Registro de Imóveis – Pedido de Providências julgado procedente – Determinação de seguimento do procedimento executório nos termos da Lei nº 9.514/97 e encaminhamento dos autos à Corregedoria Geral da Justiça para eventual normatização do procedimento relativo à alienação fiduciária com mais de um imóvel dado em garantia em face da mesma dívida – Recurso interposto pelo Oficial Registrador de Imóveis – Ilegitimidade recursal – Provocação da MM.ª Juíza Corregedora Permanente que não enseja normatização da Corregedoria Geral da Justiça – Parecer pelo não conhecimento do recurso.


  
 

Número do processo: 1075313-43.2020.8.26.0100

Ano do processo: 2020

Número do parecer: 193

Ano do parecer: 2021

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1075313-43.2020.8.26.0100

(193/2021-E)

Registro de Imóveis – Pedido de Providências julgado procedente – Determinação de seguimento do procedimento executório nos termos da Lei nº 9.514/97 e encaminhamento dos autos à Corregedoria Geral da Justiça para eventual normatização do procedimento relativo à alienação fiduciária com mais de um imóvel dado em garantia em face da mesma dívida – Recurso interposto pelo Oficial Registrador de Imóveis – Ilegitimidade recursal – Provocação da MM.ª Juíza Corregedora Permanente que não enseja normatização da Corregedoria Geral da Justiça – Parecer pelo não conhecimento do recurso.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, Ricardo Nahat, em face da r. decisão exarada pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, que julgou procedente o pedido de providências formulado pelo Banco Santander (Brasil) S.A e determinou o seguimento do procedimento executório perante o dito oficial nos termos da Lei nº 9.514/97, além de determinar o encaminhamento dos autos à Corregedoria Geral da Justiça para análise sobre eventual normatização do tema.

O recorrente sustentou, em síntese, que ostenta legitimidade recursal porquanto a decisão recorrida afeta seu patrimônio uma vez não estar recebendo emolumentos por seu trabalho; além de poder ser responsabilizado civilmente pelo procedimento de uma cobrança abusiva. Aduziu, também, que a falta de regulamentação legal impede o prosseguimento extrajudicial do pedido de purgação da mora, tendo em vista a impossibilidade de cindibilidade da garantia; e que não havendo obrigatoriedade de comunicação entre registradores de circunscrições distintas poderia haver cobrança em dobro da dívida. Finalmente, fez considerações quanto aos emolumentos do procedimento, pugnando pela aplicação analógica ao procedimento da usucapião extrajudicial.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 194/195).

Opino.

Cuida-se de pedido de providências instaurado a partir de requerimento do Banco Santander (Brasil) S.A visando o início do procedimento de consolidação de propriedade do imóvel da matrícula nº 182.267 do 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

Em 02 de agosto de 2016, Carlos Alberto da Silva Fernandes e sua mulher Taciana Rocca Fernandes, deram em alienação fiduciária ao Banco Santander (Brasil) S.A os imóveis matriculados sob o nº 182.267, supra mencionado, e nº 380.962 do 11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, para garantia do empréstimo de capital de giro decorrente da cédula de crédito bancário nº 00333964300000006270, concedido a APB COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA.

Em 09 de julho de 2020 foi prenotado sob o nº 795.709 o requerimento de início do procedimento de consolidação da propriedade fiduciária dos referidos imóveis para a intimação dos devedores e garantidores, sendo eles, respectivamente, os proprietários e Oswaldo de Oliveira Martins Netto e Joice Bomgem Falcata a fim de pagarem o débito nos termos da Lei nº 9.514/97.

Da nota devolutiva reproduzida a fl. 21 constou, contudo, que a cobrança deveria ser requerida judicialmente, uma vez que a Lei nº 9.514/97 “não proíbe que vários imóveis garantam uma única dívida, mas também não prevê, não sendo possível a cindibilidade de garantia, impedindo desta forma a pretendida cobrança, pois inviabilizará eventual execução da mora”.

Não se conformando, o Banco Santander (Brasil) S.A formulou o dito pedido de providências, julgado, ao final, procedente pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, que determinou o prosseguimento do procedimento executório perante o 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital.

