1ª VRP/SP: A falta do título não pode materializar direitos inscritíveis no Registro de Imóveis, pois, ofendem a segurança jurídica e os princípios informadores dos registros públicos.

Processo 1112703-57.2014.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Carlos Duarte de Souza – Em 10 de Dezembro de 2014, faço estes autos conclusos a MMª Juíza de Direito Drª Tânia Mara Ahualli da 1ª Vara de Registros Públicos. Eu, , escrevente, digitei. Registro de Imóveis Dúvida inversa Título que não foi formalmente apresentado Dúvida Procedente Vistos em correição. Recebo os autos como procedimento de dúvida inversa. Anote-se. Carlos Duarte de Souza suscitou dúvida inversa em face do 8º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, diante da negativa em se averbar a Carta de Adjudicação extraída dos autos nº 0127712-28.2004.8.26.0100, emanada da 33ª Vara Cível do Fórum Central da Capital, tendo como justificativa a ausência de título original do contrato de compra e venda do imóvel matriculado sob o nº 38.774, naquela Serventia, e a apresentação de cópia microfilmada pelo 3º Registro de Títulos e Documentos. O interessado, em síntese, alegou que o a cópia microfilmada tem força de documento original por expressa previsão legal. Ademais, aduz que a Carta de Adjudicação, expedida em seu favor, observou todo o procedimento do devido processo legal e a decisão foi emanada do Juízo competente, portanto, deve se afastado o óbice imposto pelo Oficial (fls. 01/03). O Oficial alega que negou o ingresso do título ao fólio real ante a ausência do título original aquisitivo em nome de Arlete Alves Forli, argumentando que se trata de entendimento uníssono pela Jurisprudência do E. Conselho Superior da Magistratura a sua obrigatoriedade (fls.73/75). O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida e para que se mantenha o óbice registral (fls.85/86). É o relatório. DECIDO. Com razão o Oficial. Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real. O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7). Deve-se salientar que, no ordenamento jurídico pátrio, incumbe ao Registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei. A análise do título deve obedecer a regras técnicas e objetivas, o desempenho dessa função atribuída ao Registrador, deve ser exercida com independência, exigindo largo conhecimento jurídico. Não obstante, o entendimento pacificado no Conselho Superior, há muito, é de que a ausência do instrumento original levado a registro prejudica o exame da questão. Nesse sentido, o acórdão proferido na apelação 1076-6/5, de 05 de maio de 2009, Rel. Des. Ruy Camilo: “A ausência de requisitos essenciais constitui-se em matéria prejudicial ao conhecimento do recurso interposto. Com efeito, nenhum título original se encontra acostado aos autos, uma vez que a presente dúvida foi suscitada a partir de mera cópia reprográfica da cédula rural pignoratícia que foi reapresentada pelo banco suscitado, estando inviabilizada assim a sua análise direta por este Conselho Superior da Magistratura”. Neste raciocínio, acerca de hipóteses semelhantes sobre a posição firmada, é representativo o V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 43.728- 0/7, da Comarca de Batatais, relatado pelo eminente Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição: “REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversamente suscitada – Falta do título original e de prenotação – Inadmissibilidade – Prejudicialidade – Recurso não conhecido”. O texto do julgado faz referência a outro precedente, o qual é categórico: “Pacífica a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da necessidade de apresentação do título original, como decidido na apelação cível n.º 30.728-0/7, da Comarca de Ribeirão Preto, Relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha, nos seguintes termos: ‘Ora, sem a apresentação do título original, não se admite a discussão do quanto mais se venha a deduzir nos autos, porque o registro, em hipótese alguma, poderá ser autorizado, nos termos do artigo 203, II, da Lei 6.015/73. Não é demasiado observar que no tocante à exigência de autenticidade, o requisito da exibição imediata do original diz respeito ao direito obtido com a prenotação do título, direito que não enseja prazo reflexo de saneamento extrajudicial de deficiências da documentação apresentada’”. Portanto, é irrefutável a apresentação dos documentos originais ao registro. A falta do título não pode materializar direitos inscritíveis no Registro de Imóveis, pois, ofendem a segurança jurídica e os princípios informadores dos registros públicos. Por fim, conforme bem ilustrado pelo Oficial, verifico a não observância do princípio da continuidade, um dos pilares do Direito Imobiliário brasileiro, posto que a cópia microfilmada do contrato de compra e venda apresentada às fls.08/17 não foi registrada na matrícula 38.774 e, portanto, a simples apresentação da Carta de Adjudicação para o registro deixaria uma lacuna inadmissível na matrícula, devendo ser afastada tal pretensão. Neste raciocínio, ensina Afrânio de Carvalho sobre o princípio da continuidade: “Em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254). Do exposto, julgo PROCEDENTE a dúvida inversa contra o 8º Oficial de Registro de Imóveis e mantenho o óbice imposto. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: CLAUDIO LUIZ ESTEVES (OAB 102217/SP)

Fonte: DJE/SP | 18/12/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


Publicado o Decreto FEDERAL nº. 8.381, de 29.12.2014, que institui o salário mínimo a partir de 2015: R$ 788,00.

