1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Usucapião Extrajudicial – Herdeiros – Necessidade de apresentação da Escritura Pública Declaratória de Únicos Herdeiros ou de Nomeação de inventariante – Dúvida Procedente.

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1108767-43.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Leandro Costa Guedes e outro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida formulada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Leandro Costa Guedes e Mariane do Carmo Issimine à vista de exigências feitas em procedimento pelo reconhecimento extrajudicial de usucapião do imóvel objeto da matrícula n.20.770 daquela serventia (prenotação n. 229.804).

O Oficial esclarece que, após a qualificação dos documentos e encaminhamento das notificações, exigiu apresentação das partilhas ou escrituras declaratórias de únicos herdeiros em nome dos titulares do domínio, bem como esclarecimento acerca da origem da posse exercida, uma vez que informações colhidas em diligência revelaram indícios de que a posse foi recebida por sucessão hereditária, de modo que o irmão de Mariane também deveria comparecer ao procedimento como requerente ou anuente, sendo necessário, ainda, avaliar eventual incapacidade desse irmão.

Documentos vieram às fls.09/413 e 418/422.

A parte suscitada se manifestou às fls.423/427, alegando que a exigência pela apresentação das partilhas ou escrituras declaratórias de únicos herdeiros tem por base o precedente judicial do processo de autos n.1000523-45.2020.8.26.0470, o qual não se aplica ao caso concreto, pois o paradigma tratava de pedido de notificação genérica de herdeiros por edital, enquanto, na espécie, foram fornecidos os endereços dos titulares do domínio, com exceção do proprietário Francisco Garagarza; que, em relação a este último, apresentou documentação comprobatória da situação sucessória demonstrando que ele não deixou herdeiros necessários e dispôs da totalidade de seu quinhão em favor de Sérgio Paulo Rogonatti, o que convalida a anuência prestada pelo legatário; que a norma deve ser adaptada ao caso concreto, sob pena de se inviabilizar a opção da usucapião extrajudicial; que a origem da posse já foi esclarecida e que eventuais permissões temporárias de co-habitação de terceiros, parentes ou não, em nada repercutem na legalidade do pleito.

O Ministério Público opinou pela procedência (fls.430/432).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

Por primeiro, é importante consignar que a existência de outras vias de tutela não exclui a da usucapião administrativa, a qual segue rito próprio, com regulação pelo artigo 216-A da Lei n. 6.015/73, pelo Provimento 65/17 do CNJ e pela Seção XII do Cap. XX das NSCGJSP.

Assim, como a parte interessada optou por esta última para alcançar a propriedade do imóvel, a análise deve ser feita dentro de seus requisitos normativos.

Por segundo, vale ressaltar que, em regra geral, no processo extrajudicial de usucapião, não se pode dispensar a notificação de titulares de direitos que não tenham dado prévia anuência à pretensão do interessado usucapiente. Nesse sentido a redação do parágrafo 2º, artigo 216-A, da Lei n.6015/73:

“§ 2° Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado o silêncio como concordância”.

Excepcionalmente, também é possível considerar outorgado o consentimento mediante apresentação de justo título ou instrumento que demonstre relação jurídica com o titular registral, situação em que, conforme o item 419, Cap.XX, das NSCGJ, a notificação pode ser dispensada.

No caso concreto, entretanto, não foi demonstrada a formalização de relação jurídica com os titulares dos direitos registrados na matrícula, dos quais somente um foi notificado e permaneceu inerte, o que autoriza presumir concordância.

A parte suscitada pretende o reconhecimento de usucapião especial com fundamento no artigo 1.240 do Código Civil, alegando posse há mais de treze anos, a qual recebeu gratuitamente de Guenisi Ysimine e Alice Kikue Ysimine, tios de Mariane.

Conforme esclarecido pelo requerente Leandro (fl.174), os pais de sua esposa, Mariane, residiam no Japão e enviaram dinheiro para que Alice, tia da requerente, adquirisse o imóvel. O negócio foi feito diretamente entre Alice e os titulares do domínio e não há informação sobre a formalização da avença, o que buscam regularizar por meio da usucapião.

