STJ: Reconhecimento de paternidade por piedade é irrevogável, diz Quarta Turma

O reconhecimento espontâneo de paternidade, ainda que feito por piedade, é irrevogável, mesmo que haja eventual arrependimento posterior. Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu sentença que havia julgado improcedente o pedido de anulação de registro de paternidade proposto por um dos herdeiros de genitor falecido.

De forma unânime, os ministros entenderam que a existência de relação socioafetiva e a voluntariedade no reconhecimento são elementos suficientes para a comprovação do vínculo parental.

Em ação de anulação de testamento e negatória de paternidade, o autor narrou que seu pai, falecido, havia deixado declaração testamental de que ele e dois gêmeos eram seus filhos legítimos.

Todavia, o requerente afirmou que seu pai estava sexualmente impotente desde alguns anos antes do nascimento dos gêmeos, em virtude de cirurgia cerebral, e que teria escrito um bilhete no qual dizia que registrara os dois apenas por piedade.

Adoção à brasileira

O juiz de primeira instância negou o pedido de anulação por entender que o caso julgado se enquadrava na chamada “adoção à brasileira”, equivalente a um legítimo reconhecimento de filiação.

Em segundo grau, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) anulou a sentença e determinou a realização de perícia grafotécnica no bilhete atribuído ao falecido, além da verificação do vínculo biológico por meio de exame de DNA.

Os gêmeos e a mãe deles recorreram ao STJ com o argumento de que, como o falecido afirmou ter reconhecido a paternidade por piedade, não haveria mudança na situação de filiação caso a perícia grafotécnica e o exame de DNA comprovassem não ser mesmo ele o pai biológico.

Vínculo socioafetivo

Inicialmente, o ministro relator, Luis Felipe Salomão, esclareceu que a adoção conhecida como “à brasileira”, embora à margem do ordenamento jurídico, não configura negócio jurídico sujeito a livre distrato quando a ação criar vínculo socioafetivo entre o pai e o filho registrado.

Em relação ao caso analisado, Salomão salientou que o falecido fez o reconhecimento voluntário da paternidade, com posterior ratificação em testamento, sem que a questão biológica constituísse empecilho aos atos de registro. Para o relator, a situação não configura ofensa ao artigo 1.604 do Código Civil, que proíbe o pedido de anulação de registro de nascimento, salvo em caso de erro ou falsidade de registro.

“Se a declaração realizada pelo autor, por ocasião do registro, foi inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com os infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade social em si bastante à manutenção do registro e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro”, afirmou o ministro.

Salomão também ressaltou que o curto período de convívio entre pai e filho – situação presente no caso – não é capaz de descaracterizar a filiação socioafetiva.

O ministro relator também lembrou o entendimento da Quarta Turma no sentido de que a contestação da paternidade diz respeito somente ao genitor e a seu filho, sendo permitido aos herdeiros apenas o prosseguimento da impugnação na hipótese de falecimento do pai, conforme estabelece o artigo 1.601 do Código Civil.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ | 21/10/2016.

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CPC 2015: Entenda prequestionamento, recursos de família, dissídio jurisprudencial e Certificado de Repositório Credenciado

O prequestionamento é compreendido como um dos elementos do cabimento dos  Recursos Extraordinários – RE (hoje, Especial para o STJ, e Extraordinário espécie para o STF), de acordo com Dierle Nunes, advogado e membro da Comissão de Juristas que assessorou no Novo Código de Processo Civil na Câmara dos Deputados. Ele afirma que, “como as Constituições brasileiras há muito determinam a fórmula segundo a qual caberia RE de ‘causas decididas’ em única ou última instância, firmou-se o entendimento de que o recurso só seria cabível se a questão constitucional ou federal já tivesse sido arguida e decidida no juízo a quo (por ex: Tribunal de Justiça)”.

Em entrevista, Dierle Nunes esclareceu os principais pontos acerca do prequestionamento, recursos de família e dissídio jurisprudencial. Confira!

Fale-nos um pouco mais sobre o prequestionamento.

Sua previsão decorre na atualidade da interpretação dos artigos 102, III, e 105, III, da CRFB/88 e do disposto no CPC/2015 (artigos 941, §3º e 1.025). O requisito impõe, assim, um ônus argumentativo para a parte recorrente em provocar a análise de uma questão legal ou constitucional, ao menos desde seus recursos ordinários (v.g. nas razões ou contrarrazões recursais de apelação), por um tribunal de segundo grau de jurisdição, de modo a viabilizar o cabimento destes recursos.