Decreto FEDERAL nº 8.381, de 29.12.2014 – D.O.U.: 30.12.2014.

Regulamenta a Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo e a sua política de valorização de longo prazo.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 3º da Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011,

Decreta:

Art. 1º A partir de 1º de janeiro de 2015, o salário mínimo será de R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais).

Parágrafo único. Em virtude do disposto no caput, o valor diário do salário mínimo corresponderá a R$ 26,27 (vinte e seis reais e vinte e sete centavos) e o valor horário, a R$ 3,58 (três reais e cinquenta e oito centavos).

Art. 2º Este Decreto entra em vigor a partir de 1º de janeiro de 2015.

Brasília, 29 de dezembro de 2014; 193º da Independência e 126º da República.

DILMA ROUSSEFF

GUIDO MANTEGA

MANOEL DIAS

MIRIAM BELCHIOR

GARIBALDI ALVES FILHO

Este texto não substitui o publicado no D.O.U.: de 30.12.2014.

Fonte: Grupo Serac – Boletim Eletrônico INR nº 6756 | 30/12/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.


TJ|DF: Civil – Processual Civil – Sucessão – Registro e cumprimento de testamento – Jurisdição voluntária – Testamento conjuntivo – Vedação legal – Código Civil de 1916 – Vedação repetida no Código Civil de 2012 – Excepcionalidade da situação fática – Testadores estrangeiros (Portugueses) – Equivoco do tabelião – Excesso de formalismo – Aplicação do juízo de equidade – Possibilidade – Art. 1.109 do CPC – Legalidade estrita – Mitigação – Recurso conhecido e improvido.

Órgão: 1ª TURMA CÍVEL
Apelante(s):
Apelado(s):
APELAÇÃO
20110610113130APC (0011120-70.2011.8.07.0006)
MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
MARIA FERNANDA FERNANDES HENRIQUES
Desembargador ALFEU MACHADO
Relator
Desembargadora MARIA IVATÔNIA
Revisora
Acórdão N.823214

E M E N T A
Poder Judiciário da UniãoTribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO. REGISTRO E CUMPRIMENTO DE TESTAMENTO. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. TESTAMENTO CONJUNTIVO. VEDAÇÃO LEGAL. CÓDIGO CIVIL DE 1916. VEDAÇÃO REPETIDA NO CÓDIGO CIVIL DE 2012. EXCEPCIONALIDADE DA SITUAÇÃO FÁTICA. TESTADORES ESTRANGEIROS (PORTUGUESES). EQUIVOCO DO TABELIÃO. EXCESSO DE FORMALISMO. APLICAÇÃO DO JUÍZO DE EQUIDADE. POSSIBILIDADE. ART. 1.109 DO CPC. LEGALIDADE ESTRITA. MITIGAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. No caso dos autos, não há dúvidas de que o casal falecido, estrangeiros (portugueses) que residiam no Brasil, criaram a requerente, também portuguesa, como a filha que não tiveram. Também não resta nenhuma dúvida de que a intenção deles foi a de deixar o único bem que amealharam em vida para a filha de criação. Não há outros filhos, nem parentes conhecidos do casal falecido.

2. Incasu, não se pode desprezar, em razão do equivoco perpetrado pelo Tabelião – que lavrou as últimas  vontades dos testadores em um único documento -, a intenção ali assentada, vez que os falecidos manifestaram inequívoco interesse em deixar seus bens (presentes e futuros), em favor da requerente/apelada, sua filha de criação.

3. O argumento de que o testamento que aparelha os autos é conjuntivo, o que ensejaria, nos termos do art. 1.630 do CC/1916 (dispositivo repetido no art. 1.863 do CC/2002), sua nulidade; encerra excessivo apego ao formalismo, tendo em vista que, em razão da moldura fática apresentada nos autos, os bens deixados pelo casal falecido, em razão da ausência de ascendentes, descendentes e da inexistência de notícia de colaterais, serão entregues à Fazenda Pública.

4. Precedente: “[…] NÃO SE DEVE ALIMENTAR A SUPERSTIÇÃO DO FORMALISMO OBSOLETO, QUE PREJUDICA MAIS DO QUE AJUDA. EMBORA AS FORMAS TESTAMENTARIAS OPEREM COMO JUS COGENS, ENTRETANTO A LEI DA FORMA ESTA  SUJEITA A INTERPRETAÇÃO E CONSTRUÇÃO APROPRIADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS. RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. (REsp 1422/RS, Rel. Ministro GUEIROS LEITE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/10/1990, DJ 04/03/1991, p. 1983)”

5. Ail. Magistrada de primeiro grau converteu o feito em Registro e Cumprimento de Testamento, conforme decisão interlocutória, portanto, de jurisdição voluntária.

6. Em sendo assim, o juiz não está obrigado a decidir com base na legalidade estrita (art. 1.109, CPC), facultando-lhe, portanto, o juízo por equidade, ou seja, poderá adotar, no caso concreto, a solução que reputar mais conveniente ou oportuna. A doutrina entende que tal dispositivo reconhece a presença de certa discricionariedade do juiz.

7. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida.
A C Ó R D Ã O
Acordam os Senhores Desembargadores  da 1ª TURMA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ALFEU MACHADO – Relator,MARIA IVATÔNIA – Revisora, TEÓFILO CAETANO – 1º Vogal, sob a presidência da Senhora Desembargadora SIMONE LUCINDO,  em proferir a seguinte decisão:
CONHECER E NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasilia(DF), 1 de Outubro de 2014.
Documento Assinado Eletronicamente
ALFEU MACHADO
R E L A T Ó R I O
Adoto, em parte, o relatório da r. sentença de fls. 106/110, que ora transcrevo:
“[…] Vistos, etc.    
Trata-se de pedido de registro e cumprimento do testamento público deixado por Luiz Canelhas e Prazeres dos Santos, falecidos em 16 de dezembro de 1986 e 05 de novembro de 1998, respectivamente, formulado por Maria Fernanda Fernandes Henriques.
Consta às fls. 17/18 a disposição de última vontade dos falecidos, na qual informam que não possuem filhos e que deixam os seus bens para a autora.
Às fls. 86/87 o Ministério Público afirmou que o testamento acostado às fls. 17/18 é conjuntivo, o que era vedado pelo artigo 1630 do Código Civil de 1916, em disposição que foi, inclusive, repetida no artigo 1863 da atual codificação cível.
Em manifestação de fls. 88-92, a requerente alegou não se tratar de testamento conjuntivo, visto que restou documentado que os testadores teriam “falado cada um por sua vez”.
Ademais, aduziu a existência de prescrição do prazo para arguir eventual nulidade.
Parecer do Ministério Público às fls. 101-102v.  […]
Acrescento que a il. Magistrada de primeiro grau, com base no art. 1.125 e s.s. do CPC, determinou que se registre, arquive e cumpra o presente testamento (fls. 17/18), obedecendo a vontade dos testadores.
O órgão ministerial, nos termos do art. 499, § 2º, do CPC, apresentou recurso de apelação, no qual requer a reforma da r. sentença de primeiro grau, para que seja reconhecida a nulidade do testamento público encartado nos autos.
Sustenta, em apertada síntese, que o Código Civil de 1916 (assim como o atual) veda o testamento conjuntivo, ou seja, aquele feito por duas ou mais pessoas, por intermédio de um mesmo documento, em proveito próprio ou de terceiro.
Assim, entende que não há que se falar na aplicação da conversão do negócio jurídico no presente caso (art. 170 do Código Civil), quando há vedação expressa no ordenamento jurídico para o testamento conjuntivo.
Recurso isento de preparo.
A apelada, em contrarrazões (fls. 118/125), rechaçou a tese recursal, pugnando pela manutenção do r. julgado.
A d. Procuradoria de Justiça oficiou pelo conhecimento e improvimento do recurso manejado pelo Parquet.
É o relatório.
À douta revisão.
Cuida-se de apelação interposta em face da r. sentença que ratificou as declarações de vontades expressas no testamento encartado nos autos, conforme anteriormente relatado.
Em suas razões recursais, o Parquet sustenta, em apertada síntese, que o Código Civil de 1916 (assim como o atual) veda o testamento conjuntivo, ou seja, aquele feito por duas ou mais pessoas, por intermédio de um mesmo documento, em proveito próprio ou de terceiro.
Assim, entende que não há que se falar na aplicação da conversão do negócio jurídico no presente caso (art. 170 do Código Civil), quando há vedação expressa no ordenamento jurídico para o testamento conjuntivo.
Sem preliminares ou prejudiciais, ingresso no mérito recursal.
Compulsando os autos, verifico que a il. Magistrada de primeiro grau resolveu a questão, nos seguintes termos:
V O T O S
O Senhor Desembargador ALFEU MACHADO – Relator
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
“[…] Trata-se de pedido de registro e cumprimento do testamento público deixado por Luiz Canelhas e Prazeres dos Santos, falecidos, respectivamente, em 16 de dezembro de 1986 e 05 de novembro de 1998.
Em manifestação de fls. 86/87 o Ministério Público requer o reconhecimento da invalidade do testamento, sob o fundamento de o ordenamento jurídico brasileiro não permitir a elaboração de disposições testamentárias conjuntivas.
Buscando refutar as alegações do órgão ministerial, a autora argumenta que já decorreu o prazo para o pleito de invalidade do testamento. Contudo, no que concerne à contagem do prazo para questionar a última manifestação de vontade, ressalto que o assunto não era regulado pela legislação anterior, passando a se aplicar a disposição do art. 1859 do atual Código Civil, o qual estabelece que “Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro”.
Todavia, não há que se interpretar o registro descrito na norma legal como sendo aquele realizado perante o tabelião no cartório onde foi lavrado o testamento. Ao contrário, aquele termo refere-se ao procedimento ora pleiteado. Caso assim não o fosse, o diploma legislativo estaria abrindo a possibilidade de se discutir a herança da pessoa ainda em vida, o que não é permitido, visto que o testador pode alterar o documento quantas vezes se fizer necessário até a sua morte.
