CSM/SP: Registro de imóveis – Impugnação ao registro de loteamento – Artigo 19, §1º, da Lei n.6.766/79 – Verificação de patrimônio suficiente para lastrear as dívidas dos antigos proprietários – Inexistência de potencial prejuízo aos adquirentes dos lotes – Registro autorizado nos termos do artigo 18, §2º, da Lei n.6.766/79 – Recurso não provido.

Apelação Cível nº 1001229-10.2023.8.26.0539

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001229-10.2023.8.26.0539
Comarca: SANTA CRUZ DO RIO PARDO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001229-10.2023.8.26.0539

Registro: 2024.0000118346

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001229-10.2023.8.26.0539, da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, em que é apelante MURILO SCATAMBURLO, são apelados JT – LOTEADORA E INCORPORADORA LTDA e OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA CRUZ DO RIO PARDO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001229-10.2023.8.26.0539

APELANTE: Murilo Scatamburlo

APELADOS: Jt – Loteadora e Incorporadora Ltda e Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo

VOTO Nº 43.008

Registro de imóveis – Impugnação ao registro de loteamento – Artigo 19, §1º, da Lei n.6.766/79 – Verificação de patrimônio suficiente para lastrear as dívidas dos antigos proprietários – Inexistência de potencial prejuízo aos adquirentes dos lotes – Registro autorizado nos termos do artigo 18, §2º, da Lei n.6.766/79 – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Murilo Scatamburlo contra a r. sentença de fls. 1837/1845, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, a qual rejeitou impugnação apresentada nos termos do artigo 19, §1º, da Lei n.6.766/79, e autorizou o registro do loteamento denominado “Jardim América II” no imóvel objeto da matrícula n.40.009 daquela serventia (prenotação n. 183.338).

A conclusão foi de que as ações judiciais apontadas pelo impugnante não representam risco de prejuízo aos futuros adquirentes dos lotes, uma vez que os antigos proprietários do imóvel loteado, bem como a empresa JT Loteadora e Incorporadora Ltda, que está promovendo o loteamento, possuem bens e/ou rendimentos suficientes para o pagamento de suas dívidas.

O recorrente alega, em resumo, que é credor dos sócios da empresa loteadora no processo de autos n. 1000152-44.2015.8.26.0539 em valor superior a um milhão de reais, o qual pode ser dobrado se provido recurso especial pendente de julgamento; que os devedores transmitiram o imóvel da matrícula n.25.239 e não possuem patrimônio para o pagamento da dívida; que o sócio Claiton tem pendências de mais de cinco milhões de reais e já teve penhorada sua parte no faturamento da empresa loteadora; que declarações unilaterais do contador sobre o faturamento não são suficientes para demonstrar a higidez financeira da empresa, sendo necessária apresentação de extratos bancários; que houve alegação de fraude à execução e contra credores em virtude da alienação do imóvel da matrícula n.25.239, o que pode afetar o domínio do imóvel loteado; que a comercialização de lotes para terceiros de boa-fé representa risco à satisfação dos credores, de modo que o registro do loteamento deve ser indeferido (fls. 1851/1855).

A empresa loteadora apresentou contrarrazões, requerendo, preliminarmente, o indeferimento de efeito suspensivo ou a concessão de liminar para registro imediato do loteamento, o que foi indeferido (fls.1856/1861, 1871, 1874/1883 e 1894/1895).

No mérito, defendeu a manutenção da sentença, que analisou minuciosamente a farta documentação apresentada. Aduziu, ainda, que os devedores possuem bens suficientes para satisfação das dívidas, inexistindo risco de inadimplemento; que foi demonstrada a realização de diversos depósitos no processo de autos n.1000152-44.2015.8.26.0539, suficientes para amortização substancial da condenação imposta, sendo que a parte credora ainda não iniciou o cumprimento da sentença; que os limites subjetivos da ação revocatória de autos n.1000039-46.2022.8.26.0539 impedem que seu resultado afete o imóvel loteado ou os futuros adquirentes; que as execuções movidas contra o sócio Claiton não atingem a cifra apontada pelo apelante; que sua situação financeira é capaz de suportar eventuais débitos que exacerbem o patrimônio dos sócios, sendo que o registro do loteamento aumentará ainda mais a garantia de satisfação dos débitos (fls.1874/1883).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 1902/1904).

É o relatório.

Decido.

De início, vale anotar que, para o registro de loteamento, a lei exige a apresentação de certidões negativas de débitos tributários e de ações reais relativas ao imóvel, bem como certidões de protesto e de ações cíveis em nome do loteador e de todos aqueles que tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel no período de dez anos, com a finalidade de se verificar eventual repercussão econômica ou afetação do imóvel objeto do loteamento (artigo 18, III e IV, da Lei n.6.766/1979, e itens 176 e 177, Cap. XX, das NSCGJ).

Com efeito, o artigo 18 da Lei n.6.766/79 dispõe:

“Art. 18, § 2° – A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente”.

No caso concreto, embora o Oficial de Registro de Imóveis tenha entendido pela existência de patrimônio suficiente para o pagamento das dívidas e viabilidade do registro do loteamento na matrícula n.40.009, remeteu o caso ao Juiz Corregedor Permanente para análise da impugnação apresentada pelo ora recorrente, como determina o artigo 19, §1º, da Lei n.6.766/79.

