STF extingue a Separação Judicial do sistema jurídico brasileiro

O Supremo Tribunal Federal – STF negou provimento ao Recurso Extraordinário – RE 1.167.478 (Tema 1.053) e, por maioria, fixou o entendimento de que, após a promulgação da Emenda Constitucional – EC 66/2010, idealizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a separação judicial não é requisito para o divórcio nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico brasileiro. O julgamento, iniciado em 26 de outubro, chegou ao fim na tarde desta quarta-feira (8). A matéria recebeu 8 votos a favor e 3 contra.

O ministro Luiz Fux, relator da matéria, proferiu voto em 26 de outubro, quando o caso começou a ser julgado. Ele entendeu que a separação foi suprimida do ordenamento jurídico após a EC 66/2010, portanto, não é requisito para o divórcio.

“O mesmo direito que as pessoas têm de constituir família, elas têm de dissolver o vínculo matrimonial”, afirmou o ministro. “Essa nova introdução do poder constituinte derivado foi exatamente para não permitir que o legislador crie condicionantes para que haja o divórcio. Casar é direito e não dever, o que inclui manter-se ou não casado”, completou o ministro.

Os ministros Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes e a ministra Cármen Lúcia acompanharam o voto do relator.

O ministro André Mendonça inaugurou divergência ao afirmar que concorda que a separação judicial não é exigência para o divórcio, contudo considera que o instituto não foi extinto da legislação brasileira.

“Entendo eu que a separação, enquanto instituto jurídico e instituto de fato, visa trazer um meio-termo. Permitir um processo de caminhada paulatina, seja para uma consolidação definitiva, seja por vezes de uma retomada de relacionamento entre as partes envolvidas”, ponderou.

O ministro Nunes Marques seguiu o entendimento de Mendonça, considerando que, apesar de o divórcio não precisar de requisito prévio, a separação judicial ainda é possível pela legislação brasileira.

Os votos do dia

Nesta quinta-feira (8), na retomada do julgamento, o primeiro a votar foi o ministro Alexandre de Moraes, que se mostrou alinhado à posição de Mendonça ao afirmar que, apesar de considerar a possibilidade do divórcio direto, entende que a separação judicial ainda existe de forma independente.
“Entendo que a EC 66/2010 não extinguiu como figura autônoma a separação judicial e defendo que continue existindo ambas as hipóteses. A manutenção desse instituto não exige mais a possibilidade da discussão de culpa”, afirmou em seu voto.

O próximo a proferir voto foi o ministro Edson Fachin. Para ele, da mesma forma que casar é um ato de liberdade, a possibilidade de se divorciar também é um direito garantido aos casais.

“Casar é um ato de liberdade, uma escolha. É um ato que constitui uma comunhão de vida. Manter-se casado também é um ato de liberdade e divorciar-se é um direito potestativo. Esse exercício de comunhão de vida é o que dá sentido maior à noção de família, que é a noção do afeto, que sustenta a comunhão de vida”, afirmou o ministro.

Em seu voto, o ministro Dias Toffoli lembrou dos números de feminicídio no Brasil, argumentando que, ainda hoje, o homem “acha que é dono do corpo da mulher”. “Mesmo aquele namorado que é rejeitado, ele acha que existe direito subjetivo ao amor. Ele acha que é direito subjetivo de propriedade do corpo da mulher”, pontuou.

A ministra Cármen Lúcia citou que o divórcio é uma escolha, o que já está prevista na Constituição.

“A vida não tem que se acanhar para caber no Direito. O Direito tem que se conformar à vida. Neste sentido, o que nós temos é um quadro no qual o divórcio vem agora como escolha para se manter casado ou não casado, e esta é uma escolha que é coerente e compatível com o que a Constituição impõe”, afirmou.

Por fim, o atual presidente da Corte, ministro Barroso, propôs a tese de que “após a promulgação da EC 66/2010, a separação não é requisito para o divórcio nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico”. E completou: “Sem prejuízo, preserva-se o estado civil das pessoas que já estão separadas por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de ato jurídico perfeito”.]

