Registro de Imóveis – Transformações societárias (incorporação e cisão) – Transmissão de bens imóveis – Exigência de prova do adimplemento do imposto de transmissão inter vivos, ou de isenção – Sociedades em cujo objeto se inseria a compra e venda de bens imóveis – Parecer pelo não provimento do recurso e manutenção da exigência.

Número do processo: 1000745-93.2018.8.26.0660

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 195

Ano do parecer: 2021

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1000745-93.2018.8.26.0660

(195/2021-E)

Registro de Imóveis – Transformações societárias (incorporação e cisão) – Transmissão de bens imóveis – Exigência de prova do adimplemento do imposto de transmissão inter vivos, ou de isenção – Sociedades em cujo objeto se inseria a compra e venda de bens imóveis – Parecer pelo não provimento do recurso e manutenção da exigência.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

1. B5 Participações Ltda., em procedimento administrativo comum ou “pedido de providências” (fl. 01/06), afirmou-se titular de direitos aquisitivos sobre o domínio de imóveis compreendidos nas matrículas 305, 646 e 852 da Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Viradouro. Assim, apresentou para averbação (n. 16 da letra b do item 11 do Capítulo XX das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais – NSCGJ) certos instrumentos societários, diante do que foram exigidas (fl. 277) certidões de isenção do imposto de transmissão imobiliária inter vivos (ITBI) relativas aos atos de incorporação de Lubisa Agricultura Ltda. Por Cibratur Empreendimentos, Hotéis e Turismo Ltda., e de cisão parcial desta última (que antes se passara a chamar B5 Ltda.), operação da qual veio a originar-se a própria requerente B5 Participações.

A requerente entendeu que essa exigência (fl. 277) é indevida, pois a sua atividade preponderante é agrícola (ou seja, não é a compra e venda de bens imóveis) e, desse modo, não há isenção, mas imunidade tributária (Constituição Federal, art. 156, § 2º, I; CGJ, autos 0049437-55.2010.8.26.0100; CSM, autos 1022143- 69.2014.8.26.0100), e fez iniciar pedido de providências, para a superação do óbice.

Segundo a r. sentença (fl. 318/322), a Oficial tinha o dever de fiscalizar o recolhimento dos tributos (inciso XI do art. 30 da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994; inciso VI do art. 134 do Cód. Tributário Nacional; art. 289 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973) e, na hipótese, a imunidade tributária não é incondicionada (inciso II do art. 36 e art. 37 do Cód. Tributário Nacional; inciso III e §§ 2º-7º do art. 90 da Lei Complementar Municipal nº 38/2010); logo, está correta a exigência, cuja constitucionalidade ou legalidade não pode ser examinada na via administrativa.

Em seu recurso (fl. 324/331), a interessada B5 Participações reproduz os argumentos já empregados na petição inicial (fl. 01/06), acrescentando que a legislação municipal não impõe a apresentação de certidão ou qualquer outro instrumento que comprove a imunidade ou a isenção.

O recurso foi distribuído à 9ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça, a qual declinou de sua competência em favor desta Corregedoria Geral da Justiça (fl. 373/379 e 390).

A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso administrativo (fl. 406/408).

É o relatório.

Opino.

2. Preliminarmente, interposto com o nome de apelação, o recurso vem sendo processado, como é correto, na forma prevista no Código Judiciário, art. 246, já que a matéria versada concerne a ato de averbação, isto é, não diz respeito, propriamente, a um registro stricto sensu (Lei nº 6.015/1973, arts. 167, I, 203, II, e 296). De qualquer forma, o mero erro de nominação não prejudica em nada o recebimento e o exame do recurso administrativo, pois foi respeitado o prazo legal para interposição, aliás idêntico para essa espécie e para o apelo (Lei nº 6.015/1973, art. 202, c. c. Cód. de Processo Civil, art. 1.003, § 5º, de um lado, e Código Judiciário, art. 246, de outro).

De meritis, o recurso não merece provimento.

Como se tira do inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, não incide em caso da transferência de direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica – salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Essa disposição é complementada e esclarecida pelo Código Tributário Nacional:

“Art. 36 – Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:

I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;

II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.

Parágrafo único – O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.

Art. 37 – O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.

§ 1º – Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.

§ 2º – Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.

§ 3º – Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.

§ 4º – O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.”

A sociedade Cibratur – que incorporou Lubisa (fl. 50/51, 61/62 e 63/80 e 172) e, depois, teve a denominação alterada para B5 Ltda. (fl. 29/50, 61, 101, 89/113 e 115) – possuía, dentre os seus objetivos sociais, a “compra e venda de imóveis, próprios ou de terceiros” (fl. 29, 37 e 45, especialmente). Esse objetivo social foi também mantido para a sociedade B5 Ltda. (fl. 101). Depois, essa B5 Ltda. foi cindida em parte (fl. 121 e 167), e parte do patrimônio cindido foi incorporado por Capper Wani Participações Ltda. (fl. 131, 133, 135, 205, 203/224 e 235/243), a qual, por sua vez, teve a denominação alterada para B5 Participações (fl. 245/271), ora apelante.

Portanto, seguindo à letra o disposto na Constituição, art. 156, § 2º, I, e, também, no Cód. Tributário Nacional, arts. 36, I, e 37, o Ofício de Registro de Imóveis, considerando os objetivos sociais das sociedades envolvidas, fez bem em exigir (fl. 277) a prova de pagamento do tributo ou da isenção para a incorporação de Lubisa para Cibratur e para a cisão de B5 Ltda.

Se a Constituição da República, art. 156, § 2º, I, traz uma hipótese de imunidade, ou de mera isenção; se essa isenção pode ser ou não condicionada aos requisitos dos arts. 36 e 37 do Cód. Tributário Nacional; se a atividade preponderante das sociedades é ou não a exploração agrícola – essas são questões, todas elas, a extrapolar os limites da qualificação registral, que não pode reconhecer inconstitucionalidades nem julgar da lei, nem descer a exame de situação de fato, extradocumental. Além disso, tampouco favorece a apelante a alegação de que a lei municipal não tenha exigido a apresentação dessas provas de pagamento ou de isenção, uma vez que, a despeito disso, subsiste, em desfavor do oficial, o dever de fiscalizar a situação tributária subjacente (Lei nº 6.015/1973, art. 289; Lei n. 8.935/1994, art. 30, XI; Cód. Tributário Nacional, art. 134, VI).

Quanto aos precedentes citados, note-se, por fim, que não se aplicam ao caso a r. sentença dada nos autos 0049437-55.2010.8.26.0100, da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo (pois nesse decisum não está esclarecido qual fosse o objeto social das sociedades envolvidas e, de resto, ali foi aplicada a legislação do Município de São Paulo, e não a de Viradouro, a qual condiciona a imunidade à demonstração de atividade preponderante – cf. Lei Municipal Complementar nº 83, de 26 de setembro de 2019, art. 296) nem o v. acórdão proferido na Apelação Cível n.º 1022143-69.2014.8.26.0100, do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo (porque ali se tratava de discussão acerca de encargos moratórios, e aqui estão em causa o próprio tributo).

Em suma: em que pese às razões expostas na apelação, o recurso não merece provimento, e a r. sentença e a exigência do Ofício de Registro de Imóveis têm de ser mantidas, como lançadas.

3. Diante do exposto, o parecer que respeitosamente ofereço ao elevado critério de Vossa Excelência é pelo conhecimento do recurso administrativo e, no seu mérito, pelo seu não provimento.

Sub censura.

São Paulo, 23 de junho de 2021.

Josué Modesto Passos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, conheço do recurso administrativo e, no mérito, nego-lhe provimento. São Paulo, 25 de junho de 2021. (a) RICARDO ANAFE, Corregedor Geral da Justiça – ADV: JOSE ANTONIO LOVATO, OAB/SP 103.248 e ANDRÉ LUÍS LOVATO, OAB/SP 188.325.

Diário da Justiça Eletrônico de 01.07.2021

Decisão reproduzida na página 063 do Classificador II – 2021

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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Recurso Especial – União estável sob o regime da separação obrigatória de bens – Companheiro maior de 70 anos na ocasião em que firmou escritura pública – Pacto antenupcial afastando a incidência da Súmula nº 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos adquiridos onerosamente na constância da convivência – Possibilidade – Meação de bens da companheira – Inocorrência – Sucessão de bens – Companheira na condição de herdeira – Impossibilidade – Necessidade de remoção dela da inventariança – 1. O pacto antenupcial e o contrato de convivência definem as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar, formando o estatuto patrimonial – regime de bens – do casamento ou da união estável, cuja regência se iniciará, sucessivamente, na data da celebração do matrimônio ou no momento da demonstração empírica do preenchimento dos requisitos da união estável (CC, art. 1.723) – 2. O Código Civil, em exceção à autonomia privada, também restringe a liberdade de escolha do regime patrimonial aos nubentes em certas circunstâncias, reputadas pelo legislador como essenciais à proteção de determinadas pessoas ou situações e que foram dispostas no art. 1.641 do Código Civil, como sói ser o regime da separação obrigatória da pessoa maior de setenta antos (inciso II) – 3. “A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace” (REsp 1689152/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017) – 4. Firmou o STJ o entendimento de que, “por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta” (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010) – 5. A Segunda Seção do STJ, em releitura da antiga Súmula nº 377/STF, decidiu que, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição” EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª região), Segunda Seção, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018), ratificando anterior entendimento da Seção com relação à união estável (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015) – 6. No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula nº 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos – 7. A mens legis do art. 1.641, II, do Código Civil é justamente conferir proteção ao patrimônio do idoso que está casando-se e aos interesses de sua prole, impedindo a comunicação dos aquestos. Por uma interpretação teleológica da norma, é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda mais protetiva aos bens do nubente septuagenário, preservando o espírito do Código Civil de impedir a comunhão dos bens do ancião. O que não se mostra possível é a vulneração dos ditames do regime restritivo e protetivo, seja afastando a incidência do regime da separação obrigatória, seja adotando pacto que o torne regime mais ampliativo e comunitário em relação aos bens – 8. Na hipótese, o de cujus e a sua companheira celebraram escritura pública de união estável quando o primeiro contava com 77 anos de idade – com observância, portanto, do regime da separação obrigatória de bens –, oportunidade em que as partes, de livre e espontânea vontade, realizaram pacto antenupcial estipulando termos ainda mais protetivos ao enlace, demonstrando o claro intento de não terem os seus bens comunicados, com o afastamento da incidência da Súmula nº 377 do STF. Portanto, não há falar em meação de bens nem em sucessão da companheira (CC, art. 1.829, I) – 9. Recurso especial da filha do de cujus a que se dá provimento. Recurso da ex-companheira desprovido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.922.347 – PR (2021/0040322-7)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE : AUREA KURPIEL DAS CHAGAS

