2ª VRP/SP: RCPN. Registro de nascimento. Fecundação “in vitro”. Reprodução assistida com maternidade de substituição (gestação por substituição ou doação gratuita e temporária do útero).

Processo 1065873-96.2015.8.26.0100 – Processo Administrativo – Registro Civil das Pessoas Naturais – J.K. e outro – VISTOS. Trata-se de Pedido Administrativo de Expedição de Mandado proposto por J.K. S.S. e L.A.A., em que pretendem que seja expedido oficio ao º Registro Civil das Pessoas Naturais – Subdistrito (…), (…), para que conste no assento de nascimento J.K.S.S. como mãe. As requerentes informam foi efetuada fecundação “in vitro” e a gestação operada por substituição, através da chamada “mãe portadora” (fls. 4/30 e 40/42). A representante do Ministério Público ofereceu manifestação favorável ao registro (a fls. 35/36). Foram prestados esclarecimentos e regularizada a representação processual pelo genitor (a fls. 40 e 44/46). É o breve relatório. DECIDO. Até o momento não há previsão de regra de direito específica para a questão posta nestes autos, competindo a aplicação de princípios enquanto espécies de normas jurídicas. A situação de biodireito humano posta não é passível de uma solução por meio da projeção futura do passado, os Códigos Civis são pensados por meio desse elemento cultural o futuro estaria no passado. Na pós-modernidade o tempo passa ser auto referencial (o presente influenciado pelo próprio presente ante a inexistência de passado no tema). As disposições do Código Civil, em regra, não tratam da possibilidade de um ser humano gerado por meio de reprodução assistida (fertilização in vitro, na hipótese) em maternidade de substituição, daí o aparente conflito do nascimento havido e seu registro público. A Resolução n. 2013/2013, do Conselho Federal de Medicina, apesar de conforme ao que se decidirá, respeitosamente, não será posta como fundamento para presente decisão pelo fato da ausência de legitimidade para vinculação social, o que somente pode ocorrer pelo processo legislativo previsto na Constituição Federal. O art. 1.597, inc. V, do Código Civil, estabelece: Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. Essa disposição, associada aos princípios da filiação e a constante evolução da tecnologia, permitem o registro civil na forma pretendida. Cumpre também salientar a existência de precedente administrativo da E. Corregedoria Geral da Justiça, assim, no processo n. 2009/104323, o culto Dr. José Marcelo Tossi Silva, MM Juiz Auxiliar da Corregedoria, em parecer aprovado pelo Excelentíssimo Desembargador Antonio Carlos Munhoz Soares, Corregedor Geral da Justiça à época, afirmou: Fora, porém, do campo da ética na conduta dos médicos, encontra-se na doutrina jurídica divergência sobre o tratamento a ser dispensado aos casos de gestação por substituição, em que ocorre a fertilização do óvulo de outrem, in vitro, e a sua posterior inseminação, por meio artificial, naquela que acaba por suportar a gestação e realizar o parto. Rolf Madaleno, sobre o tema, assim se posiciona: “Anota Belmiro Pedro Welter ser definida a maternidade pelo parto e esta é a orientação que tem prevalecido de ser mão aquela que dá à luz a criança, sendo negados efeitos jurídicos aos contratos de gestação substituta e que a quase totalidade dos países consideram inclusive um ilícito penal” (Curso de Direito de Família, 2008, Rio de Janeiro: Forense, 1ª ed., págs. 395/396). Paulo Lôbo, seguindo linha não dissonante, diz que: “O Brasil, ao lado maioria dos países, não acolheu o uso instrumental do útero alheio, sem vínculo de filiação (popularmente conhecido como “barriga de aluguel”). Com a natureza de norma ética, dirigida à conduta profissional dos médicos, a Resolução n. 1.358, de 1992, do Conselho Federal de Medicina, admite a cessão temporária do útero, sem fins lucrativos, desde que a cedente seja parente colateral até o segundo grau da mãe genética” (Direito Civil: famílias, 2008, São Paulo: Saraiva, págs. 199/200). O referido autor, além disso, prossegue esclarecendo que o § 1.591 do Código Civil alemão, com a redação dada por lei de 1997, prevê que a maternidade da mãe parturiente “não pode ser anulada por falta de ascendência genética, nem desafiada por ação de investigação de maternidade” (obra citada, pág. 200). Já para Sílvio de Salvo Venosa: “Quanto à maternidade, deve ser considerada mãe aquela que teve o óvulo fecundado, não se admitindo outra solução, uma vez que o estado de família é irrenunciável e não admite transação. Nem sempre será essa, porém, uma solução eticamente justa e moralmente aceita por todos. A discussão permanece em aberto. Muito difícil poderá ser a decisão do juiz ao deparar com um caso concreto. Tantos são os problemas, das mais variadas ordens, inclusive de natureza psicológica na mãe de aluguel, que o mesmo projeto de lei sobre reprodução assistida citado, em tramitação legislativa, proíbe a cessão do útero de uma mulher para gestação de filho alheio, tipificando inclusive essa conduta como crime. Sem dúvida, essa é a melhor solução. No entanto, a proibição não impedirá que a sociedade e os tribunais