Entenda o caso

O recurso foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, que decidiu que a EC 66/2010 afastou a exigência prévia da separação de fato ou judicial para o pedido de divórcio.

Ao manter a sentença de primeiro grau, o entendimento foi de que, com a mudança na Constituição, se um dos cônjuges manifestar a vontade de romper o vínculo conjugal, o outro nada pode fazer para impedir o divórcio.

No STF, a alegação de um dos cônjuges é de que o artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, apenas tratou do divórcio, mas seu exercício foi regulamentado pelo Código Civil, que prevê a separação judicial prévia. Além disso, a parte sustentou que seria equivocado o fundamento de que o artigo 226 têm aplicabilidade imediata, com a desnecessária edição ou observância de qualquer outra norma infraconstitucional.

A outra parte defendeu a inexigibilidade da separação judicial após a alteração constitucional. No entendimento, não haveria qualquer nulidade na sentença que decretou o divórcio.

Atuação do IBDFAM

A Emenda Constitucional EC – 66/2010, concebida pelo IBDFAM, inseriu a possibilidade do divórcio direto no ordenamento jurídico brasileiro. Após edição da Emenda, de autoria do então deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), o instituto da separação judicial caiu em desuso.

Além disso, conferiu nova redação ao artigo 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio. Suprimiu o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos.

No caso que chegou ao STF, o IBDFAM atuou como amicus curiae, em defesa da supressão da separação judicial do ordenamento jurídico, bem como do afastamento da discussão da culpa pelo término da conjugalidade. O Instituto, representado pela advogada Ligia Ziggiotti, apresentou sustentação oral no Plenário.

O IBDFAM defendeu a laicidade estatal e argumenta em favor da igualdade de gênero, da vedação do retrocesso social e da liberdade dos cônjuges em família.

“Defendemos, de forma irrestrita, o divórcio como direito potestativo. Por isso, o IBDFAM requer a inconstitucionalidade do instituto da separação judicial na atual conjuntura. Tivemos muitos ganhos nas últimas décadas e gostaríamos de preservá-los e, inclusive, confirmá-los por meio da extinção desse instituto no nosso ordenamento jurídico”, disse  Ligia Ziggiotti.

Fonte: IBDFAM

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Demanda Direta de Inconstitucionalidade – Lei estadual que preceitua a expedição de certidões em braile pelos ofícios paulistas de registro civil das pessoas naturais – Concorrência conflituosa de competências legislativas – O conflito: ( i ) os estados membros têm competência para editar leis, tanto de maneira concorrente (inc. XIV do art. 24 da Const. federal ), quanto de modo suplementar (§ 2º do mesmo art. 24) , em matéria de “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”; ( ii ) a União tem competência privativa para legislar sobre “registros públicos” (inc. XXV do art. 22 da Const. nacional) – O caso: uma lei paulista que, noticiando intenções protetivas de pessoas portadoras de deficiência visual, enuncia regra que, primeira e diretamente, incide no registro público, para cuja disciplina há reserva privativa de competência da União – O inconveniente: com a só prevalência da apontada finalidade benigna de proteger direitos de pessoas portadoras de deficiência, já não haveria limite algum para conter a competência constitucional da edição de leis pelos estados – O efeito: admitida a tese da validade da lei objeto, tem de inferir-se que os estados membros – tanto indiquem um fim protetivo de pessoas com deficiência – podem (sem lei autorizadora de caráter complementar: par. único do art. 22 da Const. federal) editar, primeira e diretamente, normas de direito civil, de direito penal, de direito do trabalho, de direito eleitoral, ou regras de processo civil e de processo penal, etc – A necessidade de um critério objetivo para a solução do conflito: para beneficiar um fim jurídico não se admite adotarem-se, primeira e diretamente, meios injurídicos. Ou seja, o fim não justifica os meios. De não ser assim estaria consagrada uma espécie de «maquiavelismo legístico». Rejeição da preliminar (relativa a falta de interesse processual) e acolhimento da ação de inconstitucionalidade.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade nº 2073261-61.2023.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DE SÃO PAULO, são réus GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO e PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “AFASTARAM A PRELIMINAR E JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. V.U. ACÓRDÃO COM O EXMO. SR. DES. RICARDO DIP.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RICARDO ANAFE (Presidente), DÉCIO NOTARANGELI, JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, FIGUEIREDO GONÇALVES, PAULO ALCIDES, GUILHERME G. STRENGER, FERNANDO TORRES GARCIA, XAVIER DE AQUINO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS, FRANCISCO CASCONI, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM, FÁBIO GOUVÊA, MATHEUS FONTES, COSTABILE E SOLIMENE E LUIS FERNANDO NISHI.

