CSM/SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de sobrepartilha de bens em divórcio – Partilha que se limitou a atribuir a meação a cada um dos excônjuges – Ordens de indisponibilidade em desfavor de um dos ex-cônjuges que não obstam o ingresso do título no assento imobiliário – Ausência de disposição patrimonial – Apelação a que se dá provimento – Afastado o óbice registral.

Apelação Cível nº 0006691-15.2022.8.26.0566

Espécie: APELAÇÃO

Número: 0006691-15.2022.8.26.0566

Comarca: SÃO CARLOS

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 0006691-15.2022.8.26.0566

Registro: 2023.0000693548

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0006691-15.2022.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é apelante CELSO LOPES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO CARLOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de agosto de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 0006691-15.2022.8.26.0566

APELANTE: Celso Lopes

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Carlos

VOTO Nº 39.059

Registro de Imóveis – Escritura pública de sobrepartilha de bens em divórcio – Partilha que se limitou a atribuir a meação a cada um dos excônjuges – Ordens de indisponibilidade em desfavor de um dos ex-cônjuges que não obstam o ingresso do título no assento imobiliário – Ausência de disposição patrimonial – Apelação a que se dá provimento – Afastado o óbice registral.

Trata-se de apelação interposta por Celso Lopes contra a r. sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de São Carlos, que manteve a recusa do registro da escritura pública de sobrepartilha de bens em divórcio consensual referente ao imóvel matriculado sob n.º 168.484 da referida serventia extrajudicial (fls. 374/376).

Alegou o apelante, em síntese, que o óbice ao ingresso do título na tábua registral não se sustenta, pois, apesar das ordens de indisponibilidades de bens decretadas em desfavor de um dos ex-cônjuges, na partilha realizada, foi observada a meação, atribuindo-se a cada um dos ex-cônjuges a metade (50%) do imóvel.

Não houve qualquer ato de alienação ou oneração, mas mera atribuição a cada um dos ex-cônjuges da sua meação, de modo que o registro da escritura pública de sobrepartilha deve ser autorizado (fls. 398/406).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 440/443).

É o relatório.

A r. sentença tem de ser reformada, nada obstante os fundamentos nela insertos, os termos da recusa do Oficial de Registro de Imóveis e o parecer da DD. Procuradoria de Justiça.

O acesso ao fólio real da escritura pública de sobrepartilha de bens (divórcio) foi obstado devido às ordens de indisponibilidade decretadas em desfavor de um dos ex-cônjuges, devidamente inscritas na matrícula imobiliária n.º 168.484 (averbações n.ºs 03 e 04).

Analisada a referida matrícula imobiliária (fls. 17/20), verificou-se que a aquisição de 7,696% do imóvel se deu ao tempo em que Celso Lopes era casado com Eliana de Cassia Soler Lopes, no regime da comunhão parcial de bens.

Como sabido, em regra, o regime da comunhão parcial de bens conduz à comunicabilidade dos adquiridos onerosamente na constância do casamento, ficando excluídos da comunhão aqueles que cada cônjuge possuía ao tempo do enlace, ou os que lhe sobrevierem na constância dele por doação, sucessão ou sub-rogação de bens particulares. Assim, após a dissolução da sociedade conjugal, qualquer dos cônjuges tem o direito à meação, facultando-lhe requerer a partilha dos bens comuns.

E foi exatamente isso que aconteceu no caso em testilha.

Com o fim do vínculo conjugal, o imóvel adquirido onerosamente na constância do casamento foi partilhado, tocando metade (50%) para cada um dos ex-cônjuges; ou seja, aquele direito à meação foi concretizado, atribuindo-se a cada um dos ex-cônjuges a fração de 50% sobre o bem (fls. 24/27).

Por sua vez, a ordem judicial de indisponibilidade se dirige ao direito de dispor do proprietário por força do artigo 1.228 do Código Civil. Tal direito de dispor não se atrela ao bem na forma de direito real, mas se configura como direito potestativo do proprietário que, em desejando, poder alienar voluntariamente a propriedade.

