1VRP/SP: Registro de Imóveis. Inventário. Cessão de direitos hereditários. Ainda que os títulos consubstanciassem cessão de direitos hereditários a título universal, haveria necessidade de também se registrarem a transmissão aos sucessores e a transmissão subsequente à cessionária.


  
 

Processo 1123608-09.2023.8.26.0100

Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Jaciro Ribeiro – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para reconhecer como corretos os atos de registro praticados, de modo que ausente direito a ressarcimento de valores. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: JACIRO RIBEIRO (OAB 179953/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1123608-09.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Registro de Imóveis

Requerente: 6º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital – Sp

Requerido: Jaciro Ribeiro

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 6º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Jaciro Ribeiro após negativa de cancelamento de atos registrários praticados na matrícula n. 18.395 daquela serventia em decorrência das prenotações n. 806.690 e 806.692, bem como de devolução de emolumentos pagos (prenotação n. 814.989, de 21 de agosto de 2023).

O Oficial esclarece que a parte questiona averbações e registros praticados entre a Av. 06 e o R.14 da matrícula n. 18.395, sob o fundamento de que as transmissões onerosas do imóvel, denominadas nos títulos como “cessão de direitos hereditários”, não necessitavam de registro: seria cabível transmissão direta da propriedade do autor da herança e da meeira ao terceiro adquirente. Em outros termos, a intenção da parte seria somente “adjudicar” o imóvel diretamente à cessionária dos direitos hereditários, concentrando as transmissões de cada inventário em um único ato, de modo que seria devida readequação dos atos de registro das partilhas causa mortis, com supressão do nome dos herdeiros da matrícula e registro da transmissão direta ao terceiro cessionário, com devolução dos emolumentos pagos.

O Oficial esclarece, ainda, que informou à parte a diferenciação entre “renúncia à herança abdicativa”, “cessão de direitos hereditários” e “alienação de bem que compõe a herança”, justificando a necessidade de todos os atos praticados; que o direito de meação não se confunde com direitos hereditários, inexistindo “renúncia à meação”; que a qualificação do título deve ser feita com observância da real intenção das partes (princípio da instrumentalidade): o nome que as partes atribuem ao ato ou negócio jurídico, como “cessão”, “renúncia” ou qualquer outro, não é o que determina sua verdadeira natureza; que diferentes efeitos cíveis e tributários surgem conforme o adequado enquadramento do ato ou negócio jurídico: renúncia pura, renúncia in favorem, cessão de direitos hereditários, cessão de “meação” ou transmissão de bem específico da herança; que, no caso concreto, embora haja referência a “cessões de direitos hereditários”, o que houve, em verdade, foi transmissão de bem específico, de modo que os atos registrais praticados estão corretos.

Quanto ao caso concreto, o Oficial informou que o imóvel objeto da matrícula 18.395 era de titularidade de Norbert Engelmeier e de sua mulher, Vermiglia Engelmeier, e de Franz Wesenauer e de sua mulher, Theresia Wesenauer; que as prenotações n. 806.690 e 806.692 envolveram: 1) escrituras públicas de inventário, partilha e adjudicação, lavradas pela 1º Tabeliã de Notas e Protesto de Letras e Títulos de São Caetano do Sul-SP em 09/05/2023; 2) escritura denominada “Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários”, lavrada pela mesma tabeliã em 30/04/2021, em que os herdeiros de Franz e Theresia alienaram seus direitos sobre o imóvel a terceiro; 3) escritura denominada “Escritura Pública de Cessão de Direitos de Meação e Hereditários”, lavrada pela mesma tabeliã em 30/04/2021, em que a viúva meeira e os herdeiros de Norbert alienaram seus direitos sobre o mesmo imóvel a terceiro; que os títulos indicam que as partes alienaram bem imóvel determinado e não “direitos hereditários”, a título universal; que, em consequência, foram praticados os seguintes atos de registro em sentido estrito na matrícula 18.395: 1) R. 7 Partilha causa mortis entre meeira e herdeiros dos bens deixados pelo falecimento de Franz Wesenauer; 2) R. 9 Partilha causa mortis entre os herdeiros dos bens deixados por Theresia Wesenauer; 3) R. 10 Transmissão inter vivos, a título oneroso, entre os herdeiros que receberam o imóvel no R. 7 e R.9 para a cessionária/adquirente; 4) R. 13 Partilha causa mortis entre meeira e herdeiros dos bens deixados por Norbert Engelmeier; 5) R. 14 Transmissão inter vivos, a título oneroso, da meeira e herdeiros que receberam no R.13 para a adquirente/cessionária.