O Corregedor Permanente acompanhou o entendimento do Oficial de Registro de Imóveis e, após analisar detidamente todas as ações apontadas pelo impugnante, confrontando a vasta documentação produzida, rejeitou a impugnação e autorizou o registro.

No mérito, o recurso não comporta provimento.

Como se extrai das razões da apelação, a principal preocupação do recorrente é com o recebimento de crédito havido em face dos sócios da empresa loteadora, que foram condenados ao pagamento de indenização no processo de autos n.1000152-44.2015.8.26.0539.

Neste primeiro ponto, é importante destacar que o Conselho Superior da Magistratura já analisou os reflexos da referida condenação sobre os adquirentes do Loteamento Jardim América, implantado anteriormente pela mesma empresa loteadora no imóvel da matrícula n.8.148 do Registro de Imóveis de Santa Cruz do Rio Pardo (Apelação n.1000036-33.2018.8.26.0539, fls. 1253/1260).

Naquela época, o registro do primeiro loteamento foi obstado pelo Registrador, que entendeu não haver comprovação de patrimônio da loteadora suficiente para garantir eventual condenação.

O acórdão, proferido em novembro de 2018, analisou o litígio, constatando que os sócios da empresa loteadora foram condenados ao pagamento de duzentos e cinquenta mil reais e que não havia risco de insolvência, bem como observando que, no caso, não se cuidava de ação real e não havia determinação de bloqueio da matrícula a impedir a livre alienação de lotes. Assim, o julgamento foi pelo provimento do recurso, o que viabilizou o registro daquele primeiro loteamento.

Desde então, a situação dos litigantes no processo de autos n.1000152-44.2015.8.26.0539 pouco se alterou: o julgamento dos recursos interpostos confirmou a condenação dos sócios da empresa loteadora no valor de duzentos e cinquenta mil reais, bem como o afastamento das indenizações por lucros cessantes, danos materiais e morais, sendo a sentença reformada apenas nos tópicos referentes aos honorários de sucumbência e à restituição da comissão de corretagem (fls.1564/1583). O recurso especial ainda pendente de julgamento apenas envolve a questão da devolução dobrada das arras, nos termos do artigo 418 do Código Civil.

Por outro lado, a apelada indica a realização de diversos depósitos judiciais omitidos pelo recorrente, os quais garantem a satisfação de mais da metade do crédito atualizado, ainda que não se tenha iniciado o cumprimento provisório da sentença (fls.1702/1703 e 1884/1885).

Com base na condenação alcançada no processo de autos n.1000152-44.2015.8.26.0539, o impugnante promoveu ação revocatória que tramita sob n.1000039-46.2022.8.26.0539, na qual pretende o reconhecimento da ocorrência de fraude contra credores, com anulação do desdobro da matrícula n.25.239 e da venda de suas parcelas ou declaração de ineficácia da venda por ter sido realizada em fraude às execuções de autos n.1005988-71.2013.8.26.0020 e 1004239- 96.2015.8.26.0004 (fls.759/926).

Para a exata compreensão dos fatos, convém transcrever a evolução dos registros envolvidos desde a matrícula n.25.239 até o registro atual tal como consta da sentença (fls.1840/1841):

“O imóvel objeto do loteamento originou-se da matrícula n.25.239, que pertencia aos sócios Maria Apparecida (fração ideal de 25%), Roselene (fração ideal de 25%) e Claiton (fração ideal de 50%) (fls.1.424/1.429).

Por escritura pública de compra e venda lavrada aos 11.01.2018, os proprietários destacaram do aludido imóvel a área de 4,90 hectares e alienaram à MÁRIO SÉRGIO MANFRIN e sua esposa MARIA CRISTINA REINA MANFRIM, ÉRIK LEONARDO MANFRIM e sua esposa VANESKA RODRIGUES PEGORER MANFRIM (fls.1.410/1416), originando a matrícula n.38.190 (fls.1.430/1.432).

A área remanescente (9,7866 hectares) deu origem à matrícula n.38.191 e foi alienada, em 10.04.2018, à JT LOTEADORA E INCORPORADORA LTDA (fls.1.417/1.423), que, por sua vez, desmembrou o imóvel em dois distintos, ensejando a abertura das matrículas nºs: 39.146 (9,701872 hectares) e 39.147 (0,84728 hectares) (fls.1.433/1.438).

Por escritura pública de compra e venda lavrada aos 18.12.2018, a proprietária JT LOTEADORA vendeu o imóvel de matrícula n.39.147 a MÁRIO SÉRGIO MANFRIM e sua esposa MARIA CRISTINA REINA MANFRIM, ÉRIK LEONARDO MANFRIM e sua esposa VANESKA RODRIGUES PEGORER MANFRIM (fls.1.439).

Já o imóvel de matrícula n.39.146 foi unificado ao de matrícula nº 40.007, por contíguos e pertencentes à JT LOTEADORA, motivo pelo qual foi aberta a matrícula nº 40.009, em que registrado o imóvel objeto do loteamento”.