Estabelecido, assim, que a indisponibilidade é proibição ao poder de dispor e evidenciado que o ex-cônjuge Celso Lopes não abriu mão do patrimônio que lhe pertencia, o óbice registrário deve ser afastado e autorizado o registro stricto sensu da escritura pública de sobrepartilha.

Frise-se que as indisponibilidades continuarão em vigor, produzindo todos os seus efeitos contra quem é dirigida até que levantadas pelos Juízos competentes.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, a fim de, reformada a r. sentença, afastar o óbice e deferir o registro stricto sensu pretendido.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 09.10.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

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CGJ/SP: Tabelionato de Notas – Pretensão de lavratura de escritura pública de inventário e partilha de bens – Herdeiro incapaz – Vedação legal e normativa – Qualificação notarial negativa – Recurso não provido.

Número do processo: 1013891-91.2022.8.26.0037

Ano do processo: 2022

Número do parecer: 224

Ano do parecer: 2023

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1013891-91.2022.8.26.0037

(224/2023-E)

Tabelionato de Notas – Pretensão de lavratura de escritura pública de inventário e partilha de bens – Herdeiro incapaz – Vedação legal e normativa – Qualificação notarial negativa – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de apelação interposta por Marcelo Aparecido dos Santos, representado por sua curadora, contra a r. decisão proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Araraquara, que manteve a recusa de lavratura de escritura pública de inventário e partilha de bens por ser um dos herdeiros incapaz (fls. 191/192).

Em suas razões, o recorrente, em síntese, sustentou a viabilidade de realização do inventário extrajudicial, ainda que um dos herdeiros seja incapaz, desde que a partilha seja igualitária. Por isso, pugnou pela reforma do r. decisório, garantindo-lhe o direito de se valer da via extrajudicial, com a participação do órgão ministerial (fls. 198/202). A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 218/220).

É o relatório.

Opino.

De início, impende consignar que, apesar da interposição do recurso com o nome de apelação, cuida-se de procedimento administrativo comum e, por conseguinte, recurso administrativo (artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo), cujo processo e julgamento competem a esta Corregedoria Geral da Justiça. Pretende o recorrente valer-se da via extrajudicial para o inventário e a partilha dos bens deixados pelo falecimento de Alessio Carnevalle, Argenilde Carnavalle dos Santos e José Carlos dos Santos, intitulando-se como um dos herdeiros.

O Tabelião recusou-se a lavrar a escritura pública, uma vez que o herdeiro é incapaz. Tal recusa vem lastreada no artigo 610 do Código de Processo Civil:

“Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.”

No artigo 2.016 do Código Civil:

“Art. 2.016. Será sempre judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for incapaz.”

E nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, o item 107, do Capítulo XVI, disciplina:

“107. Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais.”

Assim, diante da vedação legal e normativa, pouco importando a equidade da partilha a que se deseja proceder ou a existência de concordância entre os herdeiros, mesmo porque o herdeiro sequer possui capacidade para anuir a tal partilha, impondo-se, a velar por seus interesses, a intervenção do Ministério Público, nos termos do artigo 178, II, do Código de Processo Civil, o inventário deverá ser feito na esfera judicial.

Não é demais lembrar que é função precípua do serviço notarial a garantia da segurança jurídica aos usuários, conferindo fé pública aos atos praticados. O Código de Normas, em seu capítulo XVI, item 1, preleciona:

“1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios.

1.1. Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento.”

