Informativo de Jurisprudência do STJ destaca usucapião constitucional

Processo: REsp 1.909.276-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 30/09/2022.

Ramo do Direito: Direito Civil

Tema: Usucapião constitucional. Propriedade da metade do imóvel. Alteração fática substancial. Transmudação da posse. Animus domini. Caracterização. Usucapião reconhecido.

Destaque

O fato de os possuidores serem proprietários de metade do imóvel usucapiendo não faz incidir a vedação de não possuir “outro imóvel” urbano, contida no artigo 1.240 do Código Civil.

Informações do inteiro teor

A usucapião constitucional ou especial urbana apresenta os seguintes requisitos para o seu reconhecimento: (i) área urbana não superior a 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados); (ii) posse mansa e pacífica de 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição, com animus domini; (iii) imóvel utilizado como moradia do possuidor ou de sua família, e (iv) o possuidor não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural, não lhe tendo sido deferida a usucapião especial urbana em outra ocasião.

Na hipótese, a Corte de origem entendeu que os recorrentes não cumpriram um dos requisitos para a aquisição da propriedade com fundamento na usucapião constitucional, qual seja, não possuir outro imóvel urbano. Isso porque eles seriam proprietários da outra metade do imóvel que pretendem usucapir.

Quanto ao ponto, vale esclarecer que os recorrentes, enquanto residiam no imóvel, adquiriram 50% (cinquenta por cento) de sua propriedade em hasta pública, no ano de 1984. Tiveram dificuldade para registrar a carta de arrematação diante da existência de gravames na matrícula, ainda que prescritos, motivo pelo qual ingressaram com o pedido de declaração de propriedade da totalidade do imóvel. Durante a tramitação do feito, conseguiram registrar a carta de arrematação, de modo que desapareceu o interesse processual no que diz respeito à metade do imóvel adquirida em leilão.

A controvérsia, portanto, gira em torno de definir se o fato de os recorrentes serem proprietários de metade do imóvel usucapiendo corresponde a possuir “outro imóvel” urbano, faltando-lhes um dos requisitos do artigo 1.240 do Código Civil. Como enfatiza a doutrina, os constituintes, ao delinearem a usucapião especial urbana, tinham como preocupação contemplar as pessoas sem moradia própria, daí a exigência de não ser proprietário de outro imóvel.

Sob essa perspectiva, o fato de os recorrentes serem proprietários da metade ideal do imóvel que pretendem usucapir não parece constituir o impedimento de que trata o art. 1.240 do Código Civil, pois não possuem moradia própria, já que eventualmente teriam que remunerar o co-proprietário para usufruir com exclusividade do bem.

Cumpre assinalar, ademais, que é firme a jurisprudência desta Corte no sentido de ser admissível a usucapião de bem em condomínio, desde que o condômino exerça a posse do bem com exclusividade.

Assim, tendo os recorrentes (i) permanecido no imóvel durante ao menos 30 (trinta) anos, de 1984 até 2003, data da propositura da ação, sem contrato de locação regular, (ii) sem ter pagado alugueres, (iii) tendo realizado benfeitorias, (iv) tendo se tornado proprietários da metade do apartamento, (v) adimplido com todas as taxas e tributos, inclusive taxas extraordinárias de condomínio, não há como afastar a hipótese de transmudação da posse, que passou a ser exercida com animus domini.

Desse modo, consumado o prazo da usucapião constitucional, estando presentes os demais requisitos do artigo 1.240 do Código Civil, deve ser declarada a propriedade sobre a integralidade do imóvel.

Fonte: Associação dos Notários e Registradores do Brasil

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Informativo de Jurisprudência do STJ destaca penhora de terreno com unidade habitacional em fase de construção

Processo: REsp 1.960.026-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022.

Ramo do Direito: Direito Civil

Tema: Penhora de terreno com unidade habitacional em fase de construção. Intencionalidade na fixação de residência. Bem de família. Reconhecimento da impenhorabilidade. Possibilidade.

Destaque

O terreno cuja unidade habitacional está em fase de construção, para fins de residência, está protegido pela impenhorabilidade por dívidas, por se considerar antecipadamente bem de família.

Informações do inteiro teor

O Tribunal de origem concluiu pela penhorabilidade do terreno com edificação inacabada, sob o fundamento de ser imprescindível à proteção legal conferida ao bem de família que o imóvel sirva de efetiva residência aos devedores.