Nesse contexto, observados os limites subjetivos impostos pelo artigo 506 do Código de Processo Civil, a coisa julgada derivada da ação revocatória não pode atingir a empresa JT Loteadora e Incorporadora Ltda, já que promovida apenas contra os antigos proprietários e contra os adquirentes Mário Sérgio, Maria Cristina, Érik e Vaneska. Assim, como bem ressaltado pelo Corregedor Permanente, na hipótese de procedência, apenas o imóvel da matrícula n.38.190 retornará ao patrimônio dos antigos proprietários, aumentando a garantia dos credores, sem interferir no loteamento que se pretende implantar no imóvel da matrícula n.40.009.

Da mesma forma, as demais ações movidas exclusivamente em face do antigo proprietário Claiton não têm o condão de atingir o imóvel que se pretende lotear.

Conforme detalhadamente apurado pela sentença recorrida, a execução de autos n.1029030-36.2018.8.26.0001 e a ação monitória de autos n.1000807-40.2020.8.26.0539 foram distribuídas posteriormente à aquisição do imóvel pela empresa loteadora.

O mesmo se aplica às execuções de autos n.1005988-71.2013.8.26.0020 e n.1004239-96.2015.8.26.004, nas quais a citação de Claiton ocorreu posteriormente à transmissão da propriedade do imóvel. Nesses casos, verifica-se que Claiton não é o único devedor e a penhora de sua parte nos lucros da empresa JT Loteadora não interfere no patrimônio da pessoa jurídica, que terá seu faturamento incrementado com o desenvolvimento do novo loteamento.

As dívidas de Claiton correspondentes às execuções fiscais de autos n. 0017998-83.2013.4.03.6182 e n.0049663-98.2005.4.03.6182 foram parceladas, o que se confirma pela certidão positiva com efeitos de negativa relativa aos débitos federais (fls.1024/1029, 1748/1754 e 1755), sendo que a segunda execução também está garantida pela penhora dos imóveis das matrículas n.58.660 e 58.661 do 3º Registro de Imóveis da Capital (fls.1.186/1.196)

Ademais, houve demonstração acerca do patrimônio imobiliário dos antigos proprietários em montante suficiente para satisfação de todas as dívidas identificadas, o que foi detalhadamente apontado na r. sentença recorrida, sem qualquer questionamento no recurso apresentado.

Por outro lado, não há indício de falsidade no faturamento declarado pela pessoa jurídica, sendo inviável realizar, nesta estreita via administrativa, investigação minuciosa de seu movimento contábil mediante apresentação de documentos fiscais e bancários protegidos por sigilo legal, sobretudo quando medidas preventivas concretas, embora possíveis, ainda não tenham sido adotadas em relação ao imóvel loteado, como bem destacado pela Douta Procuradoria Geral da Justiça (fls.1902/1904).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.02.2024 – SP

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Arrematação – Emolumentos devidos pelo ingresso de penhora – Recolhimento diferido para o momento do registro da arrematação nos termos do item 1.7 das notas explicativas – Débito que não se subroga no preço da arrematação – Exigência, porém, impertinente para o registro da arrematação – Recurso provido, com observação.

Apelação Cível nº 1001657-92.2023.8.26.0441

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1001657-92.2023.8.26.0441
Comarca: PERUÍBE

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001657-92.2023.8.26.0441

Registro: 2024.0000118347

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001657-92.2023.8.26.0441, da Comarca de Peruíbe, em que é apelante NELSON DE SOUZA PINTO NETO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PERUÍBE.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001657-92.2023.8.26.0441

Apelante: Nelson de Souza Pinto Neto

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Peruíbe

VOTO Nº 43.012

Registro de imóveis – Arrematação – Emolumentos devidos pelo ingresso de penhora – Recolhimento diferido para o momento do registro da arrematação nos termos do item 1.7 das notas explicativas – Débito que não se subroga no preço da arrematação – Exigência, porém, impertinente para o registro da arrematação – Recurso provido, com observação.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Nelson de Souza Pinto Neto contra a r. sentença de fls. 92/97, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Peruíbe, a qual considerou correta a exigência pelo recolhimento dos emolumentos devidos pela averbação e pelo cancelamento de penhora determinada no processo que originou a carta de arrematação, a qual foi apresentada a registro (matrícula n. 28.385 daquela serventia; prenotação n. 76.905).

A parte recorrente narra que apresentou a carta de arrematação, extraída do processo de autos n. 0135100-51.2009.5.15.0071, que tramita perante a Vara do Trabalho de Mogi Guaçu, sendo que o Registrador cobrou os emolumentos da averbação da penhora e do respectivo cancelamento, além dos tributos relativos ao registro da arrematação e da expedição de certidão pelos atos praticados.

Inconformada com a cobrança, a parte suscitou dúvida inversa, alegando que, por se tratar de aquisição originária, eventuais ônus ou restrições registradas anteriormente não prevalecem contra o arrematante e devem ser cancelados, tal como previsto no edital (fls. 01/03 e 100/103).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 131/134).

É o relatório.

De início, observo que, embora haja procedimento próprio para oferecimento de reclamação contra a cobrança indevida de emolumentos e despesas, na forma do artigo 30 da Lei n. 11.331/2002 e do item 73 do Capítulo XIII das NSCGJ, no caso concreto, o usuário inconformado optou pela suscitação de dúvida inversa contra exigência feita pela complementação de emolumentos para registro da arrematação, o que justifica a análise da questão pelo Conselho Superior da Magistratura.