ADVOGADO : TADEU KURPIEL JUNIOR – PR081789

RECORRENTE : MARIA DE FATIMA GRUBE CARIGNANO – INVENTARIANTE

ADVOGADO : RAPHAEL TOSTES SALIN E SOUZA – PR057860

RECORRIDO : OS MESMOS

RECORRIDO : WILSON NALDO GRUBE – ESPÓLIO

RECORRIDO : WILSON NALDO GRUBE FILHO

RECORRIDO : PAULO AUGUSTO GRUBE

RECORRIDO : REINALDO GRUBE NETO

RECORRIDO : MARIA DA SALETE GRUBE

RECORRIDO : MARIA DE FATIMA GRUBE CARIGNANO

ADVOGADO : RAPHAEL TOSTES SALIN E SOUZA – PR057860

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. COMPANHEIRO MAIOR DE 70 ANOS NA OCASIÃO EM QUE FIRMOU ESCRITURA PÚBLICA. PACTO ANTENUPCIAL AFASTANDO A INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 377 DO STF, IMPEDINDO A COMUNHÃO DOS AQUESTOS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA CONVIVÊNCIA. POSSIBILIDADE. MEAÇÃO DE BENS DA COMPANHEIRA. INOCORRÊNCIA. SUCESSÃO DE BENS. COMPANHEIRA NA CONDIÇÃO DE HERDEIRA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REMOÇÃO DELA DA INVENTARIANÇA.

1. O pacto antenupcial e o contrato de convivência definem as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar, formando o estatuto patrimonial – regime de bens – do casamento ou da união estável, cuja regência se iniciará, sucessivamente, na data da celebração do matrimônio ou no momento da demonstração empírica do preenchimento dos requisitos da união estável (CC, art. 1.723).

2. O Código Civil, em exceção à autonomia privada, também restringe a liberdade de escolha do regime patrimonial aos nubentes em certas circunstâncias, reputadas pelo legislador como essenciais à proteção de determinadas pessoas ou situações e que foram dispostas no art. 1.641 do Código Civil, como sói ser o regime da separação obrigatória da pessoa maior de setenta antos (inciso II).

3. “A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace” (REsp 1689152/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017).

4. Firmou o STJ o entendimento de que, “por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta” (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010).

5. A Segunda Seção do STJ, em releitura da antiga Súmula n. 377/STF, decidiu que, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição” EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª região), Segunda Seção, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018), ratificando anterior entendimento da Seção com relação à união estável (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015).

6. No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.

7. A mens legis do art. 1.641, II, do Código Civil é justamente conferir proteção ao patrimônio do idoso que está casando-se e aos interesses de sua prole, impedindo a comunicação dos aquestos. Por uma interpretação teleológica da norma, é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda mais protetiva aos bens do nubente septuagenário, preservando o espírito do Código Civil de impedir a comunhão dos bens do ancião. O que não se mostra possível é a vulneração dos ditames do regime restritivo e protetivo, seja afastando a incidência do regime da separação obrigatória, seja adotando pacto que o torne regime mais ampliativo e comunitário em relação aos bens.

8. Na hipótese, o de cujus e a sua companheira celebraram escritura pública de união estável quando o primeiro contava com 77 anos de idade – com observância, portanto, do regime da separação obrigatória de bens –, oportunidade em que as partes, de livre e espontânea vontade, realizaram pacto antenupcial estipulando termos ainda mais protetivos ao enlace, demonstrando o claro intento de não terem os seus bens comunicados, com o afastamento da incidência da Súmula n. 377 do STF. Portanto, não há falar em meação de bens nem em sucessão da companheira (CC, art. 1.829, I).

9. Recurso especial da filha do de cujus a que se dá provimento. Recurso da ex-companheira desprovido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial de Maria de Fátima Grube Carignano e negar provimento ao recurso especial de Áurea Kurpiel das Chagas, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de dezembro de 2021(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Áurea Kurpiel das Chagas ajuizou pedido de inventário judicial de Wilson Naldo Grube, na qualidade de companheira sobrevivente, tendo o magistrado da 6ª Vara de Família e Sucessões de Curitiba acolhido a impugnação dos herdeiros para excluí-la da meação e/ou partilha dos bens deixados pelo falecido, inclusive a removendo da inventariança, nos seguintes termos:

1) Observa-se que os herdeiros Maria de Fátima Grube Carignano e Renato Luiz Carignano impugnam (eventos 23.1 e 28.1) a meação pretendida por Aurea Kurpiel Chagas.

Não se ignora que a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal preceitua que:

“No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”

Significa que os bens adquiridos onerosamente na vigência do casamento celebrado sob o regime da separação legal (obrigatória) de bens são patrimônio comum do casal.

A premissa aplicada ao matrimônio é aplicável de maneira incontroversa à união estável. Para tanto, basta ver que este é o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça:

[…]

No caso em tela, todavia, nota-se que as partes firmaram pacto antenupcial claramente optando pelo regime da separação de bens (evento 1.6).

Muito embora o regime da separação obrigatória fosse aplicável à época da data eleita (10.08.2007) para início da convivência, o que chama à atenção é o aspecto volitivo que traduz o pacto antenupcial.

Quer dizer que os conviventes optaram por excluir da comunhão os bens onerosamente adquiridos por um ou outro na constância da convivência, salvo eventual sub-rogação do patrimônio particular de ambos para aquisição de outro em comum.

Dessa forma, entende-se que mesmo nas hipóteses em que se impõe o regime de separação obrigatória de bens (artigo 1641 do Código Civil), é dado aos nubentes, por pacto antenupcial, afastar a incidência da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, por constituir exercício da autonomia privada (artigo 1.653 do Código Civil).

A esse respeito, veja-se o seguinte entendimento doutrinário:

” (…) sim, podem os nubentes, atingidos pelo art. 1.641, inciso II, do Código Civil, afastar, por escritura pública, a incidência da Súmula 377.

Acreditamos que tal afastamento constitui um correto exercício da autonomia privada, admitido pelo nosso Direito, que conduz a um eficaz mecanismo de planejamento familiar, perfeitamente exercitável por força de ato público, no caso de um pacto antenupcial. ” [ 2] Deveras, é imperioso considerar que o regime de bens da união estável entre Aurea Kurpiel Chagas e o autor da herança é o de separação total de bens. Por consequência, é indevida a pretensão dela referente à meação de bens em nome do falecido, tampouco a manutenção da falecida na condição do encargo de inventariante, por lhe falecer interesse na meação, ou mesmo na partilha, este à luz do artigo 1829, inciso 1, do Código Civil. Nesse sentido:

[…]

Diante do exposto, acolhe-se a impugnação em apreço, excluindo-se Áurea Kurpiel das Chagas da meação e/ou partilha dos bens deixados por Wilson Naldo Grube, inclusive removendo-a da inventariança;

2) Por consequência, nomeia-se, em substituição, a herdeira Maria de Fátima Grube Carignano com inventariante, competindo-lhe retificar/ratificar as primeiras declarações (evento 25.1), especialmente à luz do contido nos eventos 31.1/31.9, 33.1/33.4, 38.1/38.4, 42.1/42.8 e 43.1/43.5, no prazo de 15 (quinze) dias;

3) Intimem-se. Diligências necessárias.

(fls. 18-23)

Interposto agravo de instrumento, o TJPR deu provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO JUDICIAL.

SÍNTESE FÁTICA. COMPANHEIRO MAIOR DE 70 ANOS NA OCASIÃO EM QUE FIRMOU ESCRITURA PÚBLICA DE UNIÃO ESTÁVEL EM REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. DECISÃO. REMOÇÃO DA COMPANHEIRA SOBREVIVENTE DO ENCARGO DE INVENTARIANTE POR RECONHECER A AUSÊNCIA DE EXPECTATIVA DE RECEBIMENTO DE MEAÇÃO OU HERANÇA. INSURGÊNCIA DA INVENTARIANTE DESTITUÍDA PARA A SUA MANUTENÇÃO DA INVENTARIANÇA EM RAZÃO DA EXPECTATIVA DE RECEBIMENTO DE HERANÇA OU MEAÇÃO DIANTE DO REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS.

PRELIMINAR.

NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. PARTE INTIMADA PARA MANIFESTAÇÃO DA IMPUGNAÇÃO À INVENTARIANÇA. DESÍDIA DA PARTE AGRAVANTE. AUSÊNCIA DE DECISÃO SURPRESA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 10 DO CPC/2015.

MÉRITO.

INVENTARIANÇA. MANUTENÇÃO DA VIRAGO COMO INVENTARIANTE. CABIMENTO. EXPECTATIVA DE RECEBIMENTO DE HERANÇA. VIGÊNCIA DE PACTO ANTENUPCIAL DE REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. MAIOR RESISTIVIDADE PATRIMONIAL DO REGIME ELEITO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.829, INCISO I, DO CPC/2015.

RECURSO CONHECIDO, POR MAIORIA DE VOTOS, E PROVIDO PARA A MANUTENÇÃO DA AGRAVANTE NO CARGO DE INVENTARIANTE

(fls. 156-157).

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. De ofício, corrigiram o dispositivo para constar o voto do desembargador vogal (fls. 246-249).

