1VRP/SP: Registro de Imóveis. Contrato de locação. Assinatura eletrônica. As assinaturas das partes e das testemunhas devem ser produzidas com certificado digital ICP-Brasil, como exigem o artigo 5º, § 2º, IV, da Lei n. 14.063/2020, e o artigo 324, § 1º, I, do Provimento CNJ n. 149/2023.

Processo 1153196-61.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Johnson Industrial do Brasil Ltda – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: WESLEY OLIVEIRA DO CARMO ALBUQUERQUE (OAB 330584/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1153196-61.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 13º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Johnson Industrial do Brasil Ltda

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Interino do 13º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Johnson Industrial do Brasil LTDA diante da negativa de registro de contrato de locação contendo cláusula de vigência e de preferência, relativo ao imóvel da matrícula n. 48.940 daquela serventia (prenotação n. 380.212).

O Interino esclarece que as partes convencionaram cláusula de vigência e de preferência, sujeitas a registro e averbação, respectivamente, razão pela qual trata-se de procedimento de dúvida; que o contrato foi produzido e assinado eletronicamente com o emprego da ferramenta digital “DocuSign”, mas não foi possível a validação das assinaturas nem acesso ao original nato digital em sites confiáveis para fins de conferência (artigo 5º, § 2º, inciso IV, da Lei n. 14.063/2020, Provimento CNJ n. 94/2020 e Medida Provisória n. 2.200-2/2001); que, para ingresso no Registro de Imóveis, os documentos nato digitais devem conter assinaturas eletrônicas qualificadas e atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (itens 117, 366, 366.1 e 366.5, Cap. XX, das NSCGJ); que exigências relativas à comprovação da representação da locatária e à apresentação de certidão de casamento de um dos locadores foram atendidas.

Documentos vieram às fls. 05/35.

Em manifestação dirigida ao Interino e em impugnação, a parte suscitada aduz que, mesmo após a apresentação do contrato e do certificado de assinaturas, a exigência foi mantida; que atos de transferência e de registro são atos principais, previstos no artigo 167, inciso I, da LRP, enquanto atos de averbação são considerados acessórios e estão previstos no artigo 167, inciso II, da LRP; que se admite a forma eletrônica para os contratos de locação com cláusula de vigência e de preferência, bastando a coincidência entre o nome de um dos proprietários e o do locador (artigo 167, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73); que a lei não exige a assinatura eletrônica qualificada, pelo que não há vedação ao uso de assinatura eletrônica avançada; que a assinatura eletrônica sem a utilização de certificados emitidos pela ICP-Brasil é considerada pelo artigo 4º, inciso II, da Lei n. 14.063/2020; que o presente caso não trata de ato de transferência ou registro de bens imóveis, mas somente de contrato de locação; que, embora a cláusula de vigência seja considerada um ato de registro, a assinatura eletrônica do contrato é admitida pelo artigo 167, parágrafo único, da LRP; que todos os documentos eletrônicos têm garantia jurídica dada pelo artigo 10, § 2º, da Medida Provisória n. 2.200-2/2001, a qual não se limita à assinatura via certificado digital emitido pela ICP-Brasil (fls. 05/09 e 36/42).

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 58/62).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Por primeiro, verifica-se que se trata de procedimento de dúvida, pois o título também envolve ato de registro relativo à cláusula de vigência (fls. 05/06).

Por segundo, observo que o Interino não juntou aos autos certidão atualizada da matrícula n. 48.940, conforme exige o item 39, inciso V, Cap. XX, das NSCGJ (fl. 42), pelo que fica orientado de que todos os elementos necessários à avaliação do caso devem ser trazidos com suas informações.

Ainda assim, considerando que os fatos foram apresentados ao juízo competente e que os elementos produzidos são suficientes para sua compreensão, notadamente porque a matrícula não é essencial para análise da exigência, concluo como possível julgamento.

Por terceiro, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

Conforme destacado na nota de exigência e devolução (fl. 33), a matéria é regida pela Lei n. 14.063/2020, que disciplina o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, classificando, em seu artigo 4º, as assinaturas eletrônicas em três categorias: simples, avançada e qualificada.

A assinatura eletrônica qualificada (ou assinatura digital), definida no artigo 4º, inciso III, da lei em questão, se restringe àquela que utiliza certificado digital nos termos do artigo 10, § 1º , da MP n. 2.200-2/2001, ou seja, aquela produzida com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.