O imóvel usucapiendo é o descrito na matrícula n.20.770 do 17º Registro de Imóveis da Capital, cujos direitos reais são de titularidade de Francisco Garagarza, viúvo; Cyrenia da Conceição Rigonatti, casada pelo regime da comunhão de bens com Eliseu Rigonatti, e Alaíde Rodrigues Ferreira, solteira, a qual recebeu a nua-propriedade por doação feita por Maria Antunes, solteira, que reservou o usufruto para si (fls. 408/413).

Para melhor compreensão, convém analisar individualmente a situação de cada um dos titulares de direitos reais envolvidos.

Logo no início do procedimento, a parte suscitada requereu a notificação de Cyrênia, de Eliseu e de Alaíde, informando desconhecer o paradeiro de Francisco Garagarza (fl.11).

Contudo, as certidões inicialmente apresentadas indicaram a existência de ação judicial de abertura, registro e cumprimento de testamento de Francisco (processo de autos n.0815050-74.1993.8.26.0100 – fls.34/35), pelo que se exigiu apresentação de cópias para identificação dos herdeiros a serem notificados (fl.135).

Assim, após o retorno das notificações enviadas (fls.137/157), a parte suscitada informou o falecimento do proprietário Francisco, ocorrido em 27/12/1992, no estado civil de viúvo, o qual deixou como herdeira uma única filha, Cyrennia (fl.162).

Embora Cyrennia tenha sido indicada na certidão de óbito de Francisco como sua filha, na verdade, era filha da falecida esposa de Francisco, Corina Antunes, e de Rouxinol Conceição, o qual não tem relação com o imóvel (fl.163).

Conforme escritura de testamento de Francisco, lavrada em 06 de fevereiro de 1991 e copiada às fls.387/390, ele era viúvo de Corina, não tinha ascendentes nem descendentes e manifestou sua vontade de deixar todos os bens que possuísse por ocasião do falecimento para Sérgio Paulo Rigonatti. Cyrennia, por sua vez, faleceu em 05/10/1994 (fls.163), na condição de viúva de Elizeu, cujo óbito ocorreu em 24/11/1988 (fls.164/165), os quais deixaram três filhos:

Ana Maria Rigonatti; Sérgio Paulo Rigonatti e Arnaldo Rigonatti.

Apenas a nua-proprietária Alaíde Rodrigues Ferreira, que agora se chama Alaíde Ferreira Barbosa, foi notificada na pessoa de sua procuradora, conforme certificado por Tabelião da Comarca do Guarujá (fls.369/382).

Neste ponto, contudo, é deficiente a comprovação da identidade entre a detentora dos direitos reais apontada na matrícula e a pessoa efetivamente notificada.

Verifica-se que, após intimação para indicação do endereço de Alaíde Rodrigues Ferreira (fl.233), a parte suscitada comunicou que uma pesquisa realizada junto ao Serasa Experian, com base no número do CPF, revelou a alteração de nome para Alaíde Ferreira Barbosa (fls.236/239).

Assim, o Oficial a intimou para apresentação da certidão de casamento de Alaíde, a fim de verificar o regime de bens e a necessidade de intimação do cônjuge (fl.248). A parte requerente ofereceu resistência com fundamento na cláusula de incomunicabilidade que grava o quinhão de Alaíde desde a doação (fls.257/258).

A certidão, porém, é imprescindível para comprovação da celebração do casamento e, consequentemente, da alteração do nome dos nubentes, conforme dispõe o artigo 1543 do Código Civil, o qual afasta a possibilidade de demonstração por outro documento.

Observe-se que a certidão juntada à fl.41 informa a existência de ação de divórcio envolvendo Alaíde Rodrigues Ferreira (processo de autos n.0003602-49.1991.8.26.0152), na qual a localização do registro pode ser pesquisada pela parte para a produção de prova adequada.

Da mesma forma, em relação à usufrutuária Maria Antunes, apesar da probabilidade de seu falecimento e extinção do usufruto conforme defendido pela parte suscitada na manifestação de fls.236/238, a localização do registro de óbito pode ser acessado no processo de inventário de autos n.0249266-68.1997.8.26.0004, indicado na certidão de fl.189, e é necessária para o conhecimento de sua exata situação jurídica, que não pode ser presumida.

