2VRP/SP: Tabelionato de Notas. Alteração de escritura pública para inclusão de cláusula de reversão de doação não pode ser feita por ata retificatica; requerer presença de partes originais, por meio de escritura de retificação e ratificação.

Processo 1074475-95.2023.8.26.0100

Pedido de Providências – Retificação de Área de Imóvel – M.M.S.F. – – C.C.S.D.M. – – A.B.D.C. – Juiz de Direito: Dr. Marcelo Benacchio VISTOS, Trata-se de pedido de providências objetivando a retificação de Escrituras Públicas da lavra do 18º Tabelionato de Notas desta Capital, datadas de 2010 e 2013. Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 07/36 e 37. A Senhora Tabeliã manifestou-se às fls. 51/54, qualificando negativamente o pedido. A parte Representante veio aos autos para reiterar os termos de seu pedido inicial (fls. 61/62). O Ministério Público ofertou parecer conclusivo às fls. 64/66, opinando pela improcedência do pedido. É o breve relatório. DECIDO. Cuida-se de pedido de providências solicitando a retificação de Escrituras Públicas. Primeiramente, faço à parte interessada a observação de que a matéria aqui ventilada é objeto de apreciação na via administrativa, no limitado campo de atribuição desta Corregedoria Permanente, que desempenha, dentre outras atividades, a verificação do cumprimento dos deveres e obrigações dos titulares e interinos de delegações afeta à Corregedoria Permanente desta 2ª Vara de Registros Públicos da Capital. Feitos tais esclarecimentos, passo à análise do mérito administrativo da questão. Consta dos autos que as Escrituras Públicas de Doação com Reserva de Usufruto, que se pretende sejam retificadas, foram lavradas (i) sob o Livro 1198, fls. 149/142, em 11.06.2010 e (ii) sob o Livro 1247, fls. 327/330, em 01.02.2013. Alegam os interessados que delas teria sido omitida cláusula relativa à reversão da doação. Pretende a parte interessada a inclusão da referida cláusula, no entendimento de que o erro é material e imputável à serventia de notas, bem como que a correção não afetará item essencial do negócio jurídico. A seu turno, a Senhora 18ª Tabeliã de Notas assevera que não é possível retificar os instrumentos públicos por meio de simples ata retificativa. Com efeito, em suma, indica a Tabeliã que não há erro, inexatidão ou irregularidade nos referidos atos notariais que permita a confecção de ata retificativa, sendo necessária, para alteração de sua redação, que as partes procedam à lavratura de Escritura de Retificação e Ratificação, à qual todos devem comparecer, ou seus herdeiros e sucessores, para apor sua concordância com a alteração efetuada. Pois bem. Assiste razão à Senhora Tabeliã na negativa efetuada. Pese embora a argumentação deduzida nos autos pela parte Representante, forçoso convir, na espécie, que os atos notariais que se pretende retificar já estão aperfeiçoados e consumados, inexistindo possibilidade jurídica, no âmbito administrativo, para a alteração pretendida, ante ao conteúdo das declarações de vontade. Não se deve perder de vista que escritura pública é ato notarial que formaliza juridicamente a vontade das partes, observados os parâmetros fixados pela Lei e pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, reproduzindo, portanto, exatamente aquilo que outorgantes e outorgados manifestaram ao preposto da serventia à época dos fatos. Em resumo, destaco que a retificação pretendida não se cuida de mera correção de erros, inexatidões materiais e equívocos, a ser realizada de ofício pela unidade extrajudicial ou mediante mero requerimento das partes, cujo ato será subscrito apenas pelo Notário ou seu substituto legal, em conformidade com o item 54, Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça. Ao revés, se cuida de alterar termo essencial do ato a inclusão de cláusula de reversão de doação, representando verdadeira vontade do doador e donatários. Dessa forma, se exige, para tanto, a presença das partes originais do ato (ou seus herdeiros, sucessores ou ordem judicial), para a lavratura de escritura de retificação e ratificação, nos termos do item 55, Capítulo XVI, das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, como acertadamente referido pelo Senhor Delegatário, uma vez que afeta parte essencial do negócio jurídico pactuado: a declaração das partes. Especialmente, é certo que a retificação pretendida transpassa, e muito, seus efeitos para além da mera alteração de dados no registro. Bem assim, qualquer falha em escritura pública, não concernente em mera correção de erros, inexatidões materiais e equívocos, só pode ser emendada com a participação das mesmas partes, mediante a lavratura de novo ato. Nesse sentido, o tema é fortemente assentado perante esta Corregedoria Permanente, bem como perante a E. Corregedoria Geral da Justiça, que em recente julgado, decidiu: Retificação de escritura pública de compra e venda de imóvel – Título que atribui aos interessados imóvel diverso daquele referido no contrato celebrado e efetivamente ocupado – Situação que extrapola as específicas hipóteses de retificação previstas nos itens 53 e 54 do Capítulo XIV das NSCGJ por implicar modificação da declaração de vontade das partes e da substância do negócio jurídico realizado – Recurso não provido. (Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo Pedido de Providências: 1073694- 83.2017.8.26.0100. Data de Julgamento: 13.03.2018. Publicação: 21.03.2018. Relator: Dr. Geraldo Francisco Pinheiro Franco). Por conseguinte, diante de todo o exposto, é inviável a retificação tal qual pretendida, perante esta estreita via administrativa, razão pela qual indefiro o pedido inicial. Na impossibilidade de comparecimentos das partes originais, o suprimento da vontade deve ser buscado pelas vias próprias. Oportunamente, arquivem-se os autos. Ciência à Senhora Tabeliã e ao Ministério Público. P.I.C. – ADV: REGINALDO RAMOS DE OLIVEIRA (OAB 211430/SP) (DJe de 24.08.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