Por sua vez, para os atos de transferência e de registro de bens imóveis, como é o caso do contrato de locação com cláusula de vigência (artigo 167, I, 3, da LRP e cláusula 38ª fl. 26), a mesma lei impõe a utilização de assinatura eletrônica qualificada, ressalvado o registro de atos perante as juntas comerciais (destaques nossos):

“Artigo 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público. (…)

§ 2º É obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada. (…)

IV – nos atos de transferência e de registro de bens imóveis, ressalvado o disposto na alínea “c” do inciso II do § 1º deste artigo; (…)

§ 4º O ente público informará em seu site os requisitos e os mecanismos estabelecidos internamente para reconhecimento de assinatura eletrônica avançada”.

Não se pode negar que o artigo 167, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73, incluído pela Lei n. 14.382/2022, permite expressamente que os contratos de locação com cláusula de vigência e de preferência sejam celebrados de forma eletrônica.

No entanto, não há menção a respeito da modalidade de assinatura que deve ser utilizada: simples, avançada ou qualificada.

Possível concluir, assim, que a Lei n. 14.063/2020, que é especial, permanece em vigor e não foi alterada pela Lei n. 14.382/2022, que incluiu o parágrafo único ao artigo 167 da Lei de Registros Públicos.

Ainda que o mencionado parágrafo único tivesse permitido expressamente o uso de assinatura avançada nos contratos de locação com cláusula de vigência, haveria conflito entre a Lei n. 6.015/1973 e a Lei n. 14.063/2020, de modo que prevaleceria o uso de assinatura eletrônica qualificada, na forma do artigo 5º, § 5º, desta última:

“Artigo 5º No âmbito de suas competências, ato do titular do Poder ou do órgão constitucionalmente autônomo de cada ente federativo estabelecerá o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e em interações com o ente público. (…)

§ 5º No caso de conflito entre normas vigentes ou de conflito entre normas editadas por entes distintos, prevalecerá o uso de assinaturas eletrônicas qualificadas”.

No âmbito da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, a matéria vem tratada nos itens 365 e 366 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“365. A postagem e o tráfego de traslados e certidões notariais e de outros títulos, públicos ou particulares, elaborados sob a forma de documento eletrônico, para remessa às serventias registrais para prenotação (Livro nº 1 Protocolo) ou exame e cálculo (Livro de Recepção de Títulos), bem como destas para os usuários, serão efetivados por intermédio da Central Registradores de Imóveis.

366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”.

No mesmo sentido é o Provimento CNJ n. 149/2023, que revogou recentemente o Provimento CNJ n. 94/2020 e instituiu o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, disciplinando a matéria em análise nos seguintes termos:

“Art. 324. Todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados ou do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e processá-los para os fins do art. 182 e §§ da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

§ 1º Considera-se um título nativamente digital:

I – o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas…”.

O título particular, portanto, pode ser acolhido em formato eletrônico, mas desde que estruturado conforme padrões próprios de arquitetura eletrônica para o recebimento de assinatura digital de todos os signatários e testemunhas.

No caso concreto, porém, as assinaturas das partes e das testemunhas não foram produzidas com certificado digital ICP-Brasil, como exigem o artigo 5º, § 2º, IV, da Lei n. 14.063/2020, e o artigo 324, § 1º, I, do Provimento CNJ n. 149/2023 (fls. 11/27 e 28/30).

A exigência, portanto, subsiste.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida para manter o óbice.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de novembro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 22.11.2023 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Ausência da certidão de localização expedida pelo município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou – Óbice mantido – Baixa do cadastro no INCRA que será possibilitada com a apresentação da certidão em apreço, nos termos da instrução normativa do INCRA Nº 82/2015 e da correspondente nota técnica INCRA/DF/DFC Nº 02/2016 – Exigência quanto ao reconhecimento das firmas dos sócios no instrumento particular de constituição de sociedade com integralização do capital afastada a certidão de inteiro teor da JUCESP instruída com o instrumento particular de constituição da sociedade com integralização de bens é hábil a registro inteligência do artigo 54 da Lei Nº 8.934/94 – Dúvida que procede por não afastados todos os óbices – Recurso desprovido.