Portanto, em relação aos titulares de direitos reais indicados na matrícula, basta a apresentação da certidão de casamento de Alaíde para confirmar a alteração de seu nome e sua notificação, bem como a certidão de óbito de Maria Antunes para confirmar a extinção do usufruto.

Os demais proprietários tabulares faleceram sem manifestar concordância com o requerimento.

Já em relação aos herdeiros desses titulares falecidos, o tratamento jurídico é outro.

A anuência deles somente será eficaz se apresentada por escritura pública declaratória de herdeiros únicos, com nomeação de inventariante, não bastando notificação ou eventual consentimento, ainda que expresso.

É o que se extrai do artigo 12 do Provimento CNJ n. 65/17, cuja redação identifica-se integralmente com o contido no item 418.14, Cap. XX, das NSCGJ (destaque nosso):

“418.14. Na hipótese de algum titular de direitos reais e de outros direitos registrados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula do imóvel confinante ter falecido, poderão assinar a planta e memorial descritivo os herdeiros legais, desde que apresentem escritura pública declaratória de únicos herdeiros com nomeação do inventariante“.

Tal exigência normativa se justifica pela necessidade de se conhecer a exata situação sucessória, confirmando que o consentimento foi legitimamente prestado, como bem explicado no acórdão da Apelação Cível n.1000523-45.2020.8.26.0470, transcrito pelo Oficial na intimação de fls.394/395 e na peça inicial.

Assim, com relação ao coproprietário Francisco Garagarza, é suficiente a apresentação da escritura de testamento de fls.387/390, equivalente àquela exigida pela norma acima citada, pois informa que Francisco não tinha herdeiros necessários e deixou todo o seu patrimônio por ocasião do seu falecimento para Sérgio Paulo Rigonatti, nomeando-o testamenteiro.

O testamenteiro, por sua vez, se apresentou como representante do espólio de Francisco Garagarza e firmou declaração de anuência com o pedido de usucapião (fl.166).

Porém, a situação sucessória dos coproprietários Cyrenia e Elizeu precisa ser comprovada.

Ambos faleceram deixando os filhos Ana Maria Rigonatti, Sérgio Paulo Rigonatti e Arnaldo Rigonatti.

Apesar de Arnaldo se apresentar como representante do espólio de Cyrenia (fl.168), essa condição precisa ser confirmada por documento oficial.

Considerando que não há informação sobre a abertura oficial da sucessão de Cyrenia e Elizeu (fls.37/39), não se pode falar na nomeação de inventariante para a administração da herança, o que deverá ser promovido por meio da escritura pública declaratória de únicos herdeiros, como determina o item 418.14, Cap.XX, das NSCGJ, para que se possa admitir o prosseguimento pela via administrativa.

Note-se, ademais, que, dos três herdeiros de Cyrenia e Elizeu, somente os filhos Sérgio e Arnaldo manifestaram anuência nos autos, bem como suas esposas, inexistindo manifestação ou notificação da filha Ana Maria, o que também prejudica o pedido.

Sérgio Paulo Rigonatti manifestou anuência como testamenteiro à fl.166 e sua esposa, Solange D’Elboux Guimarães Rigonatti, foi notificada acerca do procedimento extrajudicial e anuiu expressamente com o pedido (fls.167, 184/185 e 190/191). Arnaldo Rigonatti, por sua vez, firmou declaração de anuência como representante do espólio de Cyrenia Rigonatti (fl.168) e sua esposa, Ana Maria Furlanetto Rigonatti, foi notificada acerca do procedimento extrajudicial (fls.169, 186/187 e 270/271)

Observe-se que Ana Maria Rigonatti, filha de Elizeu e Cyrennia, que se casou com Gilmar Merejoli em 06/02/1982 e se separou em 03/08/1990, não foi encontrada no endereço fornecido pela parte suscitada (fls.170/171 e 206/229).

Intimada, a parte suscitada pleiteou nova diligência no endereço da esposa do filho Arnaldo, que também se chama Ana Maria (fls.233 e 238) e que já havia sido notificada no mesmo endereço (fl.186).

Portanto, também é necessário notificar a herdeira Ana Maria Rigonatti.