Vale destacar, ainda, que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7). Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO  ATUAÇÃO DO TITULAR  CARTA DE ADJUDICAÇÃO  DÚVIDA LEVANTADA  CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA  O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal  Crime de desobediência – Pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Importante consignar, por fim, que o entendimento atual é pacífico no sentido de que a arrematação é modo derivado de aquisição da propriedade:

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Carta de Arrematação – Título judicial sujeito à qualificação registral – Forma derivada de aquisição de propriedade – Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade  Dúvida julgada procedente – Recurso não provido, com determinação” (TJSP; Apelação Cível 0005176-34.2019.8.26.0344; Relator: Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019).

“REGISTRO DE IMÓVEIS  Carta de Arrematação – Executado que é titular de direitos sobre o imóvel – Forma derivada de aquisição de direitos – Arrematação que não pode ir além dos direitos do executado – Princípio da continuidade  Dúvida procedente – Apelação não provida” (TJSP; Apelação Cível 1125920-02.2016.8.26.0100; Relator: Pereira Calças (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Data do Julgamento: 02/12/2017; DJe: 15/03/2018).

No mesmo sentido: Apelações n. 1001015-36.2019.8.26.0223, 1061979-44.2017.8.26.0100, 0018338-33.2011.8.26.0100 e 0035805-59.2010.8.26.0100, dentre outras.

No mérito, porém, o recurso deve ser provido na medida em que inexiste real obstáculo ao registro da arrematação.

Vejamos.

No caso concreto, após a qualificação do título, cálculo de custas e emolumentos foi apresentado, no total de R$ 1.492,85, incluindo: R$ 680,27 pelo registro da arrematação; R$ 273,70 pela averbação da penhora oriunda do mesmo processo em que ocorreu a arrematação; R$ 469,41 pela averbação do cancelamento da penhora e R$ 69,47 pela emissão de certidão dos atos praticados (fls. 74/75).

A penhora foi objeto da Averbação n. 3 da matrícula n. 28.385 e a cobrança dos respectivos emolumentos foi diferida para o momento da efetivação do registro da arrematação com fundamento no item 1.7 das notas explicativas da tabela própria da Lei Estadual n. 11.331/2002.

A melhor doutrina ensina que os emolumentos notariais e registrais possuem natureza jurídica de taxa (artigo 145, inciso II, da Constituição Federal):

“(…) perante a realidade instituída pelo direito positivo atual, parece-me indiscutível a tese segundo a qual a remuneração dos serviços notariais e de registro, também denominada emolumentos, apresenta natureza específica de taxa. O presente tributo se caracteriza por apresentar, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de atividade estatal (prestação de serviços notariais e de registros públicos), direta e especificamente dirigida ao contribuinte; além disso, a análise de sua base de cálculo exibe a medida da intensidade da participação do Estado, confirmando tratar-se da espécie taxa…” (Carvalho, Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 05.06.2007, a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG). Outro não é o entendimento jurisprudencial a respeito:

“Direito constitucional e tributário. Custas e emolumentos:Serventias Judiciais e Extrajudiciais. Ação direta de inconstitucionalidade da Resolução nº 7, de 30 de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: Ato Normativo. (…) 4. O art.145 admite a cobrança de taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, se serviço público, ainda qu prestado em caráter particular (art.236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução do Tribunal de Justiça e não de Lei formal, como o exigido pela Constituição Federal…” (ADI 1444 PR, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgamento em 12/02/2003, D.J. 11/04/2003).

Diante de tal natureza jurídica, certo é que eventual isenção somente poderá ser veiculada por lei específica, conforme dispõe expressamente o artigo 150, § 6º, da Constituição Federal, o que não existe para o caso concreto.

A incidência dos emolumentos é regida pela Lei Estadual n. 11.331/2002 e seu cálculo toma por base as tabelas anexas ao seu texto. No caso dos atos dos Ofícios de Registro de Imóveis deve ser seguida a tabela II, que traz a seguinte nota explicativa:

“1.7. Os emolumentos devidos pelo registro de penhora efetivada em execução trabalhista ou fiscal serão pagos a final ou quando da efetivação do registro da arrematação ou adjudicação do imóvel, pelos valores vigentes à época do pagamento”.

Não se trata, portanto, de débito tributário a ser sub-rogado no preço da arrematação, mas de débito diferido por expressa disposição legal.

Ademais, relativamente aos débitos que recaem sobre o bem alienado, o edital trouxe previsão expressa sobre a responsabilidade do arrematante pelo custo de registro perante o Cartório de Registro de Imóveis (item 2.25, “c”, fl. 52).

O cancelamento da penhora, por sua vez, envolve ato de averbação, tal como dispõe o item 2.1 das notas explicativas, com a redação dada pela Lei Estadual n. 13.290/08:

“2.1. Considera-se averbação com valor aquela referente à fusão, cisão ou incorporação de sociedades, cancelamento de direitos reais e outros gravames, bem como a que implica alteração de contrato, da dívida ou da coisa, inclusive retificação de área, neste caso tomando como base de cálculo o valor venal do imóvel”.

Verifica-se, ademais, que não se comprovou a existência de decisão judicial específica determinando a gratuidade do ato em questão.