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Recurso Administrativo – Registro de Imóveis – Averbação – Cessão de direitos creditórios com garantia fiduciária sobre imóvel – Ordens de indisponibilidade de bens da primitiva credora fiduciária, constantes da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) – Indisponibilidades não averbadas nas matrículas – Ordens genéricas de indisponibilidade não prenotadas e averbadas que devem submeter-se ao princípio da prioridade – Inscrição de título já prenotado que não será sustada, assegurando-se sua prioridade – Prior in tempore, potior in iure – Não havendo notícia da anterior prenotação das ordens de indisponibilidade existentes na CNIB nas matrículas imobiliárias, há de ser concluída a qualificação do título protocolado pela recorrente – Óbice afastado – Oficial de registro que tem obrigação de acessar a CNIB e fazer a importação dos dados ou impressão do arquivo, diariamente, visando o respectivo procedimento registral – Descumprimento de deveres de ofício que deverá ser apurado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Recurso provido, com determinação.

Número do processo: 1010496-39.2021.8.26.0292

Ano do processo: 2021

Número do parecer: 158

Ano do parecer: 2023

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1010496-39.2021.8.26.0292

(158/2023-E)

Recurso Administrativo – Registro de Imóveis – Averbação – Cessão de direitos creditórios com garantia fiduciária sobre imóvel – Ordens de indisponibilidade de bens da primitiva credora fiduciária, constantes da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) – Indisponibilidades não averbadas nas matrículas – Ordens genéricas de indisponibilidade não prenotadas e averbadas que devem submeter-se ao princípio da prioridade – Inscrição de título já prenotado que não será sustada, assegurando-se sua prioridade – Prior in tempore, potior in iure – Não havendo notícia da anterior prenotação das ordens de indisponibilidade existentes na CNIB nas matrículas imobiliárias, há de ser concluída a qualificação do título protocolado pela recorrente – Óbice afastado – Oficial de registro que tem obrigação de acessar a CNIB e fazer a importação dos dados ou impressão do arquivo, diariamente, visando o respectivo procedimento registral – Descumprimento de deveres de ofício que deverá ser apurado pelo MM. Juiz Corregedor Permanente – Recurso provido, com determinação.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto por Azevinho Participações S/A contra a r. decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Jacareí/SP, que manteve a negativa de averbação de cessão de direitos creditórios nas matrículas nos 97.497 e 97.498 da referida serventia extrajudicial, em virtude da existência de ordens de indisponibilidade de bens da primitiva credora fiduciária, Banif – Banco Internacional do Funchal (Brasil) S/A, constantes da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) (fls. 180/182).

