls.32/42).

Em 17 de agosto de 2021, foi apresentado ao Registro de Imóveis o primeiro contrato de locação, firmado em 2017, sendo devolvido para indicação expressa da averbação pretendida e da matrícula afetada (prenotação n.749.676, fls.72/73).

Em 23 de setembro de 2021, a parte apresentou ambos os contratos (o firmado em 2017 e o firmado em 2021), que foram devolvidos com exigência pela descrição completa do imóvel locado e informação da matrícula afetada (prenotações n.753.540 e n.753.541, fls.68/71).

Assim, visando atendimento das exigências formuladas pelo Registrador, as contratantes firmaram, em 27 de outubro de 2021, aditamento ao contrato de locação, para fazer constar que (fls.43/44):

“(…) os referidos imóveis constituem partes da área maior objeto da Matrícula número 208.623 do 6º Oficial de Registro de Imóveis desta Capital, dela ainda não desmembrados, estando cadastrados na Prefeitura do Município de São Paulo (…) formando conjunto que confronta pela frente com a Avenida Nazaré, do lado direito de quem desta avenida olha com o imóvel nº1000 (contribuinte 040.125.0046-5), do lado esquerdo com o imóvel nº1040 (contribuinte 040.125.0036-8) e, nos fundos, com o imóvel situado à Rua Moreira de Godói nº226 (contribuinte 040.125.0046-5), objeto da matrícula nº206.779 do 6º Registro de Imóveis da Capital, tudo conforme demonstrado na cópia da planta da quadra anexa, que fica fazendo parte integrante do presente”.

Os contratos foram reapresentados ao Registro de Imóveis em 22 de dezembro de 2021 e em 04 de abril de 2023, sendo novamente devolvidos com exigências (prenotações n.762.010, n.762.011 e n.802.209, fls.67 e 74/76).

Devolução esta correta, já que, embora a parte tenha apresentado requerimento expresso pelo registro e pela averbação dos contratos (item 3, fl.12), o artigo 167, inciso I, 3, da LRP, dispõe que o registro em sentido estrito dos contratos de locação de prédios é reservado para as hipóteses nas quais “tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada”, o que não ocorre na espécie.

Como bem esclarecido pelo Oficial nas razões iniciais, o artigo 8º da Lei n.8.245/91 e o artigo 576 do Código Civil deixam claro que a aplicação da cláusula de vigência é opcional, devendo ser expressamente prevista nos contratos (fl.07).

A cláusula 13.7 dos contratos apontada pela parte suscitada (item 3 de fl.52) não trata da vigência no caso de alienação, mas somente faz menção ao texto legal do artigo 32 da Lei n.8.245/91, o qual estabelece limites ao exercício do direito de preferência na aquisição dos imóveis locados (fls.22 e 41), hipótese em que se admite apenas a averbação do contrato, conforme previsto no artigo 167, II, 16, da LRP.

Porém, no caso concreto, sequer a averbação dos contratos é possível.

Em relação à matrícula n.206.779, constata-se que a parte suscitada se equivocou, pois referida matrícula diz respeito a imóvel distinto, com frente para a rua Moreira de Godói, o qual sequer pertence à Fundação Nossa Senhora Auxiliadora do Ipiranga.

Conforme se constata no Registro n.4 da matrícula n.206.779, referido imóvel foi vendido para Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI por escritura lavrada em maio de 2014 (fls.79/80), de modo que o contrato de locação não pode ser averbado nessa matrícula: a contratante locadora não tem disponibilidade sobre referido bem, o que também viola a continuidade registral (artigo 195 da LRP).

Já em relação à matrícula n.208.623, a averbação não é possível devido à divergência entre as descrições feitas na matrícula e no contrato.

Verifica-se que a matrícula n.208.623 descreve um terreno de formato irregular, formando um polígono complexo com 29.022,68 metros quadrados de área, sem referência à qualquer edificação (fls.81/82).

Por outro lado, em que pese o aditamento do contrato para uma descrição mais acurada dos prédios alugados (fls.43/44), a locação se restringe a uma área construída de 1.085,59 m² (667.59 m² + 418 m²), cuja localização na área delimitada na matrícula não é precisa.

Assim, não é possível averbar uma locação para assegurar ao locador direito de preferência que incidirá apenas sobre uma parte do imóvel descrito na matrícula.

Para isso, é necessário efetivo desmembramento da parcela alugada sobre a qual incidirá o direito de preferência do locador.

Note-se que não é possível a alienação de parcela específica de imóvel sem regular desmembramento, sob pena de violação às normas urbanísticas por via oblíqua.

Nesse sentido, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, no seu Capítulo XX, dispõem que:

“166. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis”.

Assim, na hipótese de alienação do imóvel pela proprietária locadora, o locatário não poderá exercer direito de preferência apenas sobre a parcela alugada se ela não estiver desmembrada, com matrícula própria.

Diante do exposto, RECONHEÇO COMO PREJUDICADA A DÚVIDA, observando que os óbices subsistem.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 14 de julho de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 18.07.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.