Note-se que a Lei Estadual n. 11.331/02, ao tratar sobre a gratuidade de emolumentos relativos aos serviços notariais e de registro, trouxe limitação expressa neste sentido:

“Art. 9º. São gratuitos:

I – os atos previstos em lei;

II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo” (grifo nosso).

As normas de serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo trazem previsão idêntica (item 68, Capítulo XIII):

“São gratuitos os atos previstos em lei e os praticados em cumprimento de mandados e demais títulos judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo”.

Assim, como não se trata de hipótese de isenção ou de débitos que se subrogam no preço da arrematação e não há ordem judicial de gratuidade específica afastando a incidência do tributo, não resta dúvida de que a exclusão da penhora da matrícula dependerá do pagamento pelo arrematante dos emolumentos devidos tanto por sua averbação como por seu cancelamento, o qual poderá posteriormente, pela via própria, exercer direito de regresso contra quem entenda de direito.

Por outro lado, o registro da carta de arrematação não depende do pagamento dos emolumentos devidos pela averbação da penhora nem tão pouco de seu cancelamento, notadamente quando a constrição foi determinada no mesmo processo em que ocorrida a arrematação.

Deve-se sempre privilegiar o entendimento pelo cancelamento indireto de eventuais constrições anteriormente averbadas na matrícula, ainda mais quando se trate de alienação forçada, tudo em benefício da facilitação do tráfego jurídico.

Neste sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. Penhoras e decretos de indisponibilidade que não impedem a alienação forçada. Ocorrida a alienação forçada, há, por via indireta, imediato cancelamento das penhoras e indisponibilidades pretéritas. Cancelamento direto que não é condição necessária à posterior alienação voluntária. Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada. Recurso desprovido” (CSMSP, Apelação Cível 100157093.2016.8.26.0664, Rel. Des. Pereira Calças, j. 19.12.2017).

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Averbação de indisponibilidade que não impede a alienação forçada – Ocorrida a alienação, há cancelamento indireto das penhoras, que geraram a indisponibilidade – O cancelamento direto não é condição necessária à posterior alienação voluntária – Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada – Recurso provido” (CSMSP, Apelação Cível 0019371-42.2013.8.26.0309, Rel. Des. Pereira Calças, j. 14.03.2017).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para afastar a exigência de recolhimento complementar de emolumentos para averbação e cancelamento da penhora como requisito para o registro da arrematação, observando, porém, que, caso a parte recorrente também deseje a exclusão da penhora da matrícula, deverá arcar com os emolumentos relativos a ela, de ingresso e cancelamento, na forma do item 1.7 da Lei Estadual n. 11.331/2002.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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CSM/SP: Registro de imóveis – Escritura Pública de venda e compra de fração ideal – Imóvel adquirido por usucapião – Condomínio voluntário estabelecido de forma originária – Alterações de titularidades de frações ideais que não revelam fracionamento irregular do imóvel – Titularidade modificada por sucessão hereditária e alienação a pessoas com vínculo de parentesco – Dúvida julgada improcedente – Apelo provido.

Apelação Cível nº 1002856-02.2023.8.26.0587

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1002856-02.2023.8.26.0587
Comarca: SÃO SEBASTIÃO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1002856-02.2023.8.26.0587

Registro: 2024.0000118343

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002856-02.2023.8.26.0587, da Comarca de São Sebastião, em que é apelante CRISTINA FIGUEIRA DE MELLO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SÃO SEBASTIÃO.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 16 de fevereiro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002856-02.2023.8.26.0587

APELANTE: Cristina Figueira de Mello

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São Sebastião

VOTO Nº 43.003

Registro de imóveis – Escritura Pública de venda e compra de fração ideal – Imóvel adquirido por usucapião – Condomínio voluntário estabelecido de forma originária – Alterações de titularidades de frações ideais que não revelam fracionamento irregular do imóvel – Titularidade modificada por sucessão hereditária e alienação a pessoas com vínculo de parentesco – Dúvida julgada improcedente – Apelo provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por CRISTINA FIGUEIRA DE MELLO em face da r. sentença de fls. 127/128, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas de São Sebastião, mantendo a negativa de registro de escritura pública de venda e compra lavrada em 25 de maio de 2023 junto ao 7º Tabelião de Notas de São Paulo SP, tendo por objeto a fração ideal de imóvel matriculado sob o nº 30.264 daquela Serventia (fls. 47/50).

Sustenta a apelante que a suspeita de fracionamento irregular do solo levantada pelo Oficial não deve prevalecer; não se trata de parcelamento irregular do imóvel, que a situação fática do imóvel não se alterou desde a abertura da matrícula, remanescendo um condomínio voluntário entre os titulares das frações ideais, com transmissão das mesmas frações por sucessão hereditária ou por alienação a outros sucessores e legatários da família Figueira de Mello, como é o caso em exame (fls. 131/141).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 157/158).

É o Relatório.

Presentes os requisitos legais e administrativos, conheço do recurso.

No mérito, respeitado o entendimento do diligente Oficial de Registro de Imóveis de São Sebastião e da Douta Procuradoria de Justiça, o recurso de apelação merece provimento.

A apelante, por meio de escritura pública de venda e compra (fl.47/50), juntamente com João Figueira de Mello, vendeu a fração ideal de 1/60 do imóvel matriculado sob o nº 30.264 a Danielle Waldhoff e Philippe Waldhoff (prenotação 132.995).

