1VRP/SP: Registro de Imóveis. Documento particular registrado perante a JUCESP, extraído de ato constitutivo ou de sua alteração, pode servir como título hábil para possibilitar apenas a alienação de direitos reais incidentes sobre imóveis para a composição ou o aumento do capital social de empresa, não havendo qualquer margem para interpretação extensiva ou analógica à empresa estrangeira, desprovida de referido documento essencial. Necessidade de escritura pública.


  
 

Processo 1162299-92.2023.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Silvio Jose Genesini Junior – Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Sílvio José Genesini Júnior e, em consequência, mantenho o óbice registrário. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: MARINA GREEB DE SOUZA (OAB 420148/SP), MARIA EUGÊNIA VICENTE MARTIGNON (OAB 470454/SP), VERA HELENA CARDOSO DE ALMEIDA (OAB 285004/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1162299-92.2023.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Silvio Jose Genesini Junior

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo a requerimento de Sílvio José Genesini Júnior, em virtude de recusa de registro de “Ata de Resolução de Único Sócio”, pretendendo a transmissão da propriedade imobiliária do imóvel objeto da matrícula nº 170.592 daquela serventia para a sociedade estrangeira visando o aumento de capital da empresa estrangeira (prenotação nº 653.246).

O Oficial informa que a negativa de registro se deu em razão da imprescindibilidade de se formalizar a transferência da propriedade do imóvel por escritura pública, nos termos do artigo 108 do Código de Processo Civil. Afirma que não se aplica ao caso concreto a regra prevista no artigo 64 da Lei nº 8.934/94, uma vez que se trata de sociedade estrangeira e, por isso, inexiste a certidão fornecida por Junta Comercial, não havendo previsão de que documento estrangeiro tenha o mesmo tratamento.

Documentos vieram às fls. 05/41.

Em impugnação, a parte suscitada afirma que na hipótese de transferência de patrimônio, a sociedade empresarial está dispensada de realiza-lo por meio de escritura pública, em razão do artigo 64 da Lei nº 8.934/94, que excetua a regra geral do artigo 108 do Código Civil.

Sustenta que a empresa estrangeira Andigen LCC está regularmente registrada perante o órgão competente no exterior e, portanto, não possui registro em Junta Comercial no Brasil. Nestes termos, entende que a regra do artigo 64 da lei mencionada deve ser aplicada ao caso por equivalência, autorizando-se a dispensa da escritura pública para transferência do imóvel para integralização do capital social da sociedade estrangeira (fls. 08/16).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice (fls. 49/50).

É o breve relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

De início, observo que a lei não exige maior formalidade para a suscitação de dúvida, que não se confunde com o procedimento destinado à prática de ato registral.

Em verdade, a dúvida pode ser requerida até mesmo sem a participação de advogado, conforme prevê o item 39.1.4, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça.

No mérito, a dúvida é procedente.

O Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade, a teor do artigo 28 da Lei nº 8.935/1994, o que não se traduz como falha funcional.

No caso dos autos, o cerne da dúvida suscitada restringe-se à possibilidade de aplicação, por analogia, da regra prevista no artigo 64 da Lei nº 8.934/94 às sociedades estrangeiras, que assim dispõe:

Art. 64. A certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou para o aumento do capital.

Da leitura do dispositivo legal, denota-se que há a dispensa da escritura pública para transferência de imóvel destinado à integralização do capital social, em casos de apresentação de certidão de atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis devidamente registrada na JUCESP.

No entanto, no caso sub judice, a parte pretende o registro de Ata de Resolução de Único Sócio de empresa estrangeira, “Andigen LC”, pessoa jurídica de direito privado com sede na cidade de Wilmington, Estado de Delaware, nos Estados Unidos da América. registrada em órgão competente no exterior, não havendo o registro na Junta Comercial.

O óbice registrário refere-se à necessidade de escritura pública, nos termos do artigo 108 do Código Civil, que assim determina:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. Note-se que não há controvérsia no que se refere ao valor do imóvel, o qual deve corresponder ao valor venal (fls. 19):

“Registro de Imóveis. O art. 108 do CC refere-se ao valor do imóvel, não ao preço do negócio. Havendo disparidade entre ambos, é aquele que deve ser levado em conta para considerar a escritura pública como essencial à validade do negócio jurídico. À míngua de avaliação específica, prevalece, para tais fins, o valor venal do imóvel, quando superior ao preço pactuado entre os contratantes. Dúvida Procedente.  Recurso Desprovido” (Apelação nº 0002869-23.2015.8.26.0482, DJ 31/03/2017)

A exceção derivada do texto do artigo 64 da Lei nº 8.934/94, utilizada como fundamento pela parte suscitada para sustentar o pedido de dispensa, deve ser interpretada de forma restritiva, merecendo destaque o seguinte excerto de julgado:

(…) É certo que a intensa atividade legislativa consolidou inúmeras exceções à regra da exigibilidade da escritura pública para a instrumentalização de alguns negócios jurídicos, de modo a exigir a atuação sistemática dos Registradores e Juízes Corregedores. Assim, o art. 64 da Lei n° 8.934/94 permite que o sócio, munido de certidão expedida pela Junta Comercial, possa alienar direitos reais incidentes sobre imóveis, para fins de integralização do capital subscrito, o que não significa dizer que a permissão legislativa possa ser interpretada extensivamente para viabilizar a transferência de bens da sociedade em benefício do sócio, nos termos da jurisprudência do Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n° 491-6/1, Serra Negra,julgamento em 11/05/2006, DJ 12/07/2006, Relator Desembargador GILBERTO PASSOS DE FREITAS). Noutras palavras, já se decidiu:

“Admite-se a utilização de instrumento particular com o fim de materializar a conferência de bens pelos sócios para integralizar o capital social, mas tal exceção, derivada do texto do art. 64 da lei fed. n° 8.934/94, deve ser interpretada de modo restritivo. Tal dispositivo legal permite a utilização de certidão expedida pela Junta Comercial, extraída dos atos constitutivos ou de sua alteração, como título hábil para, perante o registrador, possibilitar a alienação de direitos reais incidentes sobre imóveis, mas sempre, invariavelmente, para a composição ou o aumento do capital social e nunca, para sua redução ou dissolução” (Ap. Cív. n° 63.971-0/1 – Capital, j. 28.10.99, rei. Des. NIGRO CONCEIÇÃO)”.

Assim, documento particular registrado perante a JUCESP, extraído de ato constitutivo ou de sua alteração, pode servir como título hábil para possibilitar apenas a alienação de direitos reais incidentes sobre imóveis para a composição ou o aumento do capital social de empresa, não havendo qualquer margem para interpretação extensiva ou analógica à empresa estrangeira, desprovida de referido documento essencial.

Sob qualquer aspecto, portanto, mostra-se acertada a qualificação negativa do título apresentado para registro do titulo, sendo certo que as exigências formuladas pelo Oficial devem ser atendidas para ingresso à luz das normas e da jurisprudência acima mencionadas.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Sílvio José Genesini Júnior e, em consequência, mantenho o óbice registrário.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de janeiro de 2024.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito (DJe de 12.01.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

Para acompanhar as notícias do Portal do RI, siga-nos no twitter, curta a nossa página no facebook e/ou assine nosso boletim eletrônico (newsletter), diário e gratuito