Em síntese, alega a recorrente que a propriedade fiduciária de 75% dos imóveis matriculados sob nos 97.497 e 97.498 foi constituída pela coproprietária Realibrás Urbanismo Ltda. em favor do Banif – Banco Internacional do Funchal (Brasil) S/A, para garantia do crédito representado por três cédulas de crédito bancário, devidamente especializadas no fólio real. Diz ter requerido a averbação de sucessivas cessões de crédito feitas por endosso das cédulas, na forma do art. 28 da Lei nº 9.514/1997, o que foi negado pelo registrador por constar, na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB), ordens de indisponibilidade contra a credora original. Entende que a exigência de prévio cancelamento das ordens de indisponibilidade não merece prevalecer, pois nas matrículas dos imóveis não há ordens de indisponibilidade averbadas (fls. 190/198).

A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 203/205).

Opino.

A recorrente pretende fazer averbar nas matrículas nos 97.497 e 97.498 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Jacareí/SP, a cessão dos direitos creditórios oriundos das Cédulas de Crédito Bancário nos 02.02.0212.09, 02.02.0213.09 e 02.02.0214.09, no valor total de R$ 20.512.800,00, decorrentes da alienação fiduciária da fração ideal de 75% dos imóveis das referidas matrículas pela proprietária Conspar Empreendimentos e Participações Ltda. ao primitivo credor Banif – Banco Internacional do Funchal (Brasil) S/A.

O registrador emitiu nota de devolução, exigindo o “cancelamento de todas as indisponibilidades que constam na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) para possibilitar a averbação das respectivas cessões de crédito” (fls. 10/11).

Não se desconhece a existência de inúmeros precedentes desta Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo no sentido da impossibilidade de ingresso de título no fólio real, que implique na alienação voluntária do bem, sem o prévio levantamento da indisponibilidade averbada (frise-se: averbada) na matrícula, ainda que aquele tenha sido elaborado em data anterior.

No caso concreto, porém, há uma peculiaridade que afasta a aplicação de tais precedentes.

Assim se afirma, pois não há indisponibilidade averbada nas matrículas nos 97.497 e 97.498 do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Jacareí /SP (fls. 131/137 e 138/150).

Ora, a ordem de indisponibilidade genérica ou específica de determinado imóvel deve ser prenotada e averbada, respeitada a ordem de protocolo. A propósito, dispõem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX do Tomo II:

“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

(…)

b) a averbação de:

(…)

23. ordens judiciais e administrativas que determinem indisponibilidades de bens;”

Sobre o tema, prevê o Provimento CNJ nº 39/2014, com a redação dada pelo Provimento CNJ nº 142/2023:

“Art. 2º. A Central Nacional de Indisponibilidade terá por finalidade a recepção e divulgação, aos usuários do sistema, das ordens de indisponibilidade que atinjam patrimônio imobiliário indistinto, assim como direitos sobre imóveis indistintos, e a recepção de comunicações de levantamento das ordens de indisponibilidades nela cadastrada.

(…)

Art. 7º. A consulta ao banco de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB será obrigatória para todos os notários e registradores do país, no desempenho regular de suas atividades e para a prática dos atos de ofício, nos termos da Lei e das normas específicas.

Art. 8º. A partir da data de funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB os oficiais de registro de imóveis verificarão, obrigatoriamente, pelo menos na abertura e uma hora antes do encerramento do expediente, se existe comunicação de indisponibilidade de bens para impressão ou importação (XML) para seu arquivo, visando o respectivo procedimento registral.”

No mesmo sentido, as regras trazidas pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“403. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) funcionará no Portal Eletrônico publicado sob o domínio http://www.indisponibilidade.org.br, desenvolvido, mantido e operado, perpetua e gratuitamente, pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (ARISP), na Central Registradores de Imóveis, sob contínuo acompanhamento, controle e fiscalização pela Corregedoria Geral da Justiça e pelos Juízos Corregedores Permanentes.

404. A Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) é constituída por Sistema de Banco de Dados Eletrônico (DBMS) que será alimentado com as ordens de indisponibilidade decretadas pelo Poder Judiciário e por órgãos da Administração Pública, desde que autorizados em Lei.

(…)

407. A consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) será obrigatória para todos os notários e registradores do Estado, no desempenho regular de suas atividades e para a prática dos atos de ofício, nos termos da Lei.

408. Os oficiais de registro de imóveis verificarão, obrigatoriamente, pelo menos, na abertura e no encerramento do expediente, se existe comunicação de indisponibilidade de bens e farão a importação dos dados (XML) ou impressão do arquivo para o respectivo procedimento registral.”