O registrador negou o registro do título, fundado na suspeita de parcelamento irregular do solo. A nota de devolução foi lançada com o seguinte teor (fls. 02/04):

“Trata-se de escritura pública de venda e compra lavrada em 25 de maio de 2023, às folhas 67/72 do livro nº 6470 do 7º Tabelião de Notas da Comarca de São Paulo SP, objetivando a parte ideal de 1/60 do imóvel da matrícula nº 30.264.

A escritura pública em exame tem como objeto a parte ideal de 1/60 do imóvel da matrícula nº 30.264, com diversas inscrições municipais e vários proprietários, sendo que cada um possui uma parte ideal do respectivo imóvel que se caracteriza como uma área total de 119.783,00 M².

No entanto, observamos que consta da escritura, que ‘fazem a presente aquisição em condomínio não importando em parcela certa ou determinada’.

Verificamos, ainda, nas certidões de valor venal do ano de 2023, a indicação de construções com as seguintes áreas: 4.675,92 M², 1.781,56 M². 554,00M², 303,80 M², 511,02M², 337,88M², 582,33 M², 372,65 M², situadas neste Município, na Praia do Say, na Avenida Adelino Tavares, números 729, 1195, 1.765, 1.893, 2.221 e 2.319. Assim, com base nos endereços e nas inscrições municipais do imóvel foi consultado o site do Google Maps, cujas imagens obtidas corroboram com os indícios de constituição de loteamento ou de condomínio edilício pendente de regularização, o qual se denomina CONDOMÍNIO CHÁCARA SANTA CECÍLIA. Como se vê, as informações contidas nos documentos, bem como as imagens por satélite, configuram indícios de formação de condomínio voluntário com constituição irregular de loteamento ou de condomínio edilício, situação que constitui óbice ao registro da pretendida venda e compra da parte ideal de 1/60 do imóvel objeto da MATRÍCULA nº 30.264, até que seja regularizado o referido loteamento ou condomínio, tendo em vista que ainda não consta nesta Serventia o registro do loteamento ou da incorporação imobiliária do condomínio.

Cumpre-nos esclarecer que, além dos fatos acima apontados, a observação feita na escritura pública de que as partes declaram que fazem a presente aquisição em condomínio não importando em parcela certa ou determinada, por si só, implica em indício de ocorrência do fato previsto no item 166 do Capítulo XX, das Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais (provimento n.º 37/2013, da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça Paulista), conforme decisão em caráter normativo, exarada no processo CG nº 2.588/2000, pelo então corregedor Geral da Justiça, Desembargador Luís de Macedo.

Cumpre-nos também esclarecer que, cabe às partes comprovar que não se trata de parcelamento irregular do solo urbano ou constituição irregular de condomínio edilício ao arrepio da legislação em vigor, conforme disposto nos itens 166 e 166.1, do Capítulo XX, das NSCGJ/SP, os quais transcrevemos abaixo:

‘166. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra.

A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis.

‘166.1 Para comprovação de efetivação de parcelamento irregular, poderá o oficial valer-se de imagens obtidas por satélite ou aerofotogrametria.’

Assim, os interessados devem, preliminarmente, regularizar eventual parcelamento de solo ou constituição de condomínio edilício, de forma a possibilitar o registro do presente título, que deve ser apresentado concomitantemente, caso lhe seja preliminar; ou subsequentemente e devidamente retificado, com a inclusão dos respectivos lotes ou das respectivas unidades, caso lhe seja posterior”.

Pois bem.

O Sr. Oficial recusou o ingresso do título com fundamento no item 166, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo (Provimento nº 56/2019), com o seguinte teor:

‘166. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra. A vedação não se aplica à hipótese de sucessão causa mortis.’

Muito embora absolutamente corretos os fundamentos invocados pelo Oficial Registrador, a norma genérica deve ser submetida a um “teste de realidade”. E a realidade se revela pelo exame mais detido do caso concreto, ao apontar para a viabilidade de ingresso do título ao fólio real, acolhendo-se as razões invocadas pela apelante no sentido de que se está diante de um condomínio voluntário simples; que a situação fática do imóvel permanece inalterada, sem intenção de fraudar a legislação vigente quanto à lei do parcelamento do solo; que inocorreu novo fracionamento das partes ideais, e que as sucessivas alterações da titularidade das frações ideais decorreram exclusivamente do direito hereditário e/ou de negócios jurídicos firmados com pessoas com grau de parentesco.

Em consequência desta análise individual do caso concreto, a aplicação da disciplina do item 166, do Capítulo XX, do Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça estaria prejudicada.

Para se chegar a tal ordem de conclusão, necessária a análise da matrícula do imóvel e das circunstâncias do negócio.

A matrícula 30.264 do Registro de Imóveis de São Sebastião é constituída por um terreno situado na praia do Sahy, correspondente a uma área de 119.783,00M², designada Gleba 01.