Nessa ordem de ideias, a qualificação negativa efetivada pelo notário encontra-se regularmente inserida dentro de seu mister de atribuições, objetivando, exatamente, como descrito, “garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios”, em atuação que visa proteger o direito dos próprios interessados. Em suma, não há como transpor o expresso óbice legal por meio da pretendida interpretação da legislação incidente, sobretudo no âmbito administrativo. A respeito, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu:

“APELAÇÃO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ JUDICIAL. Pretensão de realização de inventário extrajudicial. Presença de menor. Sentença de improcedência. Irresignação da requerente. JUSTIÇA GRATUITA. Pedido de justiça gratuita não apreciado desde a inicial. Requisitos Preenchidos. Deferimento. EXPEDIÇÃO. Impossibilidade. Presença de herdeiro menor incapaz. Imposição de abertura de inventário judicial. Inteligência do Art. 610 do CPC. Sentença de improcedência mantida. Recurso provido em parte.” (Apelação Cível 1001919- 83.2022.8.26.0568; Relator: Vitor Frederico Kümpel; 4ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 24/01/2023)

“Alvará judicial. Pretensão de processamento de inventário extrajudicial. Herdeiro menor. Impossibilidade. Havendo herdeiro incapaz, o inventário deverá ocorrer necessariamente por via judicial, com a necessária intervenção do Ministério Público. Inteligência dos artigos 610 do CPC e 2.016 do CC. Precedentes do Tribunal. Sentença revista. Recurso provido.” (Apelação Cível 1063958-92.2022.8.26.0576; Relator: Claudio Godoy; 1ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 20/06/2023)

Ante o exposto, o parecer que submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação interposta como recurso administrativo e a ele negar provimento.

Sub censura.

São Paulo, 18 de julho de 2023.

Caren Cristina Fernandes de Oliveira

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM. Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo, na forma do artigo 246, do Código Judiciário do Estado de São Paulo, ao qual nego provimento. São Paulo, 20 de julho de 2023. (a) FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA, Corregedor Geral da Justiça. ADV: RAFAEL LUIZ SPERETTA, OAB/SP 268.141.

Diário da Justiça Eletrônico de 24.07.2023

Decisão reproduzida na página 107 do Classificador II – 2023

Fonte: INR Publicações.

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Recurso de Revista – Lei nº 13.467/2017 – Reclamante – Cartório extrajudicial – Sucessão trabalhista – Controvérsia sobre a responsabilidade trabalhista do oficial interino sucessor – 1. Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado do tema – 2. Cinge-se a controvérsia em saber se o oficial interino é responsável ou não pelos créditos trabalhistas pleiteadas pelo reclamante decorrente de suas atividades em cartório extrajudicial. Inicialmente, registra-se que o oficial interino assumiu a atividade em outubro de 2018 até setembro de 2020, em virtude da aposentadoria do titular do cartório – 3. Pois bem, recentemente, o Supremo Tribunal analisou a questão ao proferir o julgamento do RE 808.202, com repercussão geral reconhecida. Entendeu o STF ser possível responsabilizar o poder Público pelos créditos trabalhistas devidos a empregados de cartório administrados por oficial interino. Em acórdão, o Supremo assentou a tese de que os oficiais interinos, em controle do cartório, não se equiparam aos titulares notariais, tratando-se na verdade de um preposto do Estado, mais precisamente um agente público administrativo. Cita-se trecho da decisão do STF: “os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República” – 4. Diante da tese do STF no sentido de se considerar o oficial interino de cartório extrajudicial como preposto do Estado, uma vez que não se equipara aos oficiais titulares, a Sexta Turma vem se posicionando no sentido de considerar o notarial interino como agente público, submetido às regras do art. 37 da Constituição Federal, não podendo, portando, ser responsabilizado pelo pagamento de verbas trabalhistas. Assim, havendo a índole de substituição do notarial de forma precária, faz-se necessária a responsabilização do ente público pelos atos praticados pelo oficial interino, enquanto durar a interinidade, uma vez que nesse período há intervenção direta do estado na administração do cartório – 5. Recurso de revista de que não se conhece. (ementa oficial)

PROCESSO Nº TST-RR-1000623-28.2021.5.02.0035

ACÓRDÃO

(6ª Turma)

GMKA/mlm

RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. RECLAMANTE. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. SUCESSÃO TRABALHISTA. CONTROVÉRSIA SOBRE A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA DO OFICIAL INTERINO SUCESSOR.

