1ª VRP/SP: Havendo consolidação da propriedade em alienação fiduciária, é possível a quitação da dívida até assinatura do auto de arrematação (aplicação, por analogia, do Decreto-Lei nº. 70/66). Contudo não pode ser cancelada a averbação da consolidação; há necessidade de realização de novo negócio jurídico entre devedor e credor (1ªVRP/SP, Processo 1043214-93.2015.8.26, DJE de 13/08/2015).


  
 

Processo 1043214-93.2015.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro de Imóveis – 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo – Banco Intermedium S/A – Pedido de providências – Consolidação da propriedade em alienação fiduciária – Aplicação do Decreto-Lei 70/66 – possibilidade de quitação da dívida até assinatura do auto de arrematação – impossibilidade de cancelamento da averbação – necessidade de realização de novo negócio jurídico – improcedência. Vistos. Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de José Garcia. O requerente realizou contrato de mútuo com Banco Intermedium S.A, acordando em transmitir em caráter fiduciário o imóvel da matrícula 35.490, de acordo com R. 04, do 17º Registro de Imóveis da Capital. O mencionado bem teve a propriedade consolidada em favor da instituição financeira, conforme o rito legal da Lei Federal 9.514/97. Contudo, entre a consolidação e a realização do leilão exigido pela referida lei, as partes do contrato fiduciário firmaram termo de quitação da dívida, de forma que o requerente buscou, com base neste título, o cancelamento do R.04 e A.05, para ter o imóvel novamente sob seu domínio. Alega o Oficial que tal pedido não é possível, pois conforme o art. 27 da Lei 9.514/97, que no seu entender é norma cogente, após a consolidação da propriedade o credor fiduciário deve realizar obrigatoriamente o leilão do imóvel, não sendo permitido o cancelamento da averbação. Juntou documentos às fls. 08/22. O Banco Intermedium S.A manifestou-se às fls. 34/39, citando recente decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a quitação pode ser feita até a assinatura do auto de arrematação, devido à aplicação subsidiária do Decreto-Lei 70/66, além de argumentar que o cancelamento da averbação é aceita por ele, agora proprietário consolidado do bem, e que não trará prejuízo algum a terceiros. O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido de cancelamento (fls. 56/57). É o relatório. Decido. Preliminarmente, cabe ressaltar a importância do tema, pouco discutido na doutrina e com poucas decisões judiciais, que variam de teor. A lei 9.514/97, em seu artigo 39, assim dispõe: “Art. 39. Às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere esta Lei: I – não se aplicam as disposições da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, e as demais disposições legais referentes ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH; II – aplicam-se as disposições dosarts. 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966.” Interpretando o inciso II, vê-se seu caráter subsidiário, ou seja, àqueles temas que não foram tratados na lei 9.514/97 deve-se aplicar os artigos 29 a 41 do Decreto-Lei 70/66. A principal diferença entre os referidos diplomas legais é que na primeira a propriedade se consolida para depois ser vendido o bem, enquanto que o Decreto-Lei não exige para a sua formalização que a propriedade do bem seja consolidada em favor do credor fiduciário. É justamente nesse aspecto que reside a maior incompatibilidade ente tais documentos normativos. Entre os artigos do Decreto-Lei aplicáveis, está a regulamentação dos leilões. Diz o art. 34 do referido diploma legal: “Art 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acordo com o artigo 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos: (…)” Não há correspondência a esta determinação na Lei 9514/97, devendo ela, conforme disposição já exposta, ser aplicada subsidiariamente. Assim, entendo ser válido o termo de quitação apresentado, afastando o entendimento de que o art. 24 da Lei 9514/97 é cogente quanto a obrigatoriedade de realização do leilão, sem possibilidade de quitação da divida. Neste sentido, recente decisão do STJ no julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 1.462.210 – RS (2014/0149511-0), de relatoria do E. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, acatado por unanimidade pela turma julgadora. Cabe destacar parte do voto: “À luz da dinâmica estabelecida pela lei, o devedor (fiduciante), sendo proprietário de um imóvel, aliena-o ao credor (fiduciário) a título de garantia, constituindo a propriedade resolúvel, condicionada ao pagamento da dívida. Ocorrendo o pagamento da referida dívida, opera-se a automática revogação da fidúcia e a consequente consolidação da propriedade plena em nome do fiduciante. Ao contrário, se ocorrer o inadimplemento contratual do devedor, consolida-se a propriedade plena no patrimônio do fiduciário. Assim, tendo em vista que o devedor transfere a propriedade do imóvel ao credor até o pagamento da dívida, conclui-se que essa transferência caracteriza-se pela temporariedade e pela transitoriedade, pois o credor adquire o imóvel não com o propósito de mantê-lo como sua propriedade, em definitivo, mas, sim, com a finalidade de garantia da obrigação principal, mantendo-o sob seu domínio até que o devedor fiduciante pague a dívida. No entanto, apesar de consolidada a propriedade, não se extingue de pleno direito o contrato de mútuo, pois o credor fiduciário deve providenciar a venda do bem, mediante leilão, ou seja, a partir da consolidação da propriedade do bem em favor do agente fiduciário, inaugura-se uma nova fase do procedimento de execução contratual. Portanto, (..) no âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato que serve de base para a existência da garantia não se extingue por força da consolidação da propriedade, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, a partir da lavratura do auto de arrematação.” (grifo nosso) Além do exposto, cabe ressaltar que tal decisão se originou de recurso interposto pelo credor fiduciário, por não estar de acordo com a quitação da dívida, feita entre o primeiro e segundo leilões previstos em lei. No caso em análise, há concordância entre credor e devedor. Ora, se o Superior Tribunal de Justiça entende que a aplicação subsidiária do Decreto-Lei 70/66 ocorre mesmo nestas condições adversas de discordância entre as partes, não há razão para afastar sua aplicação no caso em tela, em que existe vontade das partes no sentido de realizar acordo para quitação da dívida, que é o fim por excelência do contrato de alienação fiduciária, em detrimento do entendimento de que este fim é a obtenção do bem pelo credor para subsequente leilão. Uma vez determinado que a quitação da dívida após a consolidação da propriedade é cabível, surge questão importante: de que maneira o domínio voltará a ser exercido pelo antigo devedor ? A sugestão do Ministério Público, no sentido de que este deve adquirir o bem no leilão, não me parece de bom senso, embora fiel à letra da lei. Contudo, o cancelamento da averbação que consolida a propriedade também não é possível, pois esta averbação é apenas declaratória. A respeito deste tema, o citado voto do Ministro Ricardo Villas Bôas se limita a dizer que “(…) os prejuízos advindos com a posterior purgação da mora são suportados exclusivamente pelo devedor fiduciante, que arcará com todas as despesas referentes à “nova” transmissão da propriedade e também com os gastos despendidos pelo fiduciário com a consolidação da propriedade (ITBI, custas cartorárias, etc).” Destaca-se que não foi explicitada a forma desta “nova” transmissão. Acredito ser necessária a realização de novo negócio jurídico entre as partes, que suportarão os seus custos, para a renovação da garantia ou alteração da propriedade. A situação foi criada pela mora do devedor, que teve oportunidade anterior de purgá-la e não o fez, bem como pela atitude do credor em abrir mão da arrematação e aceitar a quantia devida, não podendo ser resolvida por mero cancelamento de averbação. Do exposto, julgo improcedente o pedido de providências formulado pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de José Garcia, afastando a pretensão de cancelamento da averbação. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, 11 de agosto de 2015. Tania Mara Ahualli Juíza de Direito – ADV: THIAGO DA COSTA E SILVA LOTT (OAB 361413/SP)

Fonte: DJE/SP | 13/08/2015.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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