De acordo com o R.1 contido na referida matrícula, o domínio do imóvel foi conferido por usucapião às seguintes pessoas: 1) Espólio de PAULO EUGENIO FIGUEIRA DE MELLO2) CECILIA WHATELY SACK, 3) FRANCISCO PEREZ E SUA MULHER CORA NARA PEREZ, 4) HUGO GEORG EINAR EGON FALKENBERG, 5) PETER MANGELS E SUA MULHER GESINE ADOLFINE ELISABETH MANGELS, 6) GEORGES SCHNYDER, 7) ANNA SCHNYDER GERMANOS E SEU MARIDO MARIO JORGE GERMANOS, 8) ARMANDO FIDELIS CHARLES PAPINI, 9) KLAUS MULLER CARIOBA, 10) PIERRE EDOUARD BRAUEN e SUA MULHER MARIA RUTH CYRILLO BRAUEN, 11) DONALD JOSEPH ARCHER DE CAMARGO E SUA MULHER THEREZA RAMOS ARCHER DE CAMARGO.

A ação de usucapião tramitou perante o Juízo da 4ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária da Comarca de São Paulo e, com a Av.4 na matrícula do imóvel, foi inserida a identificação das “proporções da aquisição” a cada coproprietário: com exceção de Georges Schnyder e Ana Schnyder Germanos, a quem seria atribuída a fração de 1/20 avos a cada, todos os demais seriam proprietários da fração de 2/20 avos.

Deste modo, como se observa do próprio título judicial extraído da ação de usucapião proposta, o imóvel passou a ser titularizado por 11 coproprietários e seus respectivos cônjuges, propriedade essa fundada na aquisição originária derivada da posse mansa, pacífica e longeva sobre a área e reconhecida por usucapião.

Portanto, parece claro que a constituição do condomínio voluntário em relação ao imóvel decorreu do próprio título de usucapião conquistado pelos autores daquela demanda, modo originário de aquisição de propriedade em que se conferiu a cada autor a fração ideal sobre a totalidade do imóvel.

Tal retrospecto justifica, aliás, a identificação de 12 inscrições municipais descritas na referida matrícula e melhor visualizadas no anexo da SEURB de fl. 12, tratando-se da própria condição de sucesso da demanda de usucapião a demonstração da posse mansa e pacífica sobre determinada área de terra.

A partir deste quadro de proporções das frações ideais, novos títulos ingressaram ao fólio real, ora decorrentes do falecimento dos proprietários, ora decorrente de negócio jurídico voluntário, sempre com a manutenção das frações ideais primitivamente reconhecidas e decorrentes do título de usucapião.

No caso em exame, a fração ideal objeto da escritura pública, cujo ingresso ao fólio real foi negado pelo Registrador, tem origem na fração ideal de titularidade do Espólio de Paulo Eugenio Figueira de Mello, ou seja, 2/20 sobre o imóvel.

De acordo com o R.44 da matrícula, com o falecimento de Paulo Eugênio Figueira de Mello ocorrido em 15 de dezembro de 1973, o imóvel foi levado à partilha e, conforme formal de partilha registrado, a fração ideal de 1/20 do imóvel foi atribuída à viúva Joanna Cavalcanti de Albuquerque Figueira de Mello e a fração de 1/80 a cada um dos herdeiros filhos: Anna Maria Figueira de Mello, João Henrique Figueira de Mello, Maria Luiza Figueira de Mello, Paulo Figueira de Mello casado com Maria Julia Araujo Pinto Figueira de Mello.

Com o falecimento da viúva Joanna Cavalcanti de Albuquerque Figueira de Mello, a fração ideal de 1/20 do imóvel foi partilhada, atribuindo-se 1/80 do imóvel para cada um dos filhos: Anna Maria Figueira de Mello, João Henrique Figueira de Mello, Maria Luiza Figueira de Mello e Espólio de Paulo Figueira de Mello, o que, somado às frações já titularizadas, fez com que cada filho se tornasse titular da fração ideal de 1/40 do imóvel (R.46 da matrícula 30.264).

Com o óbito de João Henrique Figueira de Mello, 1/40 do imóvel foi partilhado a cada um dos herdeiros filhos, Cristina Figueira de Mello, casada com Anderson Ferreira Luiz Cabral, João Figueira de Mello e para a legatária Eveline Suzanne Jeanette Waldhoff, ficando cada qual com a fração de 1/120 do imóvel (R.50 da matrícula 30.264).

Este é o ponto de interesse do caso em exame.

A escritura pública objeto da presente dúvida tem por alienantes João Figueira de Mello e Cristina Figueira de Mello, cada qual titular da fração ideal de 1/120 do imóvel, e como adquirentes compradores Danielle Waldhoff e Philippe Waldhoff, filhos de Eveline Suzanne Jeanette Waldhoff, proprietária da fração de 1/120 do imóvel.

Não há a menor dúvida de que o negócio jurídico foi firmado entre pessoas integrantes da mesma família ou que, no mínimo, já mantinham relação de afeto ou parentesco, ainda que longínquo. Não se tratou de negócio jurídico realizado entre desconhecidos.

Muito pelo contrário.

Os adquirentes são filhos da coproprietária Eveline Suzanne Jeanette Waldhoff, titular da fração ideal de 1/120 do imóvel, indicativos de um vínculo entre os compradores.

A presença do vínculo entre os compradores é circunstância que tem sido considerada nos precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura como indicativo de burla à lei do parcelamento do solo. Neste sentido as apelações cíveis nº 1007822-05.2019.8.26.0019; 0009405-61.2012.8.26.0189 e 0000682-07.2014.8.26.0408.

