Mandado de segurança – Sentença que declarou a inexigibilidade do ITBI – Cessão de direitos possessórios – Pretensão à reforma – Desacolhimento – Instrumento particular de cessão de direitos possessórios – Registro perante o cadastro municipal de contribuintes – Imóvel que não possui matrícula imobiliária – Fato gerador do ITBI que só ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil e com o registro do ato no Cartório de Registro de Imóveis – Artigos 1.225 e 1.245 do Código Civil – Ausência do fato gerador do tributo – Impossibilidade de cobrança – Precedentes do STF, do STJ e desta Corte – Sentença mantida – Recurso voluntário e oficial não providos.


  
 

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1000978-68.2018.8.26.0247, da Comarca de Ilhabela, em que é apelante PREFEITURA MUNICIPAL DE ILHA BELA e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, é apelada ANA MARIA PINTO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (Presidente sem voto), BURZA NETO E ROBERTO MARTINS DE SOUZA.

São Paulo, 20 de setembro de 2019.

RICARDO CHIMENTI

Relator

Assinatura Eletrônica

Voto n. 14580

Ano 2019

Apelação/Reexame Necessário n. 1000978-68.2018.8.26.0247

Comarca: Ilhabela

Apelante: Município de Ilhabela

Recorrente: Juízo Ex Officio

Apelada: Ana Maria Pinto

Interessado: Secretario Municipal de Finanças, Departamento de Gestão de Tributos da Prefeitura Municipal de Ilhabela/SP

Mandado de segurança. Sentença que declarou a inexigibilidade do ITBI. Cessão de direitos possessórios. Pretensão à reforma. Desacolhimento. Instrumento particular de cessão de direitos possessórios. Registro perante o cadastro municipal de contribuintes. Imóvel que não possui matrícula imobiliária. Fato gerador do ITBI que só ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil e com o registro do ato no Cartório de Registro de Imóveis. Artigos 1.225 e 1.245 do Código Civil. Ausência do fato gerador do tributo. Impossibilidade de cobrança. Precedentes do STF, do STJ e desta Corte. Sentença mantida. Recurso voluntário e oficial não providos.

I – Relatório

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de Ilhabela em face da r. sentença de p. 180/183, a qual, nos autos do mandado de segurança impetrado por Ana Maria Pinto, concedeu a ordem para declarar a inexigibilidade do ITBI sobre a transferência dos direitos possessórios do imóvel objeto do cadastro municipal n. 0293.0209.0010, bem como da inscrição do cadastro municipal em nome da impetrante, caso a negativa de transferência tenha decorrido tãosomente da ausência do recolhimento do tributo ora declarado inexigível. Não houve condenação ao pagamento de honorários advocatícios (art. 25 da lei 12.016/09).

Alega a municipalidade apelante, em síntese, que (i) a transmissão de direitos reais constitui apenas uma das três grandes hipóteses de incidência previstas na Constituição, o que, por si só, afasta a interpretação que somente transações efetuadas com registro seria exigível; (ii) adotar interpretação restrita é o mesmo que suprimir texto expressa da norma constitucional; (iii) o art. 156, II, do CF/88, notadamente em sua parte final, deixa claro que o ITBI incide sobre qualquer ato negocial que tenha conteúdo econômico; (iv) a lei municipal não fixa fato gerador diverso do constante na Constituição da República; (v) cada ente político da Federação tem competência legislativa para instituir seus próprios tributos, e foi o que fez o Município de Ilhabela; (vi) é comum a negociação de direitos sobre imóveis decorres de posse na municipalidade, e conforme estimativas em 2018, apenas cerca de 20% dos imóveis do Município possuem matrícula no Cartório de Registro de Imóveis; (vii) a exigência do recolhimento do ITBI se deu em estrita observância aos artigos 11, I, “c” e 122, III, da Lei Municipal n. 156/2002, a qual é válida e está em vigor no ordenamento jurídico; (viii) somente poderá ocorrer o afastamento da aplicação dos artigos da Lei Municipal n. 156/2002 por meio da eventual declaração de sua não compatibilidade com a Constituição Federal, o que condiciona a eventual procedência da ação à declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos contestados. Requer seja dado provimento ao recurso e a consequente reforma da r. sentença, denegando, assim, a segurança (p. 186/198).