Irresignada, Áurea Kurpiel das Chagas interpõe recurso especial (fls. 261-273) com fundamento nas alíneas do permissivo constitucional, por negativa de vigência ao art. 1.641, II, do Código Civil.

Esclarece que, “na condição de companheira, realizou a abertura do inventário em decorrência dos bens e direitos deixados pelo falecimento de Wilson Naldo Grube ocorrido em 28.12.2017” e que “foi nomeada inventariante, inclusive assinou o termo de compromisso e apresentou as primeiras declarações (mov. 25.1 dos autos n° 0002719-25.2018.8.16.0188)”.

Sustenta que “o art. 1.641, inciso II, do Código Civil, vigente à época do início da união estável havida entre as partes, é imperativo ao estabelecer a obrigatoriedade do regime da separação de bens quando a união é realizada entre pessoas maiores de 60 (setenta) anos. Ressalte-se que a união estável deve seguir as mesmas limitações impostas ao casamento, inclusive para fins sucessórios, a fim de unificar o sistema e evitar o prevalecimento de um instituto em detrimento do outro”.

Destaca que, “no caso dos autos, quando da celebração da escritura pública de união estável em 10/08/2007, o de cujus contava com a idade de 77 (setenta e sete) anos, de forma que as partes não poderiam convencionar livremente sobre o regime de bens, uma vez que obrigatória a observância do regime da separação legal, conforme dispõe o art. 1.641, inciso II, do Código Civil. Muito embora tenha ficado consignado na escritura pública que as partes convencionaram o regime da separação total de bens para reger a união estável, não há como se afastar a incidência do regime legal da separação, uma vez que, como já mencionado, o companheiro contava com mais de 60 (sessenta) anos na época do início da união”.

Aduz que “a menção ao pacto antenupcial na escritura pública é prática cartorária, logo, não há como afirmar que esta foi a verdadeira intenção das partes contratantes, quando o regime resulta de imposição legal, tanto para o agente que lavrou o documento quanto para as partes”.

Defende que, “considerando que as partes viveram em união estável durante aproximadamente 10 anos sob o regime da separação legal, deve ser reconhecido à Recorrente o direito de meação aos bens adquiridos onerosamente no período de convivência com o de cujus“.

Maria de Fátima Grube Carignano, por sua vez, interpõe apelo nobre (fls. 341-355), apontando violação do disposto nos arts. 942, caput e § 3º, II, do Código de Processo Civil; 1.641, II, e 1.725 do Código Civil; 5º da Lei n. 9.278/96.

Sustenta que deveria ter havido a ampliação do quórum de julgamento por se tratar de julgamento de questão de mérito, qual seja, direito à expectativa de herança, não podendo ser ela excluída da lista de herdeiros.

Defende que, “no tocante aos direitos patrimoniais decorrentes da união estável havida entre o de cujus e a Recorrida, aplicar-se-ia a regra geral do regime da comunhão parcial de bens somente se não houvesse disposição expressa em contrário, e há”.

Destaca que “o legislador, ao fazer tal ressalva, conferiu aos conviventes em união estável a opção de eleger regime patrimonial diverso da comunhão parcial de bens, se assim quiserem, desde que por meio de contrato escrito”.

Afirma que “a Recorrida não detém direito sobre qualquer bem do Sr. Wilson Naldo Grube, o de cujus, em vista da união estável firmada entre eles ser pelo regime da Separação Total de bens, bem como porque quando do declarado início de tal relação, supostamente 10.08.2007, o Sr. Wilson já constava com a idade de 78 (setenta e oito) anos, e, nos termos do Art. 1.641, do Código Civil, os bens do casal não se comunicam”.

Salienta que “a alegação da Recorrida de que foram compelidos pelo agente cartorário é infundada e inverídica, ao passo que do termo consta expressamente que, ‘pelos outorgantes e reciprocamente outorgados cada qual ao seu tempo e falando por si, me foi dito que, usando da faculdade que lhes dá a lei, decidiram que o regime de bens será o de separação total de bens […]'”.

Alega que “se engana totalmente a Recorrida e o Tribunal a quo no que tange à partilha no inventário, posto que não possui a Recorrida direito algum sobre os bens do de cujus“.

Contrarrazões de Áurea Kurpiel das Chagas apresentadas às fls. 396-410.

Maria de Fátima Grube Carignano não ofertou contrarrazões, consoante certidão à fl. 309.

O recurso de Maria de Fátima recebeu crivo de admissibilidade negativo na origem (fls. 432-435), ascendendo a esta Corte pelo provimento do agravo (fls. 554-555).

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Aprecio em conjunto ambos os recursos, diante da imbricação dos temas tratados.

3. Inicialmente, quanto à necessidade de ampliação do quórum para julgamento do recurso, haja vista a apresentação de voto divergente, afirmou o Tribunal a quo, no âmbito dos aclaratórios, que:

No caso dos autos, se vislumbra a ocorrência do referido vício, que demandaria o prosseguimento do julgamento, em tese.

Não se trata de hipótese de ampliação do quórum de julgamento, na forma do inciso XII, artigo 87 do RITJPR, já que a decisão submetida ao recurso não julgado parcialmente a demanda:

Art. 87. Às Câmaras Cíveis em Composição Integral compete processar e julgar:

XII – o recurso de Agravo de Instrumento, em prosseguimento, nos casos de decisão não unânime, iniciado na Câmara Cível Isolada, quando houver a reforma por maioria da decisão que julgar parcialmente o mérito;

(fl. 248)

Dessa feita, verifica-se, das razões do especial, que o recurso deixou de impugnar fundamentos suficientes do acórdão recorrido, mais precisamente de que não houve julgamento parcial da demanda, como exige expressamente o Código processual.

Deveras, o recorrente limitou-se a afirmar que se trata de julgamento de mérito e que, por isso, o Tribunal deveria ter ampliado o quórum de julgamento.

Incidência, portanto, da Súmula n 283 do STF: “é inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.

De outra parte, verifica-se que o acórdão recorrido, ainda que decidido por maioria, adotou fundamentos díspares. No entanto, quanto ao principal fundamento de mérito – a possibilidade de se estipularem cláusulas mais restritivas ao regime de separação legal –, tanto o magistrado de piso quanto a maioria dos desembargadores que julgaram o agravo de instrumento entenderam como possível tal pactuação (o voto vencido decidiu por sua impossibilidade), divergindo apenas quanto a uma de suas consequências, no âmbito sucessório, não havendo falar, assim, em julgamento não unânime parcial de mérito.

Nesse sentido:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE RECONHECE A LEGITIMIDADE DE PARTE DA CREDORA PARA AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. RECURSO JULGADO POR MAIORIA. APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. ART. 942, § 3º, II, DO NCPC. POSSIBILIDADE. OBSERVADA, CONTUDO, A REFORMA DA DECISÃO QUE JULGAR PARCIALMENTE O MÉRITO. AUSÊNCIA DE REFORMA NO CASO EM COMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO QUE NÃO FOI PROVIDO, POR MAIORIA. DECISÃO AGRAVADA QUE NÃO ANALISOU O MÉRITO DA CONTROVÉRSIA. NECESSIDADE DE ANULAÇÃO DOS VOTOS PROFERIDOS EM SEDE DE JULGAMENTO AMPLIADO PARA FAZER PREVALECER O QUE FICOU DECIDIDO, POR MAIORIA DE VOTOS, PELO RELATOR, PRIMEIRO E SEGUNDO VOGAIS (NÃO PROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO). RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. Somente se admite a técnica do julgamento ampliado, em agravo de instrumento, prevista no art. 942, § 3º, II, do NCPC, quando houver o provimento do recurso por maioria de votos e desde que a decisão agravada tenha julgado parcialmente o mérito. Doutrina sobre o tema.

3. Ausência, no caso dos autos, de provimento do agravo de instrumento, por maioria de votos, e de decisão agravada que tenha analisado o mérito da causa.

4. Reconhecido que o julgamento ampliado se deu em confronto com a lei, devem ser anulados os votos proferidos na modalidade ampliada para prevalecer somente aqueles votos proferidos pelo Desembargador Relator e Primeiro Vogal, que o acompanhou, que entenderam, por maioria, em negar provimento ao agravo de instrumento.

5. Recurso especial provido.

(REsp 1960580/MT, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 13/10/2021)

4. A principal controvérsia, no caso, está em definir se é possível que os cônjuges/companheiros casados/unidos sob o regime de separação obrigatória de bens, em razão da idade (CC, art. 1641, II), estabeleçam, em acréscimo ao regime protetivo, pacto antenupcial convencionando a separação total de bens, afastando a incidência da Súmula n. 377 do STF (no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento).

O Juízo de primeiro grau entendeu como válida a pactuação de regras econômicas mais restritivas do que as impostas pelo regime da lei, haja vista que:

No caso em tela, todavia, nota-se que as partes firmaram pacto antenupcial claramente optando pelo regime da separação de bens (evento 1.6).

Muito embora o regime da separação obrigatória fosse aplicável à época da data eleita (10.08.2007) para início da convivência, o que chama à atenção é o aspecto volitivo que traduz o pacto antenupcial.

Quer dizer que os conviventes optaram por excluir da comunhão os bens onerosamente adquiridos por um ou outro na constância da convivência, salvo eventual sub-rogação do patrimônio particular de ambos para aquisição de outro em comum.

Dessa forma, entende-se que mesmo nas hipóteses em que se impõe o regime de separação obrigatória de bens (artigo 1641 do Código Civil), é dado aos nubentes, por pacto antenupcial, afastar a incidência da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, por constituir exercício da autonomia privada (artigo 1.653 do Código Civil).