Recorre, pois, o Registrador, sustentando, de pronto, sua legitimidade recursal porquanto a decisão recorrida afeta seu patrimônio, uma vez não estar recebendo emolumentos por seu trabalho, além de poder ser responsabilizado civilmente pelo procedimento de uma cobrança abusiva. No mérito, impugnou o decisum recorrido, postulando, ao final, pela fixação, por analogia ao procedimento da usucapião extrajudicial, de emolumentos.

O recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não comporta conhecimento em face da ilegitimidade recursal do recorrente.

Consoante dispõe o art. 202 da Lei nº 6.015/1973:

“Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.”

Em atividade tipicamente administrativa, o Juiz Corregedor Permanente requalifica o título apresentado a registro ou averbação, não sendo dado ao delegatário impugnar a decisão daquele cuja função é justamente avaliar o acerto da nota devolutiva apresentada.

Consoante nos ensina o Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Henry Marques Dip:

“O registrador não é parte nem tem interesse no processo de dúvida, de sorte que não pode, sequer com o título de terceiro, apelar da sentença de improcedência”. [1]

Nestes moldes já decidiu o C. Conselho Superior da Magistratura, também aplicável aos pedidos de providências:

“(…) em se tratando de dúvida, a legitimidade para a interposição de apelação restou delimitada pelo artigo 202 da Lei Federal 6.015/73, que a limitou ao próprio interessado, ao Ministério Público e ao terceiro prejudicado, não se incluindo o registrador neste rol. A ausência de legitimidade se justifica diante da natureza da atuação dos órgãos censórios, em grau de superioridade hierárquica, descabendo, por isso, qualquer indagação ou manifestação de inconformismo” [2]

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Recurso de apelação – Recurso de apelação requerido pelo ex-interventor do 2º Tabelião de Notas de Osasco – Ilegitimidade recursal – Precedentes – Recurso não conhecido “. De início, destaque-se que o recorrente, na qualidade de interventor, não tem legitimidade e interesse – tal como os Tabeliães e interinos –, para suscitar dúvida nem para recorrer da decisão nela proferida. [3]

Não se olvida da exceção constante do art. 29 da Lei Estadual nº 11.331/2002, que dispõe sobre a legitimidade recursal do Registrador nos expedientes em que a Corregedoria Geral da Justiça decide, em última instância administrativa, a dúvida sobre a aplicação de referida norma ou suas tabelas, in verbis:

“Artigo 29 – Em caso de dúvida do notário ou registrador sobre a aplicação desta lei e das tabelas, poderá ser formulada consulta escrita ao respectivo Juiz Corregedor Permanente, que, em 5 (cinco) dias, proferirá decisão.

§ 1º – Dessa decisão caberá recurso, no prazo de 5 (cinco) dias, ao Corregedor Geral da Justiça, sem prejuízo da possibilidade de sua pronta aplicação ao caso concreto que tenha ensejado a dúvida.

§ 2º – As dúvidas formuladas por escrito e suas respectivas decisões serão encaminhadas pelo Juiz Corregedor Permanente à Corregedoria Geral da Justiça, para uniformização do entendimento administrativo a ser adotado no Estado.

§ 3º – A Corregedoria Geral da Justiça encaminhará cópias das decisões à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, para acompanhamento e aprimoramento da legislação relativa aos emolumentos.”

Não é, contudo, o que ocorre. ln casu, o Registrador não apresenta qualquer dúvida sobre a aplicação da Lei nº 11.331/2002 ou de suas tabelas; antes pugna pela fixação de emolumentos, por analogia, ao procedimento da usucapião extrajudicial, disposto expressamente no art. 26 do Provimento CNJ nº 65/2017, refugindo, pois, da exceção legal.

Relevante relembrar que os serviços prestados pelos notários e registradores são públicos, porém, exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, conforme estabelece o artigo 236 da Constituição Federal.

Assim e de acordo com o § 2° do artigo supra referido, a Lei Federal deve estabelecer normas gerais para a fixação de emolumentos pelos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Em decorrência deste dispositivo constitucional, foi editada a Lei Federal nº 10.169/2000, que estabelece normas gerais para a fixação dos emolumentos, e, no Estado de São Paulo, a questão está disciplinada na Lei Estadual nº 11.331/2002, competente para instituir o tributo e, do mesmo modo, estabelecer regras para a cobrança das despesas inerentes ao serviço prestado.

