1VRP/SP: Registro de Imóveis.  Fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). Com o devido enquadramento jurídicocontábil do imóvel afetado e adequada delimitação entre os patrimônios do Fundo e do banco administrador, é possível o estabelecimento de restrições convencionais equivalentes às previstas no artigo 7º da Lei n.8668/93, as quais passarão a constar no fólio real por manifesta previsão contratual, sem que se fale em imposição por analogia à lei dos fundos de investimento imobiliário (FII).


  
 

Processo 1062441-88.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Red Performance Fundo de Investimento Direitos Creditórios Não Padronizados – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para autorizar o registro do título após a averbação do cancelamento da alienação fiduciária objeto do R.10/M.37.378. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: CYLMAR PITELLI TEIXEIRA FORTES (OAB 107950S/P)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1062441-88.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Red Performance Fundo de Investimento Direitos Creditórios Não Padronizados

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Red Performance Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados e Red Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Real LP, representados por sua administradora Finaxis Corretora de Títulos e Valores Mobiliários S/A, diante da negativa em proceder ao registro de instrumento particular com força de escritura pública de alienação fiduciária do imóvel da matrícula nº 37.378 daquela serventia, em garantia de contratos de cessão de créditos e de Cédulas de Crédito Bancário, apresentado em forma eletrônica (prenotação n.377.124).

O Oficial destaca, preliminarmente, que o registro pleiteado demanda cancelamento prévio da alienação fiduciária anterior objeto do Registro n.10, da Matrícula n.37.378 (fls.233/234), e que foi apresentado título nesse sentido, sob a prenotação n.377.123, o qual, contudo, traz previsão expressa de que sua eficácia está condicionada ao acatamento do título em foco neste procedimento, de modo que, a fim de conjugar os instrumentos, que são interdependentes, manteve a prenotação n.377.123 até a solução da presente dúvida.

O registro foi recusado pela identificação de referência indireta ao artigo 7º, §2º, da Lei n. 8.668/93, que trata de restrições à plena disponibilidade do administrador, em seus incisos I a VI, nos negócios envolvendo fundos de investimento. Aduz que foi exigida a supressão das regras restritivas consagradas na cláusula 26.2 do contrato, pela inviável aplicação analógica das disposições legais dos fundos de investimento imobiliário (FII) aos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), conforme orientação desta Corregedoria Permanente firmada nos autos do Processo n.1008575-05.2022.8.26.0100.

Documentos vieram às fls. 06/238.

A parte suscitada, em manifestação dirigida ao Registrador (fls. 226/227) sustentou o afastamento da exigência com base no caput do artigo 7º, da Lei n.8.668/93. Porém, em impugnação (fls. 239/247), assevera que não há analogia ao disposto na Lei n.8.668/93, mas decorrência lógica da Resolução CVM n.175 (Anexo Normativo II), que dispõe acerca da cindibilidade entre o patrimônio da administradora e as garantias constituídas em favor dos fundos administrados; que a cláusula 26.2 do contrato não menciona ou faz referência indireta à Lei n.8.668/93, e que sua redação trata-se de mera coincidência, eis que a diretriz traçada pela CVM tem a mesma finalidade; que, em caso de litígio acerca da separação entre os patrimônios da credora fiduciária e dos fundos, caberá ao Poder Judiciário definir quais os dispositivos legais ou normas serão aplicáveis à espécie; que, ainda que se admita menção à Lei n.8.668/93 no contrato de alienação fiduciária, isso não caracteriza erro substancial apto a obstar o registro pretendido, vez que a anulabilidade de uma cláusula não tem o condão de macular todo o negócio. Juntou documentos de fls. 248/768.

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 772/774).

Em ato seguinte, a parte manifestou-se sobre o parecer do Ministério Público, reiterando os argumentos expostos na impugnação (fls.775/777).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Por primeiro, vale observar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

De fato, considerando que a parte suscitada trata-se de fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC), não é possível a incidência, por analogia, da Lei n. 8.668/93, conforme esclarecido na r. sentença proferida nos autos do Processo nº 1008575-05.2022.8.26.0100, pela MMª Juíza Corregedora Permanente, Doutora Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad, nos seguintes termos (fls.764/768):

“O instituto da alienação fiduciária de coisa imóvel regulado pela Lei n. 9.514/97 figura entre os direitos reais imobiliários.