No mesmo sentido, o eminente Desembargador Sérgio Izidoro Heil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em voto proferido na Apelação Cível nº 2005.033368-1 (AC 333681/SC), elucidou o tema, ao destacar o entendimento doutrinário nos seguintes termos:
“Ocorre que a norma do art. 1.859, do Diploma Legal deve ser interpretada com ressalvas, uma vez que a impugnação do testamento apenas pode ser efetivada após a morte do testador, com o seu efetivo registro. Somente após a abertura da sucessão e da apresentação do testamento ao Juiz, com o atendimento das disposições dos arts. 1.128 e 1.133 do CPC, é que deve correr o prazo quinquenal.
Sobre a matéria, lecionam Silvio de Salvo Venosa e Débora Gozzo:
‘Como a eficácia do testamento somente pode ocorrer após a morte do testador, é somente após a sua morte que pode ser questionada a higidez do negócio, sua validade e seus efeitos’ (Comentários ao  Código Civil Brasileiro, v. XVI: do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 274).
No mesmo sentido, comenta Zeno Veloso:
‘Não se pode questionar a validade do testamento em vida do testador. O testamento é negócio jurídico mortis causa, e somente com a abertura da sucessão é que a alegação da sua invalidade terá pertinência e poderá ser apresentada (…).
A contagem do quinquênio dá-se com a apresentação do testamento ao juiz, e cumpridos os requisitos legais (CPC, arts. 1.126, 1.128, 1.133 e 1.134)’ (Comentários ao Código Civil:
parte especial: direito das sucessões , vol. 21. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 21/22).
Por fim, anota Sebastião Luiz Amorim:
‘Há de se observar que a validade do testamento não pode ser questionada em vida do testador, pois que se trata ela de negócio jurídico cujos efeitos se produzem após a morte.
Com a abertura da sucessão é que pode o testamento sofrer contestação’ (Código Civil Comentado: direito das sucessões, sucessão testamentária, artigos 1.857 a 1.990, vol. XIX. São Paulo: Atlas, 2004, p. 42)”
(Apelação Cível nº 2005.033368-1, Terceira Câmara de Direito Civil, Relator: Sérgio Izidoro Heil, Julgado em: 18/11/2005)
Assim, não há que se falar em prescrição.
Em relação ao pedido do Ministério Público, verifico que o art. 1.863 do Código Civil/2002 dispõe ser proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo.
Esclarecendo o conceito de testamento conjuntivo simultâneo, Carlos Roberto Gonçalves ressalta que:
“É simultâneo quando os testadores dispõem em benefício de terceiros, num só ato (uno contextu)”.
(Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7: direito das sucessões. 6ª Ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 253)
Apesar da disposição taxativa do mencionado dispositivo legal, o caso em questão possui peculiaridades que exigem um maior aprofundamento.
Os testadores eram casados e não tiveram filhos. O cônjuge varão faleceu em 16 de dezembro de 1986 enquanto que sua esposa veio a óbito em 05 de novembro de 1998. No período de 12 (doze) anos transcorrido entre as datas dos falecimentos não houve pedido de cumprimento de testamento ou pleito questionando a sua validade.
Hoje, não há ascendentes, descendentes, e sequer notícias de quaisquer colaterais que seriam beneficiados com a declaração de invalidade do testamento, de forma que se houver o reconhecimento da sua nulidade, os bens deixados pelo casal serão entregues à Fazenda Estadual.
Investigando os fundamentos da proibição legal do testamento conjuntivo, encontram-se o não reconhecimento dos pactos sucessórios, o respeito à privacidade e a impossibilidade deste vir a ser revogado unilateralmente, impedindo o interessado de modificá-lo quando lhe conviesse. Quanto ao assunto, assim esclarecem Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:
“A proibição, que já constava no CC/1916 1630, repousa no fato de o ato de testar ser personalíssimo e revogável.
Segundo os doutrinadores que defendem a proibição do testamento de mão comum, a presença de mais de um testador, celebrando o mesmo ato, revestiria o negócio com o caráter da irrevogabilidade”
(Nery Junior, Nelson; Andrade Nery, Rosa Maria de. Código civil comentado. 8ª Ed. rev., ampl. e atual. até 12.07.2011. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. Pág. 1863)
Já Mauro Antonini afirma que:
“A razão da proibição decorre, em primeiro lugar, do entendimento de que, ao testar conjuntamente, no mesmo testamento, os testadores estariam violando o preceito que veda contrato sobre herança de pessoa viva (art. 426), pois a reciprocidade dele resultante, o objetivo pretendido pela disposição comum, poderia acarretar interesse, que repugna à moral e ao direito, na morte do cotestador. Em segundo lugar, o testamento conjuntivo tornaria iníqua a revogabilidade que é característica essencial do testamento (art. 1.858), pois, tendo duas pessoas testado conjuntamente, por algum tipo de vínculo, a revogação das disposições testamentárias por uma delas acarretaria frustração desse liame que é vedado nas disposições de última vontade.” (Antonini, Mauro. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 7ª Ed. rev. e atual. Barueri/SP: Manole, 2013. Pág. 2247)