[…]

Deveras, é imperioso considerar que o regime de bens da união estável entre Aurea Kurpiel Chagas e o autor da herança é o de separação total de bens. Por consequência, é indevida a pretensão dela referente à meação de bens em nome do falecido, tampouco a manutenção da falecida na condição do encargo de inventariante, por lhe falecer interesse na meação, ou mesmo na partilha, este à luz do artigo 1829, inciso 1, do Código Civil. Nesse sentido:

[…]

Diante do exposto, acolhe-se a impugnação em apreço, excluindo-se Áurea Kurpiel das Chagas da meação e/ou partilha dos bens deixados por Wilson Naldo Grube, inclusive removendo-a da inventariança;

(fls. 18-23)

O Tribunal de origem, por maioria, manteve o posicionamento do magistrado de piso quanto à possibilidade de estipular cláusulas mais restritivas ao regime de separação legal, divergindo, no entanto, com relação às consequências sucessórias de tal entendimento, in verbis:

MÉRITO

Da remoção de inventariante – não provimento

Pretende a Agravante a sua manutenção na inventariança, em decorrência da existência de expectativa a meação e ou herança, considerando que deve ser aplicado ao caso o regime de separação obrigatória de bens, já que o “de cujus” já contava com idade superior a 70 anos.

Com parcial razão, contudo.

No caso em tela existem relações jurídicas em análise.

Uma se refere a condição da Agravante enquanto meeira e a segunda de sua condição como herdeira de seu falecido companheiro.

Da expectativa de meação

Conforme estabelece o artigo 1.687 que no regime de separação de bens ou separação convencional de bens, a ausência de comunhão de patrimônio, ficando cada bem no âmbito da esfera de administração daquele que adquiriu o bem.

“Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.”

Veja-se que o regramento do regime de separação convencional estipula as regras para a vivência da união estável, instituto do direito de família.

Neste interim para a existência de eventual meação entre os conviventes, é necessária a demonstração de contribuição para a aquisição de bem particular do outro convivente.

É oportuno, também, apontar que o artigo 1.725 do Código Civil estabelece que, quando não há eleição de regime de bens pelos companheiros, aplica-se ao relacionamento o regime de comunhão parcial de bens:

“Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”

Inobstante não haja a disposição legal quanto a obrigatoriedade de estabelecimento do regime de separação de bens aos maiores de 70 (setenta) anos, como ocorre no casamento, o entendimento jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em razão da proximidade entre os institutos, entende por restringir os direitos dos conviventes maiores de 70 anos, também quanto a escolha de regime de bens. Exige prova do esforço comum.

Confira-se o seguinte julgado de orientação pela Corte Superior, mesmo anteriormente minimizado pela mesma casa de Leis:

[…]

Veja-se que a legislação tem por objetivo a restrição a livre vontade dos pactuantes, para salvaguardar a comunicabilidade de patrimônio, ou seja, impede a pactuação de regime de comunhão universal ou parcial de bens.

Contudo tal impedimento não abarca regimes ainda mais restritivos, já que se destina justamente a preservação do patrimônio do maior de 70 anos de idade.

Neste interim, não havendo embargos a existência e validade do pacto antenupcial, cabe a sua aplicação.

Da expectativa de herança

Já em relação a expectativa da virago em receber herança do “de cujus”, estabelece o artigo 1.829 os chamados para suceder, como herdeiros legítimos:

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;”

Portanto tendo os companheiros estabelecido o regime de separação convencional de bens, há expectativa de recebimento de herança pela virago.

Veja-se que do contrário, admitindo a prevalência do regime de separação obrigatória de bens, tal condição lhe seria retirada.

Sobre o tema a jurisprudência:

[…]

Isto posto

A decisão é para conhecer e dar provimento ao Agravo de Instrumento, reconhecendo a sua expectativa de recebimento de herança, para a retomada da inventariança pela Agravante.

Por sua vez, o voto vencido entendeu que:

Entendo que deve se dado provimento ao recurso para reconhecer o regime de separação legal de bens, e reconhecer expectativa de direito à meação da agravante, afastando-se, por outro lado, a expectativa de direito à herança e a retomada da agravante no encargo de inventariante, ou seja, a agravante não pode ser nomeada inventariante, ao contrário do que entendeu al eminente relatora.

A decisão agravada entendeu que as partes celebraram o regime da separação convencional de bens, e removeu a agravante do exercício da inventariança, entendendo ser indevida qualquer pretensão referente à meação ou mesmo na partilha (mov. 49.1).

Pois bem.

01. Do regime aplicável à união estável celebrada entre a agravante e o de cujus . Separação convencional de bens x separação legal de bens.

Requer a agravante a modificação da decisão agravada para se reconhecer a incidência do regime de separação total de bens, pois não há como se afastar o inciso II do art. 1.641 do Código Civil devido a faixa etária de seu companheiro.

Nesse ponto, entendo que assiste razão à agravante, e manifestou divergência quanto a voto da Desembargador Relatora, para se reconhecer a separação legal de bens.

Cinge-se a controvérsia a respeito do regime de bens aplicável à união da agravante com o de cujus, falecido em 28/12/2017 (mov. 1.7 do inventário), isto é, se regime da separação legal de bens ou regime da separação convencional de bens.

In casu, a agravante celebrou escritura pública de união estável com o de cujus na data de 12/05/2014 (mov. 1.5 e 1.6), oportunidade em que declararam que desde 10/08/2007 passaram a conviver em união estável, e que estipulavam o regime patrimonial de separação de bens.

Eis o teor da escritura pública de união estável:

“1) Que, desde 10/08/2007, passaram a conviver maritalmente, constituindo união estável, na forma do Código Civil, estipulando, desde aquela data, o regime patrimonial de SEPARAÇÃO DE BENS, e que, residem nesta capital;

2) Declaram e definem que a totalidade dos bens móveis e imóveis, de propriedade de cada um, adquiridos anteriormente à referida data do início da união, não foram provenientes do trabalho e colaboração comum, de forma que os bens que constituem o patrimônio próprio de cada um são absolutamente incomunicáveis pelo dato de sua união. (…)” (mov. 1.5 e 1.6).

Assim, observa-se que o de cujus e a agravante mantinham união estável desde 10/08/2007, época na qual primeiro contava com 77 (setenta e sete) anos (nascido 20/11/1929) e a agravante com 37 (trinta e sete) anos (nascida em 10/08/1970).

Na data de 28/12/2017 sobreveio o falecimento do companheiro da agravante, com 88 (oitenta e oito) anos.

O art. 1.641 do Código Civil de 2002 prevê casos em que a incidência do regime da separação obrigatória de bens é imposta:

“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 60 (sessenta) anos;

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial”.

Na redação original do dispositivo acima, vigente na época do início da união estável ora em análise, era previsto a obrigatoriedade do regime de separação de bens aos maiores de 60 (sessenta) anos, passando, após a alteração da Lei n.º 12.344/2010, para os maiores de 70 (setenta) anos.

À união estável se aplicam as mesmas regras do casamento, motivo pelo qual necessário observar, por analogia, o dispositivo acima citado, inclusive no que se refere a direitos sucessórios.

In casu, o de cujus contava com mais de 60 (sessenta) anos quando da celebração da união estável, de forma que é obrigatória a observância do regime da separação legal de bens na união mantida com a agravante.

Apesar de ter ficado registrado na escritura pública de união estável que as partes “estipulavam o regime patrimonial de separação de bens” (mov. 1.5), tal situação não afasta a incidência do regime da separação legal de bens.

Logo, não há que se falar em prevalência do regime da separação convencional de bens, sob o argumento de que as partes assim estipularam, considerando que na escritura que celebraram nada há em sentido diverso ao regime da separação legal de bens, sendo que o que consta no item 6 – a aquisição mediante esforço comum, deixa claro que deverá ser registrado em nome dos dois – não altera o regime da separação legal de bens, uma vez que a jurisprudência admite a meação do cônjuge que contribuir para a aquisição dos bens, como se verá na sequência.

Nesse sentido, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que se trata de regime imposto de forma cogente pela legislação:

[…]

Também não se pode admitir que inexistiria impedimento para se pactuar regimes ainda mais restritivos, pois não se pode considerar o regime da separação convencional de bens mais restritivo que o regime da separação obrigatória de bens, considerando que cada regime contém consequências jurídicas distintas.

A exemplo, de acordo com o disposto no art. 1.829, inciso I, do Código Civil de 2002, apenas o cônjuge sobrevivente casado com o falecido no regime da separação convencional de bens concorre com os descendentes na sucessão legítima. De outro lado, há exclusão expressa do cônjuge sobrevivente casado com o falecido no regime da separação legal de bens à concorrência sucessória.

Além disso, não há como se afastar um regime patrimonial imposto pelo próprio texto de lei, não podendo a autonomia de vontade se sobrepor à expressa imposição legal.

Desta feita, divirjo da proposta de voto, entendendo que vigorava o regime da separação obrigatória de bens.

02. Da expectativa de direito de MEAÇÃO da agravante sobre os bens adquiridos durante a união.

In casu, a agravante fundamenta sua pretensão recursal com base em mera presunção de esforço comum, limitando-se a alegar que “com plena aplicação a Súmula 377 do STF, comunicam-se os bens adquiridos na constância da união estável, e para tanto, deve ser preservada a meação da agravante” (mov. 1.1 – p. 09 do recurso de agravo de instrumento).

Nesse ponto, manifesto divergência quanto ao voto que não reconheceu o direito à meação da agravante, para que seja dado provimento ao recurso para reconhecer a expectativa à meação da agravante, que em ação própria poderá demonstrar que contribuiu para a aquisição dos bens.

No caso dos autos, vigorava entre a agravante e o de cujus, por força de imposição legal, o regime da separação total dos bens presentes e futuros.

A respeito do regime de separação de bens estabelece o artigo 1.687 do Código Civil de 2002:

”Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real”.

Assim, em regra, no regime de separação legal de bens não há comunicabilidade dos bens anteriores e nem dos bens adquiridos por cada cônjuge durante o casamento/união estável.

Ocorre que a doutrina e jurisprudência passaram a admitir exceção a essa regra em casos excepcionais, possibilitando a partilha de bens adquiridos onerosamente durante o casamento para se evitar o enriquecimento ilícito de um dos cônjuges.

Nesse contexto, a Súmula n.º 377 do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que se comunicam os bens adquiridos na constância do casamento no regime da separação legal de bens.