Como houve adequada interpretação dos títulos apresentados, com instrumentalização dos registros em total observância aos princípios que regem a atividade, a pretensão da parte não podia ser admitida (Enunciado 34 da I Jornada de Direito Notarial e Registral do CJF, STJ), sendo que, ainda que se tratasse de verdadeira “cessão universal de direitos hereditários”, necessitariam ser observados a dupla incidência tributária e o adequado cumprimento do princípio da continuidade, com duplo registro.

Documentos vieram às fls. 17/216.

Em manifestação dirigida ao Registrador e em impugnação (fls. 215/216 e 217/230), a parte defende como devido o cancelamento de registros que atribuíram meação às viúvas meeiras e as legítimas aos herdeiros, uma vez que, diante das escrituras de cessões de direitos hereditários e de meação, a cessionária ficou sub-rogada em referidos direitos, assumindo a mesma posição dos cedentes e, assim, participando dos inventários, em que houve adjudicação do bem em seu favor; que os títulos não atribuíram meação e legítima, mas sim adjudicação à cessionária; que a cessão de direitos hereditários pode se dar de forma universal ou singular; que não há que se falar em quebra da cadeia registrária ou ofensa aos princípios da continuidade e da disponibilidade; que o autor da herança transmitiu os direitos por meio de seu espólio e não a viúva meeira e os herdeiros; que o princípio da saisine não implica necessidade de atribuição da meação à meeira e das legítimas aos herdeiros; que os atos praticados, além de desrespeitarem os títulos, trouxeram oneração de emolumentos. Juntou documentos às fls. 231/254.

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 258/259).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

De início, vale destacar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.

Em outras palavras, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117 do Cap. XX das Normas de Serviço:

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, o pedido procede. Vejamos os motivos.

A parte pretende o cancelamento de atos registrários que considera equivocados (R.10 e R.14 – fls. 10 e 14), argumentando que os títulos operaram transmissão direta da propriedade do imóvel pelos autores das heranças e da meeira viva à cessionária adjudicante, o que não fere princípio registral. Em consequência, os emolumentos pagos por tais atos devem ser ressarcidos.

Porém, nos termos dos artigos 1.784 e 1.791 do Código Civil, a herança se transmite aos herdeiros com a morte, quando é aberta a sucessão, constituindo um todo unitário, indivisível até a partilha.

Assim, com o falecimento de Franz Wesenauer, Theresia Wesenauer e Norbert Engelmeier, todo o seu patrimônio, inclusive seus direitos de propriedade sobre parte ideal do imóvel da matrícula n. 18.395, após separação da meação, foi transmitida aos seus herdeiros.

Os títulos relativos às prenotações n. 806.690 e 806.692, por sua vez, confirmam que houve aceitação da herança pelos sucessores, tanto que transmitiram seus direitos a terceiro (R.3 Fortunato Empreendimentos e Participações Ltda), não havendo como se sustentar renúncia à meação ou cessão de meação, na medida em que a propriedade já era da meeira viva.

Não se identifica dos títulos, ademais, cessão de direitos sucessórios a título universal, mas, sim, transmissão dos direitos sucessórios recebidos em relação a imóvel determinado a terceiro.

Não resta dúvida, portanto, de que os títulos foram interpretados corretamente, em observância à vontade manifestada e ao caso concreto (alienação de parte ideal pela meeira viva e transmissão de direitos herdados pelos sucessores), com realização dos atos registrais pertinentes, tudo em atendimento ao princípio da continuidade, que torna impossível a transmissão direta da propriedade dos falecidos a terceiro que não sucessor.

O título, em outros termos, para ter ingresso, necessita estar em conformidade com o já inscrito no registro (artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73):

“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

(…)

Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.

No mesmo sentido, o item 47 do Cap. XX das NSCGJ:

“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro, observando-se as exceções legais no que se refere às regularizações fundiárias”.

Por consequência, ainda que os títulos consubstanciassem cessão de direitos hereditários a título universal, haveria necessidade de também se registrarem a transmissão aos sucessores e a transmissão subsequente à cessionária.

Neste sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS E INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL – MONTE MOR COMPOSTO POR UM ÚNICO IMÓVEL – ITCMD e ITBI DEVIDAMENTE RECOLHIDOS – POSSIBILIDADE DE INGRESSO NO FÓLIO REAL, REGISTRANDO-SE PRIMEIRAMENTE A TRANSFERÊNCIA AOS HERDEIROS, CONFORME PARTILHA QUE SE EXTRAI DA ESCRITURA, E DEPOIS A ADJUDICAÇÃO AO CESSIONÁRIO – RECURSO PROVIDO” (CSMSP, Apelação Cível n. 0025959-80.2012.8.26.0477, Relator Des. Elliot Akel, j. 30/10/2014).

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para reconhecer como corretos os atos de registro praticados, de modo que ausente direito a ressarcimento devalores.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 18 de outubro de 2023.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (DJe de 20.10.2023 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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