SM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Título judicial – Arrematação em execução forçada – Fração ideal – Georreferenciamento que já era obrigatório para o todo do imóvel – Registro da transmissão coativa parcial que, todavia, não depende da inserção de descrição georreferenciada – Inteligência dos §§ 3º-5º do artigo 176 da lei nº 6.015/1973, do inciso II do § 2º do decreto nº 4.449/2002, e do item 10.1 do cap. XX do tomo II das NSCGJ – Apelação a que se dá provimento para reformar a r. sentença e afastar o óbice.


  
 

Apelação nº 1001285-94.2019.8.26.0438

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001285-94.2019.8.26.0438

Comarca: PENÁPOLIS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1001285-94.2019.8.26.0438

Registro: 2022.0000712591

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001285-94.2019.8.26.0438, da Comarca de Penápolis, em que é apelante DOMINGOS CLEMENTE GUERREIRO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PENÁPOLIS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para, afastado o óbice, deferir a lavratura do registro stricto sensu, como rogado, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de agosto de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001285-94.2019.8.26.0438

APELANTE: Domingos Clemente Guerreiro

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Penápolis

VOTO Nº 38.776

Registro de imóveis – Dúvida – Título judicial – Arrematação em execução forçada – Fração ideal – Georreferenciamento que já era obrigatório para o todo do imóvel – Registro da transmissão coativa parcial que, todavia, não depende da inserção de descrição georreferenciada – Inteligência dos §§ 3º-5º do artigo 176 da lei nº 6.015/1973, do inciso II do § 2º do decreto nº 4.449/2002, e do item 10.1 do cap. XX do tomo II das NSCGJ – Apelação a que se dá provimento para reformar a r. sentença e afastar o óbice.

Cuida-se de apelação, impropriamente chamada de recurso inominado (fls. 159/162) interposta por Domingos Clemente Guerreiro contra r. sentença (fls. 156/157) pela qual o MM. Juiz de Direito da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Penápolis, Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos dessa Comarca, manteve óbice ao registro stricto sensu de arrematação, em execução forçada, de fração ideal (i. e., cinco por cento fls. 19/21, 29, 43 e 63/67) do imóvel da matrícula nº 45.110, do dito cartório (fls. 04/07; protocolo nº 185.853 fls. 08).

A r. sentença (fls. 156/157) decidiu que o registro stricto sensu, se feito como rogado, não ofenderia o princípio do trato consecutivo (continuidade), porque na execução haveria sido desconsiderada a personalidade da pessoa jurídica devedora, de modo que teria sido atingido, também, o patrimônio dos donos do imóvel arrematado (note-se, na r. decisão, um pequeno lapso neste ponto, ao inverter-se a posição da sociedade e das pessoas físicas no processo e na matrícula); além disso, não se haveria de exigir o trânsito em julgado da arrematação, já que esse ato processual é perfeito, acabado e irretratável tanto que assinado o auto, ainda que se julguem procedentes os embargos do executado ou ação autônoma destinada a desfazê-la (Cód. de Proc. Civil, art. 903, § 4º). No entanto, concluiu o MM. Juízo a quo que seria necessário fazer vir a descrição georreferenciada do imóvel (pois, tratando-se de área superior a cem hectares, o prazo a tanto já se haveria escoado) e que, sem isso, a dúvida seria mesmo procedente.

O interessado recorreu desse último óbice (fls. 159/162), sustentando que a área objeto da arrematação não excede de 5% do total e, dessa sorte, lhe seria impossível providenciar o georreferenciamento do imóvel todo, seja pelo dispêndio financeiro, seja pela resistência do proprietário; além disso, a providência do georreferenciamento não seria compulsória em caso de transferência coativa, como é o caso da arrematação em execução forçada.

A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento da apelação (fls. 177/180 e 215).

Inicialmente levados à Corregedoria Geral da Justiça, os autos foram redistribuídos para este C. Conselho Superior da Magistratura (fls. 182/183 e 184).

É o relatório.

De início, saliente-se que se cuida (como já foi ressaltado) de dúvida e de recurso de apelação, uma vez que a inscrição colimada é registro em sentido estrito (artigos 198, 203, II, e 296, da Lei nº 6.015, 31 de dezembro de 1973). De qualquer forma, o erro de nominação não prejudica em nada o processamento do apelo, pois foi respeitado o prazo legal para interposição, de resto idêntico para essa espécie e para o recurso inominado (artigo 202 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, artigo 1003, § 5º, do Código de Processo Civil, e artigo 246 do Código Judiciário de São Paulo).