Desta forma, destacados os fundamentos que ensejam a proibição do testamento conjuntivo, retorno à analise dos fatos.
Assim, desde já reitero que, apesar de terem transcorridos cerca de 12 (doze) anos entre a data dos falecimentos, a então viúva não demonstrou interesse em modificar a sua disposição de última vontade. Tal conduta comprova que Prazeres dos Santos não se submeteu ao arbítrio do seu cônjuge Luiz Canelhas, preservando o caráter personalíssimo daquela escritura.
Ademais, ressalto que a falecida seria a única herdeira do seu marido. Destarte, tem-se no caso concreto que somente quem poderia ser prejudicada pelas disposições testamentárias seria Prazeres dos Santos. Esclarecendo, destaco que, caso o testamento não existisse, esta receberia a integralidade do monte-mor deixado por aquele. E então, detendo a totalidade do patrimônio, poderia dispor como bem lhe conviesse.
Todavia, entre os anos de 1986 e 1998 a falecida optou por manter as disposições de fls. 17/18. Ou seja, não suscitou qualquer prejuízo em decorrência de eventual diminuição da sua legítima. Portanto, nada lhe impediu de revogar aquele ato.
Ao contrário, conservou a sua última vontade em deixar os seus bens para Maria Fernanda Fernandes Henriques. Neste sentido, relembro que o objetivo do testamento é permitir à parte dispor do seu patrimônio da forma que desejar, expressão da autonomia da vontade. No caso em apreço, não há dúvidas quanto à pretensão do casal, e sobretudo da última falecida.
Quanto aos demais fundamentos a proibir o testamento conjuntivo, ressalto que não há que se falar em pacto sucessório no presente caso. Isso porque este se caracteriza como um negócio jurídico bilateral em que ocorre a concordância do herdeiro/legatário. Assim, tal situação somente acontece nas disposições em que os participantes emitissem vontades em proveito recíproco. Entretanto, destaco que no presente caso a beneficiária Maria Fernanda não teve qualquer participação quando da realização da escritura de fls. 17/18, afastando-se qualquer possibilidade de pacto sucessório.
Finalmente, observo que naquela escritura consta que cada qual falou à sua vez, respeitando-se a exigência de que seja expressa a vontade pessoalmente manifestada pela parte.
Demonstrado nos autos que os fundamentos que vedam o testamento conjuntivo não subsistem na presente demanda, saliento os esclarecimentos de Carlos Roberto Gonçalves acerca da solenidade exigida pela legislação:
“A excessiva formalidade do testamento visa assegurar a suaautenticidade e a liberdade do testador, bem como chamar aatenção do autor para a seriedade do ato que está praticando.
Tem a jurisprudência, todavia, amenizado a rigidez formal quando a vontade do testador se mostra bem patenteada no instrumento. Nessa linha decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
‘Testamento. Descumprimento de formalidade. Circunstânciaque deve ser acentuada ou minorada de molde a assegurar avontade do testador e proteger o direito de seus herdeiros,sobretudo os filhos”.
(Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 7:direito das sucessões. 6ª Ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2012.Pág. 231)
No voto vencedor proferido no julgado indicado por aquele autor, o Eminente Ministro Relator Cesar Asfor Rocha salientou que:
“Não ponho nenhuma dúvida quanto à compreensão de que o testamento é um ato solene que deve submeter-se a numerosas formalidades que não podem ser descuradas ou postergadas, sob pena de nulidade. Mas todas essas formalidades não podem ser consagradas de modo exacerbado, pois a sua exigibilidade deve ser acentuada ou minorada em razão da preservação dos dois valores a que elasse destinam – razão mesma de ser do testamento -, na seguinte ordem de importância: a primeira, para assegurar a vontade do testador, que já não mais poderá, após o seu falecimento, por óbvio, confirmar a sua vontade ou corrigir distorções, nem explicitar o seu querer que possa ter sido expresso de forma obscura ou confusa; a segunda, para proteger o direito dos herdeiros, sobretudo dos seus filhos.
Assim ocorre, por exemplo, dentre muitos outros, se a vontade do autor do testamento não for claramente manifestada; se ela apresentar-se contraditória; se for de encontro à ordem natural das coisas abstraídas dos fatos da vida; se excluir da herança algum filho; se incluir algum herdeiro testamentário que possa despertar, por certas razões, surpresa ou espanto; se estabelecer cotas hereditárias desproporcionais entre os filhos,ainda que protegida a legítima; se estabelecer cláusulas injustificáveis a afetar a legítima, visivelmente prejudiciais a alguns herdeiros, etc.
Por outro lado, como disse, e creio que todos aqui acordamos nesse ponto, “não se deve levar o formalismo dos testamentos ao extremo, não se justificando interpretação apenas literal. O formalismo se põe como forma de dar maior segurança à declaração de vontade, cuja eficácia se realiza após a morte do declarante”, segundo lição de Marco Aurélio S. Viana (“Curso de Direito Civil”, v. 6, Belo Horizonte: Del Rey, 1993, pac. 7, nº7, pp. 97-98).