Da análise das contrarrazões às págs. 202/210, verifica-se que a peça recursal foi juntada erroneamente a estes autos, uma vez que se refere a outro processo (de n. 1000896-08.2016.8.26.0247), cuja parte e advogado constituído são diversos do presente recurso, determinando-se, oportunamente, o seu desentranhamento.

Entretanto, à luz do contraditório útil e da celeridade processual, bem como por não vislumbrar prejuízo à parte contrária, determinado o imediato julgamento deste recurso, sem a necessidade de novo prazo para a apresentação de contrarrazões.

Houve parecer da PGJ opinando pelo não provimento da apelação (p. 220/223).

II – Fundamentação

O recurso, tempestivo e isento de preparo, não comporta provimento.

A questão controvertida diz respeito à ocorrência ou não do fato gerador do ITBI em decorrência de “escritura de cessão de direitos possessórios” sobre o imóvel descrito na inicial (p. 21/22), o qual originou a cobrança do tributo nos valores de R$ 6.000,00, com vencimento em 30/08/2018 (p. 23).

Com efeito, prescreve o artigo 156, II, da Constituição Federal de 1988, que compete aos municípios instituir imposto sobre “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como de cessão de direitos a sua aquisição” (sublinhei), igualmente como previsto no art. 35 do Código Tributário Nacional, bem como na Lei Municipal n. 156/2002, em seu art. 122.

O fato gerador do ITBI ocorre no momento em que há o registro da transmissão do bem imóvel, ou seja, o imposto em questão incide somente a partir da transferência da propriedade imobiliária que se opera mediante registro do negócio jurídico no competente Cartório de Registro de Imóveis.

De acordo com o artigo 1.227 do Código Civil: “Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

Sobre a matéria, a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que o fato gerador do ITBI ocorre quando do registro imobiliário da transmissão da propriedade:

“Tributário. ITBI. Fato gerador. Ocorrência. Registro de transmissão do bem imóvel.

1. O Tribunal a quo foi claro ao dispor que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel.

A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento.

2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente.

3. Recurso Especial não provido.” (REsp 1504055/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/03/2015, DJe 06/04/2015)

No mesmo sentido:

“Tributário. ITBI. Fato Gerador. Ocorrência. Registro de Transmissão do bem imóvel.

1. Rechaço a alegada violação do art. 458 do CPC, pois o Tribunal a quo foi claro ao dispor que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento.

2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente.

Precedentes do STJ.

3. Agravo Regimental não provido.” (AgRg no AREsp 215.273/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 02/10/2012, DJe 15/10/2012)

“Tributário. ITBI. Fato gerador. Registro de transmissão do bem imóvel. Ausência de violação ao art. 535 do CPC. Inocorrência. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. Exame de direito local. Impossibilidade. Súmula 280/STF. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (AgRg no Ag 880.955/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 01/04/2008, DJe 23/04/2008)

Assim, a escritura de cessão de direitos possessórios não pode ensejar o fato gerador do tributo, uma vez que não foi demonstrado que tenha havido, ao menos por ora, a transferência da propriedade e do domínio do imóvel.

Dita o artigo 122 da Lei Municipal:

“ Art. 122 O Imposto sobre a Transmissão onerosa e “inter vivos”, a qualquer título, Por Ato Oneroso, de Bens Imóveis (ITBI) tem como fato gerador a transmissão “inter vivos”, a qualquer título:

I – da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, conforme definido na lei civil;

II – de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Parágrafo Único. O imposto refere-se a atos e contratos relativos a imóveis situados no território do Município”.

Nesse cenário, não se desconhece a validade da Lei Municipal n. 156/2002, já que está em consonância com o disposto na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional. Na verdade, é a interpretação dada pela municipalidade ao fato gerador do ITBI descrito no art. 122 que não se coaduna com os ditames constitucionais, diante da impossibilidade de tributação do ITBI sobre a “Cessão de Direitos Possessórios” verificada nestes autos e que sequer está tipificada na lei local.

