Registro de imóveis – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ausência de demonstração da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido – Prescrição que não corre contra o absolutamente incapaz – Inteligência do art. 198, I, do Código Civil – Apelação a que se nega provimento.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1000836-19.2022.8.26.0346

Registro: 2023.0000987601

ACÓRDÃO  

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000836-19.2022.8.26.0346, da Comarca de Martinópolis, em que são apelantes PAULO FERREIRA DE SOUZA e ELIANE APARECIDA PAZ SOUZA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MARTINÓPOLIS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 9 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1000836-19.2022.8.26.0346

APELANTES: Paulo Ferreira de Souza e Eliane Aparecida Paz Souza

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Martinópolis

VOTO Nº 39.172

Registro de imóveis – Apelação – Usucapião extrajudicial – Ausência de demonstração da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido – Prescrição que não corre contra o absolutamente incapaz – Inteligência do art. 198, I, do Código Civil – Apelação a que se nega provimento.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Paulo Ferreira de Souza e Eliane Aparecida Paz Souza, em procedimento de dúvida, suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Martinópolis, visando a reforma da r. sentença de fls. 174/179, que manteve a recusa ao prosseguimento do processo de usucapião extrajudicial do imóvel objeto da matrícula nº 441, daquela serventia imobiliária.

Os apelantes aduzem, em suma, que detém posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre o imóvel usucapiendo pelo prazo legal, comprovada documentalmente. A posse do imóvel foi adquirida por meio de contrato particular de compromisso de compra e venda e a alienação da parte do imóvel pertencente à época menor, Mariana Camargo Alminio, foi devidamente autorizada por meio de alvará judicial. A aplicação da regra do art. 198, I, do Código Civil deveria ser observada caso a segurança jurídica do ato estivesse comprometida; o que não ocorre no caso concreto.

Às fls. 215/219 os recorrentes acostaram aos autos “contrato particular de compra e venda de parte ideal correspondente a 2,5% de imóvel urbano” firmado com Mariana Camargo Alminio.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 238/241).

É o relatório.

Trata-se de pedido extrajudicial de usucapião extraordinária, fundado em alegação de posse mansa e pacífica, há mais de dez anos, sobre o imóvel descrito na matrícula nº 441 do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Martinópolis, nos termos do art. 1238, parágrafo único do Código Civil.

Sustentam os recorrentes que ingressaram no imóvel localizado na Rua Francisco Martins Bidóia, nº 334, Vila Alegrete, há mais de onze anos quando firmaram, com os dezessete titulares de domínio, contrato particular de compromisso de compra e venda, exercendo, desde então, a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel.

O pedido foi indeferido nos moldes da nota devolutiva de fls. 139/140, que assim dispôs:

“(…) Após análise de toda documentação e dos depoimentos apresentados, identificou-se que o requerente não possui tempo suficiente de posse ad usucapionem, uma vez que a proprietária tabular, Mariana Camargo Alminio era menor impúbere ao tempo do início da posse pelos requerentes, aos 08.12.2010; vindo a completar dezesseis anos somente em 12.03.2014. Sendo assim, conforme determina o artigo 198, inciso I, do Código Civil, não corre prescrição aquisitiva, contra absolutamente incapaz, ou seja, os menores de 16 anos.

Portanto, por não haver tempo de posse suficiente, rejeito o pedido formulado, por ausência de preenchimento dos requisitos legais, para aquisição por usucapião”.

Por meio da r. sentença recorrida, a dúvida foi julgada procedente (fls. 174/179).

De proêmio, relevante pontuar ser inadmissível a juntada de documentos posteriores à qualificação registral, como pretendem os recorrentes.

Como se sabe, em procedimento de dúvida, o provimento deve ser sempre positivo ou negativo, a fim de que o registro seja ou não autorizado diante da dissensão que existia ao tempo da suscitação. A finalidade precípua do procedimento de dúvida é a de dirimir dissenso entre o registrador e o apresentante quanto a questões fáticas e jurídicas pré-existentes à suscitação.

Dito isso, a apelação não comporta provimento.