Ora, em virtude de sua obrigação de acessar a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) e fazer a importação dos dados ou impressão do arquivo para o respectivo procedimento registral, diariamente, caberia ao Oficial de Registro ter prenotado e averbado as ordens de indisponibilidade existentes em nome da primitiva credora fiduciária do imóvel. Omitindo-se em seu dever de ofício, acabou por incidir em erro que, bem por isso, deverá ser devidamente apurado na esfera disciplinar, pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da serventia extrajudicial.

E se não há indisponibilidade averbada nas matrículas, o óbice imposto pelo registrador não merece subsistir. A respeito, preveem as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça que:

“108.3. Quando se tratar de ordem genérica de indisponibilidade de determinado bem imóvel, sem indicação do título que a ordem pretende atingir, não serão sustados os registros dos títulos que já estejam tramitando, porque estes devem ter assegurado o seu direito de prioridade. (…).”

As ordens genéricas de indisponibilidade não prenotadas e averbadas devem se submeter ao princípio da prioridade, de maneira que não será suspenso o registro dos títulos que estejam tramitando.

Na lição de Afrânio de Carvalho: “O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois”. (Registro de Imóveis, 4a ed., Editora Forense, 1998, p. 181). Os títulos apresentados a registro serão, então, qualificados conforme a data de prenotação e sofrerão os efeitos de quaisquer outros fatos impeditivos que houverem, antes, acedido conhecimento do Oficial de Registro de Imóveis e dados ao Protocolo: prior in tempore, potior in iure, isto é, prevalece o fato jurídico com precedência, no tempo.

Em outras palavras, a inscrição de título já prenotado não será sustada e a prioridade deverá ser assegurada. É sabido que o número de ordem determina a prioridade do título e que, portanto, não havendo notícia da anterior prenotação das ordens de indisponibilidade existentes na Central Nacional de Indisponibilidade de Bens CNIB e respectiva averbação nas matrículas nos 97.497 e 97.498, há que ser concluída a qualificação do título protocolado pela apelante.

Ademais, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, art. 54, inciso III, prevê que contra um negócio jurídico que leve à transferência de um direito real sobre imóvel (como é o caso, aqui, da cessão de crédito, a qual conduz à transmissão de garantia real imobiliária, representada esta pela propriedade fiduciária) não pode ser oposta uma indisponibilidade que, desrespeitando o art. 247 da Lei nº 6.015/1973, não tenha sido averbada.

Ou seja: neste caso concreto, porque a indisponibilidade não foi averbada, não pode prevalecer sobre o negócio jurídico posterior com prenotação anterior (cessão de crédito com alienação fiduciária de imóvel) e, tampouco, pode ser oposta ao terceiro de boa-fé que recebeu em garantia direitos reais sobre o imóvel (art. 54, §§ 1º e 2º, da Lei nº 13.097/2015).

Nem se alegue que a regra trazida pelo item 412 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça serviria de escusa para a omissão do Oficial de Registro, eis que tal disposição se destina à averbação de indisponibilidade na matrícula do imóvel adquirido pelo destinatário da ordem e não, a imóveis já registrados em seu nome. É dizer: em interpretação sistemática, a mencionada regra manda que, feita a inscrição que leve à transferência ou modificação de um direito tabular, também proceda o Oficial, ipso facto, ao averbamento da indisponibilidade que atingir o novo favorecido registral; porém (e eis o ponto), o dispositivo não determina que contra um título protocolado possa ser oposta uma indisponibilidade ainda não averbada, o que significaria deixar de aplicar o mencionado inciso III do artigo 54 da Lei nº 13.097/2015.

Em suma, e salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não foi a melhor solução a que chegaram o Oficial de Registro de Imóveis e o MM. Juiz Corregedor Permanente, razão pela qual se há de reformar a r. sentença para afastar o óbice imposto à averbação pretendida pela recorrente.

Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de dar provimento ao recurso, com extração de cópias do presente feito e respectivo encaminhamento ao MM. Juiz Corregedor Permanente para as providências cabíveis na esfera disciplinar, ante a prática, em tese, de falta administrativa pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Jacareí/SP, decorrente do descumprimento de seus deveres de ofício. Sugiro, ainda, a abertura de expediente de acompanhamento junto à DICOGE, solicitando-se informações a respeito, no prazo de trinta dias.

