CSM/SP: Registro de imóveis – Apelação – Dúvida – Negativa de registro de instrumento de alienação fiduciária de imóvel – “Garantia guarda-chuva” – Lei Nº 13.476/2017 – Recorrente que não é instituição financeira – Recurso a que se nega provimento.


  
 

Apelação Cível nº 1001397-54.2022.8.26.0116

Número: 1001397-54.2022.8.26.0116
Comarca: CAMPOS DO JORDÃO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001397-54.2022.8.26.0116

Registro: 2023.0000866585

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001397-54.2022.8.26.0116, da Comarca de Campos do Jordão, em que é apelante REDFACTOR FACTORING E FOMENTO COMERCIAL S/A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CAMPOS DO JORDÃO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 3 de outubro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001397-54.2022.8.26.0116

APELANTE: Redfactor Factoring e Fomento Comercial S/A

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Campos do Jordão

VOTO Nº 39.141

Registro de imóveis – Apelação – Dúvida – Negativa de registro de instrumento de alienação fiduciária de imóvel – “Garantia guarda-chuva” – Lei Nº 13.476/2017 – Recorrente que não é instituição financeira – Recurso a que se nega provimento.

Trata-se de apelação interposta por REDFACTOR FACTORING E FOMENTO COMERCIAL S/A contra a r. sentença de fls. 271/275, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Campos do Jordão, que julgou procedente a dúvida e manteve os óbices ao registro do “instrumento particular com força de escritura pública de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia e outras avenças”.

Das notas devolutivas n.ºs 23.734 e 23.786 constaram os seguintes óbices ao pretendido registro:

“1. Embora tenha sido declarado pelo contrato, no item 8, o atendimento ao disposto no art. 24, incisos I, II, III e IV da Lei n° 9.514/97, não estão claras:

a) as condições quanto a forma de pagamento/reposição do empréstimo/crédito fiduciário;

b) a taxa de juros incidente sobre a operação (e não apenas sobre a mora).

Tendo em vista que o contrato faz referência, no campo 6, a outros contratos garantidos, é necessário que sejam especificadas as condições de cada um destes – especificamente o valor principal da dívida, prazo e condições de reposição do crédito, a taxa de juros e os encargos incidentes – no corpo do próprio contrato, ou por instrumento próprio, que faça referência ao contrato apresentado” (fls. 23).

“Em que pesem as razões do pedido de reconsideração apresentado pela credora, persistem os motivos que impedem o registro do título.

Existe incerteza quanto à obrigação principal que lastreia o crédito garantido. São mencionados, no quadro resumo, três diferentes contratos, a título de “obrigações garantidas”. Contudo, ainda que esses contratos sejam nomeados e identificados, as suas condições não são explicitadas, tal como indicado na nota de devolução nº 23.734, de 18/04/2022.

É certo que se tratam de contratos de cessão de crédito, presumivelmente amoldados à figura jurídica do fomento mercantil. Todavia, ainda que não haja empréstimos, existe o valor da cessão e certamente existe uma taxa de juros implícita (semelhante ao “desconto”) que embasa tais operações. Deve haver, ainda, um prazo certo, que deve corresponder ao adimplemento do último título cedido.

Há, agora, outro elemento alegado no pedido de reconsideração, que reforça a incerteza. A credora afirma que a alienação fiduciária destina-se a garantir “recebíveis já ou a serem cedidos pela devedora”. Ou seja, tem-se a notícia de que os contratos garantidos poderiam ser contratos-quadro, sob cuja égide novas e futuras cessões de crédito seriam celebradas. O pedido de reconsideração também se refere que “a própria cessão de créditos é um evento futuro e incerto”.

Verificando as cláusulas contratuais, há a confirmação dessa notícia, pois ali se conceituam como garantidos os contratos “que vierem a ser ajustados, desde que, em qualquer hipótese, sejam derivados dos Contratos Garantidos” (cláusula 1.1).

A prevalecer esta forma de negociação, a alienação fiduciária não pode ser registrada. Deveria ter sido contratada sob o regime dos arts. 3º e seguintes da Lei nº 13.476/17, com o atendimento dos requisitos aplicáveis, subjetivos e objetivos” (fls. 25/26).

Em suas razões, a apelante sustenta, em síntese, que, à luz do que dispõe o art. 22, §1º da Lei nº 9.514/97, ostenta capacidade e legitimidade para figurar como credora fiduciária em contrato de alienação fiduciária, observando-se, ademais, que o contrato telado cumpre todos os requisitos legais.

A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fls. 318/321).

É o relatório.

Foi apresentado o “instrumento particular com força de escritura pública de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia e outras avenças” com o objetivo de ver registrada a alienação fiduciária em garantia do imóvel matriculado sob nº 12.765 no Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Campos do Jordão, de propriedade de Márcio Mendonça Alves de Mello.

Ao qualificar o título apresentado, o registrador entendeu, em suma, que não foram preenchidos os requisitos legais, eis que, por envolver “garantia guarda-chuva”, a alienação fiduciária deveria ter sido contratada sob o regime dos arts. 3º e seguintes da Lei nº 13.476/2017.

Com efeito, o art. 22 da Lei nº 9.514/97 permite que a alienação fiduciária possa ser contratada por qualquer pessoa física ou jurídica.