É o teor da citada súmula:

“Súmula n.º 377. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Assim, mesmo no regime da separação de bens, possibilita-se a partilha, em casos excepcionais, em que demonstrado o esforço comum do casal na aquisição dos bens.

Necessário, contudo, que a parte que pretende a partilha de bens registrados em nome do outro cônjuge comprove o efetivo esforço comum, ou seja, apresente prova inequívoca de que contribuiu financeiramente ou com seu trabalho para a aquisição dos bens pertencentes ao outro, de modo a configurar uma sociedade de fato sobre o patrimônio.

Havia grande controvérsia acerca da possibilidade de comunicação dos bens no regime da separação obrigatória no casamento, tanto doutrinária e jurisprudencial, quanto à interpretação do comando previsto na Súmula n.º 377, do Supremo Tribunal Federal, no sentido de se presumir o esforço comum na aquisição dos bens adquiridos na constância do casamento.

Recentemente, em julgado publicado em 30/05/2018, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1623858/MG, pacificou a matéria, firmando o entendimento de que há necessidade de comprovação do esforço comum para a partilha de bens:

[…]

No citado Resp. n.º 1623858/MG, o ilustre Relator Ministro LÁZARO GUIMARÃES esclarece que para ocorrer a comunhão dos bens é imprescindível comprovação da efetiva e relevante participação no esforço para aquisição de determinado bem, ainda que não financeiramente:

“(…) Ora, a adoção da compreensão de que o esforço comum deve ser presumido (por ser a regra) conduz à ineficácia do regime da separação obrigatória (ou legal) de bens, para afastar a presunção, deverá o interessado fazer prova negativa, comprovar que o ex-cônjuge ou ex-companheiro em nada contribuiu para aquisição onerosa de determinado bem, conquanto tenha sido a coisa adquirida na constância da união. Torna, portanto, praticamente impossível a separação dos aquestos.

Por sua vez, o entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente adotado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união”.

Cabe registrar que em 18/09/2018 no Agravo Interno no Recurso Especial n.º 1628268/DF foi esclarecido que se deve assegurar à viúva o direito de comprovar o esforço na aquisição dos bens passíveis de serem compartilhados, a fim de se evitar cerceamento de defesa:

[…]

Necessário, assim, que a parte que pretende a partilha de bens registrados em nome do outro cônjuge comprove o efetivo esforço comum, ou seja, apresente prova inequívoca de que contribuiu financeiramente ou com seu trabalho para a aquisição dos bens pertencentes ao outro, de modo a configurar uma sociedade de fato sobre o patrimônio.

No mesmo sentido, ensina o ilustre doutrinador DIMAS MESSIAS DE CARVALHO:

“A doutrina e a jurisprudência têm admitido, mesmo no regime de separação absoluta de bens, o reconhecimento do aquesto e consequentemente a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum, estendendo a interpretação das Súmulas 371 e 380 do STF, evitando o enriquecimento ilícito de um dos cônjuges. O esforço comum, entretanto, não pode ser presumido, sob pena de ser inviabilizado o regime de separação pura de bens, exigindo prova do esforço econômico. As obrigações recíprocas dos cônjuges, inerentes ao casamento, como os deveres pelos encargos da família e mútua assistência, não refletem no esforço comum para aquisição de bens a configurar uma sociedade de fato patrimonial, pois decorreu da existência do próprio matrimônio (arts. 1.565, 1.566, III e IV, e 1.688 do CC). Exige-se, assim, prova inequívoca que o cônjuge contribuiu financeiramente ou com seu trabalho para aquisição, benfeitorias ou reformas em bens pertencentes ao outro, portanto, estranho aos deveres do casamento, para configurar o aquesto e, consequentemente, a partilha de bem comum”.

Logo, como bem esclarecido na lição acima transcrita, o esforço comum não pode ser presumido, sob pena de se inviabilizar o regime de separação absoluta de bens.

Outrossim, as obrigações recíprocas dos cônjuges no sentido de contribuir para as despesas da família, não são suficientes para comprovar o esforço comum na aquisição de bens e para se constituir a sociedade sobre o patrimônio adquirido no casamento.

Mesmo no regime de separação de bens, o art. 277 Código Civil de 1916 e o art. 1.688 do Código Civil de 2002 estabelecem como obrigação a mútua assistência, inerente ao próprio matrimônio, independente do regime de bens:

“Art. 277. A mulher é obrigada a contribuir para as despesas do casal com os rendimentos de seus bens, na proporção de seu valor, relativamente ao dos do marido, salvo estipulação em contrato antenupcial”.

“Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial”.

Assim, o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que, eliminou a controvérsia existente sobre o tema, é de que há meação quando houver comprovação do esforço comum para a partilha de bens.

De acordo com a agravante, os bens objeto de meação se limitam a: a) casa na praia (Matinhos – Balneário Caiobá – matrícula 31.432), b) veículo Palio Weekend, c) eventuais direitos de créditos e valores em conta bancária.

O de cujus e a agravante mantinham união estável desde 10/08/2007 até 28/12/2017, quando sobreveio o falecimento de WILSON NALDO BRUBE.

Ao que consta nos autos, a casa na praia (Matinhos – Balneário Caiobá – matrícula 31.432 (mov. 31.6), foi adquirida pelos de cujus WILSON NALDO BRUBE na data de 16/11/2017, pelo valor de R$ 127.000,00 (cento e vinte e sete mil reais). Portanto, trata-se de imóvel adquirido durante a união estável mantida com a agravante.

Em relação ao veículo Palio Weekend (mov. 31.7), observa-se que se trata de modelo fabricado no ano de 2008, e não se sabe, por ora, a data de aquisição do citado veículo.

No que toca ao saldo em contas bancárias, consta nas primeiras declarações que o de cujus mantinha valores de R$ 6.678,00 e R$ 392.880,74 em conta corrente. Porém, deve ser apurado quais valores foram depositados durante a união estável e quais valores já se encontravam depositados em nome do de cujus antes do início da união.

De toda forma, merece provimento o agravo de instrumento nesse ponto, a fim de reconhecer expectativa de direito à meação da agravante, em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável descriminados pela agravante a) casa na praia (Matinhos – Balneário Caiobá – matrícula 31.432), b) veículo Palio Weekend, c) eventuais direitos de créditos e valores em conta bancária, desde que comprovado esforço comum em ação autônoma que deverá ser intentada pela agravante.

03. Dos direitos sucessórios na qualidade de HERDEIRA da agravante Quanto ao direito da agravante na participação do inventário, na qualidade de herdeira, necessário registrar que não se confunde eventual direito de meação da viúva com como eventual direito à legítima do de cujus.

Importante observar que o recurso da viúva se limita à pretensão de reconhecimento de sua condição de meeira sobre os bens adquiridos onerosamente após o início da união estável.

Veja que o pedido da agravante é para “reconhecer o direito da Agravante a meação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, assim, como determinada a recondução na condição de inventariante, por ser medida de direito e JUSTIÇA” (mov. 1.1, página 12).

A decisão agravada entendeu que vigorava entre as partes o regime da separação convencional de bens e afastou o direito à herança da agravante.

As alegações da agravante se voltam ao reconhecimento do regime da separação total de bens e seu reconhecimento na qualidade de meeira, em razão desse regime.

Logo, não há como apreciar questão relativa a eventual direito sucessório na qualidade de herdeira da agravante, sob pena de violação ao princípio da dialeticidade recursal.

04. Da retomada no encargo de inventariante.

Também manifestou divergência quanto a retomada da agravante no encargo de inventariante.

Isso porque há mera expectativa de meação sob pequena parcela do patrimônio do de cujus, e, ao que consta, os demais bens do espólio não se encontram na posse e administração da agravante.

Logo, não há porque se determinar a retomada da agravante ao exercício da inventariança.

05. Conclusão

Por essa razão, voto no sentido de conhecer e dar parcial provimento ao recurso de agravo de instrumento, para reformar a decisão agravada (mov. 49.1) para:

a) afastar o reconhecimento da vigência do regime de separação convencional de bens, e, via de consequência, reconhecer a vigência do regime da separação obrigatória/legal de bens na união estável celebrada entre o de cujus e a agravante, regime jurídico obrigatório para os maiores de 70 (setenta) anos;

b) reconhecer a expectativa de direito à meação da agravante, em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, desde que comprovado esforço comum, a ser apurado em ação autônoma, nos termos da fundamentação acima, sendo certo que, no momento, a agravante não pode ser nomeada inventariante, como reconhecido na decisão agravada.

5. Como sabido, o Código Civil faculta aos cônjuges estipular – antes do matrimônio – o que lhes aprouver quanto aos seus bens (art. 1.639), vigorando, portanto, o princípio da liberdade em relação às convenções antenupciais.

O pacto antenupcial é, por conseguinte, “um negócio solene de direito de família, destinado especificamente às deliberações de conteúdo patrimonial entabuladas pelos consortes, embora possa regulamentar outros assuntos que estejam em conformidade com a ordem pública e com a finalidade do pacto, a exemplo de disposições relacionadas a direito existencial” (CALMON, Rafael. Manual de partilha de bens: na separação, no divórcio e na dissolução da união estável. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 66).

Pontes de Miranda leciona que os pactos antenupuciais “têm uma dupla importância: a dos direitos que regulam, e a das conseqüências e significação para os estranhos” (Tratado de direito de família, v. 2, p. 17).

Dessarte, é o pacto antenupcial e o contrato de convivência que definirão as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar, formando o estatuto patrimonial – regime de bens – do casamento ou da união estável, cuja regência se iniciará, sucessivamente, na data da celebração do matrimônio ou no momento da demonstração empírica do preenchimento dos requisitos da união estável (CC, art. 1.723).

Os regimes escolhidos poderão ser alterados posteriormente, mediante autorização judicial (CC, art. 1639, §§ 1º e 2º). Não havendo pacto ou em sendo ele nulo ou ineficaz, incidirá regime supletivo disposto pela norma – o regime da comunhão parcial de bens (CC, art. 1.640).