Vale observar, ainda, que a notificação por edital é autorizada em apenas duas hipóteses no procedimento administrativo: para ciência de terceiros eventualmente interessados e para ciência de notificandos que não tenham sido encontrados pessoalmente ou que estejam em lugar incerto ou não sabido (§§ 4º e 13, do artigo 216-A, da Lei n. 6.015/73; artigos 11 e 16 do Prov. CNJ n. 65/17; e itens 418.16 e 418.21, Cap. XX, das NSCGJ):

“418.16. Caso não seja encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, ou inacessível, tal fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretado o silêncio do notificando como concordância.

(…)

418.21. Após as notificações dos titulares do domínio do imóvel usucapiendo e dos confrontantes, o oficial de registro de imóveis expedirá edital, que será publicado pelo requerente e às expensas dele, na forma do art. 257, III, do CPC, para ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão manifestar-se nos quinze dias subsequentes ao da publicação…”.

Por fim, também deve ser mantida a exigência pelo esclarecimento acerca da real origem da posse diante dos dados coletados ao longo do procedimento, além de eventual adequação do requerimento.

Consta da certidão de fl.174, lavrada pelo escrevente autorizado:

“CERTIFICO e dou fé que nesta data, me dirigi para a Rua Margarino torres, n.1346, a fim de constatar a posse do imóvel usucapiendo pelos requerentes. No local fui recebido pelo Sr. Leandro Costa Guedes, (…), o próprio requerente que me permitiu a entrada no imóvel usucapiendo. Antes de ter sido recebido pelo requerente, fui atendido por um jovem que apresentava certo grau de deficiência mental que, posteriormente, o Sr. Leandro me informou que se tratava do irmão de sua esposa, a Sra. Mariane do Carmo Issimine, e que, em razão de sua deficiência, não foi incluído no procedimento. Ato contínuo, indaguei o Sr. Leandro como se deu a posse do imóvel pelos requerentes, o qual me informou que antigamente os pais de sua esposa, Mariane do Carmo Issimine, residiam no Japão e, antes de retornarem ao Brasil, deram dinheiro para a Sra. Alice Kikue Ysimine, tia da requerente, adquirir um imóvel no Brasil para moradia para residirem com seus filhos. Todavia, a compra foi feita de entre a tia de sua esposa e os titulares de domínio, situação que pretende se regularizar por meio da usucapião. Outro questionamento levantado foi no tocante as poucas provas documentais acostadas ao procedimento, somente três contas de energia, um Boletim de ocorrência em nome dos requerentes e um contrato de banco, o qual foi esclarecido que antes do falecimento de seu sogro as constas estavam em nome do mesmo”.

Como se vê, a declaração prestada pelo requerente diverge da sua alegação inicial em pontos relevantes, que foram omitidos.

Constata-se que o imóvel foi adquirido com recursos que os pais da requerente enviaram enquanto viviam no Japão e que as contas de consumo, as quais demonstrariam a posse sobre o bem, estavam em nome do sogro do requerente. Um vizinho confirmou que os pais da requerente residiram no local (fl.175).

Evidencia-se, portanto, a hipótese de sucessão hereditária na posse do imóvel, com omissão acerca do falecimento dos reais adquirentes do imóvel e potencial prejuízo de herdeiro aparentemente incapaz, que também reside no local.

Tal contradição com o requerimento formalizado não pode ser ignorada e a falta de esclarecimento deve levar à rejeição do pedido administrativo.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter os óbices registrários.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 17 de novembro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito

(DJe de 21.11.2022 – SP)

FonteDiário da Justiça Eletrônico

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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1VRP/SP:  Registro de Imóveis. É possivel o acesso ao fólio de títulos que instrumentalizam negócio jurídico de doação de dinheiro para aquisição de imóvel, com imposição de cláusulas restritivas e de reversão incidentes sobre o imóvel.

