CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Formal de partilha que atribuiu a integralidade do usufruto à divorcianda – Óbice mantido – Usufruto que traduz direito real personalíssimo e intransmissível – Sistema dos Registros Públicos em que impera o princípio da legalidade estrita – Apelação a que se nega provimento.


  
 

Apelação Cível nº 1021546-74.2022.8.26.0309

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1021546-74.2022.8.26.0309

Comarca: JUNDIAÍ

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1021546-74.2022.8.26.0309

Registro: 2023.0000896147

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1021546-74.2022.8.26.0309, da Comarca de Jundiaí, em que é apelante MÔNICA SANTO DE LIMA PIRES, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE JUNDIAÍ.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de outubro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1021546-74.2022.8.26.0309

APELANTE: Mônica Santo de Lima Pires

APELADO: 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jundiaí

VOTO Nº 39.154

Registro de imóveis – Dúvida – Apelação – Formal de partilha que atribuiu a integralidade do usufruto à divorcianda – Óbice mantido – Usufruto que traduz direito real personalíssimo e intransmissível – Sistema dos Registros Públicos em que impera o princípio da legalidade estrita – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de recurso de apelação interposto por MÔNICA SANTO DE LIMA PIRES, em procedimento de dúvida inversa, suscitada em face do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Jundiaí, visando a reforma da r. sentença de fls. 35/36, que manteve o óbice ao ingresso do formal de partilha que atribuiu à divorcianda a totalidade do usufruto do imóvel matriculado sob o n.º 93.849, daquela serventia imobiliária.

A apelante aduz, em suma, que, nos termos do acordo homologado judicialmente, avençou-se que o usufruto do imóvel matriculado sob o n.º 93.849 ficaria para si na integralidade, enquanto a propriedade de outro imóvel antes comum ao casal ficaria ao divorciando Ivane. Não há, pois, óbice ao registro pretendido. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 100/101).

É o relatório.

Trata-se de registro de formal de partilha expedido em 25 de novembro de 2022, nos autos da ação de divórcio consensual n.º 1027208-90.2020.8.26.0114, requerida pela apelante e por Ivane de Almeida Pires, tendo por objeto o imóvel matriculado sob n.º 93.849 do 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Jundiaí. Do R.2 da referida matrícula consta que pela escritura datada de 24 de janeiro de 2007, lavrada perante o Tabelião de Notas da Comarca de Itupeva, a então proprietária Pin Agropecuária Ltda. constituiu por venda o usufruto vitalício sobre o imóvel à recorrente e à Ivane na proporção de 50% para cada um (fls. 72/73).

Do título apresentado a registro ficou atribuída a integralidade do usufruto à apelante.

“a.1) Usufruto de uma casa em Itupeva, matrícula n.º 93.849, R.2, no 1º CRI de Jundiaí, SP, direito real que permanecerá exclusivamente à divorcianda Monica Santo de Lima Pires, extinguindo-se referido direito de usufruto do divorciando Ivane de Almeida Pires”.

Entendeu, contudo, o Oficial Registrador pela impossibilidade do registro pretendido nos termos da nota devolutiva de fls. 11, assim disposta:

“(…) Ante leitura da referida Matrícula, verifica-se que Monica e Ivane possuem o usufruto sobre o imóvel objetivado, na proporção de 50% cada um, e pela Carta apresentada há pretensão da atribuição de 100% para a divorcianda, entretanto, o usufruto é um direito real personalíssimo, portanto não se comunica e nem é partilhado no momento do divórcio, nos termos do Artigo 1.393 do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002).

Sendo assim, ficamos impossibilitados de praticar os atos pretendidos”.

Suscitada a dúvida inversa, foi julgada procedente nos termos da r. sentença recorrida (fls. 35/36).

Pois bem.

Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, “usufruto é o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa sem alterar-lhe a substância, enquanto temporariamente destacado da propriedade” (Instituições de direito civil direitos reais, 18ª ed. Rio de Janeiro, Forense, v. IV, 2003).