Como se vê, a deliberação da instância precedente considera como condição/requisito à proteção legal conferida pela Lei n. 8.009/1990, a efetiva fixação de residência no imóvel, o que, no momento, não se afiguraria possível por estar a unidade habitacional em fase de construção. Inegavelmente, a instância ordinária está a permitir a penhora do imóvel de propriedade do casal, por dívida civil, em evidente interpretação literal e restritiva aos artigos 1º e 5º da Lei n. 8.009/90.

As normas protetivas desses direitos devem ter as exceções interpretadas restritivamente, sendo vedado ao julgador criar hipóteses de limitação da impenhorabilidade do bem de família, isto é, dos direitos fundamentais que regem a matéria.

O colegiado da Terceira Turma desta Corte deliberou ser possível considerar como bem de família terreno sequer edificado, mas que, diante das provas apresentadas, tais como projeto de construção, compra de materiais e início da obra, pudesse ser deduzida a pretensão de moradia.

No caso, em que já há edificação para fins de moradia em curso, a princípio, a interpretação que melhor atende ao escopo da Lei n. 8.009/1990 é a de que, em se tratando de único imóvel de propriedade dos devedores, cuja unidade habitacional está em fase de construção, deve incidir a benesse da impenhorabilidade, desde que não configuradas as exceções previstas nos artigos 3º e 4º da mencionada lei.

Assim, obra inacabada presume-se residência e será protegida, pois a interpretação finalística e valorativa da Lei n. 8.009/1990, considerando o contexto sociocultural e econômico do País, permite concluir que o imóvel adquirido para o escopo de moradia futura, ainda que não esteja a unidade habitacional pronta – por estar em etapa preliminar de obra, sem condições para qualquer cidadão nela residir -, fica excluído da constrição judicial, uma vez que a situação econômico-financeira vivenciada por boa parte da população brasileira evidencia que a etapa de construção imobiliária, muitas vezes, leva anos de árduo esforço e constante trabalho para a sua concretização, para fins residenciais próprios ou para obtenção de frutos civis voltados à subsistência e moradia em imóvel locado.

Fonte: Associação dos Notários e Registradores do Brasil

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CSM/SP: REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada prejudicada ao fundamento de não cabimento da dúvida inversa – Dúvida inversa admitida na jurisprudência administrativa deste Conselho Superior da Magistratura e prevista no item 39.1, do Capítulo XX, do Tomo II, das NSCGJ No mérito, a exigência é descabida – Não aplicação do disposto no artigo 77 da Lei 5.764/1971 à liquidação extrajudicial voluntária das cooperativas – Artigos 75 e 77 que não foram, ademais, recepcionados pela nova ordem constitucional, porquanto aplicáveis apenas à então existente liquidação extrajudicial não voluntária ou coativa, de iniciativa do órgão executivo federal, que não subsiste à luz do disposto no artigo 5º, XVIII, da Constituição Federal – Recurso Provido – Dúvida improcedente.

Apelação nº 1008858-31.2020.8.26.0348

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1008858-31.2020.8.26.0348

Comarca: MAUÁ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1008858-31.2020.8.26.0348

Registro: 2022.0000657101

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1008858-31.2020.8.26.0348, da Comarca de Mauá, em que é apelante COOPERATIVA HABITACIONAL DOS FUNCIONÁRIOS DA COMPANHIA SANTISTA DE TRANSPORTES COLETIVOS CSTC, é apelado OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA MAUÁ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação e julgaram improcedente a dúvida, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de agosto de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1008858-31.2020.8.26.0348

APELANTE: Cooperativa Habitacional dos Funcionários da Companhia Santista de Transportes Coletivos CSTC

APELADO: Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da comarca Mauá

VOTO Nº 38.735

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada prejudicada ao fundamento de não cabimento da dúvida inversa – Dúvida inversa admitida na jurisprudência administrativa deste Conselho Superior da Magistratura e prevista no item 39.1, do Capítulo XX, do Tomo II, das NSCGJ No mérito, a exigência é descabida – Não aplicação do disposto no artigo 77 da Lei 5.764/1971 à liquidação extrajudicial voluntária das cooperativas – Artigos 75 e 77 que não foram, ademais, recepcionados pela nova ordem constitucional, porquanto aplicáveis apenas à então existente liquidação extrajudicial não voluntária ou coativa, de iniciativa do órgão executivo federal, que não subsiste à luz do disposto no artigo 5º, XVIII, da Constituição Federal – Recurso Provido – Dúvida improcedente.

