Apelação – Ação de retificação de registro civil – R. sentença de improcedência – Irresignação do autor sob alegação de que a data correta de seu nascimento é aquela constante de sua certidão de batismo – Impertinência – Imutabilidade dos registros públicos – Exceção à regra que somente é cabível se acompanhada de justa motivação e provas sólidas – Inocorrência – Certidão de batismo que não estampa o nome completo do batizado e expedida para fins religiosos – Impossibilidade de prevalência sobre documento dotado de fé pública – Ausência de outros elementos idôneos a infirmar a presunção de veracidade do documento público – Inteligência do artigo 109 da Lei de Registro Públicos – Precedente do E. STJ e desta C. Câmara – Recurso desprovido.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1041457-36.2022.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante ANTONIO JOSE DOS SANTOS, é apelado O JUIZO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: negaram provimento ao recurso. V.U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO (Presidente sem voto), JAIR DE SOUZA E ELCIO TRUJILLO.

São Paulo, 26 de junho de 2023.

GILBERTO CRUZ

Relator(a)

Apelação Cível nº 1041457-36.2022.8.26.0224

9ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos

Apelante: Antônio José dos Santos

Apelado: MM. Juízo a quo

Magistrado: Dr. Jaime Henriques da Costa

Voto nº 20851

APELAÇÃO – Ação de retificação de registro civil – R. sentença de improcedência – Irresignação do autor sob alegação de que a data correta de seu nascimento é aquela constante de sua certidão de batismo. Impertinência. Imutabilidade dos registros públicos. Exceção à regra que somente é cabível se acompanhada de justa motivação e provas sólidas. Inocorrência. Certidão de batismo que não estampa o nome completo do batizado e expedida para fins religiosos. Impossibilidade de prevalência sobre documento dotado de fé pública. Ausência de outros elementos idôneos a infirmar a presunção de veracidade do documento público. Inteligência do artigo 109 da Lei de Registro Públicos. Precedente do E. STJ e desta C. Câmara – Recurso desprovido.

Trata-se de recurso de apelação contra a r. sentença de fls. 126/127, cujo relatório se adota, que julgou improcedente a ação de retificação de registro civil de Antônio José dos Santos, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Inconformado, o autor apelou pugnando 1) a reforma da r. sentença e, consequentemente, a procedência da ação para retificação da data de seu nascimento, ao argumento de que 1.1) quando seu assento de casamento foi lavrado, “o apelante teve sua data de nascimento registrada como nascido no dia 05 de março de 1961, data esta apresentada de forma equivocada na Certidão de Casamento e demais documentos”. Esclarece que 1.2) “a data correta é 27 de maio de 1959, momento em que de fato nasceu, conforme pode ser comprovado através da cópia da certidão de batismo e declaração de testemunho constante nos autos”; e 1.3) “a Certidão eclesiástica serve como prova significativa da existência de equívoco no registro civil/casamento, nas situações em que este foi realizado com base em meras declarações, por quem não foi alfabetizado, e ainda como no caso em tela que o apelante teve a recente informação dada pelo Cartório, que não possui Registro Civil” (fls. 131/145). Preparo recolhido (fls. 166/167).

A d. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento (fls. 157/160).

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É o breve relato.

A irresignação não comporta acolhida.

Trata-se de ação buscando a retificação de registro de nascimento e casamento, sob a justificativa de que constou a sua data de nascimento como sendo 05.03.196, quando o correto é 27.05.1959, conforme certidão de batismo.

A r. sentença deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos, a teor do artigo 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal de Justiça, vez que o MM. Juízo a quo bem analisou a questão, litteris:

Com efeito, à vista dos documentos acostados, não houve efetiva demonstração do suposto erro constante nos registros de nascimento e casamento do autor a ensejar sua retificação, nos termos do artigo 109 da LRP.

A tese do requerente é até verossímil, mas carece de comprovação minimamente segura.

Isto é, não há prova suficiente de que o nascimento do autor ocorreu de fato em 27/05/1959, sendo inviável, neste feito, superar a presunção de legalidade e veracidade da certidão de casamento em inteiro teor de fls. 117.

Como observado pelo i. representante do Ministério Público (fls. 125), a certidão de batismo não pode prevalecer diante de certidão de casamento, documento dotado de fé pública, ante o princípio da veracidade registral.

Veja-se que em verdade o documento que o autor trouxe aos autos para embasar sua pretensão é um escrito particular, em máquina de datilografar, alegadamente produzido por uma entidade privada sem qualquer fé pública. Trata-se de situação que sequer pode ser confirmada, e que ainda que o fosse mesmo assim não se revestiria de oficialidade hábil a afastar o poder probatório da certidão oficial de casamento.