Ocorre que no caso em exame a análise da cadeia dominial revela um cenário que está longe de ser qualificado como fraude ou tentativa de burla à lei de parcelamento do solo, ainda que se trate de fração ideal. As circunstâncias não se identificam com a formação de condomínio ordinário voltado à formação de parcelamento irregular.

Outro motivo para que se conclua pela ausência de burla à lei de parcelamento do solo diz respeito ao fato de que não houve novo fracionamento de partes ideais por ato voluntário, mas apenas e tão somente em razão da sucessão hereditária.

Consequentemente, a conclusão que se extrai da referida análise é que a escritura pública de venda e compra não importa fracionamento do imóvel descrito na matrícula, não mascara segregação ou qualquer alteração substancial no imóvel. Os vendedores herdaram a exata fração de 1/60 do imóvel, exatamente aquela que alienaram.

Também não se extrai da descrição do negócio a identificação de área certa e delimitada, tampouco medidas específicas ou outros elementos que permitam identificar parcelamento do solo.

O título, de fato, contempla apenas o deslocamento patrimonial subjetivo da parte ideal do bem pertencente aos alienantes, mas não há que se cogitar, in concreto, de parcelamento do solo obstativo do ingresso da escritura pública de venda e compra ao álbum imobiliário.

Nesta linha de orientação há precedentes deste Conselho Superior da Magistratura que ilustram o entendimento aqui adotado:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E COMPRA DE FRAÇÃO IDEAL DE LOTE – FORMAÇÃO DE CONDOMÍNIO VOLUNTÁRIO SIMPLES – FRAÇÕES IDEAIS A QUE NÃO ESTÃO VINCULADAS MEDIDAS ESPECÍFICAS OU OUTROS ELEMENTOS QUE PERMITAM IDENTIFICAR PARCELA CERTA E DETERMINADA NO SOLO – ANÁLISE DOS ELEMENTOS REGISTRÁRIOS QUE, NO CASO CONCRETO, NÃO PERMITEM CONCLUIR PELO USO DO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO VOLUNTÁRIO COM O INTUITO DE FRAUDAR AS NORMAS QUE REGEM O PARCELAMENTO DO SOLO, DE NATUREZA COGENTE – EVENTUAL SITUAÇÃO FÁTICA CARACTERIZADORA DO DESDOBRO QUE DEMANDA PROVIDÊNCIAS DOS PREJUDICADOS – APELAÇÃO PROVIDA PARA JULGAR A DÚVIDA IMPROCEDENTE.(TJSP; Apelação Cível 1026073-09.2021.8.26.0114; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Campinas – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/01/2023; Data de Registro: 02/02/2023)

REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO DE FRAÇÃO IDEAL – SITUAÇÃO QUE NÃO RETRATA BURLA À LEGISLAÇÃO – AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DE LIMITES FÍSICOS DA ÁREA ALIENADA  DOADORES QUE PRETENDEM ANTECIPAR A LEGÍTIMA DOS FILHOS – EXCEÇÃO À VEDAÇÃO DO ITEM 166, DO CAPÍTULO XX, DO TOMO II, DAS NSCGJ QUE TRATA DA SUCESSÃO MORTIS CAUSA, APLICÁVEL NA ESPÉCIE SEGUNDO O BROCARDO UBI EADEM RATIO, IBI EADEM LEGIS DISPOSITIO (ONDE HÁ A MESMA RAZÃO FUNDAMENTAL, DEVE SER APLICADA A MESMA REGRA JURÍDICA) – ÓBICE AFASTADO  RECURSO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1015062-43.2021.8.26.0482; Relator (a): Fernando Torres Garcia (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Presidente Prudente – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/11/2022; Data de Registro: 02/12/2022)

Recurso provido – REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Apelação – Escritura de compra e venda de lote  Condomínio voluntário simples – Inexistência de elemento registrário a indicar descumprimento de normas urbanísticas e do projeto de loteamento – Inexistência de venda de fração ideal ou formação sucessiva de condomínio voluntário – Aquisição direta ao loteador da integralidade do imóvel por dois compradores – Descumprimento futuro de restrição convencional ou legal deve ser impugnada pelos demais proprietários do loteamento, pelo loteador ou pelo Poder Público – Desdobro não autorizado – Incidência da vedação do item 166 do Capítulo XX das NSCGJ aos casos em que haja elemento registrário indicando burla às normas urbanísticas – Ato futuro ilegal deve ter seu ingresso no registro impedido – Impossibilidade de presunção da má-fé dos adquirentes – Dúvida improcedente – Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1021487-53.2019.8.26.0451; Relator (a): Ricardo Anafe (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Piracicaba – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/09/2020; Data de Registro: 08/09/2020)”

Por fim, as fotografias apresentadas pelo registrador por si só não são capazes de apontar que tenha havido alienação e formação de condomínio decorrente de um parcelamento irregular ou fraudulento, haja vista que a suspeita de parcelamento irregular há de ser extraída dos elementos registrários.

Consequentemente, o óbice apresentado pelo registrador não merece subsistir e a distinção fática do caso afasta a vedação administrativa trazida pelos precedentes citados por ocasião da suscitação da dúvida.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 22.02.2024 – SP)

Fonte: DJE/SP

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