Já as formas de aquisição dos direitos imobiliários variam de acordo com o tipo de investimento e o direito transferido, dentre as quais estão os fundos de investimento imobiliário (FII) e os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC).

A Resolução do Conselho Monetário Nacional n. 2.907/2001, ao introduzir os FIDC no ordenamento jurídico, estabeleceu que se destinariam “preponderantemente à aplicação em direitos creditórios e em títulos representativos desses direitos, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, bem como nas demais modalidades de investimento admitidas na referida regulamentação”.

Por sua vez, ao dispor sobre a constituição e o regime tributário dos fundos de investimento imobiliário, previu a Lei n. 8.668/93, em seus artigos 6º e 7º, a forma como o administrador emprestará personalidade jurídica a eles, a fim de que terceiro adquira direito real, impondo restrições:

‘Art. 6º O patrimônio do Fundo será constituído pelos bens e direitos adquiridos pela instituição administradora, em caráter fiduciário.

Art. 7º Os bens e direitos integrantes do patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário, em especial os bens imóveis mantidos sob a propriedade fiduciária da instituição administradora, bem como seus frutos e rendimentos, não se comunicam com o patrimônio desta, observadas, quanto a tais bens e direitos, as seguintes restrições:

I – não integrem o ativo da administradora;

II – não respondam direta ou indiretamente por qualquer obrigação da instituição administradora;

III – não componham a lista de bens e direitos da administradora, para efeito de liquidação judicial ou extrajudicial;

IV – não possam ser dados em garantia de débito de operação da instituição administradora;

V – não sejam passíveis de execução por quaisquer credores da administradora, por mais privilegiados que possam ser;

VI – não possam ser constituídos quaisquer ônus reais sobre os imóveis.

§ 1 No título aquisitivo, a instituição administradora fará constar as restrições enumeradas nos incisos I a VI e destacará que o bem adquirido constitui patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário.

§ 2 No registro de imóveis serão averbadas as restrições e o destaque referido no parágrafo anterior’.

Todavia, não há disposição semelhante aplicável aos fundos de investimento em direitos creditórios.

É o que se verifica da Resolução CMN n. 2.907/2001, acima referida, e da Instrução n. 356/2001, da Comissão de Valores Mobiliários, que regulamentou a constituição e o funcionamento dos FIDC.

No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda os ditames legais, o que não permite suprimento, por analogia, de eventual lacuna legislativa.

Assim, inviável a aplicação do disposto no §2º, do artigo 7º, da Lei n. 8.668/93, aos fundos de investimento em direitos creditórios como pretende a parte interessada, Hercules Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Multissetorial.

O óbice apontado naquele feito, dizia respeito à referência direta ao dispositivo da Lei n.8.668/93 feita no 1º termo aditivo ao contrato apresentado, a qual foi afastada no 2º termo aditivo pela confirmação das cláusulas originais, o que o registrador considerou insuficiente, exigindo afastamento expresso da aplicação da referida lei. A conclusão da análise por esta Corregedoria foi no sentido de que a redação do 2º termo aditivo era suficiente para permitir o registro, tal como o Conselho Superior da Magistratura já havia anotado em V. Acórdão que apreciou dúvida anteriormente suscitada envolvendo o mesmo título (fls.764/768).

No caso ora analisado, entretanto, não há disposição expressa pela aplicação da Lei n.8.668/93, embora a cláusula n.26.2 traga texto análogo ao artigo da lei que trata dos Fundos de Investimentos Imobiliários (fl.12).

O estudo sobre a transmissão de direitos reais imobiliários para os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios foi aprofundado por esta Corregedoria Permanente, no julgamento do Processo nº 1000044-90.2023.8.26.0100, o qual tratou de uma cessão de crédito garantido por alienação fiduciária de bem imóvel, concluindo-se que somente o administrador do fundo pode figurar como credor fiduciário, dada a ausência de personalidade jurídica dos fundos, bem como a ausência de norma específica regulando o ’empréstimo’ da personalidade jurídica do administrador para a aquisição de direito real imobiliário.