A dúvida foi suscitada em procedimento de usucapião extrajudicial, com fundamento no art. 17, § 5º do Provimento CNJ nº 65/2017:

“Art. 17. Para a elucidação de quaisquer dúvidas, imprecisões ou incertezas, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis ou por escrevente habilitado.

§ 5º – A rejeição do requerimento poderá ser impugnada pelo requerente no prazo de quinze dias, perante o oficial de registro de imóveis, que poderá reanalisar o pedido e reconsiderar a nota de rejeição no mesmo prazo ou suscitará dúvida registral nos moldes dos art. 198 e seguintes da LRP”.

A usucapião é modo de aquisição originária da propriedade em razão do exercício da posse prolongada e mediante o preenchimento dos requisitos legais.

A pretensão, portanto, está sujeita à caracterização de:

i) posse mansa e ininterrupta pelo prazo previsto em lei; ii) inexistência de oposição à posse; iii) “animus domini”.

Em qualquer modalidade de usucapião devem, pois, estar presentes sempre os elementos: posse e tempo.

No tocante ao tempo, cumpre ao postulante da usucapião extraordinária demonstrar, portanto, que ostenta a posse pelo prazo de 15 anos, de forma contínua e sem oposição.

Quando o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo o prazo da usucapião extraordinária será reduzido para dez anos, nos termos do parágrafo único do art. 1238 do Código Civil.

Com relação ao elemento posse, exige-se a posse qualificada ad usucapionem, ou seja, a posse potencializada pela convicção de domínio, de ter a coisa para si com animus domini.

Assim, a configuração da prescrição aquisitiva não se contenta com a posse normal ad interdicta, exigindo-se a posse ad usucapionem, em que, além da exteriorização da aparência de domínio, o usucapiente deve demonstrar o exercício da posse com ânimo de dono pelo prazo, sem interrupção e sem oposição.

Fixadas estas premissas, a despeito dos recorrentes terem adquirido a posse do imóvel usucapiendo por meio de regular contrato particular de compromisso de compra e venda datado de 08/12/2010, à vista de alvará judicial expedido nos autos da ação de inventário e partilha, autos do processo n.º 0105060-21.2005.8.26.0346, que tramitou perante a 1ª Vara da Comarca de Martinópolis, porque, à época a titular de domínio Mariana Camargo Alminio, era menor de idade, certo é que, nos termos do art. 198, I, do Código Civil, não corre a prescrição contra os incapazes menores de 16 anos, inexistindo, in casu, posse ad usucapionem e com animus domini pelo prazo legalmente exigido.

A contagem da prescrição aquisitiva não se dá, portanto, a partir do ano de 2010 (data do compromisso de compra e venda), mas sim a partir de 12/03/2014 quando Mariana completou 16 anos de idade.

No ponto, relevante trazer à baila lição de Benedito Silvério Ribeiro[1]:

“A prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º do Código Civil (art. 198, I). São absolutamente incapazes, e entre estes encontram-se os menores de 16 anos”.

E, como bem consignado na r. sentença recorrida, não se busca no caso telado a inscrição do compromisso particular de compra e venda junto ao Registro de Imóveis. Tampouco se questiona a validade do negócio jurídico, realizado à vista de alvará judicial. Trata-se de processo de usucapião extrajudicial, em que se almeja a declaração do domínio a partir da posse qualificada pelo prazo legalmente exigido.

Nesta senda, o contrato particular de compromisso de compra e venda, a despeito de demonstrar o início da posse dos recorrentes, não influi no início do prazo prescricional por se tratarem as normas relativas à prescrição aquisitiva de ordem pública e natureza cogente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, mantendo-se a procedência da dúvida.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Nota:

Tratado de Usucapião, 8ª edição, 2012, Editora Saraiva, pág. 96 (DJe de 06.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Venda e Compra – Certidão Negativa de Débito – CND exigência afastada, segundo atual orientação deste Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Subitem 117.1, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Apelo provido.