Apelação Cível nº 1006225-47.2022.8.26.0099

Espécie: APELAÇÃO CÍVEL

Número: 1006225-47.2022.8.26.0099

Comarca: BRAGANÇA PAULISTA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1006225-47.2022.8.26.0099

Registro: 2023.0000832718

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006225-47.2022.8.26.0099, da Comarca de Bragança Paulista, em que é apelante PRÓSPERO INVESTIMENTOS LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BRAGANÇA PAULISTA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 22 de setembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1006225-47.2022.8.26.0099

APELANTE: P. I. LTDA

APELADO: O. de R. de I. e A. da C. de B. P.

VOTO Nº 39.117

Registro de imóveis – Ausência da certidão de localização expedida pelo município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou – Óbice mantido – Baixa do cadastro no INCRA que será possibilitada com a apresentação da certidão em apreço, nos termos da instrução normativa do INCRA Nº 82/2015 e da correspondente nota técnica INCRA/DF/DFC Nº 02/2016 – Exigência quanto ao reconhecimento das firmas dos sócios no instrumento particular de constituição de sociedade com integralização do capital afastada a certidão de inteiro teor da JUCESP instruída com o instrumento particular de constituição da sociedade com integralização de bens é hábil a registro inteligência do artigo 54 da Lei Nº 8.934/94 – Dúvida que procede por não afastados todos os óbices – Recurso desprovido.

Trata-se de apelação (fls. 108/118) interposta por Próspero Investimentos Ltda. contra a r. sentença (fls. 96/97) que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bragança Paulista, São Paulo, em promover o registro da transferência do imóvel da matrícula nº 53.626 do patrimônio dos sócios para o da sociedade em decorrência da integralização do capital, devido à necessidade de prévia audiência do INCRA para alteração da natureza do bem, de rural para urbano, e de reconhecimento das firmas dos sócios no instrumento particular de constituição de sociedade com integralização de bens.

A r. sentença manteve a dúvida no entendimento de que a audiência do INCRA para alteração da natureza do imóvel está prevista no artigo 53, da Lei nº 6.766/79 e porque a exigência de firma reconhecida consta no artigo 221, II, da Lei nº 6.015/1973, não havendo exceção para os atos registrados na junta comercial.

Houve interposição de embargos de declaração da sentença, que foram rejeitados por pretenderem discutir o mérito da decisão (fls. 105).

Alega a apelante, em síntese, que a manifestação do INCRA é desnecessária porque o imóvel é tributado por IPTU e o próprio Oficial Registrador reconhece que a área não é mais rural, e que o título dominial foi registrado na JUCESP, sendo dispensável o reconhecimento das firmas por meio físico.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 137/140).

É o relatório.

Próspero Investimentos Ltda. requereu ao Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Bragança Paulista, em 02/06/2021, a transferência do imóvel de matrícula nº 53.626 para seu nome, em razão da integralização do bem levada a efeito pelos sócios, Marcos Rimoli Prospero e sua mulher Carla Hanli Cavalcanti Yue, por ocasião da constituição da sociedade.

Sobreveio a nota de exigência n° 275507, com o apontamento de quatro óbices (fls. 58/59). Com a perda da validade da prenotação, o título foi reapresentado em 19 de julho de 2022 e prenotado sob nº 290195, prevalecendo três óbices (fls. 77/84), adiante indicados:

“1. como os assentos registrários estão nos mostrado (sic) o imóvel em questão, como rural, e o expediente a que citada nota de devolução está a se reportar, como urbano, necessárias providências para que possa esta Serventia cancelar o cadastro do citado bem junto ao INCRA, e averbar seu cadastro como urbano, junto à Prefeitura de Vargem, município de sua localização, o que ainda não foi apresentado à Serventia;

2. temos também informações no expediente que motivou a análise resultante da sobredita nota de devolução, de que citado imóvel encontrasse no perímetro urbano do município de Vargem desta comarca de Bragança, o que precisa ser demonstrado com documento da Prefeitura do município de sua localização; e

3. necessidade de prova do reconhecimento das firmas lançadas no instrumento particular que cuidou da constituição da empresa Prospero Investimentos Ltda., que está fazendo parte da certidão expedida pela Junta Comercial deste estado (sic) de São Paulo”.

E a r. sentença (fls. 96/97) manteve os óbices registrais.

