CSM/SP: Registro de Imóveis – Desapropriação de imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Áreas desapropriadas georreferenciadas – Necessidade de certificação pelo INCRA e de registro no Cadastro Ambiental Rural – CAR – Nega-se provimento à apelação.

Apelação Cível nº 1000288-86.2021.8.26.0553

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000288-86.2021.8.26.0553

Comarca: SANTO ANASTÁCIO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000288-86.2021.8.26.0553

Registro: 2021.0001020039

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000288-86.2021.8.26.0553, da Comarca de Santo Anastácio, em que é apelante CONCESSIONARIA AUTO RAPOSO TAVARES S.A. (CART), é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTO ANASTÁCIO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000288-86.2021.8.26.0553

Apelante: Concessionaria Auto Raposo Tavares S.a. (cart)

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santo Anastácio

VOTO Nº 31.666

Registro de Imóveis – Desapropriação de imóvel rural – Aquisição originária da propriedade – Rodovia em área rural – Áreas desapropriadas georreferenciadas – Necessidade de certificação pelo INCRA e de registro no Cadastro Ambiental Rural – CAR – Nega-se provimento à apelação.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por CONCESSIONÁRIA AUTO RAPOSO TAVARES S.A. (CART) contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Santo Anastácio, mantendo a recusa ao registro de carta de adjudicação extraída dos autos de ação de desapropriação (fl. 154/160).

Aduz a apelante, em síntese, que não se trata de ato voluntário de transferência de propriedade, mas sim, de desapropriação de imóvel para fins de instalação de trecho de rodovia, forma originária de aquisição da propriedade, o que torna incabíveis as exigências efetuadas, pois o imóvel em questão perdeu o status de rural e não há obrigatoriedade de apresentação do Cadastro Ambiental Rural CAR (fl. 166/176).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 204/208).

É o relatório.

2. A apelante, concessionária de serviço público, por sentença proferida em ação judicial, obteve a desapropriação, por utilidade pública, de parte do imóvel objeto da matrícula nº 970 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas de Santo Anastácio/SP.

Contudo, a carta de adjudicação expedida nos autos da ação de desapropriação (Processo nº 0004804-84.2012.8.26.0553, da Vara Única da Comarca de Santo Anastácio/SP), apresentada a registro pela apelante, foi negativamente qualificada pelo Oficial Registrador, que expediu nota de devolução (fl. 06/07) com as seguintes exigências:

“(…)

6. Mapas do SIGEF INCRA, devidamente certificado das duas áreas desapropriadas, cumprindo-se o requisito do georreferenciamento;

7. Memoriais Descritivos do SIGEF INCRA, devidamente certificado das duas áreas desapropriadas, cumprindo-se o requisito do georreferenciamento;

8. ART do responsável que realizar o levantamento topográfico;

(…)

11. Apresentar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), para a devida averbação na matrícula (…).”

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível nº 413-6/7; Apelação Cível nº 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível nº 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível nº 1001015-36.2019.8.26.0223).

Fixada esta premissa, indiscutível que a aquisição da propriedade imobiliária por meio da desapropriação judicial encerra forma originária.

No entanto, a despeito de referido caráter originário, a partir da redação dos arts. 176, § 3º, e 225, § 3º, da Lei nº 6.015/73 infere-se que, na hipótese em que há destaque de parcela de imóvel rural, observados, por certo, os prazos constantes do art. 10 do Decreto nº 4.449/2002, existe a necessidade de regular apresentação da planta e do memorial descritivo georreferenciado, contendo as coordenadas georreferenciadas, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

A propósito, assim está disposto:

“Art. 176 (…)

§ 3º – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1º será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.” (g.n.)

“Art. 225 (…)

§ 3º – Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais”.

Na expressão consagrada de Afrânio de Carvalho:

“(…) o requisito registral da especialidade do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto heterogêneo em relação a qualquer outro”.[1]

A interpretação teleológica das referidas disposições normativas permite a compreensão de sua incidência no caso da desapropriação de parcelas de imóvel rural, notadamente pela repercussão no imóvel objeto da desapropriação parcial no aspecto da especialidade objetiva.

