1VRP/SP: Registro de Imóveis. Na “renúncia” traslativa há incidência do ITCMD.


  
 

Processo 1074168-44.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Maria Julia de Campos Ferrari – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JOSIANE TETZNER (OAB 338197/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA –

Processo Digital nº: 1074168-44.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 5º Oficial de Registro de Imóveis

Suscitado: Maria Julia de Campos Ferrari

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Maria Julia de Campos Ferrari após negativa de registro de formal de partilha que envolve o imóvel da matrícula n. 12.325 daquela serventia (prenotação n. 378.154).

O Oficial informa que o formal de partilha em questão foi extraído do processo de inventário dos bens de Geraldo de Campos, que teve curso perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Limeira (autos n. 0012127-63.2012.8.26.0320); que o de cujus era proprietário do apartamento 11 do Edifício Vila Nova, situado na Rua Dr. Vila Nova 250, São Paulo, objeto da matrícula 12.325 (R. 7, de 28/9/1988); que, com o falecimento, o imóvel foi partilhado aos herdeiros e legatário do proprietário tabular, consoante plano de partilha devidamente homologado; que, entre os sucessores, figurou Maria Letícia de Campos, a qual, por meio de acordo, renunciou sua parte em favor dos irmãos Maria Julia de Campos Ferrari, Jandira de Campos Rodrigues e Jose Donizetti de Campos, o que caracteriza renúncia translativa; que a renúncia translativa sem torna ou contraprestação de caráter pecuniário consubstancia doação e atrai a incidência do ITCMD, cuja legislação entrou em vigor antes da celebração do acordo em questão; que, em regra, não incide imposto nos casos de renúncia pura e simples (inciso I do artigo 5º da Lei Estadual n. 10.705/2000 e Decreto 46.655/2002), mas a renúncia tal como formalizada nos autos implica aceitação da herança seguida de transmissão do quinhão hereditário, hipótese esta de incidência (inciso II do artigo 2º da Lei n. 10.705/2000); que, na forma da lei, deve fiscalizar a cobrança de tributos por ocasião do registro, sob pena de responsabilidade pessoal; que a Lei n. 9.973/98 não se aplica no caso.

Documentos vieram às fls. 04/241.

Em manifestação dirigida ao Registrador (fls. 216/222), a parte sustenta que a renúncia realizada pela herdeira Maria Letícia se deu em data anterior à nova legislação tributária; que, ainda que se fale em recolhimento de ITCMD, para a época da doação, o valor do negócio não caracterizava hipótese de incidência; que, no ano de 1998, foi editada a Lei 9.973/98, a qual cancelou débitos não inscritos na dívida ativa com valor de até 50 UFESPs; que a serventia extrajudicial não possui competência para conferência da partilha, que foi homologada por sentença já transitada em julgado. Não houve impugnação, porém, nestes autos (fl. 242).

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 246/248).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida procede. Vejamos os motivos.

Primeiramente, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real, ainda que transitados em julgado.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA.

O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Esta conclusão se reforça porque, para os registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/73; artigo 134, VI, do CTN e artigo 30, XI, da Lei 8.935/19 94).

Note-se que o acordo que originou o título foi celebrado em 09 de junho de 2008 (fls. 90/93), quando já estava em vigor a Lei n. 10.705/2000, relativa ao ITCMD.

A Lei Estadual n. 9.973/1998, por sua vez, cancelou os débitos referentes a operações ou prestações realizadas até 30 de junho de 1997, desde que não inscritas na dívida ativa, o que não se verifica na hipótese.

Estabelecidas tais premissas, é importante delimitar o tipo de renúncia que originou o título (formal de partilha judicial).

A renúncia à herança é o ato unilateral pelo qual o renunciante dispensa o direito de forma irrevogável (artigo 1.812 do Código Civil).

Para que a renúncia seja válida, deve ser realizada por termo judicial ou instrumento público, de forma expressa. Não pode ocorrer, portanto, tacitamente ou de forma presumida (artigo 1.806 do CC).

