CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura de Compra e Venda da nua-propriedade – Necessidade de instituição do usufruto – Negócio jurídico incompleto – Óbice mantido – Apelação não provida.


  
 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1115630-15.2022.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante GUILHERME ANDERE VON BRUCK LACERDA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de setembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1115630-15.2022.8.26.0100

APELANTE: Guilherme Andere Von Bruck Lacerda

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

VOTO Nº 39.121

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura de Compra e Venda da nua-propriedade – Necessidade de instituição do usufruto – Negócio jurídico incompleto – Óbice mantido – Apelação não provida.

Trata-se de apelação interposta por Guilherme Andere Von Bruck Lacerda contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida suscitada e, afastando a exigência de comprovação de recolhimento do ITBI, por estar configurada hipótese de isenção, manteve a recusa do registro de escritura de venda e compra referente ao imóvel matriculado sob nº 88.082 junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, sob o fundamento de que o título retrata negócio jurídico incompleto (fls. 33/37).

Em síntese, o apelante alega que a ausência de indicação dos usufrutuários na escritura não interfere na transmissão da nua-propriedade do imóvel e, portanto, no registro do título, especialmente se consideradas as peculiaridades do caso concreto.

Entende que o fato de não haver disposição sobre a instituição do usufruto não é motivo para impedir a transferência da nua-propriedade do imóvel, certo que foi essa a vontade dos titulares alienantes.

Acrescenta que, falecidos os vendedores, eventual usufruto instituído em seu favor já estaria extinto, consolidando-se a plena propriedade do imóvel em favor do então nu-proprietário, ora recorrente (fls. 43/51).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 69/71).

É o relatório.

O registro da escritura pública de compra e venda foi negado pelo Oficial de Registro, que expediu nota de devolução nos seguintes termos (fls. 07):

“1. A escritura pública apresentada para registro tem como negócio jurídico a venda da nua-propriedade do imóvel matriculado sob n. 88.082 nesta Serventia, entretanto, anota-se que a escritura em questão é omissa com relação a instituição ou reserva do usufruto.

(1.1) Pelo acima exposto, deverá a escritura pública ser retificada a fim de especificar a reserva ou instituição do respectivo usufruto. Ainda, se assim for o caso, deverá ser apresentada a escritura pública pela qual se realizou a reserva do usufruto, devendo esta ser objeto de prenotação autônoma, devendo ser registrada concomitantemente à escritura pública aqui tratada.

2. Deverá ser apresentada a guia de recolhimento do ITBI (…).”

O segundo óbice apresentado pelo registrador foi corretamente afastado pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente, por estar configurada hipótese de isenção tributária (artigo 3º da Lei Municipal nº 13.402/2002).

O primeiro óbice, no entanto, é mesmo intransponível.

Com efeito, a escritura de compra e venda apresentada a registro (fls. 08/10) consubstancia ajuste de venda e compra da nua-propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 88.082 do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, lá especificado, de início, como não onerado. Não há disposição alguma em relação ao usufruto.

Ademais, a própria matrícula do imóvel não ostenta nenhum assentamento relativo ao usufruto (fls. 12/13).

Ora, a nua-propriedade deve ser compreendida como gravada por uma restrição, um verdadeiro direito subjetivo, em que se constitui o usufruto. Esse direito tem natureza real e, por conseguinte, para fazer espraiar seus efeitos depende de registro, nos precisos termos do artigo 1.227 do Código Civil e do n. 7 do inciso I do artigo 167 da Lei de Registros Públicos: é o registro, com efeito, que deduz do domínio o usufruto, de modo que só então é que se pode falar em nua-propriedade.

Como diz a doutrina:

“Se um direito subsiste apesar de se lhe tirar elemento com que se compõe outro direito, duas consequências temos: a) não houve limitação, nem divisão do direito, mas apenas restrição ao seu exercício, com ou sem formação de direito da mesma categoria (e. g., domínio e usufruto, domínio e locação); b) à extinção do direito que sobreveio, o status quo ante aparece (= dá-se a “consolidação”).” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado XIX, § 2.254, 1)

“O usufruto, como todos os direitos reais limitados, não limita o direito de propriedade, nada lhe destaca. O direito de propriedade continua de ser, tal qual o concebeu o sistema jurídico. O uso e a fruto não se atribuíram ao usufrutuário como algo que se cortou à propriedade, de modo que o domínio passasse a ser menos. O que passou a ser menos foi o exercício do direito de propriedade, o poder de usar e fruir. Restringiu-se o direito de propriedade, no que concerne a isso. O domínio permaneceu o que era. Não se atribuiu ao usufrutuário somente o que se atribui ao locatário, se bem que esse possa, praticamente, conseguir o mesmo, quanto ao bem, que o usufrutuário conseguiria. Deu-se-lhe mais: o direito real. Porém, com isso, não se limitou o domínio, como acontece se a lei atribui a outro prédio algum direito de vizinhança.” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado XIX, § 2.251, 1).

E é essa a razão pela qual a reserva há de ser expressa, e não inferida, no título, sobretudo porque existe a possibilidade da separada instituição do usufruto em favor de terceiro.

Em outras palavras, o usufruto não pode ser presumido, devendo sua instituição ficar absolutamente clara na escritura pública. Por conseguinte, não pode ter acesso ao Registro de Imóveis a escritura em que apenas haja referência à venda da nuapropriedade, sem que conste expressamente do ato notarial a reserva do usufruto em favor do alienante ou sua instituição em favor de terceiro.

Nesse cenário, como bem ponderou a MM.ª Juíza Corregedora Permanente, a escritura pública lavrada traduz negócio jurídico incompleto, o que afasta o acolhimento da argumentação trazida pelo apelante em suas razões de inconformismo e leva ao acerto da recusa formulada pelo registrador.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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