1 – Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado do tema.

2 – Cinge-se a controvérsia em saber se o oficial interino é responsável ou não pelos créditos trabalhistas pleiteadas pelo reclamante decorrente de suas atividades em cartório extrajudicial. Inicialmente, registra-se que o oficial interino assumiu a atividade em outubro de 2018 até setembro de 2020, em virtude da aposentadoria do titular do cartório.

3 – Pois bem, recentemente, o Supremo Tribunal analisou a questão ao proferir o julgamento do RE 808.202, com repercussão geral reconhecida. Entendeu o STF ser possível responsabilizar o poder Público pelos créditos trabalhistas devidos a empregados de cartório administrados por oficial interino. Em acórdão, o Supremo assentou a tese de que os oficiais interinos, em controle do cartório, não se equiparam aos titulares notariais, tratando-se na verdade de um preposto do Estado, mais precisamente um agente público administrativo. Cita-se trecho da decisão do STF: “os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República”.

4 – Diante da tese do STF no sentido de se considerar o oficial interino de cartório extrajudicial como preposto do Estado, uma vez que não se equipara aos oficiais titulares, a Sexta Turma vem se posicionando no sentido de considerar o notarial interino como agente público, submetido às regras do art. 37 da Constituição Federal, não podendo, portando, ser responsabilizado pelo pagamento de verbas trabalhistas. Assim, havendo a índole de substituição do notarial de forma precária, faz-se necessária a responsabilização do ente público pelos atos praticados pelo oficial interino, enquanto durar a interinidade, uma vez que nesse período há intervenção direta do estado na administração do cartório.

5 – Recurso de revista de que não se conhece.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1000623-28.2021.5.02.0035, em que é Recorrente JEFFERSON DE SOUZA e são Recorridos HOMERO SANTIJOSE NICOLA SPOSITO JOAO ALBERTO GAUDENCI.

Recurso de revista contra acórdão do TRT.

Nos termos da Instrução Normativa nº 40 do TST, examina-se o recurso de revista somente quanto ao tema admitido pelo juízo primeiro de admissibilidade.

Contrarrazões foram apresentadas.

Não houve remessa ao Ministério Público do Trabalho, por não se constatar em princípio hipótese de parecer nos termos da legislação e do RITST.

É o relatório.

V O T O

CONHECIMENTO

TRANSCENDÊNCIA

CONTROVÉRSIA SOBRE A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA DO OFICIAL INTERINO SUCESSOR.

Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado do tema no caso concreto.

CONTROVÉRSIA SOBRE A RESPONSABILIDADE TRABALHISTA DO OFICIAL INTERINO SUCESSOR.

A fim de demonstrar o prequestionamento, a parte transcreve o seguinte trecho do acórdão do TRT (fls. 426/428):

“O reclamante requer a condenação do 2º réu, Sr. José Nicola Sposito (tabelião interino), de setembro de 2018 a agosto de 2020, nos limites do pedido de reforma (fl. 321, id 668f929 p. 10), que, por óbvio, replica a inicial (fl. 11, id 2bb6aff p. 10).

Sem razão.

De início, destaco, novamente, que o contrato de trabalho do obreiro perdurou de 01/02/1999 a 01/09/2020, conforme TRCT (fl. 26, id 785a265), com prescrição quinquenal (decretada em sentença) a partir de 24/05/2016. Além disso, o período de serventia do 2º réu corresponde ao lapso temporal de 09/10/2018 (fl. 118, id ca5b704 p. 2) a 11/09/2020 (fl. 65, id b041703).

Deste modo, nota-se que o 2º réu foi beneficiário dos serviços prestados pelo autor no período contratual indicado pelo recorrente.

Resta saber se o tabelião interino pode ser responsabilizado.