Em que pese às razões recursais, a exigência quanto à demonstração de que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou, deve prevalecer.

Com efeito, apesar da sentença ter mantido a exigência sob fundamento de que é necessária a prévia audiência do INCRA para a baixa do cadastro do imóvel de rural para urbano, invocando o artigo 53 da Lei nº 6.766/79, vê-se que o Oficial não exigiu a referida baixa, apenas solicitou a apresentação dos documentos necessários para que pudesse realizar o cancelamento do cadastro do citado bem naquele instituto.

Confira-se novamente a exigência:

“1. – como os assentos registrários estão nos mostrado (sic) o imóvel em questão, como rural, e o expediente a que citada nota de devolução está a se reportar como urbano, necessárias providências para que possa esta Serventia cancelar o cadastro do citado bem junto ao INCRA, e averbar seu cadastro como urbano, junto à Prefeitura de Vargem, município de sua localização, o que ainda não foi apresentado à Serventia;

2. temos também informações no expediente que motivou a análise resultante da sobredita nota de devolução, de que citado imóvel encontrasse no perímetro urbano do município de Vargem desta comarca de Bragança, o que precisa ser demonstrado com documento da Prefeitura do município de sua localização;” (g.n.)

O que o Registrador está a exigir, portanto, é a apresentação dos documentos necessários para a comprovação de que o imóvel teve alterada sua natureza de rural para urbana, a fim de possibilitar oportuna baixa do imóvel no INCRA.

E dita comprovação se faz com a apresentação da certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou, nos termos do que estabelece a Instrução Normativa do INCRA de nº 82/2015.

Muito embora o artigo 53 da Lei nº 6.766/79 mencione a necessidade da prévia audiência do INCRA para a alteração da destinação do uso do imóvel de rural para urbano, o próprio instituto entende que o cumprimento do disposto neste artigo dá-se apenas mediante a apresentação de certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou, conforme o artigo 23, II, da Instrução Normativa do INCRA nº 82/2015:

“Art. 23. O requerimento será instruído com a seguinte documentação:

[…]

II – certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou;”

O INCRA emitiu nota técnica com a seguinte conclusão a respeito da questão:

“d) a prévia audiência do INCRA para alteração de uso do solo rural para fins urbanos, a que se refere o art. 53 da Lei 6.766/79, deve ser interpretada como realização das operações cadastrais pertinentes, nos termos do Capítulo VI da Instrução Normativa INCRA nº 82/2015, após a prática dos atos registrais respectivos” (Nota Técnica INCRA/DF/DFC nº 02/2016).

E com referência à documentação exigida para a comprovação da alteração do uso do solo de rural para urbano destaca-se justamente a do inciso II do artigo 23 da IN do INCRA nº 82/2015, com a exigência de apresentação da “certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou”.

Então, necessária a apresentação da certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou (art. 23, II, da IN do INCRA nº 82/2015), o que possibilitará, inclusive, a baixa no INCRA.

A Ficha de Cadastro Imobiliário (fls. 53/54), a Certidão de Dados Cadastrais e Valor Venal do Imóvel (fls. 55) e o boleto para pagamento do IPTU (fls. 56) não são documentos que suprem a certidão do Município de que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com a indicação do ato legislativo que o delimitou, à evidência. Não se trata de se apegar a formalismo exagerado, mas de dar cumprimento ao que as normas aplicáveis consideram ser a documentação pertinente a comprovar a alteração do uso do solo de rural para urbano.

A derradeira exigência, todavia, não prevalece.

A certidão de inteiro teor do registro realizado pela JUCESP com referência à constituição da sociedade com integralização de bens (fls. 32/51) é que foi apresentada a registro, e o instrumento particular correspondente apenas fez parte integrante da documentação que acompanhou a certidão da JUCESP (fls. 34/45).

Aliás, isso é o que constou expressamente da manifestação do Oficial a seguir transcrita: “3. necessidade de prova do reconhecimento das firmas lançadas no instrumento particular que cuidou da constituição da empresa Prospero Investimentos Ltda., que está fazendo parte da certidão expedida pela Junta Comercial deste estado (sic) de São Paulo” (grifa-se).

Não se tratou, portanto, de mera apresentação do instrumento particular de constituição da sociedade com integralização de bens a registro, mas de certidão de inteiro teor do registro realizado pela JUCESP, que se fez acompanhar de cópia da documentação, inclusive do instrumento em apreço.