Processo 1101224-86.2022.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Alice Helena Borelli de Assis – Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice e, em consequência, determinar o registro do título. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: ANTONIO SERGIO RICCIARDI (OAB 82232/SP), NATHALY GUEDES TORRES RICCIARDI (OAB 307675/SP), VICTOR TORRES DO NASCIMENTO (OAB 316336/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1101224-86.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Alice Helena Borelli de Assis

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Alice Helena Borelli de Assis diante da negativa de registro de escritura pública de doação de dinheiro e venda e compra lavrada pelo 26º Tabelião de Notas desta Capital (livro n. 4.381, fl. 189), referente ao imóvel da matrícula n. 187.534 daquela serventia.

O Oficial esclarece que a parte suscitada doou valores para a filha com a condição de que ela adquirisse a nua-propriedade do bem em questão, sendo que foi beneficiada com o seu usufruto (fls. 12/16). No título, estabeleceram-se cláusulas vitalícias restritivas da propriedade, de impenhorabilidade e de incomunicabilidade, extensivas aos frutos e rendimentos, bem como cláusula de reversão, pela qual o imóvel retornará à doadora em caso de falecimento da donatária.

O óbice reside justamente na necessidade de retificação do título a fim de se excluir a cláusula de reversão do imóvel à doadora ou restringir seu alcance apenas ao valor doado, já que ela não figura como proprietária na matrícula (processo de autos n. 008247-6-01; parágrafo único do artigo 547 do CC).

Documentos vieram às fls. 05/34.

Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte suscitada aduz que doou o numerário para que sua filha, Fernanda Borelli da Cruz, adquirisse a nua-propriedade do imóvel, de modo que a exigência não é devida conforme entendimento esposado por esta 1ª Vara de Registros Públicos no processo de autos n. 000.00.607814-1 (fl. 05). Não houve, porém, impugnação nestes autos (fls. 08 e 35).

O Registrador defende que o precedente mencionado não se aplica à hipótese, já que o título indica a existência de dois negócios jurídicos distintos, tendo havido, inclusive, recolhimento de tributos a entes públicos diversos (Município de São Paulo, pela venda e compra, e Fazenda do Estado, pela doação de dinheiro).

O Ministério Público opinou pela procedência (fls. 39/40).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De início, é importante ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No mérito, porém, a dúvida é improcedente. Vejamos os motivos.

A matrícula do imóvel atesta que o imóvel é de propriedade de Antonio Romanauskas e Maria Lúcia de Lima Romanauskas (R.07 – fls. 32/33), os quais figuram como vendedores no título, no qual se fizeram constar, ainda, cláusulas vitalícias restritivas da propriedade, de impenhorabilidade e de incomunicabilidade, extensivas aos seus frutos e rendimentos, além de cláusula de reversão da propriedade em favor da doadora dos valores empregados na compra da nua-propriedade em caso de morte da donatária-adquirente (itens 2º e 5º – fl. 13).

Ao tratar da cláusula de reversão, o parágrafo único, do artigo 547, do Código Civil, veda a sua estipulação em favor de terceiro:

“O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.

Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro”.

No caso concreto, entretanto, a cláusula em questão não configura estipulação em favor de terceiro, já que, como mencionado, estabelece o retorno da propriedade à doadora do valor empregado na aquisição da nua-propriedade do imóvel, a qual também se tornou usufrutuária (item 5º – fl. 13):

“Na hipótese do falecimento da donatária, o bem doado, expresso pelo imóvel comprado, retornará ao patrimônio da doadora”.

O cerne do debate está em saber se possível o ingresso do título nestas condições, já que a doadora-usufrutária não figura na matrícula como proprietária, como bem ressaltado pelo Oficial.

Em outros termos, não há dúvida sobre a possibilidade de estabelecimento de cláusulas restritivas na hipótese em virtude da doação do numerário para a aquisição do imóvel (fl. 02, parte final).

No que diz respeito ao ponto controvertido, verifica-se que esta 1ª Vara de Registros Públicos já se manifestou pela possibilidade de registro: julgamento feito pelo MM. Juiz de Direito Kioitsi Chicuta no processo de autos n. 518/1991, de cujo julgado se extraem os seguintes excertos (destaques nossos):

“A imposição de cláusula de incomunicabilidade e de impenhorabilidade e a reserva do usufruto não configuram doação modal ou com encargos, mas de doação pura e simples (cf. apelação cível nº 5.452-0, Santos, relator o Desembargador SYLVIO DO AMARAL). As cláusulas restritivas são estipulações que beneficiam tão somente os donatários, enquanto a reserva de usufruto não se revela como prestação a ser adimplida pelos destinatários do ato de liberalidade.