Trata-se de apelação (fls. 235/246) interposta pela Cooperativa Habitacional dos Funcionários da Companhia Santista de Transportes Coletivos CSTC contra a r. sentença (fls. 229/230), proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Mauá, que julgou prejudicada a dúvida inversa por ser inviável seu oferecimento à luz do disposto no artigo 198, da Lei de Registros Públicos.

Em suas razões de recurso, alega a apelante, em síntese, que: (i) é cabível a suscitação de dúvida inversa, nos termos do que estabelece o item 39.1 do Tomo II, das NSCGJ; (ii) a alienação do imóvel pela cooperativa atendeu às exigências da Lei 5.764/71 e do seu Estatuto, não se lhe aplicando as regras da Lei Falimentar, à vista de sua natureza de sociedade simples; (iii) faz jus à tutela de urgência para o imediato registro do título apresentado porque a Caixa Econômica Federal está na iminência de rescindir o contrato de financiamento feito pelo comprador do imóvel em vista da sentença proferida.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pela manutenção da r. sentença (fls. 276/278).

É o relatório.

A r. sentença recorrida considerou incabível a dúvida inversa, julgando-a prejudicada, sob o fundamento de não estar prevista no artigo 198, da Lei de Registros Públicos, e, portanto, o item 39.1, do Capítulo XX, das NSCGJ, que sobre ela dispõe, não teria fundamento legal.

Não se desconhece que há entendimento doutrinário e jurisprudencial (RExtr. 77.966, j. 13.05.1983) no sentido de que a dúvida direta é a única ação de dúvida prevista em lei e disciplinada pelos artigos 198 a 204, 207 e 296, da Lei nº 6.015/73.

Contudo, no âmbito do Estado de São Paulo, a dúvida inversa está prevista no item 39.1, do Capítulo XX, do Tomo II, das NSCGJ, sendo, inclusive, disciplinado o seu procedimento.

A jurisprudência do C. Conselho Superior da Magistratura igualmente admite a dúvida inversa, como se destaca no seguinte precedente:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida Inversa – Admissibilidade – Título judicial – Qualificação – Cabimento – Irresignação Parcial – Dúvida prejudicada – Atendimento de exigências no curso da dúvida – Prorrogação inaceitável do prazo da prenotação – Declaração de quitação dos débitos condominiais – Exigência não mais justificável – Revogação tácita do parágrafo único do artigo 4.º da Lei n.º 4.591/1964 pelo artigo 1.345 do Código Civil de 2002 – Recurso não provido.

(…)

A dúvida inversa, suscitada, com fundamento em criação pretoriana, pela interessada, ora apelante – que, inconformada com uma das exigências formuladas pelo registrador, ao invés de requerer-lhe a suscitação, apresentou-a diretamente ao MM Juiz Corregedor Permanente -, é, consoante jurisprudência consolidada, admitida pelo Conselho Superior da Magistratura deste Egrégio Tribunal de Justiça” (APELAÇÃO CÍVEL nº 0028707-86.2011.8.26.0100, j. 24/05/2012; Relator DES. JOSÉ RENATO NALINI).

Afastada, portanto, a r. sentença no que se refere ao não conhecimento da dúvida inversa, passa-se à análise da questão controvertida.

Inicialmente, há de ser indeferida a pretendida antecipação de tutela recursal. Isto porque, instaurada a dúvida registrária, o prazo da prenotação é prorrogado até solução final do procedimento, sendo inadmissível a concessão de tutela provisória, na forma pretendida pela apelante, em razão do disposto no art. 203, da Lei nº 6.015/73, que condiciona o registro do título ao trânsito em julgado da decisão:

“Art. 203 – Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo:

I – se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de translado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne no Protocolo e cancele a prenotação;

II – se for julgada improcedente, o interessado apresentará, de novo, os seus documentos, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que ficarão arquivados, para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotações do Protocolo”.

Desta forma, há manifesta incompatibilidade da antecipação da tutela recursal e o procedimento (processo em fase recursal) de dúvida, implicando a ausência de interesse processual na concessão da medida de urgência.

E, no mérito, a dúvida não procede.