E nos termos do artigo 64, da Lei nº 8.934/94, que cuida do Registro Mercantil, “a certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou para o aumento do capital”.

Trata-se de norma especial que prevalece sobre a norma geral contida no artigo 108 do Código Civil.

Como na hipótese “sub judice” foi apresentada a certidão de inteiro teor do registro realizado na JUCESP, documento hábil à efetivação do registro da transferência do imóvel, “ex vi” do disposto no artigo 64, da Lei nº 8.934/94, a exigência de reconhecimento das firmas dos sócios no instrumento particular de constituição da sociedade com integralização de bens era descabida.

Em suma, prevalecendo a exigência quanto à apresentação da certidão de localização expedida pelo Município, atestando que o imóvel está inserido no perímetro urbano, com indicação do ato legislativo que o delimitou, ainda que afastada a outra exigência, a dúvida procede e o recurso de apelação deve ser rejeitado.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 21.11.2023 – SP)

Fonte: DJE/SP

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Lavratura de oito Escrituras Públicas de Doação, as quais foram posteriormente anuladas pelo MM. Juízo Cível, reconhecendo a incapacidade do doador. A responsabilidade disciplinar deve ser aplicada quando há falha nos deveres de orientação e fiscalização dos prepostos.

Processo 0019651-43.2022.8.26.0100

Processo Administrativo – REGISTROS PÚBLICOS – J.D.V.R.P.C. e outro – E.Z.P. – – C.W. e outros – VISTOS, Trata-se de Processo administrativo disciplinar instaurado em face da Senhora C. W., Tabeliã de Notas da Comarca da Capital, em virtude lavratura de oito Escrituras Públicas de Doação, as quais foram posteriormente anuladas pelo MM. Juízo Cível, reconhecendo a incapacidade do doador. A Senhora Tabeliã foi interrogada (fls. 425/426) e apresentou defesa prévia (fls. 429/442). Foram ouvidas as testemunhas da Senhora Titular: a preposta que lavrou o ato e o Senhor Advogado do Doador (fls. 463 e 466/467). Encerrada a instrução, em alegações finais, a Senhora Delegatária pugnou, em suma, pela não configuração de ilícito administrativo-disciplinar (fls. 468/472). É o breve relatório. Decido. Cuidam os autos de processo administrativo disciplinar instaurado por esta Corregedoria Permanente, por determinação da E. CGJ, em face da Senhora C. W., Tabeliã de Notas da Comarca da Capital. Consta dos autos que aos 08.07.2013 foram lavradas oito Escrituras Públicas de Doação, figurando como outorgante- doador o Senhor W. V. e como donatária a Senhora S. P., registradas sob o Livro 1413, fls. 359 a 376, pelo Tabelionato de Notas da Capital. Posteriormente, em Ação Declaratória de Nulidade de Negócio Jurídico, as doações foram anuladas pelo MM. Juízo Cível, em face da incapacidade do doador que, conforme relatórios médicos, estaria acometido de Doença de Alzheimer em estado avançado (ação nº 1025430-07.2018.8.26.0001). Cumpre esclarecer que aqui se verifica a responsabilidade administrativo-funcional da Senhora Titular no desempenho de sua função pública delegada, como Titular do Serviço de Notas. Nesse sentido, cabe a análise da adequação das ações da Tabeliã em face de seus deveres funcionais, no sentido de ter promovido sistema interno de controle, ter orientado e fiscalizado seus prepostos, de modo a evitar a ocorrência, dentro de suas possibilidades e atribuições. No caso da responsabilização dos delegatários de serviço público, a responsabilidade por atos dos prepostos deve demonstrar o dolo ou a culpa no gerenciamento, orientação e fiscalização dos funcionários. Com efeito, a prova dos autos demonstrou que a Tabeliã estabeleceu as rotinas internas adequadas de comunicação, orientação e fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade, sendo fato que refugiu às diligências devidamente adotadas as consequências posteriores dos atos praticados. É fato inconteste que a Senhora Tabeliã ordenou diligências prévias junto ao doador, em face da idade avançada e dos bens que pretendia repassar. A preposta foi devidamente comunicada de seus deveres e, após a oitiva, repassou suas conclusões à Tabeliã, que somente então autorizou a prática do ato. Outras medidas para além das adotadas poderiam ser tidas por pertinentes; mas