1VRP. Registro de Imóveis. Ausência de qualificação da parte. Princípio da especialidade subjetiva.


  
 

Processo 1113547-31.2019.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Ivani Esteves da Silva Francisco e outro – Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 9º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Ivani Esteves da Silva, diante da negativa em se proceder ao registro da carta de adjudicação expedida pelo MMº Juízo da 1ª Vara Cível do Foro Regional de Itaquera (processo nº 1016492-05.2018.8.26.0007), referente aos imóveis denominados lotes 2, 3, 14 e 15, todos da Quadra “A” da planta de regularização de loteamento, referente ao processo nº 24.004.051.80-97-SERLA, originários da transcrição nº 10.548 do 7º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, na qual figura como titular Antonio Seleghini. O óbice registrário refere-se à ausência de elementos de identificação subjetiva do titular de domínio, não sendo indicado o seu estado civil, se casado não há indicação do seu cônjuge, do RG ou RNE e CPF, nos termos do art. 176, III, “2”, da Lei Federal nº 6015/73. Juntou documentos às fls.05/214. A suscitada apresentou impugnação às fls.215/227. Argumenta que o ordenamento jurídico da época não exigia a qualificação completa das partes envolvidas, bem como a impossibilidade do cumprimento da exigência. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.234/235). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Com razão o Registrador, bem como a D. Promotora de Justiça. Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real. O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já assentou, inclusive, que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação cível n.413-6/7). Cite-se, por todas a apelação cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto: “Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”. Nessa linha, também o E. Supremo Tribunal Federal já decidiu que: “REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma). Sendo assim, fica claro que não basta a existência de título proveniente de órgão jurisdicional para autorizar automaticamente o ingresso no registro tabular. Portanto, superada a questão sobre o ingresso do título judicial, passo a análise do óbice apontado pelo registrador. De acordo com o princípio tempus regit actum, à qualificação do título aplicam-se as exigências legais contemporâneas ao registro, e não as que vigoravam ao tempo de sua lavratura. O Egrégio Conselho Superior da Magistratura tem considerado que, para fins de registro, não importa o momento da celebração do contrato, em atenção do princípio “tempus regit actum”, sujeitando-se o título à lei vigente ao tempo de sua apresentação (Apelação Cível nº 115-6/7, Rel. José Mário Antonio Cardinale, nº 777-6/7, Rel. Ruy Camilo, nº 530-6/0, rel. Gilberto Passos de Freitas). A Lei 6.015/73, em seus arts. 212 e 213, I, g, permite a retificação do registro de imóveis sempre que se fizer necessária inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas. Na presente hipótese, há falhas na qualificação do titular do domínio Antonio Seleghini, constando somente a sua profissão como lavrador. Tal fato é suficiente para impossibilitar o ingresso no fólio real, em consonância com o princípio da especialidade subjetiva, elencado no art.176, II, “4”, a e b e art.176, III, “2”, a e b. Ao oficial registrador cabe a qualificação dos títulos que lhes são apresentados, justamente para evitar a prática de atos atentatórios aos princípios básicos do direito registral ou que tornem insegura e não concatenada a escrituração. Neste contexto, a ausência de qualificação do titular viola o princípio da segurança juridica que norteia os atos registrários, uma vez que gera a ocorrência de duvida em relação à real identidade deles. A simples alegação da suscitada da impossibilidade de obtenção dos documentos é destituída de fundamento, sendo possível a busca do número do CPF junto à Receita Federal, bem como os demais documentos exigidos junto ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD), e pesquisas nos Registros Civis para obtenção da certidão de casamento, sendo certo que os requerentes não comprovaram ter efetuado as diligências cabíveis. Ressalto que há precedentes deste juízo, confirmados pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, no sentido do abrandamento do princípio da especialidade subjetiva, permitindo-se consequentemente a averbação da retificação da qualificação das partes, desde que comprovada a impossibilidade de obtenção da documentação, nos casos de se tratar de escritura muito antiga ou morte dos outorgantes, não aplicáveis no caso em tela. Nessa linha, não é possível o ingresso no fólio real de descrição dissociada da realidade fática, porquanto o juízo positivo dessa situação pode redundar no reconhecimento de futuros direitos ou ser utilizado como meio de prova em razão das finalidades do registro público imobiliário. Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 9º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Ivani Esteves da Silva, e consequentemente mantenho o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: ALESSANDRO LIMA PEREIRA DE ASSIS MUNHOZ (OAB 414320/SP)

Fonte: DJE/SP 03.03.2020

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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