A falta de legislação que tratasse especificamente do instituto até o advento do CPC/2015, levou à formação de pelo menos três percepções diferentes sobre o seu trato: para a maioria dos julgados, haveria prequestionamento quando houvesse manifestação expressa do juízo a quo sobre a questão legal ou constitucional; para outros, quando houvesse debate das partes anterior à decisão recorrida; para uns poucos ainda, apenas quando houvesse a junção das duas situações anteriores.

É importante ainda explicitar que a doutrina e a jurisprudência costumavam falar de uma classificação do instituto: o prequestionamento poderia ocorrer de forma explícita, implícita ou ficta. Ocorreria o primeiro quando o tribunal de origem tivesse apreciado no acórdão a questão jurídica objeto de irresignação e o preceito (norma) invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo aresto. O segundo, quando o tribunal versar inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha, mas sem exigir que o preceito normativo invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão impugnado.

E ficto, quando após a oposição de embargos declaratórios (com fins prequestionadores), o tribunal a quo persiste em não decidir questões que lhe foram submetidas a julgamento, por força do efeito devolutivo ou, ainda, quando persista desconhecendo obscuridade ou contradição arguidas como existentes na decisão. Com o advento do CPC-2015 ganha destaque o pré-questionamento ficto por força do artigo 1.025, abaixo explicado.

Qual a forma de prequestionar a matéria, caso a parte não o faça na instância de origem? Qual o momento mais oportuno?

O prequestionamento deve ser provocado ao menos a partir da interposição ou resposta de recursos ordinários (apelação e agravo de instrumento, por exemplo). O advogado deve, além de se preocupar em atacar a decisão em seu suporte fático-probatório, buscar demonstrar argumentativamente qual fundamento jurídico (legal ou constitucional) restará contrariado, caso o órgão julgador não acolha sua linha de defesa.

Uma grande novidade trazida pelo CPC/2015 (artigo 941, §3º), é que na hipótese da matéria ser apreciada somente no voto vencido (que deve ser obrigatoriamente declarado), a matéria será considerada prequestionada, restando superado o enunciado de súmula 320 do STJ. Na hipótese da defesa empreendida pelo recorrente (ou recorrido) ser omitida integralmente no acórdão, caberá a interposição de embargos declaratórios com fins prequestionadores.

A partir do CPC/2015, o que mudou em relação à possibilidade de prequestionar a matéria?

A possibilidade do prequestionamento ser extraído da parte majoritária ou minoritária do julgado com a revogação do enunciado da súmula 320 do STJ (“A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento”) e a aceitação do prequestionamento ficto no artigo 1.025, com revogação do enunciado da súmula 211 do STJ (“Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”).

Estabelece o artigo 1.025 do CPC/2015: Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade. Antes do CPC/2015, a inadmissão ou rejeição dos embargos de declaração era um óbice para tentar prequestionar matéria?

Como já aludido, na hipótese das questões jurídicas colocadas em discussão nos recursos serem apenas ventiladas, mas ainda não “decididas”, a parte que teve o fundamento omitido deve apresentar embargos declaratórios, com finalidade de prequestionamento. Tal procedimento tem por finalidade proceder à formação da causa decidida, com o tribunal emitindo juízo de valor sobre a questão, que será objeto de recurso aos tribunais superiores.

A falta de decisão pelo tribunal (omissão no julgado), até o advento do CPC-2015, maculava e inviabilizava o cabimento dos recursos excepcionais, que encontraria obstáculo quanto ao seu conhecimento pela falta da formação de causa decidida pela instância ordinária, que impunha um complexo procedimento para proporcionar a análise da questão pelo tribunal Superior.

No entanto, com o novo artigo 1.025 e a revogação do enunciado de súmula 211 do STJ, mesmo com a inadmissão ou rejeição dos embargos declaratórios, se gera a presunção de que a matéria ventilada tenha sido prequestionada (ficticiamente), de modo a facilitar, neste aspecto, o acesso aos Tribunais Superiores.

Na sua opinião, essa mudança do CPC/2015 é um avanço ou uma contribuição para o excesso de recursos?

