Recurso Administrativo – Registro de Imóveis – Averbação – Cessão de direitos creditórios com garantia fiduciária sobre imóvel – Ordens de indisponibilidade de bens da primitiva credora fiduciária, constantes da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) – Indisponibilidades não averbadas nas matrículas – Ordens genéricas de indisponibilidade não prenotadas e averbadas que devem submeter-se ao princípio da prioridade – Inscrição de título já prenotado que não será sustada, assegurando-se sua prioridade – Prior in tempore, potior in iure – Não havendo notícia da anterior prenotação das ordens de indisponibilidade existentes na CNIB nas matrículas imobiliárias, há de ser concluída a qualificação do título protocolado pela recorrente – Óbice afastado – Oficial de registro que tem obrigação de acessar a CNIB e fazer a importação dos dados ou impressão do arquivo, diariamente, visando o respectivo procedimento registral – Descumprimento de deveres de ofício que deverá ser apurado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Recurso provido, com determinação.


  
 

Número do processo: 1010496-39.2021.8.26.0292

Ano do processo: 2021

Número do parecer: 158

Ano do parecer: 2023

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1010496-39.2021.8.26.0292

(158/2023-E)

Recurso Administrativo – Registro de Imóveis – Averbação – Cessão de direitos creditórios com garantia fiduciária sobre imóvel – Ordens de indisponibilidade de bens da primitiva credora fiduciária, constantes da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) – Indisponibilidades não averbadas nas matrículas – Ordens genéricas de indisponibilidade não prenotadas e averbadas que devem submeter-se ao princípio da prioridade – Inscrição de título já prenotado que não será sustada, assegurando-se sua prioridade – Prior in tempore, potior in iure – Não havendo notícia da anterior prenotação das ordens de indisponibilidade existentes na CNIB nas matrículas imobiliárias, há de ser concluída a qualificação do título protocolado pela recorrente – Óbice afastado – Oficial de registro que tem obrigação de acessar a CNIB e fazer a importação dos dados ou impressão do arquivo, diariamente, visando o respectivo procedimento registral – Descumprimento de deveres de ofício que deverá ser apurado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Recurso provido, com determinação.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto por Azevinho Participações S/A contra a r. decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Jacareí/SP, que manteve a negativa de averbação de cessão de direitos creditórios nas matrículas nos 97.497 e 97.498 da referida serventia extrajudicial, em virtude da existência de ordens de indisponibilidade de bens da primitiva credora fiduciária, Banif – Banco Internacional do Funchal (Brasil) S/A, constantes da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) (fls. 180/182).

Em síntese, alega a recorrente que a propriedade fiduciária de 75% dos imóveis matriculados sob nos 97.497 e 97.498 foi constituída pela coproprietária Realibrás Urbanismo Ltda. em favor do Banif – Banco Internacional do Funchal (Brasil) S/A, para garantia do crédito representado por três cédulas de crédito bancário, devidamente especializadas no fólio real. Diz ter requerido a averbação de sucessivas cessões de crédito feitas por endosso das cédulas, na forma do art. 28 da Lei nº 9.514/1997, o que foi negado pelo registrador por constar, na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), ordens de indisponibilidade contra a credora original. Entende que a exigência de prévio cancelamento das ordens de indisponibilidade não merece prevalecer, pois nas matrículas dos imóveis não há ordens de indisponibilidade averbadas (fls. 190/198).

A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 203/205).

Opino.

A recorrente pretende fazer averbar nas matrículas nos 97.497 e 97.498 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Jacareí/SP, a cessão dos direitos creditórios oriundos das Cédulas de Crédito Bancário nos 02.02.0212.09, 02.02.0213.09 e 02.02.0214.09, no valor total de R$ 20.512.800,00, decorrentes da alienação fiduciária da fração ideal de 75% dos imóveis das referidas matrículas pela proprietária Conspar Empreendimentos e Participações Ltda. ao primitivo credor Banif – Banco Internacional do Funchal (Brasil) S/A.

O registrador emitiu nota de devolução, exigindo o “cancelamento de todas as indisponibilidades que constam na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) para possibilitar a averbação das respectivas cessões de crédito” (fls. 10/11).

