1ª VRP/SP: – Registro de Imóveis – Dúvida inversa – cláusula de retrovenda em dação em pagamento – possibilidade – aplicação subsidiária de compra e venda prevista no Art. 357 C.C. – existência de ampla regulamentação da forma de pagamento e inadimplemento – improcedência, afastando o óbice.

Processo 1035699-07.2015.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – Alexandre Sulacov Vivo – Dúvida inversa – cláusula de retrovenda em dação em pagamento – possibilidade – aplicação subsidiária de compra e venda prevista no Art. 357 C.C. – existência de ampla regulamentação da forma de pagamento e inadimplemento – improcedência, afastando o óbice. Vistos. Trata-se de dúvida inversa suscitada por Alexandre Sulacov Vivo, após recusa do Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital em registrar “Escritura Pública de Confissão de Dívida com Dação em Pagamento, Cláusula de Retrovenda e outros Pactos”, que transfere a propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 185.546 daquela Serventia para o suscitante, como dação em pagamento de obrigação de mútuo, com cláusula de retrovenda, em favor de Robson de Oliveira Borges e Erika Hokumura Peres Borges. O óbice foi imposto em razão de ser a cláusula exclusiva de contrato de compra e venda, sendo que sua inclusão no negócio jurídico de dação em pagamento tornaria seu objeto inviável, pois caracterizaria uma garantia (como a hipoteca ou alienação fiduciária) que tornaria a obrigação extinta novamente válida (fls. 42/74). Alega o suscitante que o Código Civil diz, em seu artigo 357, que após acordada a dação em pagamento, aplicam-se as normas relativas ao contrato de compra e venda. Juntou documentos às fls. 07/34. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, mantendo-se o entrave apontado (fl.78). É o relatório. Decido. A análise do caso faz necessária a apreciação de dois artigos do Código Civil. “Art. 357. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.” “Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.” Estando o art. 505 presente no capítulo do Código Civil referente ao contrato de compra e venda, entendo que ele pode ser aplicado de forma subsidiária à dação em pagamento, conforme dispõe o art. 357. Assim, uma vez estipulado o preço do imóvel na escritura de dação em pagamento, as cláusulas de compra e venda são passíveis de serem aplicadas. Vê-se, portanto, que o título de fls. 52/70 segue esta ordem dispositiva em suas cláusulas, que mesmo que irrelevante do ponto de vista hierárquico, mostra a conformidade com o dispositivo legal. Também da análise da escritura, constata-se ampla regulamentação de como se dará o pagamento e efetivação da cláusula de retrovenda (item 2), sendo que o “subcontrato” de comodato presente (item 4) não oferece qualquer prejuízo às estipulações anteriores. Ele tem como condição resolutiva o inadimplemento do pagamento da retrovenda, sendo um negócio subordinado à existência do anterior. Em outras palavras, não há nada no item 4 do contrato que desconfigure a dação e a retrovenda, de forma que não se pode falar em “garantia” ou alienação fiduciária, conforme arguido pelo Oficial. A escritura levada a registro é complexa, com diversas relações contratuais subsequentes, mas em última análise, é uma clara manifestação da autonomia da vontade das partes da obrigação original e, não havendo conflito com o ordenamento jurídico, não se pode negar o ingresso do título no fólio real. Ademais, não há que se falar em negócio júridico simulado ou que a dação em pagamento com retrovenda reconstituiria a obrigação original. Fica clara a cadeia estabelecida e, como já exposto, convencionado que o preço do imóvel será utilizado como dação, a obrigação principal é quitada, e as demais cláusulas apenas seguem a permissão legal de aplicação subsidiária do contrato de compra e venda. Poder-se-ia alegar possível risco a terceiro comprador do imóvel quando este estivesse sob propriedade do suscitante, mas o próprio Código Civil esclarece: “Art. 507. O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra o terceiro adquirente.” Fortalece o argumento o fato que o instrumento tem forma de escritura pública e é minucioso quanto às hipóteses de mora e de inadimplemento, não trazendo risco às partes e tampouco a terceiros. Do mais, constata-se que a jurisprudência relativa ao contrato de dação em pagamento com cláusula resolutiva é quase inexistente, e são duas as possibilidades para isso: os registradores procedem ao registro de tal título, não havendo processos de dúvida, ou tal negócio jurídico é raramente celebrado. Sobre o assunto, existe precedente desta Vara ( Processo 000.01.335999-1/2002). Nele, houve o registro de escritura semelhante a do caso agora em análise, tendo por objeto a possibilidade de averbar o implemento da cláusula resolutiva, constatada a mora por simples declaração de vontade de uma das partes. Esta possibilidade foi negada, mas verifica-se que houve destaque da necessidade da presença de ambas as partes no negócio jurídico. “[O oficial] prestigiou o registro feito (da escritura de dação com cláusula de retrovenda), mas exigiu, na formalização do ‘implemento de cláusula resolutiva’ um instrumento mais formal e mais próprio. Exigiu a subscrição das mesmas partes contratantes. Exigiu que o novo instrumento mantivesse o caráter BILATERAL da escritura.” A decisão foi mantida pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça (Processo CG 2517/02). Importante salientar que a instância superior não discutiu a validade do contrato de dação com cláusula de retrovenda, mas apenas a possibilidade de averbação da mora. Do exposto, julgo improcedente a dúvida inversa suscitada por Alexandre Sulacov Vivo em face do Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital, afastando o óbice registrário. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 11 de agosto de 2015. Tania Mara Ahualli Juíza de Direito – ADV: ELZA MEGUMI IIDA (OAB 95740/SP)