A mudança é um grande avanço e se adapta à norma fundamental da primazia do mérito, que induz o conhecimento do direito do cidadão em detrimento do excesso de rigor formal. No entanto, essa inovação não deve induzir a percepção de facilitação de acesso aos tribunais superiores, eis que tais recursos extraordinários ainda continuam sendo de manejo bastante técnico e estreito, exigindo grande expertise por parte do advogado.

Além do prequestionamento para fins de interposição de recursos para os tribunais superiores, temos que apontar o dissídio jurisprudencial. O que seria esse dissídio e como ele se dá?

O dissídio jurisprudencial é uma hipótese de cabimento do recurso especial para o STJ, com a finalidade de que esta Corte cumpra, de maneira direta, a sua missão de uniformizar a interpretação do Direito federal. O manejo do recurso especial não tem como objetivo tolher a liberdade de interpretação dos tribunais inferiores, mas, sim, direcioná-la, de modo a estabelecer um entendimento apaziguador em nome da segurança jurídica, coerência, integridade e estabilidade na interpretação das normas. Até porque, não se permite ao STJ o reexame fático, ficando restrita a sua atuação à matéria de Direito.

O recurso especial interposto nessa hipótese deve ser instruído com acórdão de outro tribunal, não se admitindo a divergência interna com a apresentação de um julgado (paradigma) divergente do mesmo tribunal. O acórdão paradigma deve ser proveniente de repositório autorizado e credenciado pelo STJ (vide explicação infra). A divergência deve ser referente ao mesmo texto de lei federal, não se admitindo dissídio pretoriano sobre textos diversos. E, ainda, que se refira a casos idênticos ou, pelo menos, semelhantes.

Quanto à prova do dissídio, exige-se não só a indicação dos acórdãos, mas também a exposição analítica que justifique o recurso, examinando-se pontualmente as decisões, evidenciando-se as controvérsias e, ao final, demonstrando-se qual a melhor interpretação a ser tomada. O dissídio não poderá ser comprovado com a simples transcrição de ementas, sendo imperativo o uso de seu inteiro teor.

Explique o que é a Certificação de Repositório Credenciado e qual sua importância.

Em conformidade com o artigo 105, III, “c” da CRFB/88 e 1.029, §1º, CPC/2015, o recurso especial poderá ser interposto com a finalidade de obter a uniformização da jurisprudência sobre matéria federal e, para tanto, será necessário obter um acórdão de outro tribunal diverso daquele que se busca reformar. Trata-se da hipótese de cabimento embasada em dissídio jurisprudencial (artigo 255 do Regimento interno do STJ).

O julgado paradigma de outro tribunal deve ser extraído de um repositório jurisprudencial credenciado em conformidade com procedimento previsto nos artigos 133 a 138 do Regimento Interno do STJ. Serão repositórios autorizados as publicações de entidades oficiais ou particulares, habilitadas nesta forma.

Para tal habilitação, o representante ou editor responsável pela publicação solicitará inscrição por escrito ao Ministro Diretor da Revista, com a denominação, sede e endereço da pessoa jurídica que edita a revista; o nome de seu diretor ou responsável; um exemplar dos três números antecedentes ao mês do pedido de inscrição, dispensáveis no caso de a Biblioteca do Tribunal já os possuir; o compromisso de os acórdãos selecionados para publicação corresponderem, na íntegra, às cópias fornecidas, gratuitamente, pelo Tribunal, autorizada a supressão do nome das partes e seus advogados.

Esta certificação é muito relevante para as revistas, de modo a viabilizar a utilização dos julgados por ela divulgados, sejam utilizáveis para interposição e cabimento do recurso especial por divergência jurisprudencial, como acima indicado.

*O portal do IBDFAM (www.ibdfam.org.br), desde o final do mês de setembro de 2016, tornou-se Repositório Credenciado do STJ.

Fonte: IBDFAM | 19/10/2016.