No caso em tela, foi realizado o georreferenciamento das áreas desapropriadas, consoante se observa da planta e do memorial descritivo a fl. 32/33 e 28/31, em que constam suas exatas localizações conforme as coordenadas de seus vértices, como previsto na Lei de Registros Públicos. Destarte, no que tange à exigência de apresentação de planta e memorial descritivo georreferenciado, não há óbice ao pretendido registro.

De outra sorte, a necessidade de sua certificação pelo INCRA consta do art. 9º do Decreto nº 4.449/2002:

“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do §3º do art. 176 e do §3º do art. 225 da Lei nº 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio”.

Não se olvida dos prazos de carência estabelecidos no mencionado art. 10 de referido Decreto, que, na hipótese, ocorreria em vinte e dois anos.

“Art.10 – A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei nº 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9º, somente após transcorridos os seguintes prazos:

(…)

VII – vinte e dois anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares”.

Contudo, georreferenciada a descrição perimétrica das áreas desapropriadas, como ocorre in casu, ainda que não expirado o prazo de carência afigura-se imprescindível a apresentação, no Registro de Imóveis competente, da certificação expedida pelo INCRA de que não há sobreposição com outro imóvel rural, tudo a fim de se evitar o ingresso de identificação incompleta no fólio real.

Nestes moldes foi o parecer de lavra do então Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. José Antônio de Paula Santos Neto, nos autos do Processo nº 24066/2005, aprovado pelo, à época, Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale:

“Foi questionado, outrossim, se ‘aqueles que optarem pelo georreferenciamento já, deverão atender de imediato a certificação de que trata o § 1º do artigo 9º do Decreto 4.449/02, ou poderão  fazê-lo dentro do prazo que for entendido como aplicável’. Obviamente, a providência deverá ser imediata. A obtenção do certificado de não sobreposição emitido pelo INCRA é parte integrante e relevante do sistema de individualização imobiliária disciplinado no dito decreto. Logo, não é de se admitir o ingresso, no fólio real, de identificação truncada; incompleta. Nem parceladamente, a prestações. Configura a certificação verdadeiro requisito a ser observado. Aliás, sua exigência é um dos aspectos essenciais do mapeamento cadastral que se almeja erigir. Destarte, a bem da própria higidez do Registro Imobiliário, deverá ser desqualificado o ingresso da nova descrição quando o memorial não vier devidamente certificado. Do contrário, ferir-se-ia a lógica da estrutura concebida e se correria o risco, até, de permitir a vulneração da tábua por modificação aventureira das características da área rural, uma vez que sem a chancela de segurança do órgão oficial responsável. Além disso, a certificação diferida para o futuro poderia nunca chegar, criando-se perplexidade acerca do destino a ser dado àquela descrição precipitadamente abrigada”.

Não colhe, ademais, a alegação da apelante no sentido de que o imóvel em questão perdeu o status de rural.

Com efeito, nos termos do art. 53 da Lei nº 6.766/79, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende de aprovação do Município, bem como de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA.

Nos autos, contudo, não há demonstração de manifestação do INCRA e tampouco comprovação de aprovação por parte do Município da mudança de destinação do imóvel, razão pela qual não há como ser afastada a exigência.

Neste sentido já se manifestou, recentemente, este C. Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido”. [2]

Por fim, em virtude da área desapropriada encerrar imóvel rural para fins de registro imobiliário, correta a exigência de Cadastro Ambiental Rural, nos termos do art. 29 da Lei n.º 12.651/12:

“Art. 29 – É criado o Cadastro Ambiental Rural – CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

(…)

§ 3º – A inscrição no CAR é obrigatória e por prazo indeterminado para todas as propriedades e posses rurais”.

A propósito do tema, merecem destaque as recentes decisões deste C. Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. RODOVIA EM ÁREA RURAL. Prescindibilidade de georreferenciamento da área remanescente do imóvel objeto da desapropriação. Descrição da localização geodésica do imóvel desapropriado. Necessidade de certificação pelo INCRA. Cabimento do registro no CAR. Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1001645-69.2017.8.26.0415; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Palmital – 1ª Vara; Data do Julgamento: 14/09/2021; Data de Registro: 15/09/2021).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. DESAPROPRIAÇÃO PARCIAL DE ÁREA RURAL. Aquisição originária da propriedade. Rodovia em área rural. Cabimento do georreferenciamento em cumprimento à Lei de Registros Públicos (artigos 176, § 1º, 3 “a”, 176, §§ 3º e 6º e 225, § 3º) e ao princípio da especialidade objetiva. Cabimento do registro no CAR. Recurso não provido.” (TJSP; Apelação Cível 1002546-11.2017.8.26.0553; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Santo Anastácio – Vara Única; Data do Julgamento: 28/05/2019; Data de Registro: 06/06/2019).