Nesse sentido, é o entendimento das Câmaras especializadas em matéria tributária, consoante ementas que seguem (todas da comarca de Ilhabela):

APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – Cessão de direitos – Discussão acerca do fato gerador do referido imposto – Ocorrência apenas com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil através do registro no Cartório de Registro de Imóveis competente – Situação esta não verificada na hipótese sub judice – Vastos precedentes – Sentença mantida – Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação Cível 1000120-71.2017.8.26.0247; Relator (a): Wanderley José Federighi; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Ilhabela – Vara Única; Data do Julgamento: 01/03/2012; Data de Registro: 24/04/2019)

Apelação – Mandado de Segurança – ITBI – Cessão de Direitos Possessórios – Município de Ilhabela – O Compromisso de Cessão de Direitos possessórios sobre bem imóvel não se sujeita à incidência do ITBI – Tributo cujo fato gerador só ocorre com a transferência efetiva da propriedade, mediante o registro no Cartório de Registro de Imóveis – Ausência do fato gerador – Imóvel que não possui matrícula no Registro de Imóveis – Entendimento pacificado do C. STF e no C. STJ – Sentença mantida em reexame necessário – Recurso voluntário do Município desprovido. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1000386-24.2018.8.26.0247; Relator (a): Roberto Martins de Souza; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Ilhabela – Vara Única; Data do Julgamento: 08/04/2019; Data de Registro: 08/04/2019)

REEXAME NECESSÁRIO – Mandado de Segurança -ITBI – Lançamento do tributo com base em instrumento particular de cessão de direitos de compromisso de compra e venda – O fato gerador do ITBI só ocorre com a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil e com o registro no Cartório de Registro de Imóveis – Ausência do fato gerador do tributo – Impossibilidade de cobrança – Precedentes do STF, do STJ e desta 15ª Câmara de Direito Público – Sentença mantida – Recurso improvido. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1000073-63.2018.8.26.0247; Relator (a): Eutálio Porto; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Ilhabela – Vara Única; Data do Julgamento: 28/05/2019; Data de Registro: 28/05/2019)

APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – ITBI – Cessão de direitos – Ato jurídico não tipificado – Fato gerador que se dá com o registro imobiliário – CTN, art. 35 – CC, arts. 1.227 e 1.245 – Precedentes do STJ e do STF – Sentença mantida – Art. 252 do RITJSP – Recursos desprovidos. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1000964-21.2017.8.26.0247; Relator (a): Octavio Machado de Barros; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Ilhabela – Vara Única; Data do Julgamento: 10/12/2018; Data de Registro: 10/12/2018)

Por fim, não se pode olvidar que o STF, quando do julgamento da Representação nº 1.211-5/RJ, também decidiu nesse sentido, cuja ementa foi lavrada com o seguinte teor:

“Imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Fato gerador. O compromisso de compra e venda e a promessa de cessão de direitos aquisitivos, dada a sua natureza de contratos preliminares no direito privado brasileiro, não constituem meios idôneos à transmissão, pelo registro, do domínio sobre o imóvel, sendo, portanto, inconstitucional a norma que os erige em fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. […]”.

Também não foi caracterizada qualquer transferência de direitos reais sobre imóvel em favor do cessionário/autor. A posse é disciplinada no Capítulo I do Título I do livro III do Código Civil, enquanto os direitos reais de garantia estão taxativamente especificados no artigo 1.225 do mesmo código (Capítulo Único do Título II, do Livro III). Posse não é direito real.

Desta forma, não pode subsistir o ITBI incidente sobre a “cessão de direitos possessórios” dos imóveis descritos na inicial.

Destarte, mais não é preciso dizer e, ausentes motivos para sua reforma, fica mantida integralmente a r. sentença recorrida por seus próprios fundamentos, aos quais ficam acrescentados os expostos neste voto.

Sem honorários a majorar.

A fim de evitar o ritual de passagem estabelecido no artigo 1.025 do CPC/2015, a multiplicação dos embargos de declaração prequestionadores e os prejuízos deles decorrentes, nos termos do artigo 8º (em especial dos princípios da razoabilidade e da eficiência) e do artigo 139, II (princípio da duração razoável do processo), ambos do CPC/2015, para fins de “prequestionamento ficto” desde logo considero incluídos neste acórdão os elementos que cada uma das partes suscitou nas suas razões e nas suas contrarrazões de recurso.

III – Conclusão

Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso e, na mesma extensão, ao reexame necessário.

RICARDO CHIMENTI

Relator

(Assinatura Eletrônica) – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação / Remessa Necessária nº 1000978-68.2018.8.26.0247 – Ilhabela – 18ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Ricardo Chimenti – DJ 25.09.2019

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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