São Paulo, 1º de novembro de 2023

RICARDO DIP

RELATOR DESIGNADO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Órgão Especial

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo 2073261-61.2023.8.26.0000

Relator designado: Des. Ricardo Dip (Voto 61.782)

Requerente: Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo -Anoreg-SP

Requeridos: Governador do Estado de São Paulo

Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo

DEMANDA DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE PRECEITUA A EXPEDIÇÃO DE CERTIDÕES EM BRAILE PELOS OFÍCIOS PAULISTAS DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS. CONCORRÊNCIA CONFLITUOSA DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS.

– O conflito: ( i ) os estados membros têm competência para editar leis, tanto de maneira concorrente (inc. XIV do art. 24 da Const. federal ) , quanto de modo suplementar (§ 2º do mesmo art. 24) , em matéria de “proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência”; ( ii ) a União tem competência privativa para legislar sobre “registros públicos” (inc. XXV do art. 22 da Const. nacional ) .

– O caso: uma lei paulista que, noticiando intenções protetivas de pessoas portadoras de deficiência visual, enuncia regra que, primeira e diretamente, incide no registro público, para cuja disciplina há reserva privativa de competência da União.

– O inconveniente: com a só prevalência da apontada finalidade benigna de proteger direitos de pessoas portadoras de deficiência, já não haveria limite algum para conter a competência constitucional da edição de leis pelos estados.

– O efeito: admitida a tese da validade da lei objeto, tem de inferir-se que os estados membros – tanto indiquem um fim protetivo de pessoas com deficiência – podem (sem lei autorizadora de caráter complementar: par. único do art. 22 da Const. federal) editar, primeira e diretamente, normas de direito civil, de direito penal, de direito do trabalho, de direito eleitoral, ou regras de processo civil e de processo penal, etc.

– A necessidade de um critério objetivo para a solução do conflito: para beneficiar um fim jurídico não se admite adotarem-se, primeira e diretamente, meios injurídicos. Ou seja, o fim não justifica os meios. De não ser assim estaria consagrada uma espécie de «maquiavelismo legístico». Rejeição da preliminar (relativa a falta de interesse processual) e acolhimento da ação de inconstitucionalidade.

Voto de relator designado:

1. Esta ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo, com pleito de invalidade da Lei paulista 17.649, de 7 de março de 2023, lei essa que impõe aos cartórios de registro civil das pessoas naturais do Estado de São Paulo a emissão, mediante escrita em braile, de certidões de óbito, nascimento e casamento.

Afirma a autora que é privativa da União a competência para legislar acerca dos registros públicos, já se tendo expedido, a propósito, a Lei 6015/1973 (de 31-12). Que disciplina a forma de expedições das certidões (art. 19), sem menção alguma a que se extraiam por meio de escrita em braile. acrescenta a requerente que essa norma vulnera o disposto no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo, ofendendo os princípios da razoabilidade, da finalidade e da eficiência.

Concedida medida liminar suspensiva da eficácia da lei adversada, sobrevindo manifestação da Procuradoria Geral do Estado (e-págs. 102-113) e dos requeridos (e-págs. 118-135 e 140-141), arguindo-se déficit processual (falta de interesse de agir) e sustentando-se a validade da norma em pauta.

Interpuseram-se, sem êxito, agravos regimentais contra a r. decisão concessiva dessa liminar, prolatada pelo eminente Des. DÉCIO NOTARANGELI (e-págs. 158-170, 200-203, 213-231 e 262-266).

Ao fim, a digna Procuradoria Geral de Justiça opinou pela improcedência da ação (fls. 280/287).