“§ 1° A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:”

E, não se desconhece a possibilidade de celebração de contratos de garantia fiduciária nos casos de operações de cessão de crédito, como inclusive já firmado em precedente deste C. Conselho Superior da Magistratura, cuja ementa assim dispõe:

“Registro de Imóveis. Alienação fiduciária em garantia. Possibilidade de instituição de alienação fiduciária como forma de garantia de qualquer espécie de contrato, inclusive cessão de crédito. Instrumento de contrato que prevê o valor principal da dívida, bem como o prazo para cumprimento das obrigações assumidas. Requisitos legais e normativos preenchidos. Procedimento de dúvida em que a qualificação do título deve ser realizada por inteiro. Reconhecimento de obstáculos ao registro não indicados anteriormente. Cabimento. Título que deveria ter sido instruído com os contratos de cessão de créditos garantidos por alienação fiduciária, nos quais, em tese, constariam a natureza da obrigação garantida e os valores devidos individualmente, ou a forma para sua identificação, assim como os encargos pactuados para incidência em caso de mora do devedor. Documentos não apresentados ao Oficial de Registro. Impossibilidade de complementação do título no curso do procedimento de dúvida. Dúvida procedente, ainda que por fundamento diverso. Nega-se provimento ao recurso” (Apelação Cível nº 1024566-08.2020.8.26.0224, Des. Rel. Ricardo Mair Anafe).

Ocorre que, no caso telado, como bem delineado pelo Oficial Registrador, foi contratada alienação fiduciária em garantia para operações financeiras derivadas (“garantia guarda-chuva”), o que somente é admitido em nosso ordenamento jurídico para as instituições insertas no âmbito do sistema financeiro nacional, nos termos dos art. 3º da Lei nº 13.476/2017, em que não se inclui a pessoa jurídica recorrente.

“Art. 3º A contratação, no âmbito do sistema financeiro nacional, de abertura de limite de crédito, as operações financeiras derivadas do limite de crédito e a abrangência de suas garantias obedecerão ao disposto nesta Lei”.

“instrumento particular com força de escritura pública de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia e outras avenças” foi celebrado com o objetivo de garantir o cumprimento das obrigações assumidas em três contratos de cessão de direitos creditórios (“contratos garantidos”), conforme se infere do “item 6” de fls. 09/15.

E, da leitura do mencionado instrumento e dos contratos garantidos acostados às fls. 36/44; 45/55 e 56/68 extrai-se que há cláusulas que autorizam novas e futuras cessões de direitos creditórios até o limite da garantia, com nítido enquadramento nas chamadas “garantias guarda-chuva”.

É o que se infere do item 1.1. do instrumento de fls. 09/15:

“Considerar-se-ão garantidos os negócios ou operações já celebradas e pendentes de liquidação e aqueles que vierem a ser ajustados, desde que, em qualquer hipótese, sejam derivados dos Contratos Garantidos”.

Não se está a dizer, como bem destacado na r. sentença recorrida, que a parte apelante não pode contratar alienação fiduciária para operações de cessão de direitos creditórios ordinárias.

O que se afirma é que, dada a peculiaridade da situação telada, em que o instrumento é utilizado para garantia de operações financeiras futuras e incertas, a parte recorrente não ostenta legitimidade posto não estar inserida no sistema financeiro à luz do que dispõe o art. 3º da Lei nº 13.476/2017.

E, ainda que se pudesse ultrapassar este ponto, o instrumento de alienação fiduciária em comento e os contratos garantidos não cumprem os requisitos dispostos no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 13.476/2017:

“Art. 4º A abertura de limite de crédito, no âmbito desta Lei, será celebrada por instrumento público ou particular, com pessoa física ou pessoa jurídica, e tratará das condições para celebração das operações financeiras derivadas, pelas quais o credor fará os desembolsos do crédito ao tomador, observados o valor máximo previsto no contrato principal e seu prazo de vigência.

Parágrafo único. O instrumento de abertura de limite de crédito referido neste artigo deverá conter os seguintes requisitos essenciais:

I – o valor total do limite de crédito aberto;

II – o prazo de vigência;

III – a forma de celebração das operações financeiras derivadas;

IV – as taxas mínima e máxima de juros que incidirão nas operações financeiras derivadas, cobradas de forma capitalizada ou não, e os demais encargos passíveis de cobrança por ocasião da realização das referidas operações financeiras derivadas;

V – a descrição das garantias, reais e pessoais, com a previsão expressa de que as garantias constituídas abrangerão todas as operações financeiras derivadas nos termos da abertura de limite de crédito, inclusive as dívidas futuras;

VI – a previsão de que o inadimplemento de qualquer uma das operações faculta ao credor, independentemente de aviso ou interpelação judicial, considerar vencida antecipadamente as demais operações derivadas, tornando-se exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais”.

A despeito do alegado, não se verifica clareza nas condições pactuadas.

Consta do item 8 do título levado a registro o prazo de 60 meses, que, diversamente, não consta dos contratos garantidos, os quais foram celebrados por prazo indeterminado, com previsão de vencimento antecipado.

Além disso, pese embora constar do “instrumento particular com força de escritura pública de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia e outras avenças” como credora fiduciária a apelante, os contratos garantidos de fls. 45/55 e 56/68 foram firmados por pessoas jurídicas diversas, constando a recorrente apenas como “agente de cobrança”.

Não se veem também com claridade as taxas mínima e máxima de juros que incidirão nas operações financeiras derivadas (ainda que implicitamente incidentes).

Em suma: o negócio jurídico não reúne condições de registro e não pode servir à constituição da garantia real, como pretendido, de sorte que, mantidos os óbices e a r. sentença, não se deve prover ao recurso.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 30.11.2023 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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