(…)
Por fim, reproduzo mais uma vez e fazendo minhas as seguintes preciosas colocações postas no voto vencedor do eminente Juiz Ronald Schulman:
‘E agora, proferindo meu voto, iluminado inclusive pelo principio da lógica razoável, estou convicto de que a vontade do testador, jamais impugnada nestes autos, deve prevalecer apesar do vício ocorrido no ato solene em que ela foi manifestada. Pois se a presença da testemunha era exigida justamente para a segurança da verdade e coerência das declarações do testador, e estas são reconhecidas por todos,penso, com a devida vênia dos votos em contrário, que deva prevalecer o testamento, pois o seu sacrifício importaria na violação de um bem maior, que é o da liberdade do indivíduo dispor em última vontade de seu patrimônio.’ (fls. 569/570)”(STJ. Resp 302.767/PR, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha.Julgado em 05.06.2001, Publicado em 24/09/2001).
Ora, no que tange ao formalismo legal, não se deve esquecer que é permitida a realização de testamentos no mesmo local e data, desde que em atos separados, conforme esclarece Zeno Veloso:
“Mas nada impede que duas pessoas, em atos separados,ainda que na mesma data, perante o mesmo tabelião, façam testamentos dispondo em favor de um terceiro, ou, mesmo, em proveito recíproco. Por sinal, isso ocorre com certa freqüência,quando os testadores são marido e mulher”.(Veloso, Zeno. Código civil comentado. Coordenadora Regina Beatriz Tavares da Silva. 7ª Ed. rev. e atual. São Paulo:Saraiva, 2010. Pág. 1892)
Portanto, analisando-se os fundamentos que destacam ser desnecessário se apegar ao excessivo formalismo legal tem-seque o intuito primordial do instituto ora destacado é preservar que as disposições de última vontade dos falecidos sejam respeitadas, sem a interferência de terceiros.
No mesmo sentido, ao analisar decisão do STJ que afastou a alegação de nulidade de um testamento que não havia sido lavrado pelo Tabelião, mas apenas realizado sob sua supervisão, assim se manifestou Flávio Tartuce:
“O julgado é louvável, pois a tendência contemporânea é que o material prevaleça sobre o formal; que o concreto prevaleça sobre as ficções jurídicas. Tal constatação tem relação direta com o princípio da operabilidade, adotado pela codificação de 2002, que busca um Direito Privado real e efetivo (a concretuderealena)”.(Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2ª ed.rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:Método. Pág. 1314)
Todavia, isso não significa dizer que seja permitida uma total ausência de forma. Ao contrário, cabe ao interessado proceder conforme o estipulado no regramento cível. E para tanto, Luiz Canelhas e Prazeres dos Santos, um casal de portugueses,diligenciou junto ao 2º Ofício de Notas, Registro Civil e Protesto de Títulos de Sobradinho/DF, munidos das cinco testemunhas exigidas em lei para disporem do patrimônio em conformidade com os termos legais. Neste sentido, compareceram perante o Tabelião, profissional que recebeu delegação do Estado para o exercício da atividade notarial, e falaram cada um por sua vez.
Nesta função, cabe àquele, profissional de direito dotado de fé pública, como dever do seu ofício, instruir, esclarecer e orientar o testador, sem se envolver no teor do conteúdo declarado.
Quanto ao assunto, leciona Walter Cenevina que:
“A atividade registrária, embora exercida em caráter privado,tem característicos típicos de serviço público.
(…)
A delegação envolve, do ângulo do delegante, forma de representação do poder estatal, pois credencia o delegado do Poder Público, e não de um ou mais órgãos específicos do Estado. O delegante é o Estado.
(…)
Embora não sejam próprias do direito do consumidor, as relações entre o delegado e sua clientela são examinadas do ponto de vista do predominante interesse desta.
Compreendem, na adequada realização dos serviços:
(…)
b) dever de atender, informar e certificar o que for de direito, no prazo e na forma da lei”.(Ceneviva, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 18ªEd. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. Págs. 6-9)
Fundamentando o acima exposto, a Constituição Federal, no seu artigo 236, estipula que:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
Porém, no caso concreto o delegatário estatal não diligenciou para que o documento fosse realizado em instrumentos separados, o que estaria em consonância com o dispositivolegal. Assim, saliento que apesar da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro destacar que ninguém pode se escusar de cumprir a lei alegando que a desconhece, tenho que tal norma deve ser apreciada conforme cada situação.
Para tanto, não há que se exigir de um casal de portugueses que saibam todas as minúcias da legislação sucessória brasileira. Estes foram zelosos em cumprir a determinação codificada quando compareceram perante o tabelião munido das suas testemunhas.