2. Rejeita-se, de início, a suscitação preliminar de falta de interesse processual.

Bem observou, a propósito, o eminente Relator sorteado, Des. DÉCIO NOTARANGELI, que o parâmetro da ação direta de inconstitucionalidade, na esfera dos tribunais estaduais, é sempre a constituição local, é dizer, no caso de São Paulo, a Constituição paulista. Mas não se apartam desse paradigma as normas da Constituição nacional que sejam de observância obrigatória pelos estados, tal se dá, na espécie, com a disciplina da competência legiferante.

Nesse sentido, em situação símile à destes autos, julgados mais antigos (no STF, p.ex., RE 87.484, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA; RE 94.039, Rel. Min. MOREIRA ALVES; RE 97.911, Rel. Min. ALFREDO BUZAID; neste Tribunal de Justiça: ADI 15.181, Rel. Des. NEREU CÉSAR DE MORAES) tendiam à extinção das demandas diretas de invalidade normativa. Essa orientação alterou-se, entretanto, quer no STF ( v.g. , RCL 337, Rel. Min. MOREIRA ALVES; RCL 383, Rel. Min. PAULO BROSSARD), quer neste Órgão Especial (assim, ADI 15.922, Rel. Des. RENAN LOTUFO; ADI 15.328, Rel. Des. NELSON FONSECA; ADI 15.920, Rel. Des. FRANCIS DAVIS).

Solidou-se esse entendimento de serem de todo admissíveis as ações diretas de inconstitucionalidade, no âmbito estadual, que apontem por violadas normas de repetição obrigatória de dispositivos da Constituição federal.

2. Consta do art. 1º da aqui discutida Lei paulista 17.649/2023: ” Ficam os cartórios com sede no Estado obrigados a disponibilizar, quando solicitados, certidões de óbito, de nascimento e de casamento em escrita braile “. Os demais dispositivos dessa lei são secundários.

3. De uma parte, alega a demandante – Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg-SP) – que a normativa impugnada atrita, no plano formal, com a competência privativa da União para legislar sobre registros públicos (inc. XXV do art. da Constituição nacional de 1988), afrontando, assim o aponta a requerente, o disposto nos arts. 1º e 19 da Constituição do Estado. Entende ainda a autora que, no aspecto material, a lei alvejada ofende a norma do art. 111 da mesma Constituição paulista, por frustração dos princípios da razoabilidade, da finalidade e da eficiência.

Em contrário, a Procuradoria Geral do Estado argumentou competir aos estados, de modo concorrente e suplementar, a edição de leis de ” proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência ” (inc. XIV do art. 24 da Constituição federal), além de afeiçoada a lei objeto ao que dispõe, no âmbito federal, a Lei 13.146, de 6 de julho de 2015.

4. Tem-se aqui, em palavras de CANOTILHO, um «caso de tensão», porque se enfrentam competências legislativas, exigindo encontrar o que o mesmo CANOTILHO designou como «norma de decisão situativa» – ou seja, moldada às circunstâncias do caso (cf. Direito constitucional e teoria da constituição , ed. Almedina, Coimbra, 1998, p. 1.109).

O diagnóstico do enfrentamento de competências legislativas, no quadro em exame, põe, de um lado, a previsão de que os estados membros possam, de consonância com a ordem constitucional que vigora entre nós, legislar tanto de maneira concorrente (inc. XIV do art. 24 da Constituição federal), quanto de modo suplementar (§ 2º do mesmo art. 24), em matéria de ” proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência “.

De outro lado, põe-se a indicação da competência privativa da União para legislar sobre ” registros públicos ” (inc. XXV do art. 22 da Constituição nacional).

Saliente-se que a lei objeto – relativa à publicidade formal registrária – integra, assim, o segmento do direito dos registros públicos, a tanto bastando ver que a expedição de certidões, núcleo da lei adversada, vem referida ao largo de toda a vigente norma geral dos registros públicos (Lei 6.015, de 31-12-1973: v.g. , arts. 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 30, 32, 47, etc.; no mesmo sentido, em doutrina, a título ilustrativo: SERPA LOPES, Tratado dos registos públicos , ed. Freitas Bastos, 4.ed., Rio de Janeiro -São Paulo, 1960, vol. I, p. 19 et sqq .; Carlos FERREIRA DE ALMEIDA, Publicidade e teoria dos registros , ed. Almedina, 2.ed., São Paulo, 2022, p. 99 et sqq. ).

