2ªVRP/SP: Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN). Certidão de Inteiro Teor. Impossibilidade da retificação do assento. Exclusão da informação quanto à ilegitimidade de filiação nas certidões a serem expedidas pela Serventia Extrajudicial com base em seu registro de nascimento.


  
 

Processo 1091764-80.2019.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1091764-80.2019.8.26.0100

Processo 1091764-80.2019.8.26.0100 – Pedido de Providências – Certidão de inteiro teor – R.S.C. – M.H.V.S. e outro – VISTOS, Trata-se de expediente instaurado a partir de comunicação encaminhada pela Sra. Oficial Interina do Registro Civil das Pessoas Naturais do 12º Subdistrito Cambuci, Capital, no interesse de M.H.V.S., objetivando a retificação de sua certidão de nascimento, com a supressão dos dados concernentes à ilegitimidade da filiação paterna, com posterior expedição de certidão em inteiro teor, O n. Representante do Ministério Público manifestou-se às fls. 41/42. É o breve relatório. Decido. Compulsando os autos, verifica-se que, aos 13 de dezembro de 1943, foi lavrado assento de nascimento de M.H.V.S, do qual constou a filiação paterna ilegítima, em razão de seus pais não serem casados. Sendo assim, a parte interessada solicita a retificação da sua certidão, para exclusão da menção referente à ilegitimidade de filiação, e posterior expedição de certidão de inteiro Pois bem. Como é cediço, em homenagem ao princípio da verdade registral, a certidão em inteiro teor tem o propósito de certificar o conteúdo integral do assento solicitado. Ademais, conforme ponderado pelo i. Representante do Ministério Público, o registro é retrato fidedigno do momento em que foi lavrado, nos termos da legislação vigente, aplicando-se ao Registros Públicos o princípio do tempus regit actum. Dessa forma, não é possível a sua retificação. De outro norte, dispõe o art. 227, §6º, da Constituição da República que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Como se vê, a Constituição adotou o princípio da igualdade de direito entre os filhos, proibindo qualquer tipo de distinção ou tratamento discriminatório. Nessa esteira, prevê o art. 5º da Lei 8.560/92 que “no registro de nascimento não se fará qualquer referência à natureza da filiação, à sua ordem em relação a outros irmãos do mesmo prenome, exceto gêmeos, ao lugar e cartório do casamento dos pais e ao estado civil destes.” Como ensina Luiz Guilherme Loureiro, “a preocupação do legislador é evitar que conste do registro do nascimento, e respectiva certidão, qualquer elemento ou dado que permita inferir a existência de filiação extramatrimonial ou não biológica, evitando discriminações odiosas e violação à vida privada da pessoa cujo nascimento é registrado” (Registro Públicos – Teoria e Prática, 8ª Edição, Editora Juspodvm, p. 192). Com base nessas premissas, entendo que, no caso sob análise, existem três princípios em colisão, quais sejam, da verdade registrária, do tempus regit actum e da igualdade de direito entre os filhos. Como se sabe, não há direito ou princípio fundamental absoluto, devendo-se, no caso concreto, balancear os valores em colisão (princípio da ponderação ou da cedência recíproca). À luz dos ensinamentos de Jairo Gilberto Schäfer e Nairane Decarli, “o princípio da proporcionalidade permite que o magistrado; diante da colisão de direitos fundamentais, decida de modo que se maximize a proteção constitucional, impedindo o excesso na atividade restritiva aos direitos fundamentais. O objetivo não é anular um ou outro princípio constitucional, mas encontrar a solução que mantenha os respectivos núcleos essenciais.” (A colisão dos direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem versus a liberdade de expressão. Prisma Jurídico, São Paulo, v. 6, 2007). Sendo assim, pese embora à época do registro vigorasse a legislação permissiva de distinção entre filhos legitimos e ilegítimos, certo é que o atual ordenamento jurídico, inaugurado com a promulgação da Constituição Cidadã, não recepcionou tal tratamento discriminatório. Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal: “A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo. (…) A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º).” (RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Fux , DJe de 24/08/2017). Dessa feita, de rigor o acolhimento da pretensão da interessada, para que em sua certidão de inteiro teor seja suprimida a informação referente à ilegitimidade de sua filiação. Frise-se, contudo, que não se está a deferir a retificação do registro de nascimento para exclusão da informação, o que, de fato, não se mostra possível; mas, apenas, que tal dado não se replique em qualquer certidão referente ao assento da parte interessada, seja na de inteiro teor, seja na forma resumida. Contudo, visando resguardar o princípio da verdade registrária, deverá constar na certidão que dados foram omitidos por ordem judicial. Ante o exposto, acolho os motivos geradores da dúvida suscitada pela Oficial Interina do Registro Civil das Pessoas Naturais do 12º Subdistrito – Cambuci, Capital, a fim de que seja deferida, em parte, a pretensão da parte interessada, suprimindo-se a informação quanto à ilegitimidade de filiação nas certidões a serem expedidas pela Serventia Extrajudicial com base em seu registro de nascimento. Por outro lado, quando da expedição das referidas certidões, no campo atinente às observações, a Sra. Oficial Interina deverá fazer constar, de forma genérica, que informações foram suprimidas por determinação judicial. Ciência à Sra. Oficial Interina e ao Ministério Público. Encaminhe-se cópia desta decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente sentença como ofício. Oportunamente, arquivem-se os autos. I.C. – ADV: VIVIANE CRISTINA ROSA (OAB 190351/SP), HENRIQUE FERRO (OAB 41262/SP)

Fonte: INR Publicações

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