Assim, não há dúvidas de que a presunção de que todos saibam da lei visa garantir a sua obrigatoriedade. Todavia, em casos concretos é possível detectar que não cabe punir o ser humano que agiu de forma diligente, conforme se espera daquele que almeja cumprir a legislação. Por tais motivos, e considerando que no presente caso já restou esclarecido que não subsistem os fundamentos que justificam a proibição do testamento conjuntivo, o qual é estipulado em uma norma cogente, afasto a proibição da denominada “conversão formal”e entendo pela possibilidade de se aplicar o artigo 170 do Código Civil, que assim estabelece:
Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
Sobre a referida norma, ressalta Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, que esta:
“Tão somente autoriza-se o aproveitamento (pelo juiz) da vontade emitida para a celebração de um negócio, que é nulo,para que produza efeitos em outra espécie negocial, dês que a finalidade perseguida esteja respeitada.”(Chaves de Farias, Cristiano; Rosenvald, Nelson. Curso de direito civil: volume 1: parte geral e lindb. 10ª ed. rev., ampl. eatual. Salvador: Editora Juspodivm, Pág. 617.)
Desta forma, ressalto que a referida norma, que trata da denominada “conversão substancial do negócio jurídico”, pode ser aplicada ao presente caso. Assim, deve-se proteger o cerne do elemento volitivo dos testadores, visto ser possível o aproveitamento do ato por eles praticado, no qual é possível detectar a vontade externada e a existência dos requisitos mínimos de validade do testamento, cumprindo-se a exigência de serem atendidos os requisitos objetivos e subjetivos necessários para a adoção do instituto previsto no artigo 170.
Ademais, reitero que foi o delegatário estatal que não teve o cuidado de proceder conforme necessário. Diante de tal situação, a aplicação do artigo 1630 do Código Civil de 1916 impediria que Maria Fernandes fosse a beneficiária da vontade externada pelos falecidos. E neste caso, não havendo herdeiros do casal, o patrimônio que deixaram seria transmitido para o Distrito Federal. Ou seja, em virtude da falta de diligência por parte do Estado, por intermédio do Tabelião, este próprio seria beneficiado.
Portanto, a presente demanda deve ser analisada sob a ótica de um dos princípios basilares do direito, que é o de que ninguém pode se beneficiar do próprio erro.
Neste sentido, punir os testadores por uma falha do Estado é uma afronta ao princípio da confiança, corolário da tão almejada boa-fé nas relações jurídicas, a qual é um preceito de ordem pública fundamentada na probidade e na confiança.
Ademais, seria ignorar o desejo daqueles em privilégio de quem não cumpriu com o seu dever de aplicar o regramento legal estabelecido.
Assim, tenho que devidamente esclarecida a intenção dos testadores, não havendo dúvidas de que teriam procedido de outra forma não fosse o desconhecimento do real procedimento, visto que acreditavam estar atuando conforme o preceito normativo, e considerando que faltou ao Tabelião proceder com o dever de informar acerca da elaboração do testamento, tenho que resta caracterizado erro estatal, razão pela qual este não pode ser beneficiado quanto à sua conduta.
Esquivar-se de tal conclusão seria prejudicar quem agiu de boa-fé, equivocando-se de maneira perfeitamente desculpável em face do erro na atuação do Estado. Aliás, a Justiça deve estar acima do mero formalismo. Desta forma, tendo em vista que ninguém pode se beneficiar do próprio erro (Estado), e demonstrado que não subsistem no presente caso os fundamentos a proibir o aproveitamento do testamento conjuntivo, determino a conversão substancial do negócio jurídico para que seja preservada a vontade dos falecidos constante na Escritura Pública de Testamento apresentada nos autos, não figurando nenhum impedimento que vede o cumprimento dos termos ali dispostos.
Em face do exposto, com base no art. 1.125 e ss., do Código de Processo Civil, determino ao Cartório que registre, arquive e cumpra o presente testamento, obedecendo à vontade dos testadores.
Transcorrido o prazo para interposição do recurso, providencie a Secretaria do Juízo o termo de registro do testamento em livro próprio.
Condeno a requerente em custas processuais. Contudo, a exigibilidade ficará suspensa, nos termos da Lei 1.060/50. Sem honorários advocatícios. […]
Do acima exposto, mostra-se irreprochável a r. sentença de primeiro,não havendo qualquer irregularidade a suprir ou vício a sanar, razão pela qual integro-a nas minhas razões de decidir.
Isso porque, in casu, não se pode desprezar, em razão do equivoco perpetrado pelo Tabelião – que lavrou as últimas  vontades dos testadores em um único documento -, a intenção ali assentada, vez que os falecidos manifestaram inequívoco interesse em deixar seus bens (presentes e futuros), em favor da requerente/apelada, sua filha de criação.