Não se desconhece a existência de inúmeros precedentes desta Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo no sentido da impossibilidade de ingresso de título no fólio real, que implique na alienação voluntária do bem, sem o prévio levantamento da indisponibilidade averbada (frise-se: averbada) na matrícula, ainda que aquele tenha sido elaborado em data anterior.

No caso concreto, porém, há uma peculiaridade que afasta a aplicação de tais precedentes.

Assim se afirma, pois não há indisponibilidade averbada nas matrículas nos 97.497 e 97.498 do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Jacareí /SP (fls. 131/137 e 138/150).

Ora, a ordem de indisponibilidade genérica ou específica de determinado imóvel deve ser prenotada e averbada, respeitada a ordem de protocolo. A propósito, dispõem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX do Tomo II:

“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

(…)

b) a averbação de:

(…)

23. ordens judiciais e administrativas que determinem indisponibilidades de bens;”

Sobre o tema, prevê o Provimento CNJ nº 39/2014, com a redação dada pelo Provimento CNJ nº 142/2023:

“Art. 2º. A Central Nacional de Indisponibilidade terá por finalidade a recepção e divulgação, aos usuários do sistema, das ordens de indisponibilidade que atinjam patrimônio imobiliário indistinto, assim como direitos sobre imóveis indistintos, e a recepção de comunicações de levantamento das ordens de indisponibilidades nela cadastrada.

(…)

Art. 7º. A consulta ao banco de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB será obrigatória para todos os notários e registradores do país, no desempenho regular de suas atividades e para a prática dos atos de ofício, nos termos da Lei e das normas específicas.

Art. 8º. A partir da data de funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB os oficiais de registro de imóveis verificarão, obrigatoriamente, pelo menos na abertura e uma hora antes do encerramento do expediente, se existe comunicação de indisponibilidade de bens para impressão ou importação (XML) para seu arquivo, visando o respectivo procedimento registral.”

No mesmo sentido, as regras trazidas pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“403. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) funcionará no Portal Eletrônico publicado sob o domínio http://www.indisponibilidade.org.br, desenvolvido, mantido e operado, perpetua e gratuitamente, pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP), na Central Registradores de Imóveis, sob contínuo acompanhamento, controle e fiscalização pela Corregedoria Geral da Justiça e pelos Juízos Corregedores Permanentes.

404. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) é constituída por Sistema de Banco de Dados Eletrônico (DBMS) que será alimentado com as ordens de indisponibilidade decretadas pelo Poder Judiciário e por órgãos da Administração Pública, desde que autorizados em Lei.

(…)

407. A consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) será obrigatória para todos os notários e registradores do Estado, no desempenho regular de suas atividades e para a prática dos atos de ofício, nos termos da Lei.

408. Os oficiais de registro de imóveis verificarão, obrigatoriamente, pelo menos, na abertura e no encerramento do expediente, se existe comunicação de indisponibilidade de bens e farão a importação dos dados (XML) ou impressão do arquivo para o respectivo procedimento registral.”

Ora, em virtude de sua obrigação de acessar a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) e fazer a importação dos dados ou impressão do arquivo para o respectivo procedimento registral, diariamente, caberia ao Oficial de Registro ter prenotado e averbado as ordens de indisponibilidade existentes em nome da primitiva credora fiduciária do imóvel. Omitindo-se em seu dever de ofício, acabou por incidir em erro que, bem por isso, deverá ser devidamente apurado na esfera disciplinar, pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da serventia extrajudicial.

E se não há indisponibilidade averbada nas matrículas, o óbice imposto pelo registrador não merece subsistir. A respeito, preveem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça que:

“108.3. Quando se tratar de ordem genérica de indisponibilidade de determinado bem imóvel, sem indicação do título que a ordem pretende atingir, não serão sustados os registros dos títulos que já estejam tramitando, porque estes devem ter assegurado o seu direito de prioridade. (…).”

As ordens genéricas de indisponibilidade não prenotadas e averbadas devem se submeter ao princípio da prioridade, de maneira que não será suspenso o registro dos títulos que estejam tramitando.