defrontem com casos consumados, ou seja, nascimentos que ocorreram dessa forma, impondo-se uma solução quanto à titularidade da maternidade. Sob o ponto de vista do filho assim gerado, contudo, é inafastável que nessa situação inconveniente terá ele duas mães, uma biológica e outra geratriz. Não bastassem os conflitos sociológicos e psicológicos, os conflitos jurídicos serão inevitáveis na ausência de norma expressa” (Direito Civil: direito de família, 2007, São Paulo: Atlas, 7ª ed., pág. 224). Por seu lado, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, ao comentar o que denomina como “maternidade-de-substituição”, conclui que deve prevalecer a vontade volitiva que se revelar em prol do melhor interesse do filho, o que faz nos seguintes termos: “No Brasil, contudo, no estágio atual dos valores culturais, religiosos e morais relativamente à maior parte da sociedade, não se mostra possível conceber a licitude da prática da maternidade-de-substituição, conforme foi analisado, mesmo na modalidade gratuita. Contudo, em havendo a prática – mesmo que de forma ilícita -, logicamente que a criança não poderá ser considerada espúria e, consequentemente, deve ter resguardados os seus direitos e interesses, entre eles o de integrar uma família onde terá condições de ser amparada, sustentada, educada e amada, para permitir seu desenvolvimento pleno e integral em todos os sentidos, cumprindo-se, desse modo, os princípios e regras constitucionais a respeito do tema. Quanto à paternidade, maternidade e filiação originárias, no entanto, é oportuno observar o mesmo raciocínio anteriormente desenvolvidos a respeito da vontade como principal pressuposto para o estabelecimento dos vínculos, em substituição à relação sexual, já que também na maternidade-de-substituição – como prática associada às técnicas de procriação assistida – não há que se cogitar na conjunção carnal para o fim de permitir a concepção e o início da gravidez da mulher gestante” (O Biodireito e as Relações Parentais, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, págs. 862/863). Luiz Edson Fachin, considerando predominantes a verdade biológica ligada à verdade sócio-afetiva, entende que: “O avanço da técnica médica presta relevantes serviços aos fins do Direito de Família. Sem embargo, a plena possibilidade de atestar a verdade biológica, em percentuais elevados de confirmação da paternidade pela via do exame em DNA, traduz consigo mesma um paradoxo: a verdade biológica pode não expressar a verdadeira paternidade. Cogita-se, então, da verdade socioafetiva, sem exclusão da dimensão biológica da filiação. De outra parte, verifica-se que a procriação artificial tem a finalidade de possibilitar a geração de um descendente de sangue. Neste aspecto, também aqui surge o problema da valoração da verdade socioafetiva. No vazio legislativo ordinário, contempla a temática na perspectiva da inseminação artificial a Resolução n. 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina. Das “Normas Éticas para a Reprodução Assistida” daquela Resolução emergem algumas características: 1) A reprodução assistida é “subsidiária”; 2) Toda manipulação genética deve evitar a seleção da espécie, princípio fundamental para evitar a eugenia; 3) A mulher, para submeter-se à reprodução assistida, deve ser casada ou manter união estável; 4) A Resolução prevê a gestação por substituição, desde que seja com pessoa da família, parentes de segundo grau. Assim, em tese, estaria vedada a contratação de terceiro para realizar a gestação por substituição. Em suma, parentesco e benemerência, gratuidade e impossibilidade da reprodução pelas vias normais equilibram esse regime de “doação gratuita e temporária” do útero”. Verifica-se na doutrina citada que, ante a ausência de regulamentação legislativa, a solução para as situações concretas, ocorridas a fertilização in vitro e a posterior inseminação artificial em “cedente de útero”, ou “mãe-de-substituição”, deve prevalecer o melhor interesse da criança desse modo concebida e nascida, o que, neste caso concreto, corresponde à lavratura do assento de nascimento com base na verdade biológica da filiação. Diante disso, a situação, consoante a referida previsão do Código Civil, é de reprodução assistida com maternidade de substituição, daí o cabimento do registro em conformidade ao tratamento médico realizado, levando ao registro público a verdade, nada além da verdade. Ademais, as requerentes salientaram o caráter altruístico da cessão temporária do útero, bem como juntaram aos autos Exame de DNA para confirmar quem seria a mãe biológica (fls. 40/42). Pelos fundamentos expostos, defiro a lavratura dos assentos de nascimento, determinando que J.K.S.S. e M.S.A., figurem como seus respectivos pais, observadas as formalidades necessárias, servindo esta sentença como mandado. Encaminhe-se cópia desta decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo presente como ofício, inclusive para eventuais estudos para disciplinar a matéria na esfera administrativa. Ciência ao Ministério Público. P.R.I.C. – ADV: MARIA AMELIA JANNARELLI (OAB 234100/SP)