Assim, o argumento de que o testamento que aparelha os autos (fls.17/18) é conjuntivo, o que ensejaria, nos termos do art. 1.630 do CC/1916(dispositivo repetido no art. 1.863 do CC/2002), sua nulidade; encerra excessivo apego ao formalismo, tendo em vista que, em razão da moldura fática apresentada nos autos, os bens deixados pelo casal falecido, em razão da ausência de ascendentes, descendentes e da inexistência de notícia de colaterais, serão entregues à Fazenda Pública.
Nesse sentido, corroborando o entendimento acima delineado, é o parecer do d. Procurador de Justiça. Confira-se:
“[…] No mérito, todavia, pede a Procuradoria de Justiça a mais respeitosa vênia para divergir dos fundamentos esposados pelo órgão ministerial recorrente.
Em resumo, o órgão recorrente pede a anulação de um testamento particular levado a registro em cartório público denota no ano de 1984. o argumento é o de que referido testamento foi conjuntivo, isto é, foi realizado conjuntamente pelo casal que criava a requerente como filha de criação, o que já era vedado pelo Código Civil de {sic}1917 e também é vedado pelo atual Código Civil, ex vi do disposto no seu art.1.863.
Consoante se verifica, todavia, pelo exame detalhado dos autos, o que pretende o órgão apelante é a declaração de nulidade do testamento por mero apego ao formalismo,pois não há nenhuma dúvida de que o casal falecido,estrangeiros (portugueses) que residiam no Brasil, realmente criou a requerente, também portuguesa, como a filha que não tiveram. Nem há dúvida de que a intenção deles foi a de deixar o único bem que amealharam em vida para a filha de criação.
Não há outros filhos, nem parentes conhecidos do casal falecido. Mas o órgão do MP recorrente entende que a requerente, para herdar o imóvel em causa, deve ajuizar previamente ação de reconhecimento de paternidade e maternidade sócio-afetiva post mortem, providencia, entretanto,que é custosa, morosa e absolutamente injustificada em face da prova dos autos. […]“(grifo nosso)
Caminhando pela mesma vereda, em situações semelhantes, o Col.STJ já dispôs:
TESTAMENTO PARTICULAR. REQUISITO DO ART. 1645, II,DO CÓDIGO CIVIL.NÃO HAVENDO DUVIDA QUANTO A AUTENTICIDADE DO DOCUMENTO DE ÚLTIMA VONTADE E CONHECIDA,INDUVIDOSAMENTE, NO PRÓPRIO, A VONTADE DO TESTADOR, DEVE PREVALECER O TESTAMENTO PARTICULAR, QUE AS TESTEMUNHAS OUVIRAM  LER E ASSINARAM UMA A UMA, NA PRESENÇA DO TESTADOR,MESMO SEM QUE TIVESSEM ELAS REUNIDAS, TODAS,SIMULTANEAMENTE, PARA AQUELE FIM.
NÃO SE DEVE ALIMENTAR A SUPERSTIÇÃO DO FORMALISMO OBSOLETO, QUE PREJUDICA MAIS DO QUE AJUDA. EMBORA AS FORMAS TESTAMENTARIAS OPEREM COMO JUS COGENS, ENTRETANTO A LEI DA FORMA ESTA  SUJEITA A INTERPRETAÇÃO E CONSTRUÇÃO APROPRIADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS.
RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO. (REsp 1422/RS, Rel. Ministro GUEIROS LEITE, TERCEIRA TURMA,julgado em 02/10/1990, DJ 04/03/1991, p. 1983) (grifo nosso)
Ademais, importante destacar, que a il. Magistrada de primeiro grau converteu o feito em Registro e Cumprimento de Testamento, conforme decisão interlocutória de fl. 105, portanto, de jurisdição voluntária.
Em sendo assim, o juiz não está obrigado a decidir com base na legalidade estrita (art. 1.109, CPC), facultando-lhe, portanto, o juízo por equidade, ou seja, poderá adotar, no caso concreto, a solução que reputar mais conveniente ou oportuna. A doutrina entende que tal dispositivo reconhece a presença de certa discricionariedade do juiz.
Nesse sentido, inclusive, Daniel Assumpção1 defende que o juiz poderá decidir até mesmo contrariamente à lei, desde que tenha em vista o bem comum e observe o princípio da proporcionalidade. Confira-se:
“[…] Para os defensores da teoria da jurisdição voluntária como uma atividade administrativa exercida pelo juiz, a previsão ora analisada afasta o princípio da legalidade, permitindo que o juiz resolva inclusive contra a letra da lei, desde que entenda ser sua decisão mais oportuna e conveniente. […]
Com razão a primeira e majoritária corrente doutrinária, ao menos em sua premissa. O dispositivo legal ora analisado é suficientemente claro ao afastar o juízo de legalidade estrita,dando ao juiz discricionariedade para resolver a demandada forma mais oportuna e conveniente, ainda que contrariamente à lei, sempre observando o que será melhor para as partes e para o bem comum. […]“ (grifo nosso)
1 NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de Direito Processual Civil, 4ª ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 212.
Assim, diante da excepcionalidade que permeia o caso, reputohígida a r. sentença de primeiro grau, não merecendo qualquer reforma, conforme alhures já dito.
Isso posto, NEGO PROVIMENTO ao recurso manejado, mantendo incólume a r. sentença guerreada.
É como voto.
A Senhora Desembargadora MARIA IVATÔNIA – Revisora
Com o relator
O Senhor Desembargador TEÓFILO CAETANO – Vogal
Com o relator
D E C I S Ã O
CONHECER E NEGAR PROVIMENTO, UNÂNIME

Fonte: Blog do 26 | 30/12/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook, assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito, ou cadastre-se em nosso site.