A exigência formulada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Mauá, com referência ao imóvel de matrícula 56.570, está assim retratada nas informações do delegatário (fls. 188/194), destacando-se o seguinte trecho:

“Conforme exposto na nota de devolução (fls. 168), o título não estava apto para registro, visto que, por ser a vendedora cooperativa de habitação, em liquidação extrajudicial, se faz necessário ter prévia avaliação do imóvel, bem como sua alienação necessita ser entre umas das formas previstas no art. 142, da Lei n. 11.101/2005”.

O Oficial esclareceu, ainda, que a incidência do artigo 142, da atual Lei de Falências, decorre da remissão feita pelo artigo 77, II, da Lei nº 5.764/1971, aos artigos 117 e 118, do então vigente Decreto-lei nº 7.661/1945, anterior lei de falências, ora revogada.

Ao ver do registrador, a Lei de regência das cooperativas (Lei nº 5.764/1971) determinava a aplicação das regras da lei de falências (Decreto-lei nº 7.661/1945) no tocante à alienação de bens, fazendo expressa referência aos artigos 117 e 118, da lei de quebra que, por força do artigo 77, da lei das cooperativas, deveria balizar a alienação de bens na hipótese de liquidação extrajudicial de cooperativa.

Como o Decreto-lei nº 7.661/1945 foi revogado e substituído pela Lei nº 11.101/2005, a alienação dos bens das cooperativas em liquidação extrajudicial deveria, segundo o delegatário, obedecer ao estabelecido no artigo 142, o qual, antes da modificação pela recente Lei nº 14.112/2020, previa a necessidade de avaliação prévia e a utilização de uma das seguintes modalidades de alienação: leilão, por lances orais; propostas fechadas; e pregão.

Por oportuno, convém anotar que, após a prenotação havida nos autos, a Lei nº 11.101/2005 sofreu alteração pela Lei nº 14.112/2020, de modo que o caput do artigo 142 está assim redigido:

“Art. 142. A alienação de bens dar-se-á por uma das seguintes modalidades:

I – leilão eletrônico, presencial ou híbrido;

II – (revogado);

III – (revogado);

IV – processo competitivo organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou ao plano de recuperação judicial, conforme o caso;

V – qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos desta Lei”.

Mas o Oficial não tem razão.

A Lei nº 5.764/1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências, prevê a dissolução extrajudicial das cooperativas por ato voluntário ou por iniciativa do órgão executivo federal, sem prejuízo da liquidação judicial, conforme o disposto nos artigos 63 e 64.

Como a recorrente está em liquidação extrajudicial, não interessa cuidar da liquidação judicial, mas apenas da extrajudicial.

E segundo a lei, duas são as espécies de liquidação extrajudicial: a voluntária, para os casos do artigo 63, e a não voluntária ou coativa, para o caso do artigo 64.

A liquidação voluntária é deliberada em assembleia, ao passo que a liquidação não voluntária seria de iniciativa do órgão executivo federal. Diz-se “seria” porque a partir da Constituição Federal de 1988 não subsiste a liquidação não voluntária de iniciativa do órgão executivo federal, sob pena de violação ao disposto no artigo 5º, XVIII, da Carta Magna:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;”

Nesse sentido, destaca-se:

“Com a liberdade de constituição e funcionamento das cooperativas, inaugurada pela Constituição Federal de 1988, não é mais possível que ocorra sua liquidação coativa extrajudicial, prevista nos arts. 75 a 77 da respectiva lei, cujas disposições, portanto, encontram-se revogadas” [1].

A liquidação extrajudicial que persiste é a voluntária, a ser deliberada pela Assembleia Geral da Cooperativa e que se submete ao procedimento dos artigos 65 a 74, da Lei 5.764/1971, não se lhes aplicando o disposto nos artigos 75 a 77, da mesma lei.

Novamente merece destaque a doutrina:

“É preciso não confundir a liquidação extrajudicial, de que tratavam os artigos 75 e 77 da Lei 5.764/1971 (em que era suposta sua instauração por autoridade administrativa competente e a cujo controle a cooperativa estaria vinculada) com a liquidação contemplada em seu art. 65, que é fase ou processo pelo qual passa a sociedade dissolvida para efeito de sua extinção. A primeira era coativa e tinha por fim instaurar o concurso universal de credores para lhes proporcionar em rateio a satisfação de seus créditos, deflagrando-se sob o controle de uma autoridade pública; a segunda é decorrência da dissolução, por qualquer das causas que lhe são próprias, não instaura concurso de credores e se mantém sob o controle dos próprios cooperados” [2].