Consoante dispõe o art. 1.393 do Código Civil:

“Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”.

Sobre o mencionado dispositivo legal e a partilha do direito real de usufruto vale trazer à baila o comentário do eminente Desembargador Francisco Eduardo Loureiro:

“Discute-se se a intransmissibilidade abrange também a partilha do direito real de usufruto pertencente ao casal. Washington de Barros Monteiro ensina que ‘como servidão pessoal, vinculada à própria pessoa do usufrutuário, não admite adjudicação ao outro cônjuge, em partilha consequente a desquite do casal” (Curso de direito civil direito das coisas, 37. Ed. São Paulo, Saraiva, 2003, v. III. No mesmo sentido, PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado, 4. Ed. São Paulo, RT 1977, t. XIX, p. 63).

Assim, a despeito das ponderações da apelante, uma vez que o usufruto traduz direito real personalíssimo e intransmissível, inviável falar-se em partilha, seja em razão da separação, seja em virtude da sucessão aberta.

Neste sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL – Imissão na posse – Sentença de procedência – Recurso do apelante, réu na ação – Não acolhimento – Apelante que foi casado com a falecida genitora dos apelados, entre 26.11.1994 até 08.06.2006, quando se separaram, passando a viver em união estável pouco tempo depois da separação judicial, até o óbito dela, ocorrido em 14.10.2016 – Apelados que figuram como nu-proprietários do imóvel, desde 21.10.1998, tendo instituído o usufruto vitalício do bem exclusivamente em favor de sua genitora, de modo que diante do falecimento dela, pedem, agora, a imissão na posse do bem – Alegação do apelante de que tem direito à meação sobre o imóvel – Falecida companheira do apelante que, todavia, não era proprietária do bem, mas apenas usufrutuária – Usufruto que configura direito real sobre coisa alheia, sendo personalíssimo e intransmissível (art. 1.390 do Código Civil) – Inviabilidade, portanto, de falar-se em partilha, seja em razão da separação, seja em virtude da sucessão aberta – Não por outro motivo, não foi o imóvel, tampouco o usufruto que recaía sobre ele, objeto de partilha na separação judicial havida entre a de cujus e o apelante no ano de 2006 – Ausência de elementos, ainda, a viabilizar afirmar-se que o usufruto foi instituído com a intenção de frustrar a meação do apelante, o que reforça a impertinência da partilha pretendida, consoante orienta o c. Superior Tribunal de Justiça, em recente precedente sobre o tema – Direito real de habitação – Descabimento Art. 1.831 do Código Civil que é claro ao estabelecer somente haver direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar – Direito de usufruto que, por não ser transmissível, não se sujeita a inventário, sendo descabida a pretensão do apelante em fruir do alegado direito real de habitação – Litigância de má-fé – Não ocorrência – Apelante que não incidiu em qualquer das condutas previstas no art. 80 do Código de Processo Civil, figurando este recurso como legítimo exercício ao duplo grau de jurisdição – Multa descabida – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO” (TJ-SP – AC: 10446673520168260506, Relator: Rodolfo Pellizari, Data de Julgamento: 26/03/2020, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/03/2020).

In casu, a atribuição da integralidade do usufruto à apelante equivale, por certo, à alienação.

E mesmo eventual renúncia do divorciando não teria o condão de imputar a apelante a integralidade do usufruto, haja vista ser causa de extinção do mesmo, inexistindo direito de acrescer.

É o que se desume do art. 1.410, do Código Civil:

“Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis:

I – pela renúncia ou morte do usufrutuário;”

Não se desconhece a existência de alguns julgados em sentido contrário, mas o fato é que, no sistema dos registros públicos, impera o princípio da legalidade estrita, de sorte que, tal como se apresenta, o título não comporta registro.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantendo-se a procedência da dúvida inversa.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 23.01.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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