Não custa dizer que a classificação das certidões do registro como documentos secundários resulta de considerar-se sua posterioridade lógica e cronológica em relação aos documentos principais (assentos no registro civil das pessoas físicas, matrículas no ofício imobiliário e no registro civil das pessoas jurídicas, transcrições no registro de títulos e documentos). Mas as certidões não são documentos de relevância jurídica secundária, tanto que – mediante a fides attestationis que lhes é própria – têm o mesmo valor jurídico dos originais (cf. art. 217 do Código civil brasileiro: ” Terão a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por tabelião ou oficial de registro, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas “).

5. Vê-se na situação destes autos um conflito que envolve o tratamento relativo a um direito fundamental – mais exatamente, um direito fundamental particular, cujo núcleo é a dignidade da pessoa portadora de deficiência (cf. JORGE MIRANDA, Manual de direito constitucional , ed. Coimbra, 2.ed., Coimbra, 1998, tomo IV, p. 80) e, de modo contraposto, um fim de interesse geral (o registro público).

Não há hierarquia formal – no âmbito das regras – em nossa Constituição, entre essas duas competências legislativas, e o fato do exercício de uma delas beneficiar um direito fundamental não acarreta, por si só, sua superioridade sobre outra que se exercite em favor do interesse geral da sociedade. Com efeito, os direitos fundamentais – sequer o mais elevado deles, que é o direito à vida – não são ilimitados, podendo subalternar-se, em dadas circunstâncias, ao interesse comunal. Por outro lado, já o critério principiológico da prevalência do interesse aparentaria, prima facie , sinalizar, no caso dos autos, o benefício da preferência competencial da União, à míngua de avistar-se alguma peculiaridade regional que pudesse justificar o primado da competência legislativa do Estado de São Paulo.

Mais ainda: tenha-se em conta que o objetivo de encontrar uma norma afeiçoada às circunstâncias não deve, contudo, reduzir-se ao caso concreto, como se não houvesse um critério ou princípio geral para nortear a solução, admitindo-se, então, apenas um casuísmo autorreferencial.

É possível, parece, buscar um critério geral para a dirimição do enfrentamento das normas.

Empresta-se aqui ainda uma vez uma referência de CANOTILHO, que fala na «topografia dos conflitos».

Que temos, a propósito? Uma lei estadual que, visando à proteção de pessoas com deficiência, emana regra que, primeira e diretamente, incide no registro público – para cuja disciplina há reserva privativa de competência da União.

Consideremos agora – observada rigorosamente o mesmo parâmetro da situação topográfica do conflito em exame – uma outra lei estadual (hipotética, decerto), que também tenha por fim a proteção de pessoas com deficiência, expedindo norma que, primeira e diretamente, atue no campo do processo civil ou do processo penal, cujas leis são de competência privativa da União (inc. I do art. 22 da Constituição federal). Cogitemos, à luz dessa hipótese, de um exemplo concretizador – que é propositadamente caricatural, para melhor pôr à mostra o problema: uma lei estadual, dirigida a proteger pessoas com deficiência de visão, emissora de regra que, nos processos de que elas participem, imponha seja feito o julgamento dos recursos na sala de estar da residência dessas pessoas. Ou ainda: uma lei estadual que, com a mesma intenção protetiva, reduza, quanto às compras efetuadas pelos deficientes visuais, as alíquotas do imposto relativo à importação de produtos estrangeiros (matéria que é da competência legislativa da União: inc. I do art. 153 da Constituição federal).

É fácil a indução de que, com a prevalência das finalidades benignas (do legislador e da lei – mentes legislatoris legisque) de proteger direitos de pessoas portadoras de deficiência, já não haveria limite algum para conter a competência constitucional da edição de leis pelos estados membros.