Fonte: DJE/SP | 05/08/2015.

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Artigo: Regime de bens e a ausência de pacto antenupcial – Por Marla Camilo

* Marla Camilo

O regime de bens é a comunhão de normas que regulamentam as relações patrimoniais entre os cônjuges após a celebração do casamento com relação aos bens particulares e ao patrimônio constituído no decorrer da relação conjugal.

O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento (artigo 1639, parágrafo 1º, CC), e o regime legal é o de comunhão parcial de bens (artigo 1640, CC). Se os nubentes optarem por outro regime diferente do legal, será obrigatória a lavratura do pacto antenupcial por escritura pública (artigo 1640, parágrafo único, CC).

Assim, serão instituídos, por intermédio do pacto antenupcial, o regime de comunhão universal de bens (artigo 1667, CC), de separação de bens (artigo 1687, CC), de participação final nos aquestos (artigo 1672, CC) ou qualquer outra forma de regime de bens, desde que não seja contrária ao princípio de ordem pública ou em fraude à lei.

A eficácia do pacto antenupcial está sujeita à condição suspensiva porquanto terá eficácia desde a data do casamento (artigo 1639, parágrafo 1º, CC). Logo, depois de celebrado o casamento, será lavrado assento no cartório de registro civil, no livro “B”, (artigo 33, II, Lei 6015/73) onde constará o regime de bens, com declaração da data e do cartório em cujas notas foi lavrada a escritura antenupcial.

Ocorre que há casos em que o oficial de registro civil se omite de registrar o pacto antenupcial por se olvidar ou por este não existir. Nesses casos o regime estabelecido pelos cônjuges deixará de valer e vigorará o regime legal da comunhão parcial de bens. Isso também ocorrerá no caso do pacto antenupcial ser nulo ou ineficaz (artigo 1640, CC).