Não se pode olvidar, ainda, que o ordenamento jurídico admite a mutação de regimes “com elementos ou partes de cada um; que podem modificar ou repelir normas dispositivas de determinado tipo escolhido, restringindo ou ampliando seus efeitos; podem até criar outro regime não previsto na lei, desde que não constitua expropriação disfarçada de bens por um contra outro, ou ameaça a crédito de terceiro, ou fraude à lei, ou contrariedade aos bons costumes” (LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 290).

Por outro lado, o Código Civil, em exceção à autonomia privada, também restringe a liberdade de escolha do regime patrimonial aos nubentes em certas circunstâncias, reputadas pelo legislador como essenciais à proteção de determinadas pessoas ou situações e que foram dispostas no art. 1.641 do Código Civil (art. 258, parágrafo único, do CC/1916):

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010)

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Importa pontuar que, por consectário lógico, à luz do disposto no art. 1.639, §2º do Código Civil, superadas as causas determinantes do regime da separação obrigatória, é possível que ocorra a alteração do regime, conforme pontua o Enunciado n. 262 da III Jornada de Direito Civil do CJF.

6. Nessa toada, com relação ao inciso II – regime da separação obrigatória em razão da idade –, é importante destacar que, até 9 de dezembro de 2010, a idade eleita pelo Código era de 60 anos para o cônjuge varão e de 50 anos para o cônjuge virago. Pela justificativa do projeto de lei que ampliou a idade para 70 anos, verifica-se que:

Nos primórdios do século XX, a expectativa de vida média do brasileiro variava entre 50 e 60 anos de idade, a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, o que condicionou o legislador a estabelecer que nos casamentos envolvendo cônjuge varão maior de 60 anos e cônjuge virago maior de 50 anos deveria ser observado o Regime de Separação Obrigatória de Bens, norma expressa no inciso II do art. 258 daquele Estatuto.

[…]

Hoje, no entanto, em pleno século XXI, essa exigência não mais se justifica, na medida em que se contrapõe às contemporâneas condições de vida usufruídas pelos cidadãos brasileiros, beneficiados pela melhoria das condições de vida urbana e rural, graças aos investimentos realizados em projetos de saúde, saneamento básico, educação, eletrificação e telefonia. Iniciativas que se traduzem em uma expectativa média de vida, caracterizada pela higidez física e mental, superior a 70 anos.

Nessa ordem de ideias, especificamente no que toca ao regime legal em decorrência do tempo de vida, tem o STJ dirimido diversos litígios com a efetivação das mais diversas interpretações, perfazendo um quadro normativo a auxiliar o intérprete na solução de tais questões, sensíveis ao direito das famílias.

Em um primeiro momento, esta Corte reconheceu a tese, fundamental para o caso em comento, de que há extensão do normativo protetivo do idoso aos companheiros, decidindo que, “por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta” (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010).

Após, por meio da Segunda Seção, em releitura da antiga Súmula n. 377/STF, decidiu-se que, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição” EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª região), Segunda Seção, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018), ratificando anterior entendimento da Seção com relação à união estável (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015).

Em termos pragmáticos, o regime legal separatista voltado aos septuagenários (antigos sexagenários), seja para o casamento, seja para a união estável, ao fim e ao cabo, acabou por atrair, em grande parte, as regras da comunhão parcial de bens, ressalvada a presunção de esforço comum do consorte.

A ideia do colegiado foi no sentido de que, “como se trata de regime obrigatório imposto pela norma, permitir a comunhão dos aquestos acaba sendo a melhor forma de se realizar maior justiça social e tratamento igualitáriotendo em vista que o referido regime não adveio da vontade livre e expressa das partes” (REsp 1689152/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017)

No ano de 2016, o STJ, excepcionando a regra legal que impõe o regime da separação obrigatória, afastou “a obrigatoriedade do regime de separação de bens quando o matrimônio é precedido de longo relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens, visto que não há que se falar na necessidade de proteção do idoso em relação a relacionamentos fugazes por interesse exclusivamente econômico” (REsp 1318281/PE, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 01/12/2016, DJe 07/12/2016).

Entendimento também consagrado na III Jornada de Direito Civil do CJF: “a obrigatoriedade do regime da separação de bens não se aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido de união estável iniciada antes dessa idade” (Enunciado n. 261).

7. Após tracejada a linha evolutiva do tema, no que toca ao ponto específico objeto do presente julgado, cabe definir se a imposição do regime da separação obrigatória para septuagenários, no casamento e na união estável, impede que os consortes, em exercício da autonomia privada e buscando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros (CC, art. 1.639), pactuem cláusula mais protetiva ao regime de separação legal – com o afastamento da Súmula n. 377 do STF e com total exclusão dos aquestos da comunhão – ou se a lei lhes teria retirado qualquer margem de escolha, sob pena de nulidade por fraude à lei cogente.

Em outras termos, tendo-se em conta que o regime da separação obrigatória acabou recebendo certa mitigação pela Súmula n. 377 do STF – pois a jurisprudência autorizou que os bens adquiridos onerosamente, desde que demonstrado o esforço comum, podem ser partilhados –, questiona-se se é possível que os cônjuges (ou companheiros) busquem afastar o referido verbete sumular com estipulação de regras ainda mais restritivas em relação à comunicação dos seus bens. Ou seja, se é possível estabelecer, pelo pacto antenupcial, precisamente o que a lei determina.

Para concretizar o debate, pensemos num exemplo prático citado pelo saudoso Professor Zeno Veloso, publicado no Jornal O Liberal, de Belém do Pará:

Há cerca de um ano João Carlos e Matilde estão namorando. Ele é divorciado, ela é viúva. João fez 71 anos de idade e Matilde tem 60 anos. Resolveram casar-se e procuraram um cartório de registro civil para promover o processo de habilitação. Queriam que o regime de bens do casamento fosse o da separação convencional, pelo qual cada cônjuge é proprietário dos bens que estão no seu nome, tantos dos que já tenha adquirido antes como dos que vier a adquirir, a qualquer título, na constância da sociedade conjugal, não havendo, assim sendo, comunicação de bens com o outro cônjuge. Mas o funcionário do cartório explicou que, dado o fato de João Carlos ter mais de 70 anos, o regime do casamento tinha de ser o obrigatório, da separação de bens, conforme o art. 1.641, inciso II, do Código Civil, que diz: “É obrigatório o regime da separação de bens no casamento da pessoa maior de setenta anos”. Não é necessário que cada um dos nubentes tenha mais de 70 anos. Basta que um deles já esteja nessa situação e a regra legal imperativa e cogente se aplica.

[…]

Mas João Carlos é investidor, atua no mercado imobiliário, adquire bens imóveis, frequentemente, para revendê-los. E Matilde é corretora, de vez em quando compra um bem com a mesma finalidade. Seria um desastre econômico, para ambos, que os bens que fossem adquiridos por cada um depois de seu casamento se comunicassem, isto é, fossem de ambos os cônjuges, por força da Súmula 377/STF. No final das contas, o regime da separação obrigatória, temperado pela referida Súmula, funciona, na prática, como o regime da comunhão parcial de bens. Foi, então, que me procuraram, pedindo meu parecer.

(VELOSO, Zeno. Casal quer afastar a Súmula 377. Disponível em: <https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/333986024/casal-quer-afastara-sumula-377-artigo-de-zeno-veloso>. Acesso em: 16.nov.2021).

Realmente, em regra, quanto ao regime de bens, vige a liberdade de contratação entre os nubentes (CC, art. 1.639), com ênfase na autonomia privada. Excepcionalmente, cuida o legislador de traçar limites à livre pactuação, impedindo que normas cogentes, de ordem pública, sejam vulneradas, como determina o multicitado art. 1.641 do CC, que estabelece a separação obrigatória.

Nesse sentido:

“CASAMENTO. REGIME DE BENS. PACTO ANTENUPCIAL ESTABELECENDO O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL. MULHER COM MAIS DE CINQÜENTA ANOS. INADMISSIBILIDADE. ARTS. 257, II, E 258, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CÓDIGO CIVIL.

– A norma do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil, possui caráter cogente. É nulo e ineficaz o pacto antenupcial firmado por mulher com mais de cinqüenta anos, estabelecendo como regime de bens o da comunhão universal.

Recurso especial conhecido e provido.”

(REsp 102.059/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2002, DJ 23/09/2002).

Dessarte, em relação ao regime da separação legal, tem-se que a “intenção do legislador, em uma visão patrimonialista, despreocupada com os aspectos existenciais, era proteger os interesses da prole, evitar que a pessoa de idade avançada corresse o risco de sujeitar-se a um casamento em que o outro nubente tenha em vista somente vantagens financeiras” (TEPEDINO, Gustavo. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 266).

De fato, conforme já consignado pelo STJ, “a ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace” (REsp 1689152/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017).

Assim, se a mens legis do art. 1.641, II, do Código Civil é justamente conferir proteção ao patrimônio do idoso que está casando-se e aos interesses de sua prole, impedindo a comunicação dos aquestos, penso que, por uma interpretação teleológica da norma, é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda mais protetiva aos bens do nubente septuagenário – afastando a incidência da Súmula n. 377 do STF do regime da separação obrigatória –, preservando o espírito do Código Civil de impedir a comunhão dos bens do ancião.

Trata-se, em verdade, de valorização da autonomia privada, conferindo efetividade ao planejamento familiar dos nubentes.

É o que esclarece José Fernando Simão:

A discussão sobre a possibilidade de pacto antenupcial para as hipóteses em que a lei impõe separação obrigatória, mormente para os maiores de 70 anos (artigo 1.641, inciso II do CC), é bastante interessante, pois normalmente passa por uma sedutora a simplificação de raciocínio que leva à conclusão equivocada (mas também sedutora).

A premissa da qual partem alguns é a seguinte: se a separação é obrigatória, a lei retirou a faculdade de escolha do regime de bens, logo o pacto é nulo por fraude à lei cogente.

Esse raciocínio linear e incorreto padece de um vício: a ausência de compreensão da teleologia, ou finalidade, da norma.