Sub censura.

São Paulo, 15 de maio de 2023.

Stefânia Costa Amorim Requena

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, dou provimento ao recurso administrativo. Determino a extração de cópias do presente feito e respectivo encaminhamento ao MM. Juiz Corregedor Permanente para as providências cabíveis na esfera disciplinar, ante a prática, em tese, de falta administrativa pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Jacareí, decorrente do descumprimento de seus deveres de ofício. Determino, ainda, a abertura de expediente de acompanhamento junto à DICOGE, solicitando-se informações a respeito, no prazo de trinta dias. Publique-se. São Paulo, 18 de maio de 2023. (a) FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA, Corregedor Geral da Justiça. ADV: NARCISO ORLANDI NETO, OAB/SP 191.338, HELIO LOBO JUNIOR, OAB/SP 25.120 e ANA PAULA MUSCARI LOBO, OAB/SP 182.368, CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO, OAB/RJ 20.283.

Diário da Justiça Eletrônico de 22.05.2023

Decisão reproduzida na página 063 do Classificador II – 2023

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Instrumento particular de promessa de venda e compra – Pretensão a registro quando já inscrita alienação fiduciária em favor do banco BVA S/a – Óbice existente ao tempo da prenotação – Irrelevância, no caso, da data da celebração dos negócios jurídicos – Prior in tempore, potior in iure – Incidência do princípio da continuidade registrária – Necessidade de cancelamento da alienação fiduciária para o registro do título – Despicienda a discussão sobre óbice existente em caso de virtual cancelamento da alienação fiduciária – Arrematação posterior do imóvel em ação judicial e pretensão do arrematante de obter a condenação do requerente às penas de litigância de má-fé são questões extrarregistrárias – Óbice mantido – Sentença reformada para julgar procedente a dúvida – Apelação a que se nega provimento.

Apelação Cível nº 1010608-76.2022.8.26.0161

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1010608-76.2022.8.26.0161

Comarca: DIADEMA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1010608-76.2022.8.26.0161

Registro: 2023.0000575195

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1010608-76.2022.8.26.0161, da Comarca de Diadema, em que é apelante ANDERSON GOMES CAVALCANTE, é apelado OFICIALA DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE DIADEMA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de junho de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1010608-76.2022.8.26.0161

APELANTE: Anderson Gomes Cavalcante

APELADO: Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Diadema

INTERESSADO: Projeto Imobiliário Liv Diadema Spe Ltda.

VOTO Nº 39.024 

Registro de imóveis – Dúvida – Instrumento particular de promessa de venda e compra – Pretensão a registro quando já inscrita alienação fiduciária em favor do banco BVA S/a – Óbice existente ao tempo da prenotação – Irrelevância, no caso, da data da celebração dos negócios jurídicos – Prior in tempore, potior in iure – Incidência do princípio da continuidade registrária – Necessidade de cancelamento da alienação fiduciária para o registro do título – Despicienda a discussão sobre óbice existente em caso de virtual cancelamento da alienação fiduciária – Arrematação posterior do imóvel em ação judicial e pretensão do arrematante de obter a condenação do requerente às penas de litigância de má-fé são questões extrarregistrárias – Óbice mantido – Sentença reformada para julgar procedente a dúvida – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de apelação (fls. 369/381) interposta por Anderson Gomes Cavalcante contra a r. sentença (fls. 365/366) proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente da Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Diadema, que julgou extinto o processo de dúvida, por carência da ação, na modalidade falta de interesse de agir (desnecessidade do provimento jurisdicional). Segundo a sentença, não há mais interesse jurídico no registro do instrumento de promessa de venda e compra firmado entre o ora apelante e a então proprietária do imóvel tratado nos autos, Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda., diante de sua arrematação por “Projeto Imobiliário LIV Diadema Spe Ltda.”, em processo em trâmite na 30ª Vara Cível da Comarca da Capital.

Em seu recurso, o apelante insiste na efetivação do registro do instrumento particular de promessa de venda e compra de imóvel em construção, firmado com Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda., em 14/05/2011, referente ao imóvel que corresponderá à unidade autônoma, vaga nº 19, integrante do condomínio Residencial Punto Diadema, objeto da matrícula 49.355 do Registro de Imóveis de Diadema.