Apelação Cível nº 1017845-63.2023.8.26.0053

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1017845-63.2023.8.26.0053
Comarca: CAPITAL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1017845-63.2023.8.26.0053

Registro: 2023.0000987607

ACÓRDÃO  

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1017845-63.2023.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MESP MEDICINA EMPRESARIAL DE SÃO PAULO LTDA., é apelado 8º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 9 de novembro de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1017845-63.2023.8.26.0053

APELANTE: Mesp Medicina Empresarial de São Paulo Ltda.

APELADO: 8º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 39.197

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura Pública de Venda e Compra – Certidão Negativa de Débito – CND exigência afastada, segundo atual orientação deste Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Nacional de Justiça – Subitem 117.1, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Apelo provido.

Trata-se de apelação interposta por Mesp Medicina Empresarial de São Paulo Ltda. contra a r. sentença proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 8º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo que, em mandado de segurança recebido como processo de dúvida inversa, manteve a recusa do registro da escritura pública de venda e compra tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 2.127 da referida serventia extrajudicial (fls. 63/69).

Alega a apelante, em síntese, que a exigência apresentada pelo registrador contraria jurisprudência pacífica do Egrégio Supremo Tribunal Federal e deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, que reiteradamente vem afastando a necessidade de apresentação da certidão negativa de débito – CND em nome da alienante do imóvel, para registro da transferência de propriedade (fls. 75/88).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 108/113).

Nos termos do v. acórdão a fls. 114/118, o recurso foi redistribuído a este Colendo Conselho Superior da Magistratura.

É o relatório.

Da nota devolutiva copiada a fls. 24, expedida pelo registrador por ocasião da qualificação negativa do título, constou a seguinte exigência:

“Anexar Certidão Negativa Conjunta de Tributos Federais e da Dívida Ativa da União em nome da empresa vendedora MESP MEDICINA EMPRESARIAL DE SÃO PAULO LTDA., expedida pela Secretaria da Receita Federal comprovando a quitação desses tributos (…)”

Como se sabe, o disposto no artigo 47, I, “b”, da Lei nº 8.212/1991, não é requisito para registro stricto sensu.

A jurisprudência consolidada e reiterada deste Colendo Conselho Superior da Magistratura é no sentido de que as certidões negativas de tributos federais e contribuições previdenciárias, porque não dizem respeito ao fato jurídico por inscrever, não podem ser exigidas como condição para a prática de ato de registro previsto no artigo 167, I, da Lei nº 6.015/1973. A lição está recolhida nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e vem sendo reafirmada nos julgados deste Colegiado:

“Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.” (subitem 117.1, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça).

“Registro de Imóveis  Carta de Adjudicação  Desqualificação do título judicial, exigindo-se certidão negativa de débitos (CND) expedida conjuntamente pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional  Impossibilidade  Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ  Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado  Dúvida improcedente  Apelação provida.” (Apelação Cível n. 1000791-27.2017.8.26.0625, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 15.5.2018, DJe (17.07.2018). Consta do voto: “Não se justifica a exibição de CND (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários), diante da contemporânea compreensão do Colendo Conselho Superior da Magistratura, iluminada por diretriz estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (ADI n. 173-DF e ADI n. 394-STF, rel Min. Joaquim Barbosa, j. 25.9.2008), a dispensá-la, porquanto a exigência, uma vez mantida, prestigiaria vedada sanção política.” (Apelação Cível n. 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n. 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n. 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. 18.4.2013; Apelação Cível n. 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; e Apelação Cível n. 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 26.8.2014; Apelação Cível n. 14803-69.2014.8.26.0269, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 30.6.2016). Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que traduzam exercício abusivo e coercitivo de exigência de obrigações tributárias, inclusive com natureza de contribuições previdenciárias. Tal entendimento se encontra consubstanciado em enunciados da Suprema Corte (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI)conforme voto do E. Ministro CELSO DE MELLO:

‘O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da elação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso’ (STF, RE 666405/RS). Na situação em apreço, a confirmação da exigência representa indevida restrição ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua e instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos. Caracteriza, em síntese, limitação a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, à qual se alinha este Colendo Conselho Superior da Magistratura, mascarando uma cobrança por quem não é a autoridade competente, sem observância do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, certo que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado. Segundo lição de Humberto Ávila, ‘a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que – e isto é essencial – não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário.’ (Sistema Constitucional Tributário, 5ª. Ed., São Paulo. Saraiva, 2012, p. 173).”