Relevante consignar, ademais, que o prazo de prorrogação para inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR, promovido pela Lei nº 13.295/2016, foi estendido até o final do ano de 2017 e, portanto, diversamente do alegado pela apelante, já expirou. É, nesta linha, a redação do subitem 10.4. do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

“10.4. A obrigatoriedade da averbação do número de inscrição do imóvel rural no CAR/SICAR, a ser realizada mediante provocação de qualquer pessoa, fica condicionada ao decurso do prazo estabelecido no § 3.º do art. 29 da Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012.”

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relato

Notas:

[1] Registro de Imóveis, pág. 206.

[2] Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008. (DJe de 10.03.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, com manutenção da recusa do registro de sentença de usucapião – Ordens de indisponibilidade de bens em nome da compromissária compradora e cessionária de direitos constantes da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – Indisponibilidade de bens averbada na matrícula já cancelada – Usucapião é modo originário de aquisição da propriedade – Óbice afastado – Dá-se provimento à apelação.

Apelação Cível nº 1000385-80.2020.8.26.0534

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1000385-80.2020.8.26.0534

Comarca: SANTA BRANCA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000385-80.2020.8.26.0534

Registro: 2021.0001019999

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000385-80.2020.8.26.0534, da Comarca de Santa Branca, em que são apelantes VITOR TORRES DOS SANTOS e MARIA CECÍLIA DOS SANTOS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA BRANCA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1000385-80.2020.8.26.0534

Apelantes: Vitor Torres dos Santos e Maria Cecília dos Santos

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Branca

VOTO Nº 31.657

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, com manutenção da recusa do registro de sentença de usucapião – Ordens de indisponibilidade de bens em nome da compromissária compradora e cessionária de direitos constantes da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – Indisponibilidade de bens averbada na matrícula já cancelada – Usucapião é modo originário de aquisição da propriedade – Óbice afastado – Dá-se provimento à apelação.

1. Trata-se de apelação interposta por Vitor Torres dos Santos Maria Cecília dos Santos contra r. sentença que manteve a recusa da Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Santa Branca/SP em promover o registro do mandado de usucapião expedido nos autos da ação de usucapião que tramitou perante a Vara Única daquela Comarca (Processo nº 0000183-96.2015.8.26.0534), tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 4.466 junto à referida serventia extrajudicial, em razão da existência de ordens de indisponibilidade dos bens em nome da compromissária compradora e cessionária de direitos, Companhia Piratininga de Empreendimentos.

Os apelantes alegam, em síntese, que a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e que a restrição imposta foi averbada posteriormente ao ajuizamento da ação, ou seja, muito tempo depois de seu ingresso na posse do imóvel (fl. 120/125).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 142/145).

É o relatório.

2. O recurso merece provimento.

A recusa da Oficial de Registro de Imóveis em realizar o registro do mandado judicial expedido por força da sentença prolatada nos autos da ação de usucapião que tramitou perante a Vara Única da Comarca de Santa Branca/SP (Processo nº 0000183- 96.2015.8.26.0534) não merece prevalecer.

A nota devolutiva expedida pela registradora informa a existência de ordens de indisponibilidade de bens em nome da compromissária compradora e cessionária de direitos, Companhia Piratininga de Empreendimentos, constantes da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, o que ensejaria a necessidade de aditamento do título para que dele conste “a prevalência da alienação judicial em relação às restrições oriundas de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da ação, considerando o disposto no art. 16 do Provimento 39/2014 da Corregedoria Nacional da Justiça CNJ” (fl. 08/09).

Ocorre que na matrícula nº 4.466 (fl. 58/61), a única ordem de indisponibilidade averbada (Av. 3) já foi cancelada (Av. 4).

Ademais, não se tratando a hipótese de alienação judicial, mas sim de sentença judicial declaratória de usucapião, sem qualquer ressalva, condição ou observação para fins de registro, mostrasse descabida a exigência de aditamento do título para que conste sua prevalência em relação às restrições oriundas de outro juízo ou autoridade administrativa a que foi dada ciência da ação, nos termos do art. 16 do Provimento n.º 39/2014 da Corregedoria Nacional da Justiça.