Alega que firmou o instrumento particular de promessa de venda e compra em referência antes da alienação fiduciária do imóvel celebrada entre a Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda. e o Banco BVA S/A, com a qual não anuiu, daí porque deve ser considerada a situação de fato vigente à época em que formalizado o contrato, efetivando-se o seu registro. Acrescenta que a existência da alienação não é óbice ao registro do contrato que firmou porque o crédito já foi totalmente quitado, restando apenas a obrigação da construtora e do credor fiduciário de outorgar a escritura de compra e venda do imóvel.

Imputa a mesma obrigação, ainda, ao arrematante do imóvel. Defende que a arrematação só se referiu aos direitos creditórios, e não ao imóvel, de modo a persistir seu interesse de agir porque se o registro do contrato for deferido, seu direito estará resguardado e o arrematante terá apenas a obrigação de outorgar a escritura. Diz também que a exigência de apresentação da Certidão Conjunta Negativa de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União, emitida pela Receita Federal do Brasil, é indevida, conforme jurisprudência que menciona.

Por tudo isso, o apelante requer a reforma da sentença, para que se lhe defira o registro, como rogara.

A arrematante ofertou contrarrazões (fls. 383/406), na condição de terceira interessada, suscitando que o recurso infringiu o princípio da dialeticidade recursal, pelo que não deve ser conhecido. No mérito, aduziu que a alienação fiduciária de imóvel em garantia transfere a propriedade resolúvel do imóvel do proprietário originário para o credor fiduciário, nos termos do artigo 22 da Lei nº 9.514/97, de sorte que antes de averbado o cancelamento da alienação fiduciária de bem imóvel na matrícula correspondente, não é possível a transferência da titularidade do imóvel, nem mesmo dos direitos e deveres do devedor fiduciante, sem expressa anuência do credor fiduciário, nos termos do artigo 29 da lei mencionada e item 232 do Capítulo XX, do tomo II, das NSCGJ do TJSP. Diz ser irrelevante, para o exame de questões afetas a registros públicos, a anuência do compromissário comprador para a constituição da alienação fiduciária, mas, de todo modo, suscita que houve a concordância no instrumento particular de promessa de venda e compra, em várias cláusulas que destacou. Invoca o princípio do “prior tempore, potior in iure” para a recusa do registro do referido título porque, ao tempo de sua apresentação, já estava registrada a alienação fiduciária na matrícula do imóvel. Advoga a necessidade da apresentação das certidões negativas previstas na Lei nº 8.212/1991.

Refuta a pretensão do recorrente de que seja obrigada a outorgar a escritura definitiva, haja vista que arrematou o imóvel e não os direitos do devedor fiduciante, tendo constado do edital sua desvinculação das promessas de compra e venda relacionadas às unidades do empreendimento. Suscita também a pertinência da exigência da apresentação de certidões negativas da Receita Federal, invocando legislação de regência. Por fim, pede a condenação do recorrente à multa por litigância de má-fé decorrente de ato atentatório à dignidade da justiça porque compõe o corpo diretivo da “Associação dos Adquirentes do Condomínio Residencial Punto Diadema – Punto Diadema” e é presidente da “Comissão de Representantes do Condomínio Residencial Punto Diadema”, tendo sido cientificado do edital de leilão do imóvel nos autos judiciais, e só veio a apresentar o instrumento de promessa de venda e compra a registro às vésperas do término do certame, mas anos depois de sua celebração, para impedir o registro da carta de arrematação.

Aos autos foi juntada cópia da decisão judicial advinda do juízo da 30ª Vara Cível Central, com determinação para o cancelamento da prenotação relativa ao instrumento particular de compra e venda tratado nos autos (fls. 433), ao que a Oficial respondeu existir prorrogação da prenotação, nos termos do artigo 198, inciso VI, da Lei nº 6.015/1973, com recurso pendente em dúvida suscitada (fls. 438).

A arrematante noticiou pedido de habilitação de crédito deduzido pelo recorrente, postulando a extinção do recurso por perda superveniente do objeto (fls. 453/454 e documentos a fls. 455/461).

A douta Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fls. 464/466).

É o relatório.

Em que pese às razões do apelante, a dúvida é procedente, e a sentença está a merecer reparo porque extinguiu o processo de dúvida por falta de interesse de agir, considerando a desnecessidade de procedimento judicial, quando, na verdade, pende o interesse na solução do óbice que impediu o registro do título, como adiante se verá.