Por que a lei impõe o regime de separação de bens a certas pessoas? Porque ela pretende proteger certas pessoas de si próprias, pois entende que o casamento pode ser fonte de prejuízos. Entende que a pessoa pode ser vítima de “golpe do baú”, em que o casamento tenha finalidade argentária e não afetiva.

A separação é almejada de maneira cogente. A separação de bens implica a não comunhão, a ausência de meação e que todos os bens do casal sejam particulares (só dele ou só dela).

A Súmula 377 do STF perverteu o sistema. Criou comunhão parcial em um regime dito de separação, em um regime cujo objetivo era proteger os nubentes.

[…]

Então surge uma pergunta: se a ratio legis é a proteção daquele que se casa e a súmula acaba por desproteger tais pessoas, pois gera uma comunhão dos aquestos, por que não se admitir um pacto antenupcial que estabeleça a separação total de bens?

Se o pacto gerar comunhão quando a lei quer evitá-la, o pacto será nulo. Assim, se a avença por um regime de comunhão universal, parcial de bens ou participação final nos aquestos for estabelecida por pacto antenupcial, este será nulo. Em outras palavras, se os nubentes adotarem um regime misto, criando comunhão em hipótese que a lei proíbe, o pacto será nulo.

Se, contudo, estabelecerem a separação total de bens, o espírito do Código Civil será observado. É por isso que a lei deve ser interpretada de acordo com sua finalidade. É válido e possível o pacto antenupcial que estabeleça separação mais radical que a obrigatória.

(Separação obrigatória com pacto antenupcial? Sim, é possível.<https://www.conjur.com.br/2018-fev-11/processo-familiar-separacao-obrigatoria-pacto-antenupcial-sim-possivel#sdfootnote5symAcesso em: 14.nov.2021)

Não se pode olvidar, como bem adverte Zeno Veloso, que o enunciado da Súmula n. 377 do STF não é matéria de ordem pública, não representa direito indisponível e, por conseguinte, não deve ser observado a qualquer custo, irremediavelmente (VELOSO, Zeno. Ob.cit.).

No ponto, destaca Flávio Tartuce que:

Estamos total e unanimemente filiados à opinião de Zeno Veloso, levando-se em conta a opinium daqueles que se manifestaram no nosso grupo. De início, sem dúvida, a Súmula 377 do STF – do remoto ano de 1964 -, traz como conteúdo matéria de ordem privada, totalmente disponível e afastada por convenção das partes, não só no casamento, como na união estável.

[…]

A única restrição de relevo a essa regra diz respeito às disposições absolutas da lei, consideradas regras cogentes, conforme consta do art. 1.655 da mesma codificação, o que conduziria à nulidade absoluta da previsão. A título de exemplo, se há cláusula no pacto que afaste a incidência do regime da separação obrigatória, essa será nula, pois o art. 1.641 do Código Privado é norma de ordem pública, indisponível, indeclinável pela autonomia privada. Todavia, não há qualquer problema em afastar a Súmula 377 pela vontade das partes, o que, na verdade, ampliaria os efeitos do regime da separação obrigatória, passando esse a ser uma verdadeira separação absoluta, em que nada se comunica.

(Direito Civil: direito de família. v. 5, Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 160)

Portanto, o que não se mostra possível é a vulneração dos ditames do regime restritivo e protetivo, seja afastando a incidência do regime da separação obrigatória, seja adotando pacto que o torne um regime mais ampliativo e comunitário em relação aos bens.

8. É bem de ver que, com essa interpretação, o casal ou os companheiros não estão substituindo o regime de bens de separação obrigatória pelo de separação convencional, o que é vedado pela norma (CC, art. 1.641, II), aliás cogente e imperativa.

O que se reconhece é tão somente a possibilidade de os cônjuges/companheiros estipularem, no pacto antenupcial, cláusula mais protetiva ao seu enlace, afastando a mitigação decorrente da Súmula n. 377 do STF. Isto é, “o casal não se casa por separação convencional de bens após fazer o pacto. Casa-se por separação obrigatória com pacto antenupcial de separação de bens” (SIMÃO, José Fernando. Ob.cit).

Isso é fundamental, seja em razão da nulidade por violação a norma de ordem pública, uma vez que o pacto antenupcial não pode ser contrário à voluntas legislatoris, seja em virtude das consequências advindas de tal posicionamento, haja vista que as disposições sobre o regime de bens poderão repercutir em diversos outros momentos, como, por exemplo, no direito sucessório (nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil, o cônjuge não é herdeiro necessário quando o casamento é regido pela separação obrigatória de bens, o que não ocorre no casamento celebrado pelo regime da separação convencional de bens).

Dessarte, caso os nubentes demonstrem claramente o intento de restringir, ainda mais, o regime da separação obrigatória pelo afastamento da Súmula 377, com a vedação da comunhão do seu patrimônio, penso que é totalmente admissível o estabelecimento de pacto nupcial para tanto.

Nestes casos, restará “consignado no assento pertinente que o casamento foi celebrado pelo regime da separação total de bens, com indicação expressa da escritura pública do pacto antenupcial, sendo certo que dito pacto não tem o condão de atribuir àquele matrimônio os efeitos próprios do regime de separação total convencional de bens (que diferem dos efeitos do casamento pelo regime de separação obrigatória de bens), mas apenas de consignar que o regime de bens deve ser o da mais absoluta separação de patrimônios, afastando a incidência do verbete 377 da Súmula do Supremo Tribunal Federal” (NEVARES, Ana Luiza Maia. O regime de separação obrigatória de bens e o verbete 377 do Supremo Tribunal Federal. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a.3, n.1, jan.-jun./ 2014. Disponível em: http://civilistica.com/o-regime-de-separaco-obrigatoria-de-bens-e-o-verbete-377-do-supremo-tribunal-federal/. Acesso em 16 nov.2021)

Trata-se de posicionamento dos especialistas no tema:

Além da clareza do argumento, no sentido de se tratar de matéria de ordem privada e, portanto, disponível, acrescente-se, como pontuou Mário Luiz Delgado em nossos debates, que “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver” (art. 1.639, caput, do Código Civil). A única restrição de relevo a essa regra diz respeito às disposições absolutas de lei, consideradas regras cogentes, conforme consta do art. 1.655 da mesma codificação, o que conduziria à nulidade absoluta da previsão. A título de exemplo, se há cláusula no pacto que afaste a incidência do regime da separação obrigatória, essa será nula, pois o art. 1.641 do Código Privado é norma de ordem pública, indisponível, indeclinável pela autonomia privada.

Todavia, não há qualquer problema em se afastar a súmula 377 pela vontade das partes, o que, na verdade, ampliaria os efeitos do regime da separação obrigatória, passando esse a ser uma verdadeira separação absoluta, em que nada se comunica. Tal aspecto foi muito bem desenvolvido por José Fernando Simão também nos debates que travamos.

Em suma, mestre Zeno Veloso, sim, podem os nubentes, atingidos pelo art. 1.641, inciso II, do Código Civil, afastar, por escritura pública, a incidência da súmula 377. Acreditamos que tal afastamento constitui um correto exercício da autonomia privada, admitido pelo nosso Direito, que conduz a um eficaz mecanismo de planejamento familiar, perfeitamente exercitável por força de ato público, no caso de um pacto antenupcial (art. 1.653 do CC/2002).

(TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito de família. v. 5, Rio de Janeiro: Forense, 2019, pp. 160-161)

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Como se percebe, o Enunciado 377 da súmula de jurisprudência da Corte Excelsa (que se mantém aplicável pelo entendimento prevalecente no Superior Tribunal de Justiça) termina por arrefecer, suavizar, o regime da separação obrigatória de bens (CC, art. 1.641), na medida em que determina a comunhão dos aquestos – bens adquiridos onerosamente na constância.

Sob o ponto de vista prático, termina por avizinhar, aproximar bastante, o regime da separação obrigatória de bens de uma comunhão parcial.

Por isso, com lastro seguro na autonomia privada, entendemos ser possível às partes que estariam submetidas à separação legal, eleger, por meio de pacto antenupcial, o regime da separação absoluta de bens, impedindo qualquer comunhão patrimonial. Até mesmo porque a intenção óbvia do legislador, ao estabelecer a separação obrigatória de bens, foi impedir a comunhão patrimonial naquelas hipóteses ali indicadas. Por lógica, então, as partes podem reforçar a intenção do legislador, impedindo qualquer comunhão, decorrente do entendimento sumular.

De fato, a função da autonomia privada no âmbito dos efeitos patrimoniais do casamento é servir como ‘forma de consagração e concretização da dignidade humana’, como afirma Thiago Felipe Vargas Simões. Logo, a possibilidade de um afastamento absoluto de patrimônio, obstando a incidência da súmula afigura-se-nos completamente possível, como mecanismo de autoregulamentação privada.

Naturalmente, não podem as partes, por meio de pacto antenupcial, estabelecer regimes de comunhão patrimonial, na medida em que estariam, aí sim, afrontando o espírito legislativo.

(FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias, 13 ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 324)

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Afora estas, outras tantas cláusulas poderiam ser inseridas, estabelecendo, por exemplo:

a) nos regimes separatistas:

a.1) a divisão dos frutos percebidos por determinado bem particular, como os aluguéis de uma casa de praia;

a.2) a não incidência da Súmula n. 377 do STF aos casamentos celebrados por septuagenários e por quem quer se encontre nas hipóteses previstas pelo art. 1.641 do Código Civil;

a.3) a comunicabilidade somente de certos bens individualizados, pertencentes ao patrimônio exclusivo de um consorte etc;

a.4) a comunicabilidade gradual e progressiva de parcela do patrimônio que venha a ser adquirido na constância da união etc.;

b) nos regimes comunitários:

b.1) a atribuição de determinados encargos exclusivamente a um cônjuge, como o pagamento de tributos incidentes sobre determinado bem comum ou particular;

b.2) a administração exclusiva de bem adquirido na constância do casamento, como uma fazenda ou um imóvel locado a terceiros;

b.3) a não comunicabilidade de determinados bens adquiridos na constância da união;

b.4) a incomunicabilidade de certas rendas etc (CC, art. 1.665).