Por certo, a liquidação extrajudicial voluntária não se submete ao disposto nos artigos 75 a 77, da Lei 5.764/1971, haja vista que a competência para realizar o ativo é do(s) liquidante(s), nomeado(s) pela assembleia geral da cooperativa, nos exatos limites do que por ela for deliberado. Essa é a redação do artigo 65, caput: “Quando a dissolução for deliberada pela Assembléia Geral, esta nomeará um liquidante ou mais, e um Conselho Fiscal de 3 (três) membros para proceder à sua liquidação”.

E conforme o artigo 68, são obrigações dos liquidantes, entre outras: “realizar o ativo social para saldar o passivo e reembolsar os associados de suas quotas-partes, destinando o remanescente, inclusive o dos fundos indivisíveis, ao Banco Nacional de Crédito Cooperativo S/A.” (inc. VI); “convocar a Assembléia Geral, cada 6 (seis) meses ou sempre que necessário, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação e prestar contas dos atos praticados durante o período anterior” (inc. IX); “apresentar à Assembléia Geral, finda a liquidação, o respectivo relatório e as contas finais” (inc. X).

Constata-se, portanto, que as obrigações dos liquidantes são dispostas de modo exauriente pelo artigo 68 e, em momento algum, há imposição para obediência às formalidades do artigo 77 para a alienação de bens.

De fato, como a deliberação quanto à dissolução e apuração dos haveres é da assembleia geral da cooperativa, cabe unicamente a ela dispor como isso se dará, a fim de que os liquidantes sigam o quanto por ela deliberado. Findo o processo destinado à alienação dos bens, far-se-á a prestação de contas à mesma assembleia geral, como determinado na lei.

A observância das formalidades do artigo 77 da lei tinha sua razão de ser para a então existente liquidação extrajudicial coativa ou não voluntária, por iniciativa do órgão executivo federal, considerando que nessa hipótese não havia deliberação da assembleia, de modo a ser justificável as cautelas da avaliação prévia de bens e da sua alienação pelos mesmos modos destinados à venda dos bens da massa falida.

Inexistindo similitude entre a situação da liquidação extrajudicial voluntária da Lei 5.764/1971 com a alienação dos bens arrecadados em falência, não há justificativa bastante para a aplicação do disposto no artigo 142, da atual Lei de Falências, como, aliás, não havia razão para a aplicação mesma dos artigos 117 e 118, da anterior Lei de Falências (Dec.-lei 7.661/1945), por força da remissão feita pelo artigo 77 da Lei 5.764/1971.

Em outras palavras, a liquidação extrajudicial voluntária das cooperativas nunca se submeteu ao disposto no artigo 77, da lei de regência, já que há procedimento específico e exauriente para ela na mesma lei, nos artigos 65 a 74. E após a Constituição Federal, que impediu a interferência estatal na criação e funcionamento das cooperativas, não subsiste a liquidação extrajudicial não voluntária ou coativa, de modo que os artigos 75 a 77, da lei das cooperativas, não foram recepcionados pela nova ordem constitucional.

Conclui-se, portanto, que a exigência do Oficial de Registro de Imóveis de Mauá é descabida.

Por oportuno, consigne-se que estão arquivadas as atas da assembleia geral extraordinária a respeito da liquidação extrajudicial da cooperativa, de aprovação e nomeação do liquidante extrajudicial, Sr. Julio Cesar Lellis, e de autorização da venda do imóvel tratado nestes autos, de matrícula nº 56.570 (fls. 35/36).

Então, a alienação foi autorizada em assembleia geral extraordinária, de modo a não existir óbice ao registro do título.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso e julgo improcedente a dúvida .

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

Notas:

[1] EMPRESA INDIVIDUAL DE REPONSABILIDADE LIMITADA E SOCIEDADE DE PESSOAS; Alfredo de Assis Gonçalves Neto; Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, Revista dos Tribunais, pág. 400

[2] EMPRESA INDIVIDUAL DE REPONSABILIDADE LIMITADA E SOCIEDADE DE PESSOAS; Alfredo de Assis Gonçalves Neto; Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França, Revista dos Tribunais, págs. 400/401. (DJe de 18.10.2022 – SP)

Fonte: INR Publicações

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