Na lição de Afrânio de Carvalho: “O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois”. (Registro de Imóveis, 4a ed., Editora Forense, 1998, p. 181). Os títulos apresentados a registro serão, então, qualificados conforme a data de prenotação e sofrerão os efeitos de quaisquer outros fatos impeditivos que houverem, antes, acedido conhecimento do Oficial de Registro de Imóveis e dados ao Protocolo: prior in tempore, potior in iure, isto é, prevalece o fato jurídico com precedência, no tempo.

Em outras palavras, a inscrição de título já prenotado não será sustada e a prioridade deverá ser assegurada. É sabido que o número de ordem determina a prioridade do título e que, portanto, não havendo notícia da anterior prenotação das ordens de indisponibilidade existentes na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens CNIB e respectiva averbação nas matrículas nos 97.497 e 97.498, há que ser concluída a qualificação do título protocolado pela apelante.

Ademais, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, art. 54, inciso III, prevê que contra um negócio jurídico que leve à transferência de um direito real sobre imóvel (como é o caso, aqui, da cessão de crédito, a qual conduz à transmissão de garantia real imobiliária, representada esta pela propriedade fiduciária) não pode ser oposta uma indisponibilidade que, desrespeitando o art. 247 da Lei nº 6.015/1973, não tenha sido averbada.

Ou seja: neste caso concreto, porque a indisponibilidade não foi averbada, não pode prevalecer sobre o negócio jurídico posterior com prenotação anterior (cessão de crédito com alienação fiduciária de imóvel) e, tampouco, pode ser oposta ao terceiro de boa-fé que recebeu em garantia direitos reais sobre o imóvel (art. 54, §§ 1º e 2º, da Lei nº 13.097/2015).

Nem se alegue que a regra trazida pelo item 412 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça serviria de escusa para a omissão do Oficial de Registro, eis que tal disposição se destina à averbação de indisponibilidade na matrícula do imóvel adquirido pelo destinatário da ordem e não, a imóveis já registrados em seu nome. É dizer: em interpretação sistemática, a mencionada regra manda que, feita a inscrição que leve à transferência ou modificação de um direito tabular, também proceda o Oficial, ipso facto, ao averbamento da indisponibilidade que atingir o novo favorecido registral; porém (e eis o ponto), o dispositivo não determina que contra um título protocolado possa ser oposta uma indisponibilidade ainda não averbada, o que significaria deixar de aplicar o mencionado inciso III do artigo 54 da Lei nº 13.097/2015.

Em suma, e salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não foi a melhor solução a que chegaram o Oficial de Registro de Imóveis e o MM. Juiz Corregedor Permanente, razão pela qual se há de reformar a r. sentença para afastar o óbice imposto à averbação pretendida pela recorrente.

Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de dar provimento ao recurso, com extração de cópias do presente feito e respectivo encaminhamento ao MM. Juiz Corregedor Permanente para as providências cabíveis na esfera disciplinar, ante a prática, em tese, de falta administrativa pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Jacareí/SP, decorrente do descumprimento de seus deveres de ofício. Sugiro, ainda, a abertura de expediente de acompanhamento junto à DICOGE, solicitando-se informações a respeito, no prazo de trinta dias.

Sub censura.

São Paulo, 15 de maio de 2023.

Stefânia Costa Amorim Requena

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, dou provimento ao recurso administrativo. Determino a extração de cópias do presente feito e respectivo encaminhamento ao MM. Juiz Corregedor Permanente para as providências cabíveis na esfera disciplinar, ante a prática, em tese, de falta administrativa pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Jacareí, decorrente do descumprimento de seus deveres de ofício. Determino, ainda, a abertura de expediente de acompanhamento junto à DICOGE, solicitando-se informações a respeito, no prazo de trinta dias. Publique-se. São Paulo, 18 de maio de 2023. (a) FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA, Corregedor Geral da Justiça. ADV: NARCISO ORLANDI NETO, OAB/SP 191.338, HELIO LOBO JUNIOR, OAB/SP 25.120 e ANA PAULA MUSCARI LOBO, OAB/SP 182.368, CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, OAB/RJ 20.283.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.05.2023

Decisão reproduzida na página 063 do Classificador II – 2023

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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