(CALMON, Rafael. ob.cit., p. 74)

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[…] não há motivos para negar que aqueles que devem se submeter ao regime de separação obrigatória de bens afirmem em documento autêntico o seu desejo de realmente viverem uma separação total e plena de patrimônios, na esteira do comando legal. Isso porque, nestes casos, o que os nubentes pretendem é evitar que, por imposição de uma interpretação jurisprudencial antiga, decorrente da legislação anterior e hoje em discussão sobre a sua permanência, sejam obrigados a viver em regime de comunhão parcial por força do citado verbete 377 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, quando a vontade de ambos é que a vida financeira e patrimonial dos dois seja completamente separada e incomunicável.

(NEVARES, Ana Luiza Maia. ob.cit.)

Nesse sentido também é o entendimento do Enunciado n. 634 da VIII JDC/CJF, segundo o qual “é lícito aos que se enquadrem no rol de pessoas sujeitas ao regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641 do Código Civil) estipular, por pacto antenupcial ou contrato de convivência, o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime e afastar a incidência da Súmula 377 do STF”.

A justificativa da proposição foi a seguinte:

Em atenção ao art. 1.641, I, II e III do Código Civil, é obrigatório o regime da separação de bens no casamento das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; da pessoa maior de 70 anos; e de todos os que dependerem de suprimento judicial para casar.

Diante da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que estabelece que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, e em consequência do entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que referida súmula permanece em vigor mesmo após a vigência do Código Civil de 2002, e, ainda, que se presume o esforço comum dos bens adquiridos no regime da separação obrigatória, as pessoas casadas por este regime de bens sofrem os mesmos efeitos do regime da comunhão parcial, tornando-se, portanto, os efeitos da separação legal de bens inexistentes no caso de rompimento do vínculo matrimonial.

Sendo assim, observado o direito dos nubentes de estipular quanto aos seus bens o que lhes aprouver (art.1.639 do Código Civil) – respeitada a vedação prevista no art. 1.641 do Código Civil – e, especialmente, o respeito ao exercício da autonomia privada, é garantido aos nubentes, quando inseridos no rol de pessoas que devem se casar pelo regime da separação obrigatória de bens estipular por pacto antenupcial o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime, afastando a incidência da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal.

Nessa trilha, a Corregedoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco editou normativo autorizando expressamente tal providência, por meio de edição do Provimento nº 8/2016, estabelecendo no art. 664-A que:

No regime de separação legal ou obrigatória de bens, na hipótese do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, deverá o oficial do registro civil cientificar os nubentes da possibilidade de afastamento da incidência da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, por meio de pacto antenupcial.

Parágrafo Único. O oficial do registro esclarecerá sobre os exatos limites dos efeitos do regime de separação obrigatória de bens, onde comunicam-se os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento.

A Corregedoria-Geral de Justiça do TJSP, em decisão de dezembro de 2017, seguiu a mesma linha interpretativa.

REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS – CASAMENTO – PACTO ANTENUPCIAL – SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA – ESTIPULAÇÃO DE AFASTAMENTO DA SÚMULA 377 DO STF – POSSIBILIDADE.

Nas hipóteses em que se impõe o regime de separação obrigatória de bens (art. 1641 do CC), é dado aos nubentes, por pacto antenupcial, prever a incomunicabilidade absoluta dos aquestos, afastando a incidência da súmula 377 do Excelso Pretório, desde que mantidas todas as demais regras do regime de separação obrigatória. Situação que não se confunde com a pactuação para alteração do regime de separação obrigatória, para o de separação convencional de bens, que se mostra inadmissível. (Fonte: <https://www.26notas.com.br/blog/?p=14166>)

9. Assinala-se, por fim, que o STJ, em ao menos duas oportunidades, reconheceu, ainda que em obiter dictum, o entendimento que ora se sustenta.

No julgamento do REsp n. 1.163.074/PB, a Terceira Turma decidiu ser “necessária a vênia conjugal para a prestação de aval por pessoa casada sob o regime da separação obrigatória de bens, à luz do artigo 1647, III, do Código Civil”. Na oportunidade, destacou o relator, Ministro Massami Uyeda, que:

Sob e égide da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377/STF, possuem esse interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxória/marital para os negócios jurídicos previstos no já mencionado artigo 1647 da lei civil.

Caso os cônjuges sujeitos à separação legal desejem afastar os efeitos da Súmula n. 377/STF, cumpre-lhes celebrar o pacto antenupcial para acrescer às regras de separação legal as regras próprias da separação convencional com relação aos bens adquiridos na vigência do casamento.

Da mesma forma, esta Quarta Turma, ao julgar o REsp n. 15.636/RJ, Rel. Ministro Fontes de Alencar (julgado em 16/02/1993, DJ 12/04/1993), que tinha por tema a irrevogabilidade da separação absoluta de bens resultante do pacto antenupcial e do óbice ao reconhecimento de sociedade de fato entre os cônjuges, afirmou que:

É verdade que a Súmula 377 do STF estabelece que no regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, mas é indiscutível que tal verbete não tem aplicação, quando as partes livremente convencionam a separação absoluta dos bens presentes e futuros, através do pacto. Aliás, a referida Súmula só diz respeito ao regime de separação legal. Por outro lado, a Súmula não pode ser interpretada ampliativamente, mas, sim, dentro dos limites exatos do que nela se contem.

10. Assim, no casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação legal ou obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, venham a afastar, por escritura pública, a incidência da Súmula n. 377 do STF, perfazendo um casamento ou uma união estável celebrada por separação obrigatória com pacto antenupcial de separação de bens (ou de impedimento da comunhão do patrimônio).

Na hipótese, o de cujus e a recorrente, Áurea, celebraram escritura pública em 12/5/2014, momento em que declararam que mantinham união estável desde 10/8/2007, época na qual o primeiro contava com 77 anos (nascido 20/11/1929) e a agravante com 37 anos (nascida em 10/8/1970) – efetivando união estável com observância do regime da separação obrigatória de bens –, oportunidade em que as partes, de livre e espontânea vontade, celebraram pacto antenupcial estipulando termos ainda mais protetivos ao regime, demonstrando o claro intento de não terem os seus bens comunicados, afastando a incidência da Súmula n. 377 do STF.

Portanto, em se tratando de união estável sob a regência do regime da separação obrigatória com pacto de não comunhão de bens, não há falar em meação de bens (já que afastada a Súmula n. 377 do STF), tampouco em sucessão da companheira Áurea, nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil.

Trata-se da jurisprudência da Casa:

CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC.

1. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil).

2. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil.

3. Recurso especial desprovido.

(REsp 1382170/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015, DJe 26/05/2015)

É também a conclusão da doutrina:

Na realidade, algo deve ser frisado: o casal não se casa por separação convencional de bens após fazer o pacto. Casa-se por separação obrigatória com pacto antenupcial de separação de bens.

Isso resolve a questão sucessória decorrente do artigo 1.829, inciso I. O regime não é de separação convencional com a decorrente concorrência sucessória entre cônjuge e descendentes. É de separação obrigatória com pacto antenupcial e, portanto, em matéria sucessória, prevalece a não concorrência. Portanto, com a morte de um dos cônjuges, todos os bens do falecido pertencerão aos descendentes.

(SIMÃO, José Fernando. Ob.cit)

11. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial de Maria de Fátima Grube Carignano para, restabelecendo a decisão do magistrado de piso, reconhecer como válido o pacto antenupcial de separação de bens, no âmbito da união estável, pelo regime da separação obrigatória celebrado pelos companheiros, excluindo a viúva Áurea Kurpiel das Chagas da qualidade de meeira e/ou da partilha dos bens deixados por Wilson Naldo Grube, removendo-a da inventariança. Consequentemente, nego provimento ao recurso especial de Áurea Kurpiel das Chagas.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.922.347 – Paraná – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 01.02.2022

Fonte: INR Publicações.

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Supremo invalida leis estaduais e do DF que regulamentam imposto sobre heranças no exterior

Foi reafirmado o entendimento de que a matéria deve ser, primeiramente, regulamentada por lei complementar federal.

O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e de Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), nas doações e heranças instituídas no exterior, não pode ser regulamentado pelos estados e pelo Distrito Federal, em razão da ausência de lei complementar federal sobre a matéria.

A decisão foi tomada na sessão virtual encerrada em 18/3, no julgamento de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra dispositivos de leis do Paraná (ADIs 6818), do Tocantins (ADI 6820), de Santa Catarina (ADI 6823), de Mato Grosso do Sul (ADI 6840) e do Distrito Federal (ADI 6833).

Por unanimidade, o Plenário seguiu os votos da relatora, ministra Rosa Weber, que lembrou que a controvérsia foi analisada pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 851108, com repercussão geral (Tema 825). Na ocasião, o Tribunal assentou que os estados e o DF não têm competência legislativa para instituir a cobrança do imposto quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se a pessoa falecida possuir bens, tiver sido residente ou domiciliada ou tiver seu inventário processado no exterior. Nos termos do artigo 155, parágrafo 1°, inciso III, da Constituição Federal, a competência para a instituição do ITCMD deve ser disciplinada por lei complementar federal.

Federalismo

Em seu voto, a relatora explicitou que, com base no federalismo e da consequente necessidade de evitar discrepâncias de requisitos, conflitos de competência e bitributação, é indispensável a edição de lei complementar federal nesse sentido para estabelecer critérios da incidência do ITCMD nas circunstâncias ocorridas no exterior.

Modulação

Por razões de segurança jurídica, o colegiado definiu que a decisão tomada nas ADIs terão eficácia a partir da data da publicação do acórdão do RE 851108 (20/4/2021), ressalvando-se as ações pendentes de conclusão, até a mesma data, em que se discuta a qual estado o contribuinte deveria efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação, ou a validade da cobrança do imposto, se não pago anteriormente.

RR/AD//CF

Fonte: Supremo Tribunal Federal.

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