1VRP/SP: Registro de Imóveis. Para ingresso do negócio em análise nas matrículas, imprescindível que sejam apresentados ao Oficial, prévia ou concomitantemente, os documentos elencados nos incisos do artigo 32 da Lei de Incorporações Imobiliárias, com vistas ao registro da incorporação imobiliária.


  
 

Processo 1078412-16.2023.8.26.0100.

Dúvida – Registro de Imóveis – Adalberto Santi – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, mantendo os óbices. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: EVERTON ALEXANDRE SANTI (OAB 200181/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1078412-16.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 16º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Adalberto Santi

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 16º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Adalberto Santi diante da negativa de registro de instrumento particular de compromisso de permuta de unidades imobiliárias autônomas para entrega futura, envolvendo as matrículas n.14.941 e n.185.363 daquela serventia (prenotação n. 626.937).

O Oficial informa que, inicialmente, exigiu formalização por instrumento público, nos termos do artigo 108 do Código Civil, tendo em vista o valor do negócio (maior que trinta salários mínimos vigentes), o que não vê mais como necessário; que, ao qualificar o título, constatou que os contratantes identificados como “segundos permutantes” não são proprietários do imóvel no qual será erigida a edificação cujas unidades foram negociadas; que é preciso ingresso preliminar ou concomitante das incorporações imobiliárias relativas a ambos os empreendimentos, sobretudo porque não há registro nas matrículas das frações ideais correspondentes às futuras unidades autônomas que serão permutadas; que as futuras unidades somente podem ser objeto de negócio após o registro da incorporação.

Documentos vieram às fls. 04/28.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls.29/31, defendendo a viabilidade do registro da promessa de permuta instrumentalizada por contrato particular, independentemente de seu valor; que a proprietária das unidades oferecidas pelos segundos permutantes é pessoa jurídica que também pertence ao representante legal da primeira permutante, pelo que suficiente sua anuência ao negócio; que a ausência de registro da incorporação não pode ser óbice ao ingresso do título, pois o artigo 35, §4º, da Lei n.4.591/64, prevê tal possibilidade.

Juntou documentos às fls.32/61.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 65/66).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/94), o que não se traduz como falha funcional.

Também vale anotar que, diante da reconsideração expressa da exigência relativa à formalização do negócio por instrumento público, somente os demais itens da nota de devolução de fls.08/09 serão analisados.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

O caso concreto envolve registro de instrumento particular de compromisso de permuta entre unidades imobiliárias autônomas para entrega futura, firmado em junho de 2021 (fls.10/20).

Nesse contrato, a parte suscitada, identificada como “segundos permutantes”, prometeu entregar à empresa JRK Construções e Empreendimentos SPE LTDA (identificada como “primeiro permutante”) as futuras unidades 15 e 23 do Conjunto Residencial Mansion Rose, empreendimento projetado para ser realizado no imóvel da matrícula n.14.941 do 16ºRI da Capital, com previsão para conclusão até fevereiro de 2022.

Em contrapartida, o “primeiro permutante” prometeu entregar a futura unidade 21 do empreendimento Concept Vila Matilde, projetado para ser realizado no imóvel da matrícula n.185.363 do 16ºRI da Capital, com previsão para conclusão até maio de 2023.

A diferença de preço seria paga mediante torna em dinheiro.

Contudo, não há registro de tais incorporações nas matrículas n.14.941 e n.185.363 (fls.21/28)

Tratando-se de permuta entre unidades autônomas de empreendimentos futuros, o negócio deve ser analisado sob as regras da incorporação imobiliária previstas na Lei n. 4.591/64.

Com efeito, no Direito Registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais: o Registrador, quando da qualificação, perfaz exame de seus elementos extrínsecos à luz dos princípios e normas do sistema jurídico em vigor (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

O artigo 32 da Lei de Incorporações, por sua vez, veda a alienação ou oneração de futuras unidades autônomas antes do arquivamento, perante o Registro de Imóveis competente, dos documentos destinados ao registro da incorporação imobiliária:

“O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos…”.

Desta forma, para ingresso do negócio em análise nas matrículas, imprescindível que sejam apresentados ao Oficial, prévia ou concomitantemente, os documentos elencados nos incisos do artigo 32 da Lei de Incorporações Imobiliárias, com vistas ao registro da incorporação imobiliária.