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CSM/SP: Registro de imóveis – Recusa de ingresso carta de adjudicação – Irresignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências afim de orientar futura prenotação. Desapropriação – Modo originário de aquisição da propriedade – Ausência de apresentação de Certificado de Cadastramento de Imóvel Rural (CCIR) e falta de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e da certificação pelo INCRA – Exigências que decorrem da Lei e das Normas de Serviço – Inteligência dos artigos 176, § 1º , 3 “a”, 176, §§ 3º e 5º , e 225, § 3º , todos da Lei nº 6.105/73 da Lei nº 6.015/73 e i t em 59, II, do Capítulo XX das NSCGJ – Exigências mantidas.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 0001067-18.2015.8.26.0408

Registro: 2016.0000642732

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0001067-18.2015.8.26.0408, da Comarca de Ourinhos, em que são partes é apelante CONCESSIONÁRIA AUTO RAPOSO TAVARES S.A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OURINHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso. Vencido o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 25 de agosto de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 0001067-18.2015.8.26.0408

Apelante: Concessionária Auto Raposo Tavares S.a

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ourinhos

VOTO Nº 29.539

Registro de imóveis – Recusa de ingresso carta de adjudicação – Irresignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências afim de orientar futura prenotação. Desapropriação – Modo originário de aquisição da propriedade – Ausência de apresentação de Certificado de Cadastramento de Imóvel Rural (CCIR) e falta de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e da certificação pelo INCRA – Exigências que decorrem da Lei e das Normas de Serviço – Inteligência dos artigos 176, § 1º , 3 “a”, 176, §§ 3º e 5º , e 225, § 3º , todos da Lei nº 6.105/73 da Lei nº 6.015/73 e i t em 59, II, do Capítulo XX das NSCGJ – Exigências mantidas.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Concessionária Auto Raposo Tavares S/A contra a sentença de fls. 38/39, que julgou procedente a dúvida, “mantendo-se as exigência exaradas na nota de devolução de fls. 16, salvo com relação a declaração de ITR e certidão negativa do mesmo imposto já dispensados pela própria Oficial Registradora por ocasião da suscitação da dúvida” (fls. 39).

Sustenta a apelante, em síntese, que, por se tratar de modo originário de aquisição da propriedade, o registro da desapropriação independe da apresentação do Certificado de do Cadastro de Imóvel Rural (CCIR); que providenciará o aditamento da carta de adjudicação, para que memorial descritivo com todas as coordenadas que constam na planta de fls. 7/8 do apenso passe a integrá-la; e que a área desapropriada não caracteriza imóvel rural (fls. 44/51).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 72/74).

É o relatório.

De acordo com a suscitação de dúvida de fls. 2/9, a carta de adjudicação apresentada foi desqualificada por três motivos diversos: a) falta de apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR); b) necessidade de retificação do memorial descritivo; e c) necessidade de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA.

Ainda de acordo com a suscitação, as exigências formuladas na nota devolutiva de fls. 17 relativas à apresentação de recibo de entrega da declaração do ITR do exercício de 2014 e de certidão negativa de débitos do mesmo imposto foram reconsideradas pela Oficial (fls.4). Com acerto, aliás, pois a dispensa desses documentos encontra respaldo no item 119.1. do Cap. XX das NSCGJ [1].

Verifica-se, ainda, que houve irresignação parcial em relação às exigências confirmadas pelo Oficial na suscitação.

Isso porque, tanto na impugnação à dúvida (fls. 25), quanto nas razões de apelação (fls. 49), a apelante consignou, em relação à segunda exigência, que “providenciará oportunamente o aditamento da carta de adjudicação junto ao MM. Juízo de origem a fim de que nesta constem as coordenadas corretas, conforme memorial descritivo já elaborado e apresentado ao CRI desta comarca de Ourinhos” (fls. 49).

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei)

Desse modo, pela irresignação parcial da apelante, fato demonstrado desde a impugnação (fls. 22/26), a dúvida está prejudicada.

Ainda assim, deve-se analisar a questão de fundo, evitando-se que, cumprida a exigência não impugnada, o interessado venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.

Não se trata de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.

Passo a examiná-las individualmente.

A primeira exigência, qual seja, necessidade de apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), deve ser mantida.

O Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) é o documento emitido pelo INCRA nas hipóteses de desmembramento, arrendamento, hipoteca, venda ou promessa de venda de imóveis rurais.

Essa exigência não é nova: consta do art. 22 da Lei nº 4.947/1966 e, mais recentemente, do art. 1º do Decreto n.º 4.449/2002, que regulamentou a Lei nº 10.267/2001, diploma legal que, entre outras, promoveu alterações no art. 176 da Lei n.º 6.015/1973 para fazer constar a necessidade da identificação do imóvel rural com o código e os dados constantes do CCIR.

A obrigação da identificação do imóvel rural com os dados constantes no CCIR foi repetida pelo inciso II do item 59 do Capítulo XX das Normas de Serviço.