Preservou-se nos exemplos acima a particular situação da «topografia do conflito» apreciado nestes autos: leis estaduais que, com o objetivo da consecução de um fim que quadra com a competência constitucional legislativa dos estados, atinge esse fim, entretanto, por meios, primeira e diretamente, intrusivos da esfera alheia da competência legiferante dos mesmos estados. Não se imunizam, porém, as competências legislativas concorrente ou de suplementação da observância dos espaços de reserva legiferante.

Admitida a tese da validade da lei em exame, evidencia-se o inconveniente: os estados membros – tanto buscassem um fim protetivo de pessoas com deficiência – poderiam (sem lei autorizadora de caráter complementar: par. único do art. 22 da Constituição federal) editar normas de direito civil, de direito penal, de direito do trabalho, de direito eleitoral, ou regras de processo civil e de processo penal, et reliqua .

A clivagem, portanto, para a solução do conflito competencial, no caso, não pode estar nas finalidades, porque isso implicaria a legitimação das extravasões de competência. O corte deve pôr-se no que primeiro e diretamente se atua na esfera dessa competência.

Em outras palavras, para beneficiar um fim jurídico não se admite adotarem-se, primeira e diretamente, meios injurídicos. Ou seja, o fim não justifica os meios. Diversamente, estaríamos diante de uma espécie de «maquiavelismo legístico».

Um exemplo, em contrário, de norma estadual válida que, com o fim de proteção de pessoas com deficiência, não deixou, contudo, de repercutir na atividade dos registros públicos, dá-nos o próprio Estado de São Paulo com sua Lei 12.907, de 15 de abril de 2008, que consolidou a legislação paulista relativa à pessoa com deficiência. Com nela prever-se a acessibilidade física aos locais de atendimento público, incluídos, pois, os das atividades dos registros, essa lei somente reflexamente (é dizer, não primeira, nem de modo direto) interferiu no exercício das funções registrais. Uma coisa, pois, é editar uma normativa referente à atividade típica registral ( v.g , a expedição de certidões); outra, um ato normativo que diga respeito a atividades atípicas do registro (atividades burocráticas, estatísticas, etc.; neste sentido, p.ex., o que se decidiu pelo Pleno do STF ao julgar-se a ADI 903, Rel. Min. DIAS TOFFOLI , j. 22-5-2013, processo a que se reportou o voto do eminente Des. NOTARANGELI ; cf. também o art. 27 da Lei paulista 10.705, de 28-12-2000, que prevê: “O oficial do Registro Civil remeterá, mensalmente, à repartição fiscal da sede da comarca, relação completa, em forma de mapa, de todos os óbitos registrados no cartório, com a declaração da existência ou não de bens a inventariar “).

6. Parece não ser demasiado averbar aqui o fato de a lei adversada apenas impor encargo ao registro civil de pessoas naturais, quando, por certo, as certidões das demais classes de registros públicos e as certidões, atas e traslados dos tabelionatos também são de interesse das pessoas portadoras de deficiência.

Por mais deva reconhecer-se a maior importância social de que frui o registro civil das pessoas naturais, é ele também, no momento atual, o mais notoriamente incumbido de responder por gratuidades explícitas e implícitas, e as máquinas para escrever em braille são muito dispendiosas, especialmente quando se considera a dificultosa situação econômica que aflige uma larga parcela dos ofícios brasileiros do registro civil das pessoas naturais (os do Estado de São Paulo, inclusive).

De todo modo, porém, isso não implica, in abstracto , dissonância da lei refertada com a normativa constitucional – sequer pela cogitada afronta do disposto no art. 111 da Constituição de São Paulo – remanescendo apenas efeitos consideráveis de desequilíbrio na equação econômico financeira dos contratos administrativos de delegação registral, matéria idônea somente de apreciação e decisão em eventuais processos subjetivos, via própria para aferir a efetividade de possíveis detrimentos na aludida equação.

POSTO ISSO, meu voto, rejeitada a arguição preliminar, declara a procedência da presente demanda, concluindo pela inconstitucionalidade formal da Lei paulista 17.649, de 7 de março de 2023.

É como voto.