A doutrina costuma classificar a renúncia em duas espécies: a renúncia abdicativa e a renúncia translativa.

A renúncia será abdicativa ou pura e simples quando o titular do direito declarar que não aceita a herança ou o legado, que será devolvido ao monte hereditário, para partilha entre os demais sucessores.

Por outro lado, a renúncia translativa ou in favorem, também denominada renúncia imprópria, é aquela por meio da qual o titular aceita a herança, ainda que tacitamente, e indica pessoa específica, estranha ou não à sucessão, que irá receber o quinhão hereditário no lugar dele (a título oneroso ou gratuito).

Na lição de Luiz Paulo Vieira de Carvalho:

“(…) a renúncia denominada translativa ou ‘in favorem’, na verdade, não é uma verdadeira renúncia, já que se compõe de dois atos: uma aceitação tácita e uma cessão gratuita, equivalente a uma doação, do direito sucessório do herdeiro declarante” (Direito das Sucessões, 4ª edição, Editora Atlas, 2019, página 250)”.

Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim esclarecem, ainda, que:

“Embora não seja tecnicamente uma renúncia, é tida por válida a renúncia translativa, também chamada de imprópria, e admitem-se os efeitos obrigacionais dela decorrentes, como forma de doação, se a título gratuito, ou de compra e venda, se a título oneroso. A renúncia à herança em tais condições, por favorecer determinada pessoa, é denominada de translativa, ou in favorem, configurando verdadeira cessão de direitos, seja de forma onerosa, ou gratuita” (Inventários e Partilhas, 17ª Edição, Leud, página 435).

No caso concreto, vê-se que a renúncia à herança por Maria Letícia de Campos veio expressa em acordo homologado na ação de abertura e cumprimento de testamento de autos n. 320.01.1993.003150-2 (fls. 90/93, 12/16 e 164).

Referida renúncia se deu apenas sobre a parte ideal que ela tinha direito sobre o apartamento objeto da matrícula n. 12.325 e tão somente em favor dos irmãos Maria Júlia de Campos Ferrari, Jandira de Campos Rodrigues e José Donizetti de Campos.

Em outros termos, resta evidente que a herdeira Maria Letícia de Campos aceitou o seu quinhão sobre imóvel específico e o cedeu gratuitamente em favor de outros três herdeiros (em detrimento do herdeiro Raul de Campos e do legatário Kauê Mettitier Belo), o que caracteriza renúncia translativa (in favorem ou imprópria) ou cessão de direito hereditário.

Não houve, portanto, renúncia abdicativa ou pura e simples, com retorno do direito ao monte-mor para redistribuição igualitária aos demais sucessores: houve verdadeira aceitação da herança, com posterior cessão para pessoas específicas, ainda que de forma gratuita.

Justamente à vista da finalidade que se pretendeu alcançar pela declaração de vontade é que se deve interpretar a renúncia como translativa (verdadeira cessão de direitos hereditários em favor dos irmãos Maria Júlia de Campos Ferrari, Jandira de Campos Rodrigues e José Donizetti de Campos).

O reconhecimento da renúncia como tal gera consequência jurídica da qual as partes envolvidas não podem se esquivar, qual seja, o pagamento de dois impostos de transmissão (ITCMD), um pela sucessão causa mortis (aceitação da herança) e outro pela alienação gratuita do direito hereditário (doação), na forma da lei (artigos 2º, incisos I e II, e 5º, inciso I, da Lei n. 10.705/2000).

Correta, portanto, a exigência no sentido de que a parte providencie as respectivas guias e comprovantes de pagamento do ITCMD em relação às duas operações, com certidão de homologação a ser expedida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, ou declaração de isenção (artigo 289 da Lei n. 6.015/73; artigos 1º, inciso II, 6º, 10, inciso III, 31, § 2º, itens 2 e 4, e 48 do Decreto n. 46.655/2002, que regulamentou a Lei Estadual n. 10.705/2000; artigo 12, inciso I, da Portaria CAT 89 de 26/10/2020).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 26 de julho de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 28.07.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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