O recurso de apelação está em termos para conhecimento porque ataca suficientemente a fundamentação da sentença no que se referiu à extinção do processo pela falta de interesse de agir, como se constata pelo relatório antes exarado.

O interessado apresentou em 13/05/2022 e reapresentou em 01/08/2022, para registro na matrícula nº 49.355 da Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Diadema, o instrumento particular de promessa de venda e compra de imóvel em construção, correspondente à unidade autônoma, vaga nº 19, integrante do condomínio Residencial Punto Diadema, firmado com a então proprietária, Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda., na data de 14/05/2011.

O título foi prenotado e devolvido, conforme o protocolo nº 183.788, com as seguintes exigências:

“Reiterando exigências feitas anteriormente em 27.05.2022 e 05.07.2022, conforme protocolo nº 183.788:

I – Tendo em vista que, conforme R.05/49.355 deste Registro, o imóvel encontra-se alienado fiduciariamente ao BANCO BVA S/A, portanto sob a propriedade resolúvel deste, NÃO É POSSÍVEL O REGISTRO DO PRESENTE TÍTULO da maneira como está formalizado.

Ademais, o presente título somente teria ingresso no Registro Imobiliário com o cancelamento da referida alienação fiduciária, consolidando assim, a propriedade plena do imóvel na pessoa da devedora fiduciante AMPLOSETE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA.

II – Caso seja providenciado o cancelamento da alienação fiduciária objeto do R.05/49.355 deste Registro, e para que seja possível o registro do presente título, deverá ser cumprida a seguinte exigência:

Apresentar Certidão Negativa de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União, emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em nome de AMPLOSETE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, conforme determina a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, regulamentada pelo Decreto nº 3.048/99, de 06 de maio de 1999.

OBSERVAÇÕES:

01. A Certidão Negativa de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União apresentada nesta oportunidade teve sua validade expirada em 2011.

02. Caso o ato pretendido seja o da cessão dos direitos do devedor fiduciante (cessão de posição), nos termos do art. 29, da Lei nº 9.514/97, abaixo transcrito, hipótese em que o cessionário (adquirente dos direitos) assume todas as obrigações decorrentes do contrato de financiamento que deu origem à alienação fiduciária objeto do R.05/49.355 deste Registro, substituindo o cedente na relação jurídica com o credor (BANCO BVA S/A), tornando-se, portanto, titular do direito real de aquisição da fração ideal do imóvel e devedor na relação decorrente do financiamento, além da exigência mencionada acima, o título deverá ser retificado para formalizar perfeitamente a referida cessão dos direitos, bem como para dele constar expressamente a anuência do credor fiduciário BANCO BVA S/A, providenciando o reconhecimento da firma de seu representante legal, juntando prova da respectiva representação.

“Art. 29. O fiduciante, com anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações”.

Analisados detidamente os autos, conclui-se que o instrumento de promessa de venda e compra não estava apto a registro.

A matrícula nº 49.355 indica como registros anteriores os R.05/48.096 e R.05/48.097, ambos de 26.10.2010, do Oficial de Registro de Imóveis de Diadema, figurando como proprietária Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Da matrícula do imóvel (visualizada diretamente no “site” da ONR), constata-se existirem o registro da incorporação imobiliária do empreendimento residencial denominado “Condomínio Residencial Punto Diadema” (R.01, em 11/05/2011), a submissão do imóvel ao regime de afetação de que trata o disposto no artigo 31-A, da Lei nº 4.591, de 16/12/1964 (Av. 02, em 11/05/2011), a alienação fiduciária firmada com o Banco BVA S/A (R.05, em 09/11/2011), a penhora dos direitos da devedora fiduciante em ação judicial movida pela Massa Falida do Banco BVA S/A (Av.09, em 14/07/2016), além de outras penhoras, de cancelamentos de constrições e de alterações da denominação da primitiva proprietária, passando, finalmente, a Amplosete Empreendimentos Imobiliários Eireli.

Vê-se, portanto, que a proprietária do imóvel não era mais a Amploset Empreendimentos Imobiliários Ltda., atualmente denominada Amplosete Empreendimentos Imobiliários Eireli, haja vista a alienação fiduciária registrada na matrícula em favor do Banco BVA S/A (R. 05).