Decorrendo da Lei e das Normas, a exigência deve ser cumprida pelo interessado, que deve providenciar o CCIR para a gleba desapropriada, que, após o desfalque, deve ser tratada como imóvel distinto. Nesse sentido, decisão deste Conselho a propósito do registro de mandado de usucapião, que, a exemplo, da desapropriação, é forma originária de aquisição da propriedade:

A sentença de usucapião, porém, apenas declara essa situação de fato e, fazendo-o, concede ao possuidor o modo originário de aquisição da propriedade. A abertura da matrícula, no entanto, é condicionada a outros requisitos. Dentre eles, a apresentação do CCIR.

Nem o Oficial nem o Juiz, pela mera via administrativa, podem suprir a exigência legal. E também não podem obrigar o INCRA a emitir o documento.

Se a negativa de expedição do CCIR, pelo INCRA, é ilegal, cabe, pelas vias ordinárias contenciosas, constranger esse órgão a emiti-lo. Até lá, a abertura da matrícula não pode mesmo ser feita, pois isso feriria a legislação” (Apelação nº 0007676-93.2013.8.26.0064, Rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. em 18/3/2014).

Também tem razão o Oficial em relação à terceira exigência (necessidade de descrição georreferenciada do imóvel desapropriado e sua certificação pelo INCRA).

Conforme precedente recente citado pelo Oficial (fls. 5/9), este Conselho tem posição firme no sentido de que a exigência formulada encontra respaldo nos artigos 176, §§ 3º e 5º2, e 225, § 3º3, ambos da Lei nº 6.105/73; artigo 9º, § 1º, do Decreto nº 4.449/024; e artigo 2º do Decreto nº 5.570/055. A propósito:

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – CARTA DE SENTENÇA EXTRAÍDA DE AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA RURAL – NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DO INCRA DE QUE A POLIGONAL OBJETO DO MEMORIAL DESCRITIVO NÃO SE SOBREPÕE A NENHUMA OUTRA CONSTANTE DE SEU CADASTRO GEORREFERENCIADO E QUE O MEMORIAL ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS TÉCNICAS – EXIGÊNCIA CORRETA APRESENTADA PELO OFICIAL, EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA ESPECIALIDADE OBJETIVA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO” (Apelação nº 0001532-10.2014.8.26.037, Rel. Des. Elliot Akel, j. em 16/10/2014).

Por fim, não vinga o argumento da apelante de que o bem desapropriado não é rural, o que dispensaria tanto a apresentação de Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), quanto a sua descrição georreferenciada e certificação pelo INCRA.

Com efeito, nos termos do artigo 53 da Lei nº 6.766/796, a alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende, além da aprovação do Município, de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA. Como não há comprovação nem de manifestação do INCRA e muito menos de aprovação por parte do Município da mudança de destinação do imóvel, não há como serem afastadas as exigências.

Neste sentido já se manifestou este Conselho:

Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Escritura de venda e compra. Descrição sucinta do imóvel constante da matrícula e reproduzida no título que, porém, dadas as circunstâncias do caso concreto, não chega a ofender o princípio da especialidade objetiva. Alegada destinação urbana de imóvel originalmente rural. Necessária apresentação de certidão de descadastramento pelo INCRA. Recurso não provido (Apelação nº 790-6/6, Rel. Des. Ruy Camilo, j. em 27/5/2008).

Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0001067-18.2015.8.26.0408 SEMA

Dúvida de registro

VOTO(com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica(vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 29 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniam, meu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] 119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.

[2] § 3° Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1o será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.

(…)

§ 5º Nas hipóteses do § 3o, caberá ao Incra certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.

[3] § 3o Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.

[4] Art. 9o A identificação do imóvel rural, na forma do § 3o do art. 176 e do § 3o do art. 225 da Lei no 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§ 1° Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.

[5] Art. 2º A identificação do imóvel rural objeto de ação judicial, conforme previsto no § 3o do art. 225 da Lei nº6.015, de 31 de dezembro de 1973, será exigida nas seguintes situações e prazos:

I – imediatamente, qualquer que seja a dimensão da área, nas ações ajuizadas a partir da publicação deste Decreto;

[6] Art. 53. Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, do Órgão Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente. (DJe de 19.10.2016 – SP)

Fonte: INR Publicações | 19/10/2016.

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