Com efeito, o princípio da imutabilidade dos registros públicos comporta flexibilização apenas em caráter excepcional, de forma fundamentada em instruída com provas sólidas aptas a sustentar a pretendida alteração.

É o que se depreende do artigo 109 da Lei de Registros Públicos, in verbis:

Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco (5) dias, que correrá em cartório.

In casu, como bem pontuou o i. Magistrado a quo, a certidão de batismo expedida por autoridade eclesiástica para fins religiosos não pode prevalecer sobre documento dotado de fé pública, considerando, em especial, que referido documento não exibe o nome completo do apelante, mas apenas o prenome, podendo, portanto, se tratar de pessoa diversa.

Em acréscimo, a “declaração de testemunho” juntada aos autos sequer estampa a idade do declarante e não esclarece a que título testemunhou o nascimento de Antônio; e tampouco há reconhecimento de firma na assinatura nela oposta.

Esse também o entendimento, fundamentado, da douta Procuradoria Geral da Justiça, a saber:

[…] A fé pública contida no assento de casamento transcrito sob o n.º 90, lavrado às fls. n.º 9, do livro n.º 01-B. Aux., do Cartório de Registro Civil da Comarca de Piatã no Estado da Bahia (fl. 25), prevalece sobre a certidão de batismo expedida pela Paróquia de Bom Jesus do Rio de Contas do mesmo município por se tratar de documento particular e isoladamente, não é apto a infirmar o registro público que orientou toda a vida do recorrente.

Incabível mitigar a força probatória do documento registral por documento realizado sem fé pública e para efeitos religiosos, do qual não se extrai inclusive, que se trata da mesma pessoa, visto que redigido precariamente com apenas o prenome.

Do mesmo modo, a “declaração de testemunho” (fl. 26) não é apta ao destino que se presta, visto que nem ao menos se sabe se o subscritor era vivo na época do nascimento, por qual maneira tomou conhecimento do fato e além do mais, a simples assinatura não está reconhecida.

Para que fosse possível a alteração da data de nascimento constante no registro civil do casamento, como quer o apelante, mister que fossem trazidas provas concretas como o registro civil de nascimento ou fotos datadas, carteiras de vacinação, prontuários médicos ou outros documentos relativos à primeira infância, porém não o fez.

Assim, considerando os princípios da segurança jurídica dos registros públicos e da presunção de veracidade dos documentos públicos, a retificação do registro não se justifica sem prova robusta de erro.

Este é inclusive o entendimento sufragado por esta C. Câmara [1] e E. Tribunal de Justiça [2].

Ex positisnega-se provimento ao recurso.

Incabível a condenação por honorários advocatícios, pois ausente a instauração de relação jurídico-processual.

Por fim, prequestionadas as normas jurídicas reportadas no curso do presente feito, ficam as partes advertidas de que a interposição de recurso contra esta decisão, se declarado manifestamente inadmissível, protelatório ou improcedente, poderá acarretar sua condenação às penalidades fixadas no artigo 1.026, § 2º, do CPC/15. Acrescente-se que a função do julgador é decidir a lide de modo fundamentado e objetivo; desnecessário, portanto, o enfrentamento exaustivo de todos os argumentos elaborados pelas partes.

GILBERTO FERREIRA DA CRUZ

Relator

Notas:

[1] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Pretensão de alteração da data constante no assento de nascimento da interessada, lavrado tardiamente. Impossibilidade. Ausência de informações e documentos com força suficiente a ilidir os dados do registro civil que se pretende modificar. Certidão de batismo que não basta para suprimir a presunção de veracidade que emana do ato registral, devendo subsistir o quanto neste declarado. Precedentes desta Corte. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1008639-34.2021.8.26.0008; Relator: Márcio Boscaro; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII – Tatuapé – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/03/2022; Data de Registro: 31/03/2022)

[2] Registro civil das pessoas naturais. Retificação de assento de nascimento. Data do nascimento. Certidão de batismo que não basta, por si só, para elidir a fé-pública do assento de nascimento. Precedentes. Mas devido, ao menos, se facultar ao autor a produção de novas provas, dadas as circunstâncias envolvendo anterior retificação de seu nome. Sentença revista. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível 1067522-55.2022.8.26.0002; Relator: Claudio Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/05/2023; Data de Registro: 25/05/2023)

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1041457-36.2022.8.26.0224 – Guarulhos – 10ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Gilberto Ferreira da Cruz – DJ 28.06.2023

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.