certamente não eram obrigatórias. É função do escrevente autorizado verificar a capacidade da parte. Veja-se que conforme ressaltado pelos documentos juntados aos autos, de fato há informações de que o Senhor Doador encontrava-se, por períodos de tempo, lúcido o suficiente para aparentar, à pessoa média, que este que se encontrava de posse de suas capacidades civis. Sem prejuízo, o doador estava, inclusive, acompanhado de seu advogado particular, que em testemunho a este Juízo, confirmou os apontamentos realizados pela preposta, de que o idoso encontrava-se lúcido e capaz no dia da realização dos atos (fls. 466/467). Nesse sentido, compreendo que o grau de diligência necessário esperado da Senhora Delegatária foi atendido. Frise-se que a Tabeliã, no desempenho de suas funções, responde pelos atos de seus prepostos (item 7, do Capítulo XVI, das NSCGJ, e artigo 21 da Lei 8.935/1.994). Contudo, supor indícios de ilícito administrativo em razão da falha eventualmente cometida pela preposta que avaliou mal a situação a qual fora, todavia, devidamente treinada, orientada e fiscalizada, seria imputar à Delegatária responsabilidade objetiva, o que não se pode conceber, haja vista que a responsabilização funcional dos Titulares de delegações deriva da inobservância de seus deveres funcionais o que não se apurou. Em especial, uma vez estabelecidas rotinas internas eficazes como logrou êxito em demonstrar sendo os prepostos devidamente orientados e fiscalizados, houve o devido cumprimento dos deveres da Titular e a falha ocorrida não pode ser debitada à desídia ou culpa da Notária. Nesse sentido, leciona Aliende Ribeiro, que inclusive transcreve salutar decisão pela E. CGJ (in: Responsabilidade Admnistrativo do Notário e do Registrador, por ato próprio e por ato de preposto. Revista dos Tribunais On-line. Vol. 81/2016. P 401-427): Outro ponto que se impõe cuidada análise é o da responsabilidade administrativa ou disciplinar do notário e do registrador por ato irregular praticado por preposto. A Lei 8.935/1994 estabelece, no seu art. 21, que cabe ao titular da delegação o gerenciamento administrativo, financeiro e de pessoal da unidade de serviço notarial ou registral delegada. Dessa atribuição de organização dos serviços decorre, é evidente, o dever de organizar os serviços, estabelecer regras e rotinas de trabalho, escolher, treinar, orientar e fiscalizar seus prepostos. (…) E creio que esse parâmetro já fora definido pela Corregedoria Geral de Justiça, na decisão proferida pelo Des. Maurício Vidigal no Processo nº 2011/103282, em 3 de novembro 2011, fundada na verificação da evitabilidade ou não do fato, nos seguintes termos: Não há dúvidas quanto à ocorrência do fato, ou seja, a inclusão do número do cadastro de pessoa física na Receita Federal do declarante como se fosse do falecido, quando do registro de óbito, redundando na expedição da respectiva certidão com erro, o que foi corrigido posteriormente (cf. docs. de fls. 54, 56 e 59). Também é certa a prática do ato por funcionária da serventia extrajudicial, quando a processada era responsável pelo gerenciamento administrativo da unidade em conformidade a Delegação da qual era titular (v. Interrogatório de fls. 78). Como é cediço, o direito administrativo sancionador exige a presença de culpabilidade do sujeito para caracterização da infração administrativa. No caso em julgamento, é fundamental a seguinte indagação: seria possível à processada evitar o equívoco havido? Haveria algum meio de evitar o erro praticado por eventual falta de concentração da serventuária que realizou o ato? Nada há nos autos indicativo da falta de qualificação da funcionária que efetuou o registro com erro ou ausência de orientação da parte da Titular da Delegação; pelo contrário, aquela foi alçada à condição de interventora em razão do afastamento da recorrente por força de outro processo administrativo disciplinar. Diante disso, é cabível concluir que o fato, apesar de não desejável, caracteriza-se como inevitável em relação à processada. (…) Evitabilidade do fato é, portanto, o fundamento mais próximo da exigência de culpabilidade. O sujeito deve possuir a chance, a oportunidade de evitar o fato ilícito. A ameaça da pena quer evitar o fato. Por um princípio de justiça, se a ameaça é incapaz de gerar uma potencial evitabilidade do fato, não há culpabilidade, inexiste fundamento subjetivo para a punição do comportamento humano, direto ou indireto, materializado por pessoas físicas ou jurídicas. Em razão da natureza inevitável do ato, não havia comportamento a ser exigido da processada; por conseguinte está configurada a exclusão da sua culpabilidade com a consequente impossibilidade da aplicação de pena disciplinar. Desse modo, compete a absolvição da recorrente. ( Processo nº 2011/103282) (P. 13/14).” (…) Esse parâmetro pode ser definido a partir da análise e verificação da evitabilidade ou não do fato, solução útil para fixar exata medida para a adequada aplicação de um Direito Penal Disciplinar (ou Direito Administrativo Sancionador). E os fatos ora analisados não poderiam ter sido evitados pelas diligências normais e necessárias adotadas pela Senhora Tabeliã. No mesmo sentido, o julgamento do Recurso Administrativo pela E. CGJSP sob o nº 0003271-40.2020.8.26.0576 aponta claramente que a responsabilidade disciplinar deve ser aplicada quando há falha nos deveres de orientação e fiscalização dos prepostos, o que não se apurou no presente caso: Processo administrativo disciplinar – Procuração pública lavrada com emprego de fraude – Falha na qualificação notarial – Responsabilidade disciplinar – Inobservância dos deveres de orientação e fiscalização dos prepostos no trâmite do serviço notarial – Tabelião que, mesmo ciente dos fatos, se limita a demitir o escrevente por justa causa e comunicar o ocorrido à Corregedoria Permanente e ao Ministério Público, mas não estabelece nenhuma alteração na rotina de trabalho da serventia – Ato praticado pelo preposto que decorre da inexistência, ou fragilidade, de mecanismos eficientes de controle e supervisão dos atos lavrados diariamente na unidade – Infração disciplinar caracterizada – Pena de multa com valor adequado à gravidade dos fatos, aos antecedentes do recorrente, ao porte da delegação e à receita líquida da unidade – Bloqueio administrativo do ato notarial, com a consequente vedação de extração de certidões ou traslados sem a autorização da Corregedoria Permanente – Constatação de irregularidades na alimentação do sistema do Portal do Extrajudicial que devem ser apuradas – Recurso não provido, com determinações. [CGJSP Recurso Administrativo: 0003271-40.2020.8.26.0576. Data de julgamento: 02/03/2022. DJE: 08/03/2022. Relator: Fernando Antônio Torres Garcia] Por conseguinte, diante dos esclarecimentos pormenorizadamente prestados, bem como das medidas de reforço implementadas, não verifico indícios de que a Senhora Titular tenha falhado em seus deveres funcionais de orientação e fiscalização da preposta sob sua responsabilidade, sendo forçoso convir que não há nos autos elementos aptos para identificar ocorrência de falha notarial, de tudo se inferindo que a eventual falta pela preposta não contou com a conivência da Senhora Tabeliã, que implementou controle rigoroso das atividades internas. A preposta que atuou no ato é experiente (refere a Tabeliã que a funcionária conta com 40 anos de experiência e ficha funcional ilibada) e, malgrado a falha humana havida, na eventual identificação dos problemas cognitivos do Senhor Doador, tenho pela ausência de ilícito administrativo da parte da Senhora Tabeliã quanto à omissão de seus deveres de orientação e fiscalização dos prepostos, de modo a evitar o ocorrido; especialmente na consideração da circunstância de que foi afirmado pela preposta, reiterado em audiência, pelo Dr. Advogado, que o paciente tinha períodos de lucidez. Enfim, não é possível inferir culpa da Senhora Notária em relação à inobservância de seus deveres legais de orientação e fiscalização. Nessa ordem de ideias, ante ao exposto, julgo improcedente o processo administrativo disciplinar. Oportunamente, arquive-se. Encaminhe-se cópia desta decisão à E. Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo esta decisão como ofício. Ciência ao Ministério Público e ao Senhor Terceiro Interessado. P.I.C. – ADV: RUBENS HARUMY KAMOI (OAB 137700/SP), MARIO SOLIMENE FILHO (OAB 136987/SP) (DJe de 17.11.2023 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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