Nesse sentido é que a nota de devolução apresentou o óbice para ingresso do instrumento particular de promessa de venda e compra no Registro Imobiliário. Como o imóvel não pertence mais à vendedora, porquanto o alienara fiduciariamente ao Banco BVA S/A, apenas com o cancelamento da mencionada alienação fiduciária é que seria possível efetivar o registro do título apresentado.

Trata-se de observar o princípio da prioridade registral (Cód. Civil, artigo 1.246; Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, arts. 182, 183 e 186), evitando “conflitos de títulos contraditórios, que são aqueles incompatíveis entre si ou reciprocamente excludentes, referentes ao mesmo imóvel” (Apelação Cível nº 1037783-85.2019.8.26.0602, Conselho Superior da Magistratura do TJSP, Relator Corregedor Geral de Justiça, DES. RICARDO ANAFE, data do julgamento: 05/07/2020).

Nas palavras de Afrânio de Carvalho:

“O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois”. (Registro de Imóveis, 4a ed., Editora Forense, 1997, p. 181).

Os títulos apresentados a registro serão, então, qualificados conforme a data de apresentação, e sofrerão os efeitos de quaisquer outros fatos impeditivos que houverem, antes, acedido conhecimento do Oficial de Registro de Imóveis e dados ao Protocolo: prior in tempore, potior in iure, isto é, prevalece o fato jurídico com precedência, no tempo.

Na espécie, o negócio jurídico de promessa de venda e compra foi celebrado em 14 de maio de 2011, e o instrumento particular correspondente foi apresentado ao registro e prenotado apenas no ano de 2022, quando já havia o registro da alienação fiduciária em favor do Banco BVA S/A, o qual ocorrera em 11 de maio de 2011.

Portanto, os requisitos de inscrição da promessa de venda e compra tinham de ser avaliados segundo a situação jurídica da data de sua apresentação a registro, em 2022. E em 2022 o obstáculo já era existente: com efeito, o imóvel estava alienado fiduciariamente ao Banco BVA S/A, conforme o registro realizado em 11 de maio de 2011.

As regras prior in tempore, potior in iure e a sua correlata tempus regit actum não ferem a boa-fé, nem prejudicam a igualdade jurídica, pelo contrário: num sistema formal, como é o registro de imóveis, trata-se de exigência fundamental da segurança jurídica, para que se conheça, desde o início do processo de inscrição, quais sejam o direito aplicável e os requisitos normativos para o registro, a averbação ou a matriculação que o interessado rogou.

Portanto, agiu bem a Oficial quando indeferiu o registro da promessa de venda e compra.

Trata-se também de obedecer ao princípio da continuidade registraria ou do trato consecutivo, previsto no art. 195 da Lei de Registros Públicos:

“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

Sobre o princípio da continuidade, novamente ensina Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito sse o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente.

Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Obra citada, pág. 253).

Bem por isso é que a Oficial aduziu que o título somente teria ingresso no Registro Imobiliário com o cancelamento da alienação fiduciária objeto do R.05/49.355.

E, no mais, acaso fosse providenciado o cancelamento da alienação fiduciária, seria necessária a apresentação de certidão negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União, como afirmou a Oficial.

Considerando, portanto, que a exigência quanto à apresentação de certidões estava condicionada ao cancelamento da alienação fiduciária, o que não ocorreu, é despiciendo aferir a pertinência da exigência nessa oportunidade.

Por oportuno, o pleito de condenação do recorrente às penas por litigância de má-fé não pode ser analisado na seara administrativa, competindo ao terceiro interessado, caso queira, deduzir seu requerimento na via apropriada.

Por fim, resta apenas consignar que a extinção do processo de dúvida dá-se pelo mérito, afastada a extinção pela falta de interesse de agir porque a arrematação havida em ação judicial é questão extra registral que, justamente por isso (= porque não contribui em nada para afastar o óbice ao registro pretendido), não pode ser levada em linha de conta. Da mesma forma, a invocação da perda superveniente do interesse de agir sob assertiva de que o recorrente habilitou seu crédito na ação de execução de título extrajudicial em que se deu a arrematação é questão extrarregistral e não comporta consideração no âmbito restrito do processo de dúvida.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo e julgo procedente a dúvida.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 28.08.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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