E a possibilidade de doação em dinheiro para ser empregada de maneira determinada é indiscutível, o mesmo sucedendo com a imposição de cláusulas restritivas, como aliás, já decidiu o E. Conselho Superior da Magistratura, no julgamento do agravo de petição nº 237.990, de São Paulo, relator o Desembargador MARCIO MARTINS FERREIRA, destacando que a cláusula de incomunicabilidade (instituída naquele caso específico) insere-se no modus e que ‘não beneficia somente a donatária, mas também a prole, porquanto com a cláusula é evitada a delapidação do bem que refoge do patrimônio comum’ (cf. ‘Acórdãos do Conselho Superior da Magistratura do Biênio 1974/1975’, págs. 122-124).

Ora, embora se admita a existência de dois contratos (doação do dinheiro e compra e venda de imóvel), é inegável tratamento da matéria, por ficção, como se doação do imóvel fosse. Isto por diversas razões: a) a instituição de cláusulas restritivas é faculdade do proprietário e que tem plena disponibilidade do imóvel. A doadora, adquirente do usufruto, não é titular de direito real sobre os imóveis adquiridos; b) não é lícita a imposição de cláusulas nos contratos de compra e venda (cf. ‘Das Cláusulas de Inalienabilidade, Impenhorabilidade, Incomunicabilidade, Sub-rogação). Aspectos Práticos, Doutrina, Jurisprudência’, in ‘Revista de Direito Imobiliário’, vol. 19-20, pág. 41); c) as restrições são impostas, em geral, em testamento ou em doação.

A possibilidade de, um único ato, envolver venda e compra em decorrência de doação de numerário e a imposição do gravame das cláusulas e, ainda, a constituição de usufruto em favor da doadora, foi expressamente admitida pelo E. Conselho Superior da Magistratura (cf. agravo de petição nº 237.900) e por decisão do notável Juiz JOSÉ RENATO NALINI no processo nº 38/89, desta Vara, com respaldo, ainda, dos não menos notáveis Oficiais ADEMAR FIORANELI e JERSÉ RODRIGUES DA SILVA (cf. Boletim do IRIB nº 91 pág. 1). E essa conclusão é incensurável por adequada ao nosso sistema jurídico, evitando dois negócios jurídicos distintos e subsequentes (compra e venda num primeiro plano e doação subsequente, com imposição de cláusulas restritivas) e que não representariam a vontade imediata das partes, ou seja, aquisição de bem com numerário doado e com imposição de cláusulas e reserva de usufruto.

O mesmo raciocínio desenvolvido para admissão das cláusulas restritivas ao sistema registrário deve ser aplicado à cláusula de reversão. Nada impede que se estipule que os bens adquiridos com o dinheiro doado voltem ao patrimônio da doadora, se sobreviver aos donatários.

Não se cuida aqui de estipulação em favor de terceiro, vedada pela lei, mas de cláusula reversiva em prol da doadora, ainda que com o fruto da aplicação do dinheiro. E essa possibilidade não atenta contra o ordenamento jurídico, valendo a advertência atual de que o Registro Público não constitui fim em si mesmo, mas de meio de que se devem valer os interessados para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. O Registro de Imóveis deve acolher escritos que instrumentam direitos reais ou direitos providos de formas especiais de realidade, reconhecidos em lei (cf. WALTER CENEVIVA, in ‘Manual do Registro de Imóveis’, pág. 44).