Contudo, o delegatário interino não tem a plena administração do cartório, restando inclusive limitados os seus proventos. Nesse sentido, vale mencionar os provimentos do CNJ que limitaram sobremaneira a liberdade administrativa e os ganhos do delegatário interino, conforme se extrai do art. 13 do Provimento 45, de 13/05/2015, alterado pelo Provimento 76/2018.

Portanto, na situação em que exerce interinamente a gestão do cartório de serventia, não se pode atribuir ao exercente da função a titularidade do “negócio”.

Não há transferência da organização para sua pessoa, senão administração temporária por força de nomeação do juiz corregedor.

Vale dizer, não há transferência da unidade organizacional, diante dos termos da regulamentação temporária, porque a delegação interina se faz por ato do Corregedor do Tribunal de Justiça, com remuneração por este definida.

Assim, não há razão para responsabilizá-lo pelas dívidas trabalhistas do período de transição.

Também não há que se falar em sucessão entre empregadores, não se aplicando os julgados mencionados no apelo, quando se considera que a Tese 779 de Repercussão Geral deixa evidente a diferenciação que se faz entre os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada e os titulares de serventias extrajudiciais.

No mesmo sentido do quanto exposto acima, também os seguintes julgados do C. TST: RR-213-59.2012.5.04.0871, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 18/05/2018; RR – 145000-51.2008.5.01.0243, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 25/03/2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 30/04/2015. Por todo o exposto, não há responsabilidade do 2º réu (Sr. José Nicola Sposito) quanto às parcelas deferidas nestes autos, no período de serventia interina (fls. 65 e 118, ids b041703 e ca5b704 p. 2).”

E o seguinte trecho dos embargos de declaração (fl. 423):

“Responsabilidade do 2º reclamado.

Mais uma vez, agora por meio do pretendido efeito modificativo, o reclamante requer a condenação do 2º réu, Sr. José Nicola Sposito (tabelião interino). Sem razão, pois não há vícios (omissão, contradição ou obscuridade) no julgado.

De fato, o 2º réu foi beneficiário dos serviços prestados pelo autor em determinado período do contrato de trabalho. Contudo, o tabelião interino não pode ser responsabilizado, pois o delegatário interino não tem a plena administração do cartório, restando inclusive limitados os seus proventos.

Portanto, na situação em que exerce interinamente a gestão do cartório de serventia, não se pode atribuir ao exercente da função a titularidade do “negócio”. Não há transferência da organização para sua pessoa física, senão administração temporária por força de nomeação do juiz corregedor.

Em outras palavras, não há transferência da unidade organizacional, diante dos termos da regulamentação temporária. Assim, não há razão para responsabilizar o 2º réu pelas dívidas trabalhistas do período de transição. Por consequência, não há se falar em sucessão entre empregadores, não se aplicando os arts. 10, 448 e 448-A, da CLT.

Tudo isto já foi destaco no voto embargado. Nada a reparar.”

A parte recorrente sustenta que permaneceu trabalhando de forma ininterrupta e continuada durante a permanência do oficial interino, razão pela qual este deve responder pelas verbas decorrentes do contrato de trabalho, nos termos do art. 10 e 448-A da CLT.

Diz que – restou devidamente comprovada a redução salarial a partir de que o 2º Reclamado José Nicola, ora Recorrido, assumiu o posto de interino, de modo que deve responder pelo período da prestação de serviços. Colaciona, ainda, divergência jurisprudencial.

À análise.

Cinge-se a controvérsia em saber se o oficial interino é responsável ou não pelos créditos trabalhistas pleiteadas pelo reclamante decorrente de suas atividades em cartório extrajudicial.

Inicialmente, registra-se que o oficial interino assumiu a atividade em outubro de 2018 até setembro de 2020, em virtude da aposentadoria do titular do cartório.