Foi nesse sentido a sentença proferida em janeiro deste ano, pela MMª Juíza Corregedora Permanente, Doutora Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad, in verbis:

“A contróversia reside na necessidade de aditamento do negócio jurídico de cessão em virtude de o cessionário se tratar de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizado (FIDC-NP).

Tais Fundos são regulados pela Resolução n. 2.907/2001 do Conselho Monetário Nacional e pelas Instruções n. 356/2001 e n. 444/2006 da Comissão de Valores Mobiliários.

Justamente por serem constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial nos termos dos artigos 1.368-C e 1.368-E do Código Civil, sem inclusão no rol do artigo 44 do mesmo diploma legal, há que se concluir que os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados não possuem personalidade jurídica, sendo representados por seu administrador, que, no presente caso, é o Banco Finaxis S/A (item 5, IV – fls. 31/35 e 196/197).

Ainda que os regramentos citados tratem da constituição e do funcionamento dos FIDC-NP, não há previsão da forma como o administrador emprestará personalidade jurídica a eles, diferentemente do que faz a Lei n. 8.668/93 em relação aos Fundos de Investimento Imobiliário (artigos 1º e 6º ao 9º), que também são regidos pela CVM n. 472/2008.

Na via administrativa, como já ressaltado acima, não é possível suprimento de lacuna normativa (princípios da legalidade estrita e da tipicidade), de modo que não se pode concluir pela aplicabilidade da Lei n. 8.688/93 e da Instrução CVM n. 472/2008 aos FIDC-NP.

Dessa forma, quando da aquisição de direitos reais por parte dos FIDC, como no caso (cessão de crédito garantido por propriedade fiduciária), cabe ao administrador figurar como cessionário, ainda que em representação ao Fundo, o que também será refletido no fólio real.

(…)

Note-se que se trata de hipótese de registro em sentido estrito já que há transferência de direito real imobiliário (artigos 167, inciso I, 35, e inciso II, 21, da Lei de Registros Públicos): o negócio jurídico em questão envolve cessão de crédito, operação que se enquadra nas atividades da parte suscitada, mas a propriedade fiduciária é garantia real acessória que depende de registro e poderá se consolidar no caso de inadimplência, nos termos da Lei n. 9.514/97. Tudo isso confirma a necessidade de o banco administrador, que conta com personalidade jurídica, figurar na matrícula como o titular do direito real”.

Verifica-se, portanto, que foi correta a exigência formulada pelo Oficial na primeira apresentação do título ora apresentado, que foi rerratificado nos termos do instrumento copiado à fl.762.

Por outro lado, no julgamento dos autos do Processo nº 1000044- 90.2023.8.26.0100 também foi admitido o estabelecimento de restrições convencionais para o devido enquadramento jurídico-contábil do imóvel afetado, o que não pode ser confundido com a imposição, por analogia, de lei impertinente (verbis):

“Note-se, ainda, que, a fim de se alcançarem maior segurança e harmonização no sistema, com o devido enquadramento jurídicocontábil do imóvel afetado e adequada delimitação entre os patrimônios do Fundo e do banco administrador, é possível o estabelecimento de restrições convencionais equivalentes às previstas no artigo 7º da Lei n.8668/93, as quais passarão a constar no fólio real por manifesta previsão contratual, sem que se fale em imposição por analogia”.

É nesse contexto que o instrumento particular apresentado, acompanhado da respectiva rerratificação, poderá ter acesso ao fólio real sem necessidade de alteração para supressão de cláusula, dependendo apenas do prévio cancelamento da alienação fiduciária existente na matrícula, por meio do título objeto da prenotação n.377.123.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para autorizar o registro do título após a averbação do cancelamento da alienação fiduciária objeto do R.10/M.37.378.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 06 de junho de 2023.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 12.06.2023 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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