Como é sabido, a “usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, pois não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito. O direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muito menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão. São efeitos do fato da aquisição ser a título originário: não haver necessidade de recolhimento do imposto de transmissão quando do registro da sentença, (…); os direitos reais limitados e eventuais defeitos que gravam ou viciam a propriedade não se transmitirem ao usucapiente; (…) sanar os vícios de propriedade defeituosa adquirida a título derivado.” (Peluso, Cezar (Coord); Código Civil Comentado, Ed. Manole, 2010, p. 1.212).

Sobre o tema:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. MODO ORIGINÁRIO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. HIPOTECA. NÃO SUBSISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA Nº 284/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS Nº 211/STJ E Nº 282/STF. 1. O recurso especial que indica violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, mas traz somente alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional, é deficiente em sua fundamentação, o que atrai o óbice da Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. Ausente o prequestionamento de dispositivos apontados como violados no recurso especial, sequer de modo implícito, incide o disposto nas Súmulas nº 211/STJ e nº 282/STF. 3. A usucapião é forma de aquisição originária da propriedade, de modo que não permanecem os ônus que gravavam o imóvel antes da sua declaração. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg no REsp 647240 / DF, 3 Turma, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 07/02/2013).

No mesmo sentido, há precedente recente deste Conselho Superior da Magistratura:

“A usucapião é forma de aquisição originária da propriedade, de modo que não permanecem os ônus que gravavam o imóvel antes da sua declaração. Inexistência de determinação em sentido contrário no título judicial. Impossibilidade de transposição de hipoteca anterior na matrícula que será aberta em decorrência da usucapião. Recurso provido.” (TJSP; Apelação Cível 1006652-49.2019.8.26.0099; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Bragança Paulista – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/04/2020; Data de Registro: 14/05/2020).

Nesse cenário, o óbice apresentado pela Registradora merece ser afastado.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 10.03.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Averbação de alteração de regime de bens, com efeito ex nunc – Retroatividade automática decorrente da adoção do regime da comunhão universal de bens – Comunicabilidade dos bens – Regime da comunhão universal de bens vigente na abertura da sucessão – Condição de meeira da cônjuge sobrevivente – Dúvida improcedente – Recurso provido para afastar as exigências.

Apelação Cível n.º 1001161-44.2021.8.26.0664

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001161-44.2021.8.26.0664

Comarca: VOTUPORANGA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível n.º 1001161-44.2021.8.26.0664

Registro: 2021.0001020044

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 1001161-44.2021.8.26.0664, da Comarca de Votuporanga, em que são apelantes MARIZE JAVAREZ, LAERCIO JAVAREZ JUNIOR e MARCELO AUGUSTO JAVAREZ, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE VOTUPORANGA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n.º 1001161-44.2021.8.26.0664

Apelantes: Marize Javarez, Laercio Javarez Junior e Marcelo Augusto Javarez

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Votuporanga

VOTO N.º 31.675

Registro de imóveis – Escritura pública de inventário e partilha – Averbação de alteração de regime de bens, com efeito ex nunc – Retroatividade automática decorrente da adoção do regime da comunhão universal de bens – Comunicabilidade dos bens – Regime da comunhão universal de bens vigente na abertura da sucessão – Condição de meeira da cônjuge sobrevivente – Dúvida improcedente – Recurso provido para afastar as exigências.

1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por MARIZE JAVAREZ e OUTROS contra a r. sentença de fl. 95, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Votuporanga, mantendo-se os óbices registrários.

A Nota de Exigência de fl. 9 indicou como motivos de recusa do ingresso do título:

“1) Conforme se verifica da matrícula n.º 27.185, bem como da certidão de casamento apresentada, a alteração do regime de bens do casamento de Laercio Javarez e Marize Javarez foi decretada judicialmente com efeito ‘ex nunc’, isto é, não retroativo (prospectivo), de modo que na sucessão ‘causa mortis’ devem ser observados os efeitos produzidos pelo regime de bens do casamento antes de sua alteração (separação total convencional e não comunhão universal de bens).

