Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Registro de hipoteca judiciária – Bem de família convencional – Inalienabilidade e impenhorabilidade – Recurso a que se nega provimento.

Cuida-se de recurso de apelação interposto por CARMO MACHADO em face da r. sentença de fls. 211/212 de lavra da MM.ª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Cotia, que julgou procedente a dúvida suscitada, negando o registro de hipoteca judiciária junto à matricula nº 71.489.

Da nota devolutiva de fls. 06/07, que qualificou negativamente o título, constou a seguinte exigência:

“Verifica-se pelo R.06 da matrícula 71.489, que o imóvel foi destinado à bem de família, por consequência, a hipoteca judiciária por registrar, não é eficaz em relação a ação trabalhista, em razão do imóvel ser impenhorável, nos termos do artigo 1.715 do Código Civil”.

Em suas razões o apelante sustenta, em suma, que o óbice registral não se sustenta porque a hipoteca judiciária nada mais é do que uma garantia que tem o credor em proteger que seja fraudado seu crédito, não se confundindo com a penhora.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 259/260).

É o relatório.

Respeitados os argumentos expendidos, a apelação não comporta guarida.

Conforme se vê da matrícula nº 71.489, o imóvel constituído pelo lote 16 da quadra H, do loteamento denominado Jardim Algarve, situado na Comarca de Cotia, foi adquirido a título oneroso por ANA MARIA RODRIGUES – R.04 (fls. 51/54).

E, a mencionada matrícula revela em seu R.06 que o imóvel foi destinado à bem de família, constituído de forma voluntária, nos termos do artigo 1.711 do Código Civil, que assim dispõe:

“Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial”.

Consoante dispõe o art. 1.715 do mesmo Diploma Legal, “O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio”.

Daí extrai-se, pois, sua inalienabilidade.

Sobre a hipoteca judiciária, o art. 495 do Código de Processo Civil prescreve:

“Art. 495. A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária.(…)

§2º A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência”.

Sobre o tema Fredie Didier Júnior nos ensina que:

“A hipoteca judiciária confere direito real de sequela e direito de preferência (art. 495, § 4º, CPC). O CPC disciplina expressamente o assunto, resolvendo omissão legislativa do CPC-1973. Foi uma homenagem à coerência do sistema, pois o art. 1.422 do Código Civil já determinava que o “credor hipotecário e o pignoratício têm direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro”. [1]

Nesta ordem de ideias, considerando que o bem de família não poderá ser, no futuro, alvo de expropriação para satisfação do crédito, inviável o registro da hipoteca judiciária.

É, neste sentido, a lição de Marçal Justen Filho:

“Como o escopo principal da hipoteca judiciária é assegurar o sucesso da posterior execução, deverão ser observadas as regras sobre impenhorabilidade quando se determinar o bem objeto da hipoteca”. [2]

Por essas razões, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso de Direito Processual Civil; 10ª ed. Salvador/BA: Ed. Juspodivm, 2015: 435.

[2] JUSTEN FILHO, Marcal; TALAMINI, Eduardo; MOREIRA, Egon Bockmann; Sobre a hipoteca judiciaria, Revista de Processo, Sao Paulo, v. 22, n. 85, p. 121-7, jan/mar 1997. (DJe de 19.10.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações

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Registro de Imóveis – Apelação – Dúvida – Negativa de Registro de Instrumento Particular de constituição de pessoa jurídica e de posterior alteração social – Incorporação de Bens ao Patrimônio da Sociedade – ITBI – Isenção que depende de manifestação do órgão tributante – Recurso a que se nega provimento.

Cuida-se de recurso de apelação interposto por ÓTIMA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA. em face da r. sentença de fls. 137/140, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, mantendo-se o óbice registrário.

A Nota de Exigência de fls. 83/84 indicou como motivo da recusa ao ingresso do título:

“Foi apresentado pedido de reconhecimento de não incidência do ITBI, todavia deverá ser apresentado o deferimento do pedido de reconhecimento de não incidência do ITBI, emitido pela Prefeitura do Município de São Paulo, no original ou em cópia autenticada.

Observação: Se atentar que, se for o caso, deverá ser pago o ITBI sobre a parcela do valor do imóvel que superar o capital a ser integralizado, ou seja, apresentar a guia do DAMSP (Documento de Arrecadação do Município de São Paulo) com a diferença de valor referente ao ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos e Direitos a Eles Relativos) devidamente recolhido nos termos do artigo 289 da Lei n. 6.015/73, c/c artigo 29, inciso I, do Decreto Municipal n. 59.579 de 03/07/2020.”

