Registro de imóveis – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ausência de demonstração da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido – Prescrição que não corre contra o absolutamente incapaz – Inteligência do art. 198, I, do Código Civil – Apelação a que se nega provimento.


  
 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000836-19.2022.8.26.0346

Registro: 2023.0000987601

ACÓRDÃO  

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000836-19.2022.8.26.0346, da Comarca de Martinópolis, em que são apelantes PAULO FERREIRA DE SOUZA e ELIANE APARECIDA PAZ SOUZA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MARTINÓPOLIS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 9 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000836-19.2022.8.26.0346

APELANTES: Paulo Ferreira de Souza e Eliane Aparecida Paz Souza

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Martinópolis

VOTO Nº 39.172

Registro de imóveis – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ausência de demonstração da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido – Prescrição que não corre contra o absolutamente incapaz – Inteligência do art. 198, I, do Código Civil – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Paulo Ferreira de Souza e Eliane Aparecida Paz Souza, em procedimento de dúvida, suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Martinópolis, visando a reforma da r. sentença de fls. 174/179, que manteve a recusa ao prosseguimento do processo de usucapião extrajudicial do imóvel objeto da matrícula nº 441, daquela serventia imobiliária.

Os apelantes aduzem, em suma, que detém posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel usucapiendo pelo prazo legal, comprovada documentalmente. A posse do imóvel foi adquirida por meio de contrato particular de compromisso de compra e venda e a alienação da parte do imóvel pertencente à época menor, Mariana Camargo Alminio, foi devidamente autorizada por meio de alvará judicial. A aplicação da regra do art. 198, I, do Código Civil deveria ser observada caso a segurança jurídica do ato estivesse comprometida; o que não ocorre no caso concreto.

Às fls. 215/219 os recorrentes acostaram aos autos “contrato particular de compra e venda de parte ideal correspondente a 2,5% de imóvel urbano” firmado com Mariana Camargo Alminio.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 238/241).

É o relatório.

Trata-se de pedido extrajudicial de usucapião extraordinária, fundado em alegação de posse mansa e pacífica, há mais de dez anos, sobre o imóvel descrito na matrícula nº 441 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Martinópolis, nos termos do art. 1238, parágrafo único do Código Civil.

Sustentam os recorrentes que ingressaram no imóvel localizado na Rua Francisco Martins Bidóia, nº 334, Vila Alegrete, há mais de onze anos quando firmaram, com os dezessete titulares de domínio, contrato particular de compromisso de compra e venda, exercendo, desde então, a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel.

O pedido foi indeferido nos moldes da nota devolutiva de fls. 139/140, que assim dispôs:

“(…) Após análise de toda documentação e dos depoimentos apresentados, identificou-se que o requerente não possui tempo suficiente de posse ad usucapionem, uma vez que a proprietária tabular, Mariana Camargo Alminio era menor impúbere ao tempo do início da posse pelos requerentes, aos 08.12.2010; vindo a completar dezesseis anos somente em 12.03.2014. Sendo assim, conforme determina o artigo 198, inciso I, do Código Civil, não corre prescrição aquisitiva, contra absolutamente incapaz, ou seja, os menores de 16 anos.

Portanto, por não haver tempo de posse suficiente, rejeito o pedido formulado, por ausência de preenchimento dos requisitos legais, para aquisição por usucapião”.

Por meio da r. sentença recorrida, a dúvida foi julgada procedente (fls. 174/179).

De proêmio, relevante pontuar ser inadmissível a juntada de documentos posteriores à qualificação registral, como pretendem os recorrentes.

Como se sabe, em procedimento de dúvida, o provimento deve ser sempre positivo ou negativo, a fim de que o registro seja ou não autorizado diante da dissensão que existia ao tempo da suscitação. A finalidade precípua do procedimento de dúvida é a de dirimir dissenso entre o registrador e o apresentante quanto a questões fáticas e jurídicas pré-existentes à suscitação.

Dito isso, a apelação não comporta provimento.

A dúvida foi suscitada em procedimento de usucapião extrajudicial, com fundamento no art. 17, § 5º do Provimento CNJ nº 65/2017:

“Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.

§ 5º – A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP”.

A usucapião é modo de aquisição originária da propriedade em razão do exercício da posse prolongada e mediante o preenchimento dos requisitos legais.

A pretensão, portanto, está sujeita à caracterização de:

i) posse mansa e ininterrupta pelo prazo previsto em lei; ii) inexistência de oposição à posse; iii) “animus domini”.

Em qualquer modalidade de usucapião devem, pois, estar presentes sempre os elementos: posse e tempo.

No tocante ao tempo, cumpre ao postulante da usucapião extraordinária demonstrar, portanto, que ostenta a posse pelo prazo de 15 anos, de forma contínua e sem oposição.

Quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo o prazo da usucapião extraordinária será reduzido para dez anos, nos termos do parágrafo único do art. 1238 do Código Civil.

Com relação ao elemento posse, exige-se a posse qualificada ad usucapionem, ou seja, a posse potencializada pela convicção de domínio, de ter a coisa para si com animus domini.

Assim, a configuração da prescrição aquisitiva não se contenta com a posse normal ad interdicta, exigindo-se a posse ad usucapionem, em que, além da exteriorização da aparência de domínio, o usucapiente deve demonstrar o exercício da posse com ânimo de dono pelo prazo, sem interrupção e sem oposição.

Fixadas estas premissas, a despeito dos recorrentes terem adquirido a posse do imóvel usucapiendo por meio de regular contrato particular de compromisso de compra e venda datado de 08/12/2010, à vista de alvará judicial expedido nos autos da ação de inventário e partilha, autos do processo n.º 0105060-21.2005.8.26.0346, que tramitou perante a 1ª Vara da Comarca de Martinópolis, porque, à época a titular de domínio Mariana Camargo Alminio, era menor de idade, certo é que, nos termos do art. 198, I, do Código Civil, não corre a prescrição contra os incapazes menores de 16 anos, inexistindo, in casu, posse ad usucapionem e com animus domini pelo prazo legalmente exigido.

A contagem da prescrição aquisitiva não se dá, portanto, a partir do ano de 2010 (data do compromisso de compra e venda), mas sim a partir de 12/03/2014 quando Mariana completou 16 anos de idade.

No ponto, relevante trazer à baila lição de Benedito Silvério Ribeiro[1]:

“A prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º do Código Civil (art. 198, I). São absolutamente incapazes, e entre estes encontram-se os menores de 16 anos”.

E, como bem consignado na r. sentença recorrida, não se busca no caso telado a inscrição do compromisso particular de compra e venda junto ao Registro de Imóveis. Tampouco se questiona a validade do negócio jurídico, realizado à vista de alvará judicial. Trata-se de processo de usucapião extrajudicial, em que se almeja a declaração do domínio a partir da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido.

Nesta senda, o contrato particular de compromisso de compra e venda, a despeito de demonstrar o início da posse dos recorrentes, não influi no início do prazo prescricional por se tratarem as normas relativas à prescrição aquisitiva de ordem pública e natureza cogente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantendo-se a procedência da dúvida.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

Tratado de Usucapião, 8ª edição, 2012, Editora Saraiva, pág. 96 (DJe de 06.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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