Pois bem, recentemente, o Supremo Tribunal analisou a questão ao proferir o julgamento do RE 808.202, com repercussão geral reconhecida. Entendeu o STF ser possível responsabilizar o poder Público pelos créditos trabalhistas devidos a empregados de cartório administrados por oficial interino. Em acórdão, o Supremo assentou a tese de que os oficiais interinos, em controle do cartório, não se equiparam aos titulares notariais, tratando-se na verdade de um preposto do Estado, mais precisamente um agente público administrativo. Cita-se trecho da decisão do STF:

Trata-se, na origem, de mandando de segurança contra ato da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, em cumprimento à Resolução nº 80, de 9 de junho de 2009, do Conselho Nacional de Justiça e ao Ofício-Circular nº 25/2010, da Corregedoria Nacional de Justiça, determinou a aplicação do teto constitucional aos substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada em serventias extrajudiciais.

Submetida a matéria ao Plenário, sob a sistemática da repercussão geral, a Corte afastou a equiparação desses substitutos ou interinos com os titulares das serventias extrajudiciais e entendeu ser aplicável àqueles o teto constitucional, por integrarem a categoria de agentes estatais.

A tese foi assim definida: “os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República”.

Diante da tese do STF no sentido de se considerar o oficial interino de cartório extrajudicial como preposto do Estado, uma vez que não se equipara aos oficiais titulares, a Sexta Turma vem se posicionando no sentido de considerar o notarial interino como agente público, submetido às regras do art. 37 da Constituição Federal, não podendo, portando, ser responsabilizado pelo pagamento de verbas trabalhistas. Assim, havendo a índole de substituição do notarial de forma precária, faz-se necessária a responsabilização do ente público pelos atos praticados pelo oficial interino, enquanto durar a interinidade, uma vez que nesse período há intervenção direta do estado na administração do cartório.

Nesse sentido, cite-se o seguinte julgado:

“RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017 E DA IN 40 DO TST. TITULARIDADE DO CARTÓRIO EXERCIDA DE FORMA PRECÁRIA, OU SEJA, DE FORMA INTERINA OU SUBSTITUTA. DISTINGUISHING. ART. 13 DO PROVIMENTO Nº 45/2015 DO CNJ, OFÍCIO-CIRCULAR Nº 107/2015 DA CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA E ART. 942 DO CÓDIGO CIVIL. SERVIÇOS NOTARIAIS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. OCORRÊNCIA. TEMA 779 DO STF. TETO REMUNERATÓRIO APLICADO AOS SUBSTITUTOS OU INTERINOS DESIGNADOS PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DELEGADA. SITUAÇÃO DIVERSA DA ABRANGIDA NOS ARTS. 236 DA CF E 20 E 21 DA LEI 8.935/94. REQUISITOS DO ARTIGO 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. O Regional consignou que a titularidade do cartório foi exercida de forma precária, razão pela qual a primeira reclamada se submeteu ao disposto no art. 13 do Provimento nº 45/2015 do CNJ, bem como ao contido no Ofício-circular nº 107/2015 da Corregedoria Geral de Justiça. Assim, concluiu que as parcelas resilitórias eram dedutíveis dos valores excedentes ao teto, os quais, segundo as normas citadas, eram destinados ao segundo reclamado (Estado do Rio Grande do Sul). Dessa forma, como a extinção repentina da atuação interina da primeira reclamada causou dano ao reclamante, que teve o seu contrato extinto sem o recebimento das parcelas resilitórias correspondentes, manteve a sentença que entendeu pela responsabilidade solidária do Estado pelas parcelas decorrentes da despedida, na forma do art. 942 do Código Civil. A jurisprudência desta Corte Superior se firmou no sentido de que os serviços notariais e de registro são desenvolvidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, a teor do artigo 21 da Lei nº 8.935/94, nos seguintes termos: “[o] gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços”. Assim, muito embora esta Corte entenda que não há como imputar ao Estado a responsabilidade solidária ou subsidiária quando se trata de serviços executados em caráter privado, no caso em tela há uma peculiaridade, pois o exercício da serventia ocorreu de forma precária, ou seja, de forma interina ou substituta. Dessa forma, trata-se de uma situação de distinguishing, pois, nos termos do julgamento do Tema 779 de Repercussão Geral pelo STF, os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, II, e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório. Uma vez aplicado aos substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada o teto remuneratório, todo o valor dos emolumentos da serventia, após abatidas as despesas do Cartório, inclusive com a folha salarial, materiais de expediente e outros serviços, o valor excedente é consignado em uma conta, cuja titularidade é do Estado, conforme tese firmada pelo STF, quando do julgamento do Tema 779 do STF com Repercussão Geral. Ora, se os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não podem ser equiparados, por força do Tema 779, ao titular de serventia para que recebam os emolumentos integrais, que é o bônus da atividade e é um direito da Lei dos Cartórios, não há como os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada arcarem com a responsabilidade trabalhista. Reforçando essa tese, um trecho do voto do Ministro Relator Dias Toffoli, no Tema 779: “O interino não é delegatário, mas um preposto do Estado”. Percebe-se que há uma situação de impasse, porque de fato, houve a atuação interina da Sr.ª Jorgina, que é a reclamada que teria atuado não na titularidade propriamente, mas como “preposta do Estado” no cartório, por força da norma que está a reger os serviços cartorários. E, diferentemente do que se dá com o titular do cartório, no caso dela, o que excedia o seu teto remuneratório retornava para o Estado; do que excedia o teto deveria ser deduzida a parcela resilitória, que fosse virtualmente devida, como devida era no caso dos autos. Há informação da instância ordinária de que houve a extinção repentina da atuação interina da primeira reclamada, o que significa dizer que a primeira reclamada, a Sr.ª Jorgina, não tinha como deduzir o valor dessas verbas resilitórias daquilo que excedia o teto que lhe era devido, em função de o cartório retornar à “titularidade” do Estado. Ao mesmo tempo, esses valores, de fato, aproveitaram ao Estado do Rio Grande do Sul, por isso a aplicação, pelo Regional, do art. 942 do Código Civil. Dessa forma, não há como divergir da decisão regional no sentido de que “a extinção repentina da atuação interina da primeira reclamada (Oficiala de Cartório Jorgina Pedra Dallabrida) causou dano ao reclamante, que teve o seu contrato extinto sem o recebimento das parcelas resilitórias correspondentes. O segundo reclamado, assim, deve responder de forma solidária pelas parcelas decorrentes da despedida”, razão pela qual deve ser mantida a responsabilidade solidária aplicada ao Estado do Rio Grande do Sul. Dessa forma, não há como divisar violação dos artigos 236 da Constituição Federal e 21 da Lei 8.935/94. Por fim, o aresto transcrito cuida do entendimento geral de que “segundo previsto no caput do artigo 236 da Constituição Federal, é privado o regime jurídico estipulado na Constituição Federal para a contratação de servidores em serventias extrajudiciais. Muito embora haja fiscalização do Poder Público quanto aos serviços notariais e de registro prestados pelos Cartórios, mediante delegação, inexiste qualquer responsabilidade, ainda que subsidiária, do Estado em relação aos contratos de trabalho firmados por titular de Cartório”, não tratando da especificidade ora enfrentada, de se tratar de interino. Assim, inespecífico, nos termos da Súmula 296, I, do TST. Recurso de revista não conhecido.” (Processo: RR – 20136-86.2018.5.04.0701 Data de Julgamento: 08/03/2023, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/03/2023 – g.n).

Logo, correta a decisão que entendeu que o oficial interino não é responsável pelos créditos trabalhistas.

Não conheço do recurso de revista.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, reconhecer a transcendência jurídica e não conhecer do recurso de revista.

Brasília, 27 de setembro de 2023.

KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA

Ministra Relatora – – /

Dados do processo:

TST – Recurso de Revista nº 1000623-28.2021.5.02.0035 – São Paulo – 6ª Turma – Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda – DJ 29.09.2023

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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