Fonte: DJE/SP | 13/08/2015.

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1ª VRP/SP: Pedido de Providências – Igreja Unida – Pedido de providências – Organização Religiosa – atual jurisprudência prevê o reconhecimento não está restrito a atividades de culto e liturgia – impossibilidade de aplicação diante da assistência a terceiros não ligados ao ente religioso, prevista no estatuto – improcedência.

Processo 1036479-44.2015.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Igreja Unida – Pedido de providências – Organização Religiosa – atual jurisprudência prevê o reconhecimento não está restrito a atividades de culto e liturgia – impossibilidade de aplicação diante da assistência a terceiros não ligados ao ente religioso, prevista no estatuto – improcedência Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 1º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital, a requerimento de Leonardo Meyer, após negativa de averbação de documentos de constituição da IGREJA UNIDA. O Oficial entende que a entidade não pode ser caracterizada como “organização religiosa”, como consta em seu estatuto, pois entre suas atividades está a prática de beneficência e assistência social, o que descaracteriza a atividade restrita ao culto e à liturgia (fls. 05/100). Foi apresentada impugnação às fls. 104/113, com documentos às fls. 114/136. Aduz o representante da Igreja que todas os seus atos estão estritamente ligados à sua crença religiosa, e as atividades filantrópicas baseiam-se nas escrituras da bíblia, de forma que não passam de uma manifestação da fé, expressa de forma diversa do culto e da liturgia. O Ministério Público, às fls. 280/282, opinou no sentido de ser afastado o óbice. É o relatório. Decido. Primeiramente, cumpre salientar que o Oficial tem autonomia para qualificar os títulos apresentados, e o §1º do art. 44 do Código Civil não afasta esta possibilidade ao limitar a intervenção estatal nas organizações religiosas. Neste sentido o enunciado 143 da III Jornada de Direito Civil: “143 – Art. 44: A liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário, da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos. “ Assim, fica afastado o argumento do interessado de descumprimento de tal norma legal. Quanto ao mérito da questão, resta claro que a pessoa jurídica não pode ser qualificada como organização religiosa. Isto se dá sobretudo devido a redação da alínea d), do artigo 6º, de seu estatuto: “Art. 6 – A Igreja Unida, enquanto entidade de cunho religioso, exerce as seguintes finalidades: (…) d) Praticar a benevolência, prestar assistência social e proteção à infância desamparada e desenvolver programas de assistência educacional, bem como desenvolver mecanismo que facilitem (sic) a assistência médica odontológica à população “ (grifo nosso) Vê-se que a entidade prevê em seu estatuto prestação de serviços a terceiros que não são membros da crença. Esta peculiaridade é importante, sobretudo diante da atual jurisprudência da E. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo. Cito: CGJSP – PROCESSO:54.191/2015 Relator: Elliot Akel “Ora, aqui a situação é completamente diferente. A recorrente prestará assistência material não a terceiros, mas, somente, a seus próprios membros, que não são associados, mas clérigos, exclusivamente. Isso não desvirtua, absolutamente, a natureza de organização religiosa da recorrente, nem lhe dá feição mista. A prestação de assistência material aos seus clérigos – Bispos, Sacerdotes Católicos e Diáconos da Igreja Católica Apostólica Romana – é inerente aos próprios fins da organização religiosa. Trata-se dos meios para que se alcance o fim de propagação da fé. Repita-se: nem a assistência material será prestada a terceiros, nem os membros podem associar-se como se daria numa associação qualquer. Membros, aqui, são apenas os clérigos, assim reconhecidos pela Igreja Católica Apostólica Romana.” (grifo nosso) CGJSP – PROCESSO:51.999/2015 Relator: Elliot Akel “O presente caso, contudo, é diferente. Analisando-se o estatuto da recorrente, verifica-se que ela não se dedica a outras atividades, mas apenas ao culto e à liturgia, com uma única exceção no art. 18, que menciona a assistência aos fiéis necessitados, algo que não a caracteriza como entidade religiosa mista (na lição de Pontes de Miranda).” Como complemento, dois excertos doutrinários: “6. Sociedades e associações pias ou morais. – O fato de ter nome de santo, ou aludir a alguma religião o nome da associação pia, ou moral, não a faz sociedade ou associação religiosa. Sociedade religiosa é a que se dedica ao culto. Se, ao lado do culto, pratica beneficência, ou ensino moral ou assistência moral, é mista. Se o culto é secundário, cessa qualquer caracterização como sociedade ou associação religiosa”(Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado: Parte Geral Introdução Pessoas físicas e jurídicas. 