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda – CND da Receita Federal – Exigência afastada, conforme atual orientação do CNJ, do CSM e nos termos das NSCGJ – Penhoras promovidas em execuções fiscais ajuizadas pela Fazenda Nacional – Documentos apresentados para o registro que somente autorizam o cancelamento da averbação de uma dessas penhoras Impedimento para o registro – Dúvida procedente – Recurso não provido.” (Apelação Cível n. 1056244-85.2017.8.26.0114, Rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 28.6.2018, DJe 18.3.2019).

Consta do voto: “O tema objeto do debate não é novo. Tampouco existe unanimidade na doutrina quanto à possibilidade de afastamento dessa exigência pela via administrativa. Nada obstante, são diversos os precedentes deste E. Conselho Superior da Magistratura quanto à inexigibilidade da certidão negativa de tributos federais (CND) para ingresso de títulos no registro de imóveis. De fato, a exigência da CND pode configurar forma heterodoxa e atípica de exigibilidade de débitos tributários, sem o devido processo legal, em afronta à Constituição Federal, por traduzir verdadeira sanção política ao jurisdicionado. O próprio Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que traduzam exercício coercitivo de exigência de obrigações tributárias, inclusive com natureza de contribuições previdenciárias. […]. A doutrina se posiciona no mesmo sentido quanto à impossibilidade de cobrança atípica, feita em ofensa ao due process of law: ‘Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras. Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País. (…) São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.

Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal’.” (MACHADO, Hugo de Brito, Sanções Políticas no Direito Tributário, Revista Dialética e Direito Tributário n. 30, p. 46/47).

Ademais, assim já decidiu o Colendo Conselho Nacional de Justiça:

“É inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos.” (Pedido de Providências nº 0001230-82.2015.2.00.0000, j. 16.9.2017, DJ 16.9.2017).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação, a fim de julgar improcedente a dúvida suscitada e afastar o óbice apresentado ao registro pretendido.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 06.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de Imóveis – Escrituras de compra e venda – Atualização do valor do negócio jurídico para fins de enquadramento na tabela de emolumentos – Impossibilidade – Ausência de previsão legal ou normativa – Inteligência dos arts. 6° e 7° da Lei Estadual n° 11.331/2002 – Determinação de devolução ao usuário dos valores cobrados a maior – Parecer pelo provimento parcial do recurso.

PROCESSO Nº 1001844-53.2023.8.26.0101

Espécie: PROCESSO
Número: 1001844-53.2023.8.26.0101
Comarca: CAÇAPAVAPROCESSO Nº 1001844-53.2023.8.26.0101 – CAÇAPAVA – ANTONIO DA SILVA RODRIGUES e OUTROS.  

DECISÃO: Vistos. Aprovo o parecer apresentado pelo MM. Juiz Assessor da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, dou parcial provimento ao recurso administrativo para determinar a restituição do valor cobrado a maior (fls. 2), devidamente corrigido pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo a partir da data do pagamento. Publique-se o parecer ora aprovado na íntegraInt. São Paulo, 31 de janeiro de 2024. (a) FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça. ADV: NELSON LOPES DE OLIVEIRA FERREIRA JUNIOR, OAB/SP 67.285, EDMUNDO MOREIRA BRANCATTI, OAB/SP 122.764 e CAROLINE GONÇALVES BRANCATTI, OAB/SP 314.972.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Recurso Administrativo n° 1001844-53.2023.8.26.0101

(40/2024-E) 

Registro de Imóveis – Escrituras de compra e venda – Atualização do valor do negócio jurídico para fins de enquadramento na tabela de emolumentos – Impossibilidade – Ausência de previsão legal ou normativa – Inteligência dos arts. 6° e 7° da Lei Estadual n° 11.331/2002 – Determinação de devolução ao usuário dos valores cobrados a maior – Parecer pelo provimento parcial do recurso.

Nota da redação INR: Clique aqui para visualizar a íntegra do ato. (DJe de 05.02.2024 – SP)

Fonte: INR Publicações

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