Dessa forma, Marize Javarez não tem meação sobre o imóvel objeto da matrícula n.º 27.185, devendo suceder como herdeira, em concorrência com os filhos, nos termos do artigo 1.829, I, do Código Civil.

2) Outrossim, não havendo meação, o ITCMD incidente sobre a transmissão do imóvel objeto da matrícula n.º 27.185, deve ser calculado com base no valor integral do bem (100%). Nesse sentido, é necessário apresentar declaração retificadora do ITCMD, acompanhada de guia complementar do pagamento da diferença do imposto (original ou cópia autenticada)”.

Sustentam os recorrentes, em suma, que o regime de bens na data da morte era o da comunhão universal; que os efeitos ex nunc da modificação do regime de bens dizem respeito apenas a negócios que fossem realizados com terceiros a partir daquela data e não pode afetar questões tributárias futuras; que a viúva é meeira não havendo que incidir o imposto de transmissão causa mortis; que os efeitos ex nunc não se aplicam ao regime de comunhão universal de bens.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fl. 135/137).

É o relatório.

2. Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito o recurso merece provimento.

Trata-se de registro de escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados por Laercio Javarez lavrada em 15 de dezembro de 2020 perante o 1º Tabelionato de Notas da Comarca de São José do Rio Preto, prenotada sob o n.º 233.300 no Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Votuporanga, constando como viúva meeira Marize Javarez e herdeiros filhos Marcelo Augusto Javarez casado com Lilian Renata de Melo Javarez e Laercio Javarez Junior casado com Jeanine Geraldo Javarez (fl. 10/22).

Qualificado negativamente o título nos termos da nota devolutiva suprarreproduzida, foi suscitada dúvida, julgada procedente. Consoante se observa de fl. 51/54, a matrícula n.º 27.185 foi inaugurada constando como proprietários Laercio JavarezMarilene Javarez Nelson Javarez, menores com 17, 15 e 14 anos de idade, filhos de Francisco Javarez e de Zefira Scavasso Javarez.

Da Av. 1 constou a existência de usufruto vitalício em favor de Francisco Javarez e de Zefira Scavasso Javarez, cancelado por meio da Av. 6, em razão de seus óbitos.

Da Av. 10, feita em 13 de fevereiro de 2020, constou que:

a) o proprietário Laércio Javarez casou-se em 27 de julho de 1974, sob o regime da separação de bens com Marize Firmino da Silva, que passou a utilizar o nome Marize Javarez; e

b) que por sentença proferida em 15 de abril de 2014, transitada em julgado em 23 de maio de 2014, o regime de bens do casamento de Laércio Javarez e Marize foi alterado, com efeito “ex nunc” para comunhão universal de bens (fl. 54).

O cerne da dúvida cinge-se, pois, às consequências da alteração do regime de bens de Laércio Javarez e Marize Javarez da separação convencional para comunhão universal, exigindo o registrador, para ingresso do título, sua retificação para constar Marize Javarez como herdeira e não meeira do imóvel objeto da matrícula n.º 27.185, nos termos do artigo 1.829, I, do Código Civil.

A despeito das ponderações constantes da dúvida e da ressalva consignada na Av. 10 – com efeito “ex nunc” – adotado o regime da comunhão universal de bens, a retroatividade é decorrência lógica.

O regime da comunhão universal de bens, vigente quando do óbito de Laércio, implica na comunicação de todos os bens do casal, anteriores ou posteriores à alteração do regime, de modo que, in casu, a ressalva quanto aos efeitos não produz as consequências aventadas pelo Oficial Registrador.

Em outras palavras, no regime da comunhão universal de bens, em que, observadas as exceções legais, tanto os bens passados quanto os futuros se comunicam, haverá efeito retroativo automático.

Entendimento diverso importaria na comunicabilidade somente dos bens futuros, característica do regime da comunhão parcial de bens, diverso do adotado pelo casal, desvirtuando, assim, a alteração de regime de bens efetivada.

Observe-se, ademais, que no caso concreto os herdeiros são maiores, havendo expressa concordância de que o bem imóvel matriculado sob o n.º 27.185 comunicou-se com a viúva em decorrência do regime da comunhão universal adotado.

Finalmente, como consequência, não subsiste a exigência de apresentação de declaração retificadora do ITCMD, acompanhada de guia complementar do pagamento da diferença do imposto.

3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para afastar a recusa do registro.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 10.03.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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