Des. Ricardo Dip -relator designado – – /

Dados do processo:

TJSP – Direta de Inconstitucionalidade nº 2073261-61.2023.8.26.0000 – São Paulo – Órgão Especial – Rel. Des. Ricardo Dip – DJ 06.11.2023

Fonte: INR Publicações

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Atuação eficiente dos cartórios impacta combate ao crime organizado, afirma corregedor nacional

A evolução das práticas ilegais com o uso crescente da tecnologia, que desafia e impõe a necessidade de aprimoramento e atualização do trabalho de registradores e notários para a prevenção e o enfrentamento de crimes, ganhou a atenção dos participantes do “Seminário Atuação dos Cartórios no Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo”. Iniciativa da Corregedoria Nacional de Justiça, o evento realizado nesta terça-feira (7/11) uniu autoridades dos Poderes Executivo e Judiciário; notários e registradores para a troca de ideias sobre o papel do sistema extrajudicial no cenário da produção de relatórios de inteligência financeira.

A mesma tecnologia que rende mais frequentemente benesses ao cotidiano do cidadão coloca em xeque, diariamente, a segurança na prestação de serviços pelos cartórios ao cidadão e ao país. E o aperfeiçoamento desse trabalho é objetivo comum no poder público. “As dinâmicas da sociedade e das estruturas do crime organizado exigem uma atualização e, tenho absoluta certeza, que os notários e registradores não faltarão a essa responsabilidade, a essas novas dimensões da sua atuação”, discursou, na abertura do evento, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão. “É uma nova estrutura, em um mundo transnacional, sem o limite das barreiras, da legislação, que exige um novo comportamento, um novo papel.”

Em 2019, o CNJ passou a coordenar a Ação 12  da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), iniciativa do Ministério da Justiça e Segurança Pública que se tornou a principal rede de articulação institucional brasileira sobre o tema. A ação prevê a integração de notários e registradores no combate e prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção.

Naquele ano, a Corregedoria Nacional publicou o Provimento nº 88/2019, que estabeleceu política, procedimentos e controles para adoção pelos cartórios em nome da prevenção desses crimes e ainda do financiamento do terrorismo, conforme previstos nas Lei 9.613, de 1998, e na Lei 13.260, de 2016. “Essa discussão de hoje perpassa pela atuação eficiente dos cartórios, dos registradores, que é uma responsabilidade à qual não faltarão os delegatários”, disse Salomão.

Criptomoedas e apostas on-line

No fim deste mês, reunião plenária da Enccla, que contará com a presença de representantes de mais de 100 instituições, definirá estratégias para o próximo ano. “O conselho de governança da Estratégia, criado neste governo para juntar 11 instituições, na sua primeira reunião definiu como temas prioritários os crimes ambientais e as novas tecnologias, especialmente criptomoedas e apostas on-line”, disse, na abertura do seminário, o secretário Nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho. “É importante a atualização, a modernização por meio de reuniões, encontros como esse, em nome de uma melhor, mais eficaz e mais objetiva perseguição, investigação e punição de crimes tão graves”, observou.

O objetivo do CNJ com o Seminário Atuação dos Cartórios no Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo – programação – é estimular o aprimoramento da participação de notários e registradores no sistema de combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa. “Temos certeza que é possível alcançar efeitos maiores e mais expressivos, com a colaboração assertiva dos notários e registradores do Brasil, os quais possuem grande capilaridade, atuando de forma direta na formalização de atos e negócios jurídicos nos milhares de municípios desse país, sob a fiscalização direta do Poder Judiciário”, discursou, na abertura do evento, a juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Liz Rezende de Andrade.

O evento

A programação do Seminário Atuação dos Cartórios no Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo contou com dois painéis: “Novas diretrizes para a contribuição de notários e registradores ao Sistema Brasileiro de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, ao Financiamento do Terrorismo e à Proliferação de Armas de Destruição em Massa” e “O aprimoramento das comunicações de operações atípicas à Unidade de Inteligência Financeira pelos serviços notariais e de registro”. O evento realizado na sede do CNJ foi transmitido pelo canal do CNJ no YouTube.

Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube

https://youtu.be/7xE00_EJBME

Fonte: Corregedoria Nacional Justiça

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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