STJ: Segurado que se obrigou a manter ex-esposa em seguro de vida por acordo judicial não pode retirá-la unilateralmente.


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou nula a alteração de beneficiária de seguro de vida em grupo realizada por segurado que se obrigou, em acordo de divórcio homologado judicialmente, a manter a ex-esposa como única favorecida do contrato. Para o colegiado, ao se comprometer a manter a ex-mulher como beneficiária, o segurado renunciou à faculdade de livre modificação da lista de agraciados e garantiu a ela o direito condicional (em caso de morte) de receber o capital contratado.

No mesmo julgamento, o colegiado entendeu que o pagamento feito a credores putativos – ou seja, credores aparentes – não poderia ser reconhecido no caso dos autos, pois a seguradora agiu de forma negligente ao não tomar o cuidado de verificar quem, de fato, tinha direito a receber o benefício.

Na origem, a mulher ajuizou ação contra a seguradora para anular a nomeação dos beneficiários de seguro de vida deixado por seu ex-marido falecido, que refez a apólice após o segundo casamento e a excluiu da relação de favorecidos. No processo, a ex-esposa provou que fez um acordo judicial de divórcio com o segurado, em que constava que a mulher seria a única beneficiária do seguro de vida em grupo ao qual ele havia aderido.

O juízo de primeiro grau julgou improcedente a ação por considerar que a seguradora agiu de boa-fé ao pagar a indenização securitária aos beneficiários registrados na apólice, de modo que não poderia ser responsabilizada pela conduta do segurado. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), entretanto, reformou a sentença e determinou que a ex-esposa recebesse a indenização sob o fundamento de que a estipulação feita no acordo de divórcio tornava ilícita a exclusão da mulher como beneficiária do seguro.

Ao STJ, a seguradora alegou que o pagamento feito por terceiro de boa-fé a credor putativo é válido. Dessa forma, argumentou, ela não poderia ser responsabilizada por seguir o disposto na apólice, em situação de aparente legalidade.

Segurado desrespeitou direito garantido à ex-esposa

Segundo o relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o artigo 791 do Código Civil permite a substituição de beneficiários do contrato de seguro de vida pelo segurado, a menos que a indicação esteja vinculada à garantia de alguma obrigação ou o próprio segurado tenha renunciado a tal faculdade.

Nesse contexto, apontou, se o segurado abrir mão do direito de substituição do beneficiário, ou se a indicação não for feita a título gratuito, o favorecido deve permanecer o mesmo durante toda a vigência do seguro de vida. Segundo explicou o relator, nessa situação, o beneficiário “não é detentor de mera expectativa de direito, mas, sim, possuidor do direito condicional de receber o capital contratado, que se concretizará sobrevindo a morte do segurado”.

No caso dos autos, em razão do acordo homologado pela Justiça em que havia obrigação de manter a ex-esposa como beneficiária exclusiva do seguro de vida, o ministro Cueva entendeu que “o segurado, ao não ter observado a restrição que se impôs à liberdade de indicação e de alteração do beneficiário no contrato de seguro de vida, acabou por desrespeitar o direito condicional da ex-esposa, sendo nula a nomeação na apólice feita em inobservância à renúncia a tal faculdade”, observou.

Devedor deve demonstrar boa-fé e postura diligente

Em relação ao pagamento feito aos credores que aparentemente teriam direito ao crédito (credores putativos), Villas Bôas Cueva destacou que sua validade depende da demonstração da boa-fé objetiva do devedor. Dessa forma, segundo ele, seria necessária a existência de elementos suficientes para que o terceiro tenha sido induzido a acreditar que a pessoa que se apresenta para receber determinado valor é, de fato, o verdadeiro credor.

Por outro lado, o relator ressaltou que a negligência ou a má-fé do devedor tem como consequência o duplo pagamento: uma, ao credor putativo e outra, ao credor verdadeiro, sendo cabível a restituição de valores a fim de se evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes.

Para o ministro, a situação do processo indica que a seguradora não adotou a cautela necessária para pagar o seguro à verdadeira beneficiária.

“Ao ter assumido a apólice coletiva, deveria ter buscado receber todas as informações acerca do grupo segurado, inclusive as restrições de alteração no rol de beneficiários, de conhecimento da estipulante. Diante da negligência, pagou mal a indenização securitária, visto que tinha condições de saber quem era o verdadeiro credor, não podendo se socorrer da eficácia do pagamento a credor putativo”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso especial.

Leia o acórdão no REsp 2.009.507.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito.