Registro de Imóveis – Cancelamento da inscrição de servidão e da averbação de transferência da sua titularidade – Inexistência de nulidade nos processos de registros correspondentes – Inteligência do art. 214 da Lei nº 6.015/73 – Servidão estabelecida em prol do serviço público de fornecimento de energia elétrica – Sucessão da concessionária de energia que não é causa de extinção do direito real – Tudo indica tratar-se de servidão administrativa que perdura enquanto persiste a prestação do serviço e a utilidade do prédio serviente – Servidão civil que igualmente exige a via judicial para extinção por eventual renúncia (tácita) do titular (art. 1.388, I) – Recurso administrativo a que se nega provimento.

Número do processo: 10016205720178260156

Ano do processo: 2017

Número do parecer: 56

Ano do parecer: 2022

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1001620-57.2017.8.26.0156

(56/2022-E)

Registro de Imóveis – Cancelamento da inscrição de servidão e da averbação de transferência da sua titularidade – Inexistência de nulidade nos processos de registros correspondentes – Inteligência do art. 214 da Lei nº 6.015/73 – Servidão estabelecida em prol do serviço público de fornecimento de energia elétrica – Sucessão da concessionária de energia que não é causa de extinção do direito real – Tudo indica tratar-se de servidão administrativa que perdura enquanto persiste a prestação do serviço e a utilidade do prédio serviente – Servidão civil que igualmente exige a via judicial para extinção por eventual renúncia (tácita) do titular (art. 1.388, I) – Recurso administrativo a que se nega provimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso administrativo, originalmente apresentado como apelação (fls. 823/827), interposto contra a r. sentença (fls. 786/789), proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Cruzeiro, que manteve o óbice registral ao cancelamento da averbação nº 2 da matrícula 7.863 (fls. 12/15) daquela Serventia, que transferiu a servidão perpétua e gratuita de titularidade da Light – Serviços de Eletricidade S/A, contida no registro nº 1 da mesma matrícula, em favor da Eletropaulo – Eletricidade de São Paulo S/A. A sentença também rejeitou o cancelamento da inscrição da servidão na matrícula 3232 (R1, fls. 08/11) da referida Serventia, que igualmente favorecia a Light Serviços de Eletricidade S/A.

Segundo a r. sentença, a via administrativa prevista no artigo 214 da Lei nº 6.015/73 não é adequada para a decretação da suposta nulidade aventada, uma vez que o caso não revela patente vício no processo de registro, além do que apenas ocorreu sucessão dos ativos da empresa Light, outorgada da servidão, pela empresa Eletropaulo, não havendo, então, necessidade de nova anuência por parte dos proprietários do bem imóvel para a averbação quanto à transferência da servidão, sem falar que há indícios de usucapião e/ou possível afetação administrativa da faixa de terra correspondente à servidão que, da mesma forma, não autorizam a via eleita pelo autor. De outra parte, a sentença aduziu que o cancelamento da servidão possui procedimento e requisitos próprios, que não se fazem presentes na espécie porque nenhuma causa de extinção da servidão previstas nos artigos 1.388 e 1.389 do Código Civil, ou, se caso, no Direito Administrativo, está configurada, e não houve atendimento ao disposto no art. 1.387 do diploma civil pátrio e do artigo 252 da Lei nº 6.015/73.

Contrarrazões da CTEEP – COMPANHIA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA PAULISTA a fls. 831/832 e da EDP – SÃO PAULO DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA S/A a fls. 836/852, com preliminar de inépcia do recurso por violação ao princípio da dialeticidade e pela ausência de impugnação específica.

A Ilustre Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer pelo não provimento do recurso (fls. 859/862).

É o relatório.

Opino.

Desde logo, cumpre consignar que, em se tratando de pedido de providências, a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, certo que o inconformismo foi manifestado contra decisão proferida no âmbito administrativo pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

A preliminar de inépcia do recurso por violação ao princípio da dialeticidade e pela ausência de impugnação específica não merece guarida.

Apesar do recurso repetir, em grande parte, a pretensão inicial, ele ataca a sentença e insiste na postulação inicial, de modo a se justificar seu conhecimento.

Ainda inicialmente, consigne-se que o pedido de providências não tem origem em Nota de Exigência do Oficial de Registro, mas em resposta por ele encaminhada a duas notificações do advogado do requerente, incitando o Oficial a realizar a anulação dos atos registrais enfocados em dez dias, sob pena de se sujeitar às penalidades civis e penas inerentes, como melhor informado pelo Oficial a fls. 28.

Apesar do meio inadequado utilizado pelo advogado para deduzir a pretensão, o Oficial entendeu por bem encaminhar resposta, daí porque as razões do óbice ao deferimento da pretensão não constam de nota de exigência, mas podem ser conhecidas na manifestação do Oficial a fls. 28/33.

Superadas tais questões, o recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, deve ser rejeitado.

As matrículas de nºs 7.863 (fls.12/15) e 3232 (fls. 08/11) do Oficial de Registro de Imóveis de Cruzeiro contêm a inscrição de instituição de servidão perpétua e gratuita em favor da LIGHT – SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A, mediante escritura pública em que os então proprietários figuraram como outorgantes, tudo de acordo com os respectivos registros de nº 1.

Relativamente ao registro impugnado, o de nº 1 da matrícula 3232 (fls. 08/11), consta que a servidão foi estabelecida para a colocação de postes para sustentação de fios condutores de energia elétrica, podendo a Light, por si, seus prepostos e sucessores, efetuar no aludido terreno todos e quaisquer serviços de construção, reforma ou fiscalização necessários ao fornecimento de energia elétrica, independentemente de qualquer formalidade ou indenização (fls. 09).

A matrícula nº 7.863 (fls. 12/15) contém semelhante disposição em seu registro nº 1, igualmente estabelecendo que a servidão foi instituída para a colocação de postes de energia elétrica, com autorização a que a Light, por si, seus prepostos e sucessores possam realizar todo o necessário à efetiva prestação do serviço de energia elétrica (fls. 12/13).

Todavia, no que se refere à matrícula nº 7.863 (fls. 12/14), o requerente não pede expressamente a nulidade do registro nº 1, mas apenas da averbação nº 2, a que transferiu a titularidade da servidão da Light à Eletropaulo. E embora a pretensão inicial e o recurso não primem pela clareza, aparentemente o postulante pretende obter, com o cancelamento da averbação de nº 2, o consequente cancelamento do registro nº 1 da referida matrícula, que se refere à inscrição da servidão.

Mas seu pedido não pode ser deferido.

Como a sentença bem decidiu, o reconhecimento de nulidade do registro na via administrativa só tem cabimento em casos de patentes vícios no processo de registro, o que não ocorre, na hipótese vertente, seja em relação à inscrição da servidão, seja razão da averbação da transferência da servidão da Light para a Eletropaulo.

A nulidade de pleno direito a que se refere o art. 214 da Lei nº 6.015/1973 é aquela respeitante ao modo (registro) e não ao título. Por isso, apenas a nulidade atinente ao modo (registro) é que pode ser declarada diretamente pela via administrativa, dispensando a via judicial.

Nesse sentido, é o parecer apresentado pelo Desembargador Vicente de Abreu Amadei, então Juiz Auxiliar da Corregedoria, no Processo CG nº 249/2006:

“A nulidade de pleno direito de que cuida o artigo 214 da Lei nº 6.015/73 é a do próprio registro (não a de seu ato causal), ou seja, de ordem formal, extrínseca, e, por isso, suscetível de ser declarada diretamente em processo administrativo, independentemente de ação judicial.”

Por essa razão, para o seu reconhecimento deve o vício ser evidente ao simples exame da face das tábuas registrárias, sem necessidade de verificações outras concernentes ao título, que, se necessárias, afastam o exame na esfera administrativa, tomando indispensável a via jurisdicional para soldar os elementos intrínsecos.

Nesse sentido, diversos são os precedentes da Corregedoria Geral da Justiça, inclusive recentes (Processos CG 825/05, 140/06 e 122/06), cumprindo destacar, ainda, as boas referências que se colhem no parecer referente ao Processo CG 825/05:

“Logo, sem vício direto e exclusivo do registro, que apenas por reflexo (indiretamente) pode ser atingido, por eventual vício de seu título causal, impõe-se reconhecer a necessidade de ação judicial e, daí, a procedência do recurso para afastar o cancelamento decretado nesta esfera administrativa”.

No que se refere à inscrição da servidão, relembre-se que, por expressa disposição da escritura pública, a servidão foi estabelecida em favor da outorgada Light, não se vislumbrando qual seria a nulidade no processo de registro a ensejar a aplicação do art. 214 da Lei nº 6.015/73 e autorizar o cancelamento da inscrição da servidão, conforme R1 da matrícula 3232. Pela mesma razão não se vê qual seria a nulidade a contaminar a averbação nº 2 da matrícula 7.863 (fls. 13), que apenas fez transferir a servidão da Light para a sucessora Eletropaulo, o que estava de acordo com a previsão do título pelo qual se estabeleceu a servidão.

A par da ausência de nulidade patente no processo de registro, tem-se que a servidão predial civil não é uma relação entre pessoas, mas entre prédios, de modo a proporcionar utilidade ao prédio dominante, e gravar o prédio serviente, que pertence a diverso dono, tal como estabelece o art. 1.378 do Código Civil em vigor, e como de resto estabelecia o art. 695 do Código Civil revogado.

Bem por isso é que não importa quem seja o primitivo favorecido da servidão, assim como não importa quem seja o primitivo proprietário do prédio serviente, haja vista que a relação se dá entre os prédios.

Vale dizer, a servidão, por ser direito real, não se extingue pela eventual alteração dos proprietários dos prédios dominante e/ou serviente.

No caso, no lugar do prédio serviente está o serviço público de energia elétrica, haja vista que a servidão se deu para a colocação de postes para a sustentação de energia elétrica (fls. 09 e 13), tudo indicando, portanto, que se está diante de uma servidão administrativa.

Por tudo isso é que a mera transferência da servidão em prol da Light para a Eletropaulo, agora sucedida pela EDP – SÃO PAULO DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA S/A, não dá ensejo à extinção da servidão e não autoriza o cancelamento da inscrição correspondente na esfera administrativa.

Nesse sentido é que o Magistrado aduziu que haveria indícios de usucapião e/ou possível afetação administrativa, de modo a não autorizar a via administrativa eleita pelos autores para o cancelamento da servidão.

De fato, em se tratando de servidão administrativa, apenas se a coisa dominante perdesse a função pública é que a servidão desapareceria. Como, no presente caso, em lugar da coisa dominante está um serviço público, enquanto ele continuar a ser prestado, a servidão continua a existir.

A respeito da servidão administrativa, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo, Editora Forense, 33ª edição, págs.189/190):

“Servidão administrativa é o direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delegados, em favor de um serviço público ou de um bem afetado a fim de utilidade pública” (grifo não no original).

E com relação à extinção, prossegue a mesma autora:

“[…] as servidões administrativas são perpétuas no sentido de que perduram enquanto subsiste a necessidade do Poder Público e a utilidade do prédio serviente. Cessada esta ou aquela, extingue-se a servidão”.

E mesmo que a servidão fosse civil, a razão para a extinção da servidão, pelo que se colhe do recurso, seria “a renúncia expressa da beneficiaria única LIGHT – SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A – perdeu seu objeto desde 1981, reitere-se, desde 1981 ou porque intransferível/inalienável, portanto, exercício de direito algum assistia/assiste a ELETROPAULO METROPOLITANA ELETRICIDADE DE SÃO PAULO S/A” (sic).

De renúncia expressa não se trata, e fosse o caso de suscitar renúncia tácita apenas judicialmente seria possível proceder à extinção da servidão e obter o cancelamento do seu registro, à luz do que estabelece o art. 1.388, I, do Código Civil.

Do mesmo modo as previsões referentes à extinção da servidão pela perda de utilidade ou não uso (Código Civil, artigos 1.388, inciso II, e 1.389, inciso III), dependem de seu reconhecimento na via judicial em conformidade com a garantia legal do devido processo legal.

Então, civil ou administrativa a servidão, não se vislumbra hipótese de extinção que devesse ser reconhecida na via administrativa, nem mesmo nulidade de pleno direito do registro (art. 214 da Lei nº 6.015/73), de modo que a sentença deve prevalecer.

Em suma: a r. sentença recorrida apreciou bem as razões da recusa, e deu-lhes julgamento correto, e desse modo o recurso não pode ser provido.

Ante o exposto, o parecer que apresento ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo-se a r. sentença recorrida e as razões de recusa do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Cruzeiro.

Sub censura.

São Paulo, 09 de fevereiro de 2022.

Cristina Aparecida Faceira Medina Mogioni

Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo, na forma do artigo 246, do Código Judiciário do Estado de São Paulo, ao qual nego provimento. São Paulo, 10 de fevereiro de 2022. (a) FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA, Corregedor Geral da Justiça – ADV: ANTÔNIO JOSÉ WAQUIM SALOMÃO, OAB/SP 94.806, ALFREDO ZUCCA NETO, OAB/SP 154.694, GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXÃO, OAB/SP 186.458 e JOSÉ GERALDO NOGUEIRA, OAB/SP 91.001.

Diário da Justiça Eletrônico de 16.02.2022

Decisão reproduzida na página 016 do Classificador II – 2022

Fonte:  INR Publicações

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ITBI e IPTU: o STJ e os impostos municipais que incidem sobre imóveis (parte 2)

Previstos no artigo 156 da Constituição Federal e nos artigos 32 a 42 do Código Tributário Nacional (CTN), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) compõem parte importante da receita dos municípios brasileiros – entes federativos competentes para instituir e regulamentar esses tributos.

Como impostos não possuem finalidade específica, os recursos arrecadados se destinam a financiar serviços públicos em geral, fornecidos pelos municípios, como construção de escolas e creches, pavimentação, saneamento básico e ampliação do atendimento de saúde.

Aumentar a arrecadação é um esforço constante dos municípios. Por outro lado, para quem é proprietário, suportar os encargos tributários decorrentes da aquisição e da manutenção do imóvel pode ser pesado, o que acaba levando muitos casos à apreciação do Poder Judiciário.

Os imóveis sujeitos à cobrança, quem deve pagar, os critérios para aumento do tributo e os prazos de prescrição são alguns dos muitos assuntos que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem analisando nos últimos anos em relação ao IPTU, tema desta segunda reportagem sobre a jurisprudência da corte e os impostos municipais relacionados a imóveis.

Leia também – ITBI e IPTU: o STJ e os impostos municipais que incidem sobre imóveis (parte 1)

Quanto ao IPTU, o ministro Gurgel de Faria, em julgamento recente (REsp 1.937.821), explicou que ele tributa a propriedade, “lançando-se de ofício o imposto tendo por base de cálculo a Planta Genérica de Valores aprovada pelo Poder Legislativo local, que considera aspectos mais amplos e objetivos como, por exemplo, a localização e a metragem do imóvel”.

Atualização e notificação de lançamento

Na Súmula 160, a Primeira Seção do tribunal fixou a tese de que é proibido ao município atualizar o IPTU por decreto em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.

Com base nesse entendimento, a Segunda Turma julgou, em 2019, o AgInt no AREsp 1.351.651, de relatoria da ministra Assusete Magalhães. O recurso discutia se seriam nulos os créditos de IPTU atualizados mediante decreto.

Em seu voto, a relatora destacou que, nos termos da Súmula 160, o que se impede é “a majoração da base de cálculo do IPTU por meio de decreto, e não a mera atualização monetária”.

No julgamento, a turma aplicou também a Súmula 397. “A jurisprudência desta corte é firme no sentido de que a notificação do lançamento do IPTU e das taxas municipais ocorre com o envio da correspondente guia de recolhimento do tributo para o endereço do imóvel ou do contribuinte, com as informações que lhe permitam, caso não concorde com a cobrança, impugná-la administrativa ou judicialmente”, afirmou a relatora.

IPTU em área urbanizável e de expansão urbana

No AgInt no REsp 1.930.613, sob a relatoria do ministro Francisco Falcão, a Segunda Turma reforçou que a incidência do IPTU sobre imóvel situado em área considerada pela lei local como urbanizável ou de expansão urbana não está condicionada à existência dos melhoramentos elencados no artigo 32, parágrafo 1º, do CTN, conforme enunciado da Súmula 626.

O recurso teve origem em ação anulatória de débito fiscal ajuizada por dois contribuintes, referente à cobrança retroativa de IPTU sobre imóvel antes situado em área rural, porém tornada urbana em virtude de alteração no plano diretor do município.

Na sentença, o pedido foi julgado procedente – decisão mantida em segunda instância, sob o fundamento de não haver pelo menos dois dos requisitos indicados pelo CTN para a classificação da área como urbana.

Ao votar pela reforma do acórdão do tribunal de origem, o ministro Falcão citou como precedentes o REsp 1.903.076 e o AREsp 1.517.241.

A responsabilidade pelo IPTU na alienação fiduciária

Ao julgar o AREsp 1.796.224, a Primeira Turma entendeu que o credor fiduciário, antes da consolidação da propriedade em seu nome e da imissão na posse do imóvel objeto da alienação fiduciária, não pode ser considerado sujeito passivo do IPTU, uma vez que não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 34 do CTN.

A relatoria foi do ministro Gurgel de Faria. Segundo ele, no REsp 1.111.202, submetido ao rito dos repetitivos (Tema 122), o STJ definiu que cabe ao legislador municipal eleger o sujeito passivo do IPTU, entre as opções previstas no CTN – tese que deu origem à Súmula 399.

“Em relação aos créditos de IPTU, o entendimento desta corte superior se consolidou no sentido de que se consideram contribuintes do referido imposto o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título”, afirmou o relator.

Entretanto, no caso do credor fiduciário, o ministro anotou que a propriedade a ele conferida é resolúvel e nunca será plena, não sendo ele detentor do domínio útil sobre o imóvel, de forma que passaria a responder pelas dívidas tributárias e não tributárias incidentes sobre o bem somente a partir da consolidação da propriedade em conjunto com a imissão na posse, em hipótese de sucessão (artigo 27, parágrafo 8°, da Lei 9.514/1997).

Leia também – STJ decidirá sobre responsabilidade solidária do credor fiduciário na execução de IPTU do imóvel alienado

“A propriedade conferida ao credor fiduciário é despida dos poderes de domínio e de propriedade (uso, gozo e disposição), sendo a posse indireta por ele exercida desprovida de ânimo de domínio, considerando-se a inexistência do elemento volitivo: a vontade de ter o bem como se seu fosse”, declarou Gurgel de Faria.

Proprietário e usufrutuário são contribuintes do IPTU

No REsp 1.111.202 (Tema 122), ficou estabelecido pela Primeira Seção que “tanto o promitente comprador (possuidor a qualquer título) do imóvel quanto seu proprietário/promitente vendedor (aquele que tem a propriedade registrada no registro de imóveis) são contribuintes responsáveis pelo pagamento do IPTU”.

Com base nesse entendimento, a Primeira Turma, em 2022, decidiu que, no caso de imóvel gravado com usufruto, tanto o proprietário, que remanesce com o domínio indireto, quanto o usufrutuário, que exerce a posse direta e detém o domínio útil, são contribuintes do IPTU, podendo a lei municipal disciplinar a sujeição passiva de qualquer um deles ou, ainda, de ambos (AREsp 1.566.893). A relatoria foi do ministro Gurgel de Faria.

Na origem, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) havia entendido pela ilegitimidade do nu-proprietário para constar no polo passivo da execução fiscal de IPTU, ao fundamento de que ele não seria contribuinte desse tributo sobre o imóvel objeto de usufruto, apenas recaindo a condição de contribuinte sobre o usufrutuário.

O relator destacou que a conclusão a que chegou o TJSP já teve o respaldo na jurisprudência do STJ no passado. Entretanto, ressaltou que, após o julgamento do Tema 122, a posição do tribunal foi atualizada, passando a se orientar em sentido diverso.

“A Primeira Seção, no julgamento dos REsps 1.111.202 e 1.110.551, submetidos à sistemática dos recursos repetitivos, ao decidir sobre a responsabilidade dos promitentes vendedor e comprador de imóvel, assentou que o artigo 34 do CTN elenca como contribuintes do IPTU tanto o proprietário quanto o possuidor da coisa, desde que tenha animus domini“, disse o ministro.

Imunidade tributária e de jurisdição

No RO 138, de relatoria do ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma reafirmou a jurisprudência segundo a qual os Estados estrangeiros possuem imunidade tributária e de jurisdição, conforme os preceitos das Convenções de Viena de 1961 e de 1963, sendo descabida a execução fiscal para cobrança de IPTU.

Na origem, o município do Rio de Janeiro ajuizou execução fiscal contra a República da Argentina para a cobrança de IPTU e de Taxa de Coleta Domiciliar de Lixo – processo que foi extinto pelo juiz sem resolução do mérito, em razão da imunidade de jurisdição. O município alegou que, no Brasil, prevalece a teoria da imunidade relativa, segundo a qual o Estado estrangeiro deve ser submetido à jurisdição de outro quando atua como simples particular.

Em seu voto, o ministro Herman Benjamin citou precedentes tanto da Primeira quanto da Segunda Turma no sentido de que os Estados estrangeiros são dispensados do pagamento de tributos que recaiam sobre seu patrimônio ou lhes sejam exigidos pela prestação não individualizada de serviços. “Não se pode admitir o prosseguimento do processo em relação à cobrança de IPTU”, definiu Benjamin.

Locatário não pode discutir relação jurídico-tributária do IPTU

Ainda sobre o tema, a Primeira Turma, ao julgar o AREsp 1.065.190, entendeu que o IPTU deve incidir sobre imóvel alugado para representante de consulado.

No recurso, interposto por representante de consulado da Turquia, pleiteou-se isenção de IPTU baseada na Convenção de Viena, além da devolução do imposto que foi recolhido durante a vigência do contrato.

O relator, ministro Gurgel de Faria, ressaltou que a isenção tributária prevista na Convenção de Viena sobre Relações Consulares só pode ser concedida aos imóveis dos quais o Estado estrangeiro signatário seja proprietário.

De acordo com o magistrado, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares não se aplica aos tributos incidentes sobre imóvel alugado a Estado estrangeiro para o exercício de sua missão consular, “visto que o ordenamento jurídico brasileiro não atribui essa responsabilidade tributária ao locatário, mas ao proprietário (locador)”.

Quanto à devolução do imposto já pago, o relator reforçou a previsão da Súmula 614 no sentido de que o locatário não tem legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado, nem para pedir a restituição de tributo pago a mais nesses casos.

Definições sobre o prazo de prescrição

No julgamento dos Recursos Especiais 1.658.517 e 1.641.011 (Tema 980), ambos de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, a Primeira Seção fixou duas importantes teses sob o rito dos repetitivos.

A primeira define que o prazo prescricional da cobrança judicial do IPTU começa no dia seguinte à data estipulada para o vencimento do imposto. Em seu voto, o relator destacou que, até o vencimento, o fisco “não dispõe de pretensão executória legítima para ajuizar execução fiscal objetivando a cobrança judicial, embora já constituído o crédito desde o momento no qual houve o envio do carnê para o endereço do contribuinte (Súmula 397)”.

Já a segunda estabelece que o parcelamento de ofício da dívida tributária não configura causa interruptiva da contagem da prescrição, uma vez que o contribuinte não anuiu. Sobre esse ponto, o ministro afirmou que, se o fisco resolve oferecer a opção de parcelamento para pagamento do IPTU por decisão unilateral, por mera liberalidade, não se pode chegar à conclusão de que houve moratória ou parcelamento do crédito tributário capaz de suspender o prazo prescricional para a cobrança do crédito.

“Necessária manifestação de vontade do contribuinte a fim de configurar moratória ou parcelamento apto a suspender a exigibilidade do crédito tributário”, concluiu o ministro.

Imóvel qualificado como estação ecológica

Em 2019, a Segunda Turma do STJ entendeu que a qualificação de imóvel como estação ecológica limita o direito de propriedade, o que afasta a incidência do IPTU (REsp 1.695.340).

Na ocasião, o colegiado analisou o recurso de um contribuinte contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que manteve a cobrança de IPTU exigida pelo município de Belo Horizonte sobre seu imóvel, o qual, a partir da edição de lei estadual, passou a ficar situado em unidade de conservação.

O tribunal local ressaltou que a criação da estação ecológica não transfere, automaticamente, a titularidade do imóvel do contribuinte para o ente público, permanecendo o particular responsável pelo pagamento do tributo até a efetiva desapropriação.

Embora a Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, tenha definido que a estação ecológica é zona rural, o TJMG fundamentou que ela não tem o efeito de alterar a natureza jurídica do imóvel e mudar o fato gerador do tributo, em razão de não ser lei complementar.

Em seu voto, o relator do recurso no STJ, ministro Mauro Campbell Marques, destacou que a limitação trazida por lei estadual e a consequente aplicação dos dispositivos da Lei 9.985/2000 acarretaram ao particular o esvaziamento completo dos atributos inerentes à propriedade (reivindicação, uso e gozo do bem), retirando-lhe o domínio útil do imóvel e afastando o aspecto subjetivo da hipótese de incidência do IPTU.

“O regime de unidade de conservação é incompatível com a caracterização do fato gerador do Imposto Predial e Territorial Urbano, pois, de acordo com o artigo 49 da Lei 9.985/2000, a área destinada a essa finalidade é considerada imóvel rural, o qual somente pode ser tributado pelo Imposto Territorial Rural, cuja competência tributária é específica da União, e não do município de Belo Horizonte”, concluiu o ministro.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

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Reclassificação de imóveis rurais beneficia produtores de todo o país

IMÓVEL RURAL

07/11/2022

A partir desta segunda-feira (07/11), o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), gerenciado pelo Incra, disponibiliza informações atualizadas dos imóveis rurais, conforme parâmetros que modificaram os conceitos de minifúndio e pequena propriedade. As alterações impactaram 4,2 milhões de cadastros, aumentando as chances do público abrangido de acessar créditos produtivos e regularizar suas terras.

Os agricultores beneficiados pela alteração saíram da condição de minifundiários e se transformaram em pequenos proprietários rurais. A reclassificação foi baseada nas previsões constantes na Lei 13.465/2017 e na Instrução Especial nº 5/2022, expedida pela autarquia.

Antes da Lei 13.465/2017, eram identificados como minifúndios os imóveis abaixo de um Módulo Fiscal, que leva em consideração as atividades produtivas existentes em um município. Depois de a legislação entrar em vigor, os minifúndios passaram a ser definidos como áreas abaixo da Fração Mínima de Parcelamento (FMP), menor parcela na qual um imóvel rural pode ser desmembrado para constituir outro. Da mesma forma que o Módulo Fiscal, é estabelecida em hectares, por município.

Já o normativo do Incra, publicado no dia 1º de agosto deste ano, alterou a metodologia da fração mínima, ocasionando a redução do índice em 1.885 municípios brasileiros. A mudança decorre também do uso da Região Geográfica Imediata em substituição à Micro Região Geográfica para agrupamento dos municípios.

Mapa da alteração da FMP

As Regiões Geográficas Imediatas são grupos de municípios, que têm como referência a rede urbana vinculada um centro urbano local base, mediante análise do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A nova regionalização do Brasil feita pelo IBGE implicou no reagrupamento de alguns municípios, alterando assim o valor da Fração Mínima de Parcelamento (FMP).

Os ajustes levaram à revisão do banco de dados do SNCR, concluída agora, e milhares de imóveis foram enquadrados como pequenas propriedades, que têm dimensão superior à FMP e inferior a quatro módulos fiscais. Isso implica o fim da restrição de acesso a linhas de financiamentos para as propriedades e posses reclassificadas. Possibilita ainda autonomia para os titulares dessas áreas que poderão efetuar desmembramentos, em conformidade com a fração mínima de parcelamento de cada localidade.

A fim de conferir se a localidade integra o grupo de municípios com fração alterada, o usuário consulta a Declaração para Cadastro de Imóveis Rurais Eletrônica (DCR), que contém as informações completas sobre a área declarada.

CCIR

A nova situação constará automaticamente no Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR). O documento atesta o cadastro no SNCR e serve de referência para bancos e instituições financeiras ao conceder empréstimos e financiamentos.

Sem o CCIR também não é permitido desmembrar, arrendar, hipotecar, vender ou prometer em venda o imóvel rural, nem homologar partilha amigável ou judicial.

A solicitação do documento pode ser feita pela Plataforma de Governança Territorial do Incra (pgt.incra.gov.br), ou por meio do aplicativo “SNCR Mobile”, em dispositivos móveis a exemplo de tablets e celulares.

Quem não tem acesso à internet pode procurar as Salas da Cidadania das superintendências regionais e Unidades Avançadas do Incra ou as Unidades Municipais de Cadastramento (UMC), instaladas em parceria com as prefeituras.

Fonte:  INR Publicações

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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