2.ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. t 1, p. 324, §82, 6). “A CF, art. 5º, VI, assegura a liberdade de exercício de cultos religiosos e garante, na forma da lei, “a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.Vê-se que a liberdade de organização religiosa está limitada às finalidades de culto e liturgia.Somente para esses fins pode ser considerada organização religiosa e assim registrada. Se a comunidade religiosa desenvolve outras atividades, de caráter econômico, como instituições educacionais ou empresariais, estas não se consideram incluídas no conceito de “organizações religiosas” para os fins da Constituição e do CC, pois não destinadas diretamente para culto ou liturgia. Essas outras atividades deverão ser organizadas sob outras formas de personalidade jurídica (…), ainda que seus resultados econômicos sejam voltados para dar sustentação a projetos desenvolvidos pela respectiva comunidade religiosa”(g.n.) (Paulo Lôbo, Direito Civil: parte geral. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 186-187). Conclui-se que as recentes decisões elencadas modificam o entender anterior da doutrina e jurisprudência ao dizer que as organizações religiosas não estão restritas as atividades de culto e liturgia, podendo prestar assistência a seus membros. No caso em análise, constata-se que o estatuto claramente prevê a assistência a terceiros ao utilizar os termos “infância desamparada” e “à população”. Se a princípio isto diz respeito aos preceitos religiosos da igreja, uma vez que este é aplicado a terceiros, a possibilidade de ser caracterizada como organização religiosa fica afastada diante da atual jurisprudência, que deve ser considerada ao interpretar o texto legal correspondente a tais organizações, expresso pelo MMº Juiz Josué Modesto Passos no Processo nº 0015547-23.2013 desta Vara: “O problema posto pela má técnica da Lei n. 10.825/03, que inseriu na lei um termo (“organização religiosa”) sem dar-lhe uma definição, está em saber onde inserir a pessoa jurídica que, criada e mantida com os fins últimos de dar culto e propagar a fé, desempenhe também outras atividades, como sucede com a requerente” Ademais, o rol de pessoas jurídicas de direito privado previsto no art. 44 do Código Civil não é exaustivo, conforme o enunciado da III Jornada de Direito Civil: “144 – Art. 44: A relação das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44, incs. I a V, do Código Civil não é exaustiva.” Assim, podemos entender que também é possível a pessoa jurídica “associação religiosa”, voltada para as entidades que além do culto e baseada em princípios religiosos, prestam assistência a terceiros, sendo assim, nas palavras de Pontes de Miranda, “associações mistas”. Com a análise dos documentos apresentados, fica claro que a Igreja Unida presta serviços religiosos, inclusive sendo beneficiária da imunidade tributária prevista pela Constituição. Porém, isso não exclui as palavras do estatuto, que claramente preveem o serviço filantrópico a pessoas que não necessariamente estão ligadas à fé cristã. Com isso, uma vez negada a possibilidade da Igreja Unida se caracterizar como organização religiosa devido a suas atividades voltadas a terceiros, a retificação para constar em seu estatuto, no art. 1, como “associação religiosa” afastaria o óbice corretamente apresentado pelo Oficial. Do exposto, julgo improcedente o pedido de providências formulado pelo Oficial do 1º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital a requerimento de Leonardo Meyer, no sentido de manter o óbice apresentado no pedido de averbação. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 11 de agosto de 2015. Tania Mara Ahualli Juíza de Direito – ADV: JOSELITO BATISTA GOMES (OAB 141220/SP)