A recorrente, em suma, sustenta (i) a inocorrência do fato gerador; (ii) a existência de pedido de isenção do tributo perante o Município de São Paulo e (iii) a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (fls. 146/154).

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 174/176).

É o relatório.

Presentes seus pressupostos legais e administrativos, conheço do recurso.

A apelação, a despeito de seus jurídicos fundamentos, não comporta provimento.

Em 18 de agosto de 2022 foi prenotado, na serventia imobiliária, sob o nº 369.989, requerimento solicitando o registro de instrumento particular de contrato de constituição de sociedade limitada denominada ÓTIMA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., e instrumento particular de 3ª alteração de contrato social, ambos registrados na JUCESP, com integralização de imóveis dos sócios ao capital da sociedade, matriculados sob os nºs. 28.827, 58.904 e 58.906.

O pedido de registro foi qualificado negativamente exigindo-se o comprovante do deferimento do pedido de reconhecimento de não incidência do ITBI, emitido pela Prefeitura do Município de São Paulo, no original, ou em cópia autenticada.

Nos termos do art. 289 da Lei nº 6.015/73, incumbe ao Oficial de Registro a rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício, o que vem corroborado pelos itens 117 e 117.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ:

“117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

117.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.

A omissão do Delegatário pode levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos exatos termos do art. 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional – CTN:

“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(…)

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu oficio.”

No caso concreto, considerado pelo Registrador o negócio como ato oneroso, existe fato gerador do imposto de transmissão “inter vivos”, incumbindo-lhe o dever de fiscalizar o pagamento, observando-se que eventual não incidência está condicionada à apresentação pelo interessado de prova do reconhecimento administrativo da isenção, conforme art. 195, inciso I, do Decreto Municipal nº 61.810/2022.

“Art. 195. Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos a:

I – verificar a existência da prova do recolhimento do imposto ou do reconhecimento administrativo da não-incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;”

Não se trata, como já decidido por este Egrégio Conselho Superior da Magistratura, de questão relacionada ao exame material do montante de imposto devido, cuja atribuição é da Fazenda respectiva e foge do exame da regularidade formal do título, mas de dispensa do recolhimento, o que não está na esfera de discricionariedade do Oficial.

A alegação da recorrente no sentido de que há processo administrativo instaurado para discutir a exigência do tributo e, portanto, a exigibilidade do crédito tributário está suspensa refoge à qualificação registral e deverá ser submetida ao crivo da Municipalidade.

Não cabe, assim, ao registrador determinar se é caso de isenção ou não do tributo, competindo ao órgão tributante emitir documento neste sentido para viabilizar o registro.

Finalmente, o imposto em comento diz respeito exatamente ao ato registral a ser praticado, eis que a pretensão da recorrente é a de transferir a propriedade imobiliária pelo registro do título aquisitivo, de sorte que a exigência está justificada à luz do artigo 156, II, da Constituição Federal.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 19.10.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações

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Registro de imóveis – Cancelamento de averbação de caução em contrato de locação – Ausência de prova de quitação da obrigação ou de anuência do locador – Inteligência do art. 250 da Lei nº 6.015/1973 – Recurso não provido.

Número do processo: 1029456-30.2022.8.26.0576

Ano do processo: 2022

Número do parecer: 250

Ano do parecer: 2023

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1029456-30.2022.8.26.0576

(250/2023-E)

Registro de imóveis – Cancelamento de averbação de caução em contrato de locação – Ausência de prova de quitação da obrigação ou de anuência do locador – Inteligência do art. 250 da Lei nº 6.015/1973 – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso interposto por Silvio Luiz Roque, Sonia Aparecida Buzo Roque, Elias Cavalcante Guimarães e Cirlei Aparecida Buzo contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto/SP, que manteve o óbice apresentado ao pedido de cancelamento de caução locatícia averbada na matrícula nº 258 da referida serventia extrajudicial (fls. 54/56).

Alegam os recorrentes, em síntese, que a caução foi dada em garantia de um contrato de locação, pelo período de 30 de maio de 2017 a 04 de maio de 2020. Afirmam que os óbices apresentados pelo registrador não merecem subsistir, pois notificaram o locador, na pessoa de sua representante, sem que houvesse resposta no prazo legal de sessenta dias (CC, art. 835). Além disso, foi noticiada a desocupação do imóvel pelos antigos locatários e a cessão do ponto comercial a terceira pessoa, o que confirma a possibilidade do cancelamento da caução, como requerido (fls. 65/79).

A Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 102/104).

Opino.

De início, em se tratando de pedido de providências e não de dúvida, pois o ato buscado é de averbação – a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo.

Pretendem os recorrentes cancelar a averbação de caução prestada em contrato de locação, averbada sob nº 17 na matrícula 258 do 1º Oficial de Registro de Imóveis de São José do Rio Preto/SP, por meio da qual os proprietários Elias Cavalcante Guimarães e Cirlei Aparecida Buzo Guimarães deram referido imóvel em garantia do pagamento de aluguéis e demais encargos do contrato de locação celebrado com os locadores, Espólio de Pedro Lobanco, representado por sua inventariante, e Carmelita Nogueira Lobanco (certidão de matrícula a fls. 09/14).

O Oficial de Registro emitiu nota devolutiva, nos seguintes termos:

“1)- Necessário apresentar instrumento de cancelamento de caução locatícia, com firma reconhecida dos subscritores/locadores, contendo a quitação das obrigações do contrato, em atendimento a princípio da segurança jurídica. 2)- Apresente junto ao instrumento de quitação, cópia(s) autenticada(s) do(s) documento(s) que demonstrem a qualidade de representante (termo de inventariante, procuração(ões), substabelecimento(s)) válido na época da emissão do instrumento, que comprove que a(s) parte(s) que subscreveu(ram) o presente instrumento são detentor(es) de poder(es) para representar o ESPÓLIO DE PEDRO LOBANCO, para a prática do(s) ato(s) exercido(s) no presente título”. Insistem os recorrentes em dizer que as exigências formuladas pelo registrador não se sustentam, pois, notificado o locador quanto à pretendida exoneração de fiança, não houve qualquer oposição no prazo de sessenta dias, previsto no art. 835 do Código Civil. Além disso, o imóvel já foi desocupado pelos antigos locatários, sendo certa a cessão do ponto comercial a terceira pessoa.

Consoante dispõe o art. 250 da Lei nº 6.015/73:

Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:

I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;

II – a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião;

III – A requerimento do interessado, instruído com documento hábil.

IV – a requerimento da Fazenda Pública, instruído com certidão de conclusão de processo administrativo que declarou, na forma da lei, a rescisão do título de domínio ou de concessão de direito real de uso de imóvel rural, expedido para fins de regularização fundiária, e a reversão do imóvel ao patrimônio público.

In casu, não houve, de fato, apresentação de documento hábil firmado pelo Espólio locador, representado por sua inventariante, com firma reconhecida, que autorize o cancelamento da garantia na esfera administrativa.

Ora, não compete ao registrador proceder cancelamentos fora das hipóteses taxativas do art. 250 da Lei nº 6.015/73, ante o disposto no art. 252 do mesmo Diploma Legal, in verbis:

Art. 252 – O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.

A caução locatícia tem o condão de garantir ao locador o recebimento dos locativos devidos por desacordo ou cancelamento do contrato. E o cancelamento unilateral, de forma administrativa, tal como pretendido, implica no total esvaziamento da garantia em prejuízo do credor, devendo a questão ser levada ao Juízo competente, obedecido o devido processo legal, sob a luz do contraditório.

Tampouco cabe, nesta esfera administrativa, a análise pelo Registrador de questões relacionadas à desocupação do imóvel pelos locatários e à cessão do ponto comercial a terceira pessoa. Aliás, a extinção do contrato de locação, por si, não gera a presunção de encerramento da garantia.

Anote-se, por fim, que à hipótese dos autos não se aplica o disposto no art. 835 do Código Civil, que trata da fiança e não, da caução imobiliária (Lei nº 8.245/91, art. 38, § 1º).

Diante do exposto, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de que a apelação seja recebida como recurso administrativo e a ele negar provimento.

Sub censura.

São Paulo, 18 de julho de 2023.

Stefânia Costa Amorim Requena

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo, na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, negando-lhe provimento. São Paulo, 08 de agosto de 2023. (a) FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA, Corregedor Geral da Justiça. ADV: CRISTIANE DE SÁ MUNIZ COSTA CARARETO, OAB/SP 308.722/SP e EDUARDO MURCIA MUFA, OAB/SP 274.593.

Fonte: INR Publicações

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