Processo 1153196-61.2023.8.26.0100
Dúvida – Registro de Imóveis – Johnson Industrial do Brasil Ltda – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: WESLEY OLIVEIRA DO CARMO ALBUQUERQUE (OAB 330584/SP)
Íntegra da decisão:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1153196-61.2023.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 13º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Johnson Industrial do Brasil Ltda
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Interino do 13º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Johnson Industrial do Brasil LTDA diante da negativa de registro de contrato de locação contendo cláusula de vigência e de preferência, relativo ao imóvel da matrícula n. 48.940 daquela serventia (prenotação n. 380.212).
O Interino esclarece que as partes convencionaram cláusula de vigência e de preferência, sujeitas a registro e averbação, respectivamente, razão pela qual trata-se de procedimento de dúvida; que o contrato foi produzido e assinado eletronicamente com o emprego da ferramenta digital “DocuSign”, mas não foi possível a validação das assinaturas nem acesso ao original nato digital em sites confiáveis para fins de conferência (artigo 5º, § 2º, inciso IV, da Lei n. 14.063/2020, Provimento CNJ n. 94/2020 e Medida Provisória n. 2.200-2/2001); que, para ingresso no Registro de Imóveis, os documentos nato digitais devem conter assinaturas eletrônicas qualificadas e atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (itens 117, 366, 366.1 e 366.5, Cap. XX, das NSCGJ); que exigências relativas à comprovação da representação da locatária e à apresentação de certidão de casamento de um dos locadores foram atendidas.
Documentos vieram às fls. 05/35.
Em manifestação dirigida ao Interino e em impugnação, a parte suscitada aduz que, mesmo após a apresentação do contrato e do certificado de assinaturas, a exigência foi mantida; que atos de transferência e de registro são atos principais, previstos no artigo 167, inciso I, da LRP, enquanto atos de averbação são considerados acessórios e estão previstos no artigo 167, inciso II, da LRP; que se admite a forma eletrônica para os contratos de locação com cláusula de vigência e de preferência, bastando a coincidência entre o nome de um dos proprietários e o do locador (artigo 167, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73); que a lei não exige a assinatura eletrônica qualificada, pelo que não há vedação ao uso de assinatura eletrônica avançada; que a assinatura eletrônica sem a utilização de certificados emitidos pela ICP-Brasil é considerada pelo artigo 4º, inciso II, da Lei n. 14.063/2020; que o presente caso não trata de ato de transferência ou registro de bens imóveis, mas somente de contrato de locação; que, embora a cláusula de vigência seja considerada um ato de registro, a assinatura eletrônica do contrato é admitida pelo artigo 167, parágrafo único, da LRP; que todos os documentos eletrônicos têm garantia jurídica dada pelo artigo 10, § 2º, da Medida Provisória n. 2.200-2/2001, a qual não se limita à assinatura via certificado digital emitido pela ICP-Brasil (fls. 05/09 e 36/42).
O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 58/62).
É o relatório.
Fundamento e decido.
Por primeiro, verifica-se que se trata de procedimento de dúvida, pois o título também envolve ato de registro relativo à cláusula de vigência (fls. 05/06).
Por segundo, observo que o Interino não juntou aos autos certidão atualizada da matrícula n. 48.940, conforme exige o item 39, inciso V, Cap. XX, das NSCGJ (fl. 42), pelo que fica orientado de que todos os elementos necessários à avaliação do caso devem ser trazidos com suas informações.
Ainda assim, considerando que os fatos foram apresentados ao juízo competente e que os elementos produzidos são suficientes para sua compreensão, notadamente porque a matrícula não é essencial para análise da exigência, concluo como possível julgamento.
Por terceiro, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.
Conforme destacado na nota de exigência e devolução (fl. 33), a matéria é regida pela Lei n. 14.063/2020, que disciplina o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, classificando, em seu artigo 4º, as assinaturas eletrônicas em três categorias: simples, avançada e qualificada.
A assinatura eletrônica qualificada (ou assinatura digital), definida no artigo 4º, inciso III, da lei em questão, se restringe àquela que utiliza certificado digital nos termos do artigo 10, § 1º , da MP n. 2.200-2/2001, ou seja, aquela produzida com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.
Por sua vez, para os atos de transferência e de registro de bens imóveis, como é o caso do contrato de locação com cláusula de vigência (artigo 167, I, 3, da LRP e cláusula 38ª fl. 26), a mesma lei impõe a utilização de assinatura eletrônica qualificada, ressalvado o registro de atos perante as juntas comerciais (destaques nossos):
“Artigo 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público. (…)
§ 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada. (…)
IV – nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea “c” do inciso II do § 1º deste artigo; (…)
§ 4º O ente público informará em seu site os requisitos e os mecanismos estabelecidos internamente para reconhecimento de assinatura eletrônica avançada”.
Não se pode negar que o artigo 167, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73, incluído pela Lei n. 14.382/2022, permite expressamente que os contratos de locação com cláusula de vigência e de preferência sejam celebrados de forma eletrônica.
No entanto, não há menção a respeito da modalidade de assinatura que deve ser utilizada: simples, avançada ou qualificada.
Possível concluir, assim, que a Lei n. 14.063/2020, que é especial, permanece em vigor e não foi alterada pela Lei n. 14.382/2022, que incluiu o parágrafo único ao artigo 167 da Lei de Registros Públicos.
Ainda que o mencionado parágrafo único tivesse permitido expressamente o uso de assinatura avançada nos contratos de locação com cláusula de vigência, haveria conflito entre a Lei n. 6.015/1973 e a Lei n. 14.063/2020, de modo que prevaleceria o uso de assinatura eletrônica qualificada, na forma do artigo 5º, § 5º, desta última:
“Artigo 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público. (…)
§ 5º No caso de conflito entre normas vigentes ou de conflito entre normas editadas por entes distintos, prevalecerá o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas”.
No âmbito da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, a matéria vem tratada nos itens 365 e 366 do Cap. XX das Normas de Serviço:
“365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.
366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”.
No mesmo sentido é o Provimento CNJ n. 149/2023, que revogou recentemente o Provimento CNJ n. 94/2020 e instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, disciplinando a matéria em análise nos seguintes termos:
“Art. 324. Todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados ou do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e processá-los para os fins do art. 182 e §§ da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.
§ 1º Considera-se um título nativamente digital:
I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas…”.
O título particular, portanto, pode ser acolhido em formato eletrônico, mas desde que estruturado conforme padrões próprios de arquitetura eletrônica para o recebimento de assinatura digital de todos os signatários e testemunhas.
No caso concreto, porém, as assinaturas das partes e das testemunhas não foram produzidas com certificado digital ICP-Brasil, como exigem o artigo 5º, § 2º, IV, da Lei n. 14.063/2020, e o artigo 324, § 1º, I, do Provimento CNJ n. 149/2023 (fls. 11/27 e 28/30).
A exigência, portanto, subsiste.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.
P.R.I.C.
São Paulo, 17 de novembro de 2023.
Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad
Juiz de Direito (DJe de 22.11.2023 – SP)
Fonte: DJE/SP
Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informaações notariais, registrais e imobiliárias.
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