Nem se argumente a impossibilidade de escrituração da cláusula nas matrículas respectivas pela ausência de titularidade de direito real da doadora. Via de regra, como bem esclarece o eminente ELVINO SILVA FILHO, ‘na doação com cláusula de reversão do imóvel ao doador, sobrevindo ao donatário, ocorrendo o falecimento deste antes do doador, o ato a ser praticado pelo Oficial do Registro de Imóveis é o da averbação do óbito, e o cancelamento do registro da doação e eventualmente de outros registros que tenham por causa atos jurídicos do donatário’ (cf. ‘Efeitos da Doação no Registro de Imóveis’, in ‘Revista de Direito Imobiliário’, vol. 19/20, pág. 35). No caso específico, porém, a exemplo do que ocorre no fideicomisso, dever-se-á escriturar no registro de aquisição da nua-propriedade que o bem foi adquirido com numerário fornecido pela suscitada e que ela estipulou cláusula de reversão a seu favor em caso de sobreviver aos donatários. Em ocorrendo essa hipótese apenas averbar-se-á o óbito e a consolidação, pelo implemento de condição resolutiva, do domínio em favor da suscitada.”

No mesmo sentido foi o entendimento adotado pelo MM. Juiz de Direito Oscar José Bittencourt Couto no processo de autos n. 000.00.607814-1, mencionado pela parte suscitada, de cujo julgado se extraem os seguintes excertos (destaque nosso):

“A matéria já mereceu debate profundo entre doutrinadores, que aliás é mencionado pelo Senhor 5. Oficial de Registro de Imóveis, e na jurisprudência várias decisões a respeito do tema existem, já tendo o Egrégio Conselho Superior da Magistratura apreciado a questão, restando razoavelmente pacificado o tema, no sentido de ser possível o registro de título que contenha tal negócio jurídico, qualificado de doação modal.

Algumas foram as decisões a respeito da matéria proferidas nesta Vara de Registros Públicos, dentre estas merecem destaque as lançadas nos processos de dúvida n. 38/89 e 518/91, respectivamente pelos Drs. José Renato Nalini e Kioitsi Chicuta, quando aqui judicaram, em que as dúvidas foram julgadas improcedentes.

Sem o brilhantismo do antecessores, ou mesmo do Oficial Suscitante, inclino-me pelo entendimento pretoriano que admite o acesso ao fólio de títulos que instrumentalizam negócio jurídico de doação de dinheiro para aquisição de imóvel, com imposição de cláusulas restritivas e de reversão incidentes sobre o imóvel, por entender compatível com o sistema jurídico pátrio, espelhando a real vontade dos contratantes, inexistindo qualquer vedação expressa na legislação que impeça a realização de tais ajustes e o consequente acesso ao registro imobiliário”.

Considerando, assim, a vontade claramente manifestada pelas partes, maiores e capazes, a ausência de prejuízo a quem quer que seja e a compatibilidade do negócio com o nosso sistema jurídico, como bem delineado pelos julgamentos citados, conclui-se que a exigência não subsiste.

Vale observar, por fim, que o entendimento esposado no processo de autos n. 8247-6-01 em nada conflita com a conclusão desenvolvida acima, notadamente porque a cláusula de reversão, naquele caso, abrangeu somente o numerário doado.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para afastar o óbice e, em consequência, determinar o registro do título.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 08 de novembro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (DJe de 18.11.2022 – SP)

Fonte: Diário da Justiça Eletrônico

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Portaria CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ nº 61, de 17.11.2022 – D.J.E.: 18.11.2022.

Ementa

Recomenda o uso de máscara de proteção facial no ambiente interno do Conselho Nacional de Justiça, além da observância às medidas de prevenção ao contágio pela Covid-19.


SECRETÁRIO-GERAL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais,

CONSIDERANDO que a taxa de transmissão (Rt) no Distrito Federal encontra-se em elevação, calculada em 1,32 em 10 de novembro de 2022;

CONSIDERANDO a Nota Técnica n. 16/2022-CGGRIPE/DEIDT/SVS/MS, da Secretaria de Vigilância em Saúde – Ministério da Saúde, de 12 de novembro de 2022;

RESOLVE:

Art. 1º Recomendar aos magistrados, aos servidores, aos colaboradores e aos prestadores de serviço, bem como ao público externo, o uso de máscara de proteção facial no ambiente interno do Conselho Nacional de Justiça, além da observância às medidas de prevenção ao contágio pela Covid-19, tais como distanciamento social, respeito à lotação indicada para uso dos elevadores e uso de álcool em gel.

Art. 2º Esta Portaria entra em vigar na data de sua publicação.

GABRIEL DA SILVEIRA MATOS

Fonte: INR publicações

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