Ademais, a possibilidade de regularização dessa omissão do pacto antenupcial é o pedido motivado, de ambos os cônjuges, de alteração do regime da comunhão parcial de bens, pela ausência do pacto antenupcial, para o regime de bens anteriormente estipulado, com nova lavratura da escritura e registro do pacto antenupcial (artigo 1639, parágrafo 2º, CC).

Todavia, o regime de bens escolhido não terá efeitos retroativos à data da celebração do casamento. O regime de bens passará a viger a partir do trânsito em julgado da decisão (efeito “ex nunc”), pois esta adquirirá efeito constitutivo para que sejam resguardados eventuais direitos de terceiros que mantiveram relações negociais com os cônjuges e poderiam ser surpreendidos com uma alteração no regime de bens do casamento. (STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 1300036 MT 2011/0295933-5).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei 6015 de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015original.htm. Acesso em 02 agosto 2015.

______. STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 1300036 MT 2011/0295933-5. Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25083097/recurso-especial-resp-1300036-mt-2011-0295933-5-stj. Acesso em 02 agosto 2015.

MOREIRA. Cinthia Lopes. Apontamentos sobre o pacto antenupcial. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5097. Acesso em 02 agosto 2015.

PELUSO. Cezar. Código Civil Comentado. 6. ed. Barueri, SP: Manole, 2012.

Fonte: Notariado | 02/08/2015.

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Artigo: SISTEMAS NOTARIAIS E REGISTRAIS AO REDOR DO MUNDO – João Pedro Lamana Paiva

* João Pedro Lamana Paiva

Ao redor do mundo, há variados sistemas registrais e notariais com identidade com suas origens histórico-político-culturais. Quase todos os países têm cartórios de registro e notas. Os que extinguiram sistemas de registro, como Cuba e União Soviética, pois seus regimes políticos não admitem a propriedade privada, revigoraram o registro para conferir ordem e segurança no uso e fruição da propriedade.

Nos EUA, há o sistema anglo-saxão, com o notário como simples “produtor” de depoimentos tomados, sem oferecer segurança jurídica ao negócio. Há arquivos para promover o depósito de documentos que comprovem a boa origem do imóvel para consulta do interessado em adquiri-lo. Ao decidir comprar, contrata um advogado e o seguro de responsabilidade civil para garantir a operação, e o renova anualmente sendo, portanto, mais caro e juridicamente menos eficiente. Dependendo da peculiaridade de cada Estado, existem outros: em Massachusetts há o Sistema Torrens (origem australiana) introduzido no Brasil em 1890, vigora como registro facultativo de imóveis rurais.

Muitos países europeus adotam sistemas originários do notariado latino, como a Espanha, cujo sistema é considerado o mais aperfeiçoado do mundo.

O Brasil tem o sistema latino, cuja segurança aos negociantes vem da intervenção do notário e do registrador, esmiuçando juridicamente o contrato antes de registrá-lo. O nosso sistema exige duplo requisito para adquirir a propriedade: o título _ escritura, instrumento particular, administrativo ou judicial _ e o modo _ o registro na matrícula, sem o que a propriedade não se transmite. Daí o chavão “só é dono quem registra”.

Segundo o Doing Business 2014 _ Banco Mundial, o custo no Brasil é o mais baixo _ 50% menor do que a média da América Latina. A pessoa que compra imóvel aqui paga só uma vez para garantir a segurança do negócio: os custos da escritura lavrada pelo tabelião e do registro no Registro de Imóveis.

Assim, nosso sistema registral e notarial é o que melhor se afeiçoa às economias de mercado: oferece a baixo custo o melhor em termos de autenticidade, segurança e eficácia dos negócios jurídicos.

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*João Pedro Lamana Paiva é Presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), vice-presidente do Colégio Registral do RS, Oficial do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre.

Fonte: Clicrbs | 01/08/2015.

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