Fonte: DJE/SP | 13/08/2015.

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1ª VRP/SP: Havendo consolidação da propriedade em alienação fiduciária, é possível a quitação da dívida até assinatura do auto de arrematação (aplicação, por analogia, do Decreto-Lei nº. 70/66). Contudo não pode ser cancelada a averbação da consolidação; há necessidade de realização de novo negócio jurídico entre devedor e credor (1ªVRP/SP, Processo 1043214-93.2015.8.26, DJE de 13/08/2015).

Processo 1043214-93.2015.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro de Imóveis – 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo – Banco Intermedium S/A – Pedido de providências – Consolidação da propriedade em alienação fiduciária – Aplicação do Decreto-Lei 70/66 – possibilidade de quitação da dívida até assinatura do auto de arrematação – impossibilidade de cancelamento da averbação – necessidade de realização de novo negócio jurídico – improcedência. Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de José Garcia. O requerente realizou contrato de mútuo com Banco Intermedium S.A, acordando em transmitir em caráter fiduciário o imóvel da matrícula 35.490, de acordo com R. 04, do 17º Registro de Imóveis da Capital. O mencionado bem teve a propriedade consolidada em favor da instituição financeira, conforme o rito legal da Lei Federal 9.514/97. Contudo, entre a consolidação e a realização do leilão exigido pela referida lei, as partes do contrato fiduciário firmaram termo de quitação da dívida, de forma que o requerente buscou, com base neste título, o cancelamento do R.04 e A.05, para ter o imóvel novamente sob seu domínio. Alega o Oficial que tal pedido não é possível, pois conforme o art. 27 da Lei 9.514/97, que no seu entender é norma cogente, após a consolidação da propriedade o credor fiduciário deve realizar obrigatoriamente o leilão do imóvel, não sendo permitido o cancelamento da averbação. Juntou documentos às fls. 08/22. O Banco Intermedium S.A manifestou-se às fls. 34/39, citando recente decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a quitação pode ser feita até a assinatura do auto de arrematação, devido à aplicação subsidiária do Decreto-Lei 70/66, além de argumentar que o cancelamento da averbação é aceita por ele, agora proprietário consolidado do bem, e que não trará prejuízo algum a terceiros. O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido de cancelamento (fls. 56/57). É o relatório. Decido. Preliminarmente, cabe ressaltar a importância do tema, pouco discutido na doutrina e com poucas decisões judiciais, que variam de teor. A lei 9.514/97, em seu artigo 39, assim dispõe: “Art. 39. Às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei: I – não se aplicam as disposições da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, e as demais disposições legais referentes ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH; II – aplicam-se as disposições dosarts. 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966.” Interpretando o inciso II, vê-se seu caráter subsidiário, ou seja, àqueles temas que não foram tratados na lei 9.514/97 deve-se aplicar os artigos 29 a 41 do Decreto-Lei 70/66. A principal diferença entre os referidos diplomas legais é que na primeira a propriedade se consolida para depois ser vendido o bem, enquanto que o Decreto-Lei não exige para a sua formalização que a propriedade do bem seja consolidada em favor do credor fiduciário. É justamente nesse aspecto que reside a maior incompatibilidade ente tais documentos normativos. Entre os artigos do Decreto-Lei aplicáveis, está a regulamentação dos leilões. Diz o art. 34 do referido diploma legal: “Art 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acordo com o artigo 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos: (…)” Não há correspondência a esta determinação na Lei 9514/97, devendo ela, conforme disposição já exposta, ser aplicada subsidiariamente. Assim, entendo ser válido o termo de quitação apresentado, afastando o entendimento de que o art. 24 da Lei 9514/97 é cogente quanto a obrigatoriedade de realização do leilão, sem possibilidade de quitação da divida. Neste sentido, recente decisão do STJ no julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 1.462.210 – RS (2014/0149511-0), de relatoria do E. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, acatado por unanimidade pela turma julgadora. Cabe destacar parte do voto: “À luz da dinâmica estabelecida pela lei, o devedor (fiduciante), sendo proprietário de um imóvel, aliena-o ao credor (fiduciário) a título de garantia, constituindo a propriedade resolúvel, condicionada ao pagamento da dívida. Ocorrendo o pagamento da referida dívida, opera-se a automática revogação da fidúcia e a consequente consolidação da propriedade plena em nome do fiduciante. Ao contrário, se ocorrer o inadimplemento contratual do devedor, consolida-se a propriedade plena no patrimônio do fiduciário. Assim, tendo em vista que o devedor transfere a propriedade do imóvel ao credor até o pagamento da dívida, conclui-se que essa transferência caracteriza-se pela temporariedade e pela transitoriedade, pois o credor adquire o imóvel não com o propósito de mantê-lo como sua propriedade, em definitivo, mas, sim, com a finalidade de garantia da obrigação principal, mantendo-o sob seu domínio até que o devedor fiduciante pague a dívida. No entanto, apesar de consolidada a propriedade, não se extingue de pleno direito o contrato de mútuo, pois o credor fiduciário deve providenciar a venda do bem, mediante leilão, ou seja, a partir da consolidação da propriedade do bem em favor do agente fiduciário, inaugura-se uma nova fase do procedimento de execução contratual. Portanto, (..) no âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato que serve de base para a existência da garantia não se extingue por força da consolidação da propriedade, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, a partir da lavratura do auto de arrematação.” (grifo nosso) Além do exposto, cabe ressaltar que tal decisão se originou de recurso interposto pelo credor fiduciário, por não estar de acordo com a quitação da dívida, feita entre o primeiro e segundo leilões previstos em lei. No caso em análise, há concordância entre credor e devedor. Ora, se o Superior Tribunal de Justiça entende que a aplicação subsidiária do Decreto-Lei 70/66 ocorre mesmo nestas condições adversas de discordância entre as partes, não há razão para afastar sua aplicação no caso em tela, em que existe vontade das partes no sentido de realizar acordo para quitação da dívida, que é o fim por excelência do contrato de alienação fiduciária, em detrimento do entendimento de que este fim é a obtenção do bem pelo credor para subsequente leilão. Uma vez determinado que a quitação da dívida após a consolidação da propriedade é cabível, surge questão importante: de que maneira o domínio voltará a ser exercido pelo antigo devedor ? A sugestão do Ministério Público, no sentido de que este deve adquirir o bem no leilão, não me parece de bom senso, embora fiel à letra da lei. Contudo, o cancelamento da averbação que consolida a propriedade também não é possível, pois esta averbação é apenas declaratória. A respeito deste tema, o citado voto do Ministro Ricardo Villas Bôas se limita a dizer que “(…) os prejuízos advindos com a posterior purgação da mora são suportados exclusivamente pelo devedor fiduciante, que arcará com todas as despesas referentes à “nova” transmissão da propriedade e também com os gastos despendidos pelo fiduciário com a consolidação da propriedade (ITBI, custas cartorárias, etc).” Destaca-se que não foi explicitada a forma desta “nova” transmissão. Acredito ser necessária a realização de novo negócio jurídico entre as partes, que suportarão os seus custos, para a renovação da garantia ou alteração da propriedade. A situação foi criada pela mora do devedor, que teve oportunidade anterior de purgá-la e não o fez, bem como pela atitude do credor em abrir mão da arrematação e aceitar a quantia devida, não podendo ser resolvida por mero cancelamento de averbação. Do exposto, julgo improcedente o pedido de providências formulado pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de José Garcia, afastando a pretensão de cancelamento da averbação. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 11 de agosto de 2015. Tania Mara Ahualli Juíza de Direito – ADV: THIAGO DA COSTA E SILVA LOTT (OAB 361413/SP)

Fonte: DJE/SP | 13/08/2015.

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