Ainda em proêmio, cabe ressaltar que se controverte, aqui, sobre título de origem judicial o qual também se submete à qualificação registral, conquanto essa esteja limitada a recair, em tal caso, sobre (a) a competência judiciária, (b) a congruência entre o título formal e o material apresentados ao ofício de registro, (c) os obstáculos registrais e (d) as formalidades documentárias (cf. Ricardo Dip, Registros sobre Registros, n. 455, e item 117 do Capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – NSCGJ). Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência nem descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7; Apel. Cív. n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apel. Cív. n. 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apel. Cív. n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

Quando ao fundo da matéria, o problema está posto porque o imóvel rural em questão (cf. cópia da matrícula nº 45.110, posta a fls. 04/07) conta mais de 270 hectares (fls. 04) e, portanto, a sua descrição já devia estar dada segundo o padrão ditado pelos §§ 3º-5º do artigo 176 da Lei nº 6.015/1973 e pelo inciso V do artigo 10 do Decreto nº 4.449/2002. Isso, porém, não se fez, e a especialidade objetiva do assento ainda não atende aos requisitos do georreferenciamento brasileiro, e foi também por essa razão que o Oficial adiou a inscrição e suscitou a dúvida (fls. 15).

Em que pese ao zelo mostrado durante a qualificação registral, é certo, contudo, que a arrematação abrangeu somente uma fração ideal do imóvel (fls. 33, 35 e 43/51), espécie à qual, como explicita o Decreto nº 4.449/2002, art. 10, § 2º, não se aplica a restrição à alienação.

A razão por trás da ressalva trazida pelo § 2º do art. 10 do Decreto nº 4.449/2002 é clara.

Conquanto seja muito ampla a dicção do § 4º do art. 176 da Lei nº 6.015/1973 (verbis “em qualquer situação de transferência de imóvel rural”), está patente que lex dixit magis quam voluit, a lei disse mais do que quis. O fato da matrícula ainda não trazer descrição georreferenciada não quer dizer, de nenhuma forma, que ela tenha perdido a sua eficácia: não existe, portanto, nenhuma incerteza sobre a existência e os característicos do prédio.

Assim, considerando-se, de um lado, que houve alienação coativa de mera fração ideal, e, de outro, que o registro existente é eficaz, conclui-se que impor ao adquirente o ônus de providenciar a retificação do todo, enquanto ele próprio não se dispuser a fazer um desmembramento, impedindo-se o registro stricto sensu, é praticamente tornar o imóvel inalienável mediante execução judicial, com prejuízo para credores e para a própria dignidade da Justiça e a interpretação da lei não pode conduzir a conclusões absurdas.

O item 10.1 do Cap. XX do Tomo II das NSCGJ seguindo, como é natural, a letra da Lei de Registros Públicos , realmente parece impor o georreferenciamento na situação analisada.

Todavia, aqui também vale o que se disse acerca do próprio texto legal: assim como fazem os §§ 3º-5º do art. 176 da Lei nº 6.015/1973, o dito item 10.1 traz apenas a disposição geral sobre o tema, o que não exclui, em interpretação lógica, a conclusão que aqui se apresenta, ou seja, a de que a falta de georreferenciamento, mesmo depois de escoado o prazo legal, não impede o registro em sentido estrito da alienação coativa de uma fração ideal, com o que se reafirma a eficácia do assento e se impede uma situação de clandestinidade, sem, entretanto, afastar-se a necessidade de melhor descrição tabular, conforme o padrão brasileiro de georreferenciamento, se e quando houver alienação voluntária ou desmembramento da área arrematada.

Por outras palavras, a r. sentença tem de ser reformada para que, afastado o óbice ligado ao georreferenciamento, seja, excepcionalmente, lavrada a inscrição rogada (alienação coativa, isto é, arrematação de fração ideal de um imóvel não georreferenciado).

Nesse sentido já decidiu este C. Conselho Superior da Magistratura:

“Registro de Imóveis Dúvida Título judicial Arrematação Execução forçada Fração ideal Falta de georreferenciamento, que já é obrigatório para imóvel em questão Alienação coativa parcial para cujo registro não se pode exigir, entretanto, a inserção das coordenadas georreferenciadas Inteligência dos §§ 3º-5º da Lei n. 6.015/1973, do inciso II do § 2º do Decreto n. 4.449/2002, e do item 10.1 do Cap. XX do Tomo II das NSCGJ Apelação a que se dá provimento para reformar a r. sentença e afastar o óbice.” (Apel. Cív. 1002000-92.2021.8.26.0624, Rel. Des. Ricardo Mair Anafe, j. 02.12.2021).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para, afastado o óbice, deferir a lavratura do registro stricto sensu, como rogado.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator. (DJe de 26.10.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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