Note-se que é o registro do memorial de incorporação que confere existência jurídica às futuras unidades autônomas, vinculando as frações do terreno, conforme dispõe o parágrafo 1º-A, do artigo 32, da Lei n.4.591/64:

“§ 1º-A O registro do memorial de incorporação sujeita as frações do terreno e as respectivas acessões a regime condominial especial, investe o incorporador e os futuros adquirentes na faculdade de sua livre disposição ou oneração e independe de anuência dos demais condôminos”.

A parte suscitada entende que o artigo 35, §4º, da lei, prevê a possibilidade de averbação da avença, nos seguintes termos:

“Art. 35. O incorporador terá o prazo máximo de 45 dias, a contar do termo final do prazo de carência, se houver, para promover a celebração do competente contrato relativo à fração ideal de terreno, e, bem assim, do contrato de construção e da Convenção do condomínio, de acôrdo com discriminação constante da alínea “i”, do art. 32.

§ 4º Descumprida pelo incorporador e pelo mandante de que trata o § 1º do art. 31 a obrigação da outorga dos contratos referidos no caput deste artigo, nos prazos ora fixados, a carta-proposta ou o documento de ajuste preliminar poderão ser averbados no Registro de Imóveis, averbação que conferirá direito real oponível a terceiros, com o consequente direito à obtenção compulsória do contrato correspondente”.

Contudo, esse dispositivo se refere a eventuais ajustes preliminares relativos à fração ideal de terreno vinculada a cada unidade futura.

A lei exige que tais ajustes tragam o número do registro da incorporação, bem como menção ao prazo de carência (artigo 32, §3º, e artigo 33, §3º)

Note-se que o caput do artigo 35 determina que tais ajustes estejam “de acordo com a discriminação constante da alínea ‘i’, do art.32”, ou seja, em conformidade com o “instrumento de divisão do terreno em frações ideais autônomas que contenham a sua discriminação e a descrição, a caracterização e a destinação das futuras unidades e partes comuns que a elas acederão”.

É essa correspondência que determinará a extensão do direito real que será conferido ao adquirente com a averbação do contrato preliminar, de modo que o registro da incorporação especificando a divisão do terreno em frações ideais autônomas e a caracterizando as futuras unidades é pressuposto lógico para averbação de qualquer contrato.

Em outros termos, o acesso ao fólio real de título envolvendo unidade autônoma futura depende essencialmente do registro do memorial de incorporação, sob pena de violação dos princípios da continuidade e da especialidade objetiva.

A jurisprudência também é clara neste sentido:

“Registro de imóveis. Contrato de permuta não caracterizado em razão de uma das prestações encerrar entrega de dinheiro. Não cabimento de qualquer registro relativo à unidade autônoma a falta do registro da incorporação imobiliária com respectivo memorial. Não descrição no título a quais unidades autônomas estão sendo objeto de transmissão. Violação do Princípio da Especialidade Objetiva. Impossibilidade de registro mantida. Recurso não provido” (CSM – Apelação n. 1012344-60.2018.8.26.0100 – Rel. Corregedor Geral da Justiça Des. Pinheiro Franco – j. 15.12.2018).

Não bastasse isso, vê-se que o registro da permuta na matrícula n.14.941 fica prejudicado pela violação ao princípio da continuidade, uma vez que a proprietário tabular, J. Kawaguti Construção Eireli, não participou do negócio (R.5/14.941, fls.22/23).

Ainda que a parte suscitada tenha adquirido da proprietária tabular as futuras unidades permutadas por meio de instrumentos particulares de promessa de compra e venda (fls.35/50), essa transmissão não foi lançada na matrícula.

O artigo 231 da Lei de Registros Públicos determina que, no preenchimento dos livros, sejam lançados “por ordem cronológica e em forma narrativa, os registros e averbações dos atos pertinentes ao imóvel matriculado”.

Garante-se, assim, concretude ao princípio da continuidade registral.

O artigo 237 do mesmo diploma também estipula que “não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.

Portanto, não basta mera presunção de anuência da pessoa jurídica que detém o domínio pela participação de seu representante legal em transação envolvendo terceiros. É necessária a inscrição formal do título transmitindo os mesmos direitos ao permutante, com o recolhimento dos respectivos tributos.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, mantendo os óbices.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de julho de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 19.07.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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