Dito isso, finalmente, a questão posta nos autos, respeitada a provocação da MM.ª Juíza Corregedora Permanente e salvo melhor Juízo de Vossa Excelência, não enseja normatização da Corregedoria Geral da Justiça.

Com efeito, a Lei nº 9.514/97 não proíbe que vários imóveis garantam uma única dívida, sendo possível que em um mesmo contrato de mútuo com constituição de alienação fiduciária vários imóveis sejam dados em garantia, o que, inclusive, nem se discute nestes autos posto que já efetivados os devidos registros.

No caso concreto, a garantia foi dada por terceiras pessoas, que compareceram no contrato de financiamento com a exclusiva finalidade de prestarem a garantia, tendo sido alienados dois imóveis de proprietários distintos e situados em circunscrições registrárias diferentes.

Dois, pois, são os devedores fiduciantes e dois são os objetos da garantia, situados em circunscrições registrais diversas.

Não se vislumbra empecilho para a realização das intimações pelos Oficiais de onde situados os respectivos bens, facultando-se ao devedor purgar a mora em quaisquer dos Registros de Imóveis, não se sustentando a alegada obrigação do credor em se utilizar da via judicial, sob pena de restar descaracterizado o próprio objetivo da propriedade fiduciária, cuja simplicidade na execução é de sua essência.

No contexto, e, por derradeiro, vale ressaltar trecho da r. manifestação de fl. 145/147 da Associação dos Registradores de Imóveis de São Paulo-ARISP:

“Caracterizou-se, assim, a figura de devedores fiduciantes solidários e como tal deverá o caso ser solucionado à luz das disposições do Código Civil, ao tratar das obrigações solidárias.

O credor fiduciário tem, assim, o direito de chamar os fiduciantes, ainda que terceiros ao contrato de financiamento, para saldar a dívida, partes que são do contrato de alienação fiduciária na figura de devedores-garantidores.

Pelo princípio da solidariedade o credor poderá exigir de um ou outro devedor parcial ou totalmente a dívida, aplicando-se o disposto no artigo 264 do Código Civil.

Em conclusão poderá requerer a intimação dos devedores, conjunta ou isoladamente, não podendo o Registro de Imóveis interferir na escolha dessa alternativa.

No caso de um dos devedores purgar a mora somente pela parte que lhe é devida e de acordo com o valor do imóvel que alienou em garantia, o credor fiduciário poderá exigir do outro devedor fiduciante o valor restante de seu crédito (arts. 275 e 277 do CC.).

Na hipótese de não purgarem a mora um e outro devedor, relativamente aos dois imóveis dados em garantia, o credor poderá, para satisfazer o seu crédito, levar os imóveis a leilão, observadas que sejam as normas de execução previstas no CPC, por força do que estabelece o art. 15 desse mesmo estatuto processual.

Não se consegue, assim, entrever dificuldades para se dar início ao procedimento executório previsto na Lei 9.514/97, pretendido pelo banco interessado, e que se circunscreverá à fase inicial de caracterização ou não da mora.”

Ante o exposto, o parecer que submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de negar conhecimento ao recurso administrativo interposto, indeferindo-se o pedido de normatização formulado pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital.

Sub censura.

São Paulo, 22 de junho de 2021.

Leticia Fraga Benitez

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego conhecimento ao recurso administrativo interposto; e indefiro o pedido de normatização formulado pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital. Intimem-se. São Paulo, 23 de junho de 2021. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – ADV: LUIS MARCELO BARTOLETTI DE LIMA E SILVA, OAB/SP 324.000, MARCELO GODOY DA CUNHA MAGALHÃES, OAB/SP 234.123 e BRUNO PEREZ SANDOVAL, OAB/SP 324.700.

Diário da Justiça Eletrônico de 30.06.2021

Decisão reproduzida na página 063 do Classificador II – 2021

Notas:

[1] Lei de Registros Públicos Comentada (Lei 6.015/1973), Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1078.

[2] CSMSP – Apelação Cível nº 098928-0/7, São Paulo (9° SRI), j. 07/05/2003, Relator Des. Luiz Tâmbara.

[3] CSMSP – Apelação Cível nº 0052045-13.2012.8.26